REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202503232113
Thais Miano de Araújo Lima
RESUMO
O presente trabalho trata de um estudo acerca da implementação do agente de garantia em operações estruturadas de financiamentos no Brasil, com fulcro em contribuir para a escassa produção acadêmico a respeito do tema. Buscou-se ao longo da tese apresentar as condições em que este agente está sendo inserido no Brasil, através da análise das operações financeiras em que desempenha seu papel, do status quo do mercado de crédito brasileiro e os desafios de sua implementação. Assim, foi possível analisar suas características, funções e a sua implementação nos contratos de crédito. Após a análise da jurisprudência nacional a seu respeito e o estudo do arcabouço normativo brasileiro, foi possível concluir que o Agente de Garantia é legalmente possível de ser implementado em operações estruturadas de financiamento, mas a falta de previsão legal sobre determinados aspectos da atuação do Agente de Garantia culmina em insegurança jurídica.
Palavras-chave: Direito Bancário e Financeiro; Operações Estruturadas de Financiamento; Garantias; Agente de Garantia; Contratos.
ABSTRACT
The present work is a study about the implementation of the guarantee agent in structured financing transactions in Brazil, with the purpose of contributing to the scarce academic production on the subject. Throughout the thesis, we sought to present the conditions under which this agent is being inserted in Brazil, by analyzing the financial transactions in which it plays its role, the status quo of the Brazilian credit market and the challenges of its implementation. Thus, it was possible to analyze its characteristics, functions and its implementation in credit contracts. After the analysis of the national precedents about the theme and the study of the Brazilian regulatory framework, it was possible to conclude that the Collateral Agent is legally possible to be implemented in structured financing transactions, but the lack of legal provision on certain aspects of the Collateral Agent’s performance culminates in legal insecurity.
Keywords: Banking and Finance; Structured Transactions; Collateral; Collateral Agent; Contracts.
INTRODUÇÃO
A humanidade está inserida em um sistema autopoiético de comunicação, o que faz com que estejamos constantemente nos modificando, segundo os ensinamentos do sociólogo alemão Niklas Luhmann (1998)1. Trata-se de um sistema constantemente capaz de se reproduzir autonomamente. Assim, é de conhecimento comum que as inovações no mundo jurídico acompanham a evolução da sociedade e não o contrário. O Direito está constantemente se adaptando às exigências sociais advindas da autopoiese social e deste fenômeno surgiu o Agente de garantia.
Uma das formas de alavancar a economia de um país é através da concessão de crédito para alavancar o poder de compra da população e movimentar o setor privado da economia. Neste processo de fornecimento de crédito para a população e para as companhias, há toda uma rede de garantias que são prestadas pelos tomadores de crédito no intuito de diminuir os riscos da operação e melhorar as taxas de juros, o que induz um esforço desnecessário das instituições financeiras que concederam o crédito para entender, gerir e promover a manutenção das garantias que lhes são concedidas, que poderia estar sendo revertido no aprimoramento de seu core business.
Quando se trata de operações estruturadas de financiamento, a concessão de crédito é muito custosa para as instituições financeiras e se tornam ativos de alto risco, isto decorre principalmente de sua elevada complexidade, grande projeção temporal e da existência de grandes arranjos contratuais, que demandam manutenção constante. Estes arranjos contratuais são sempre assegurados por blocos de garantias, com o objetivo de dirimir em parte o risco do financiamento dessas operações para os credores.
É neste cenário que surge o Agente de Garantia, com a finalidade de facilitar a constituição, utilização, gestão, manutenção e complementação das garantias concedidas em operações de crédito. Porém, apesar de a figura do Agente de Garantia estar sendo frequentemente incluída na estrutura de operações de financiamento na atualidade brasileira, não há previsão legal que defina a sua atividade, o que fomenta uma série de questionamentos acerca de sua implementação.
Em novembro de 2021, foi sancionado o Projeto de Lei Nº 4.188 de 2021, que dentre outros assuntos, dispõe sobre o serviço de gestão especializada de garantias e o aprimoramento das normas sobre garantias. Seus principais objetivos são (i) instituir o “Agente de Garantia” no Brasil e (ii) permitir que apenas parte do valor do bem dado em garantia fique bloqueado. O que mais interessa ao presente trabalho é a regulamentação a respeito do Agente de Garantia, o que será melhor explorado em item específico.
1. Operações estruturadas de financiamento
1.1. Origem
A palavra “finanças” possui origem no idioma francês finance, cujo significado é “término de uma dívida, quitação”, que por sua vez originou-se do latim “finis”, aquilo que possui “fronteira, limite ou fim”. A própria etimologia da palavra “finanças” designa o seu objetivo: alcançar o fim de uma dívida através do cumprimento da obrigação principal, alcançando o status quo ante do vínculo jurídico transitório ao qual o devedor e o credor se obrigaram mutuamente.
Uma derivação da palavra “finanças” é a palavra “financiamento”, que exprime a relação em que um sujeito a partir da necessidade de obtenção de crédito adquire recursos de um ou mais entes para um investimento previamente acordado, estabelecendo condições de pagamento a médio ou longo prazo. Sua natureza jurídica é de mútuo e normalmente os sujeitos que promovem a concessão do crédito são instituições financeiras ou bancos públicos.
O financiamento mais conhecido é o habitacional, que no Brasil, possui especial apreço popular em decorrência do conhecido sonho da “casa própria”, compartilhado por muitos brasileiros, e que é parte de uma cultura fundada na crença de que deixar de ser inquilino e passar a ser proprietário de seu próprio imóvel corresponde a estabilidade financeira.
Entretanto, as modalidades de financiamentos são muitas e se distinguem principalmente pelas formalidades de cada espécie para estabelecer as condições contratuais, a forma de pagamento do crédito, quem pode figurar como credor ou devedor e o prazo de pagamento. Há em outra seara, por exemplo, modalidades de financiamento de ideias inovadoras a partir de investimentos em startups e empresas em estágios iniciais, com conteúdo inovador, como o Venture Capital e o Private Equity.
O desenvolvimento econômico de um país está diretamente relacionado aos incentivos governamentais, à redução de taxas de juros para determinadas linhas de crédito e às possibilidades de financiamento que são ofertadas ao setor privado, como no incentivo no desenvolvimento de novas tecnologia e nos setores de infraestrutura. Trata-se de um raciocínio constantemente desenvolvido pela economista Mariana Mazzucato, através de seus livros, palestras, artigos, webnares e vídeos2.
Neste sentido, faz-se de suma importância compreender como se desenvolvem as operações de financiamento que dão forma aos novos arranjos de investimento da atualidade e a presente tese tem por objetivo tratar especificamente das operações de financiamento de alta complexidade e que demandam um modus operandi específico, que apesar de ser amplamente difundido, no país, em sua história recente é pouco explorado em trabalhos acadêmicos.
1.2. Definição e Características
Preliminarmente se faz necessário pontuar que o termo “operação estruturada de financiamento” não corresponde a uma modalidade de financiamento, mas a designação de um conjunto de operações, que por possuírem características semelhantes em sua estrutura, formam um nicho muito específico de financiamentos, isto é, são operações em que podem ser implementadas diferentes espécies de financiamento, mas se assemelham por estarem inseridas em condições equiparadas de risco e complexidade, a serem mitigados na construção de estruturas similares.
As operações estruturadas de financiamento surgiram a partir da necessidade de obtenção de crédito em larga escala para a realização de grandes investimentos, como a captação de recursos para importação e exportação e a implementação de projetos de infraestrutura, que por essência, são de grande complexidade e alto risco. Outro pilar dessa espécie de financiamento é a necessidade de retribuição do crédito obtido em prazos mais longos, o que exige um verdadeiro estudo de viabilidade jurídica e contábil que perdure no tempo e reduza a maior quantidade de risco possível.
Essas operações de financiamento efetivam-se por meio da emissão de títulos de valores mobiliários como cédula de crédito imobiliário, certificado de recebível imobiliário, cédula de crédito bancário, certificado de recebíveis do agronegócio, letra de crédito do agronegócio, debêntures, dentre outros e muitas vezes contam com investimento estrangeiro e empréstimos sindicalizados. O que acaba exigindo um pacote de garantias para cobrir os riscos considerados na avaliação do projeto pelas instituições bancárias coordenadoras, sendo muitas vezes implementada a securitização dos ativos.
Uma espécie do grupo de financiamentos estruturados é o chamado project finance, uma modalidade especial de financiamento que deriva do direito anglo-saxônico cuja nomenclatura se manteve no idioma inglês e que tem como principal característica o ressarcimento do crédito concedido por uma ou mais instituições bancárias a partir do retorno financeiro advindo do próprio projeto a ser implementado, possuindo uma estrutura de garantias limitada (“limited recourse“). Assim, normalmente são constituídas Sociedades de Propósito Específico (SPE), com patrimônio segregado, que será a responsável por implementar o projeto e será proprietária dos ativos financeiros.
Devidamente definido por E.R. Yescombe3:
Project finance is a method of raising long-term debt financing for major projects through ‘financial engineering’ based on lending against the cash flow generated by the project alone; it depends on a detailed evaluation of a project’s construction, operating and revenue risks, and their allocation between investors, lenders, and other parties through contractual and other arrangements.
Eduardo Salomão Neto, por sua vez, distingue o Project finance de outros projetos de financiamento:
Em sentido amplo, muitos dos financiamentos corporativos têm em vista um projeto a ser desenvolvido pelo tomador, como aquisição de novas máquinas, a entrada em novo campo de atividades etc. Entretanto, quando se fala de financiamento de projetos, ou Project finance usando-se o idioma das finanças internacionais, algo mais se quer significar. (…).4
Esta espécie de operação estruturada de financiamento movimenta somas vultuosas de dinheiro na economia brasileira, a ANBIMA publicou, em agosto de 2020, o “Boletim de Financiamento de Projetos”5 o qual destacou que as operações de Project finance movimentaram R$ 39 bilhões, em 2019 e demonstraram um crescimento de 6,1% em relação ao ano anterior.
Portanto, utilizando-se das palavras de E.R. Yescombe, compreender a “engenharia financeira” das operações estruturadas de financiamento, tal qual o Project finance, sua rede de garantias e o papel empregado por cada agente inserido nesta estrutura é de fundamental importância para um desempenho eficiente das operações estruturadas de financiamento no país, o que por consequência reflete diretamente na economia brasileira.
1.3. Desafios na Implementação de Operações Estruturadas de Financiamento
O elevado grau de complexidade na implementação do projeto ou na captação dos recursos, o seu alto risco de retorno e influências externas como inflação, altas taxas de tributação nas operações, baixa ou nenhuma previsão legal sobre o tema, burocratização do investimento estrangeiro no país, configuram um cenário de desafios para a implementação do financiamento.
A fim de trazer soluções para estes desafios apresentados, as estruturas destes complexos financiamentos foram sendo construídas com algumas particularidades, como: (i) grandes e complexos arranjos contratuais, (ii) a atuação de diversos agentes facilitadores, (iii) extensas auditorias, (iv) financiamento simultâneo de um grupo de instituições financeiras (empréstimos sindicalizados) e/ou advindo de investimento estrangeiro, (v) um bloco de garantias (“secured transactions”).
As operações estruturadas de financiamento só são implementadas se os riscos de retorno forem aceitos pelo ente responsável pelo investimento (“Lender”). Entretanto, estas operações contêm, por essência, um elevado risco (conforme item 1.4) para as instituições financeiras nacionais ou internacionais responsáveis pela concessão do crédito, por isso, é muito comum a realização de empréstimos sindicalizados, em que o risco é diluído entre as instituições e é instituído um coordenador líder (o banco responsável por coordenar os interesses gerais dele e dos demais).
Os arranjos contratuais dependerão da espécie de projeto ou objetivo do financiamento que se pretende implementar, para tornar mais visível, tomemos como exemplo a estrutura de um financiamento de Project finance. Nesta espécie de financiamento, poderá ter o compilado dos seguintes contratos: Equity Support Agreement, Contratos de Concessão (com o Poder Público), Contratos de Garantia, Contratos Bancários, Share Purchase Agreement, Contratos de fornecimento de matéria prima (para implementação do projeto), entre outros.
Além disso, as soluções para os desafios nas operações estruturadas de financiamento são muitas vezes realizadas por alguns agentes envolvidos na operação como agentes financeiros, escritórios de advocacia, empresas de auditoria e gestores de recursos de terceiros, cuja função é monitorar e tornar as etapas da operação mais eficientes e bem executadas, o que acaba sendo um bom investimento pelas partes.
Portanto, é notório que os principais desafios na implementação das operações estruturadas de financiamento estão ligados ao risco encontrado pelo ente responsável por conceder o crédito, podendo ser maior ou menor a depender da estrutura e tipo de projeto a ser implementado. A mitigação de riscos por meio da outorga de garantias é de extrema importância pois garante a rápida obtenção do valor emprestado em caso de inadimplemento (“default”) e realoca o credor (“creditor”) para uma posição de “parte segurada” (“secured party”).
Porém, quando há um cenário com muitos credores como em empréstimos sindicalizados, um complexo arranjo contratual e o elevado número de garantias, o intuito principal das garantias, de assegurar o credor, passa a ser ofuscado pela dificuldade de geri- las. Com isso, surgiu a figura do agente de garantia, a fim de realizar o serviço de gestão, manutenção e execução das garantias, para os credores, na operação de financiamento.
1.4. Desempenho do Mercado de Crédito no Brasil
Segundo o compilado de estudos econômico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), “Financiamento do Desenvolvimento no Brasil”6, o Brasil, entre 2013 e 2015, no ranking internacional de profundidade financeira (financial deepness), que mede a parcela do crédito privado sobre o produto interno bruto (PIB), se situou em torno de 50% do PIB brasileiro, enquanto países como Chile e África do Sul, situaram-se em 70% e China, por sua vez, em torno de 120% (GOMES, 2009)7. Além disso, o IPEA previu que “no ano de 2015, entre 74 países no mundo, o Brasil ocupava a 53ª posição em capitalização das empresas no mercado de capitais, e o 27º lugar no número de empresas listadas em bolsa (359 empresas) ”8.
Os estudos de profundidade financeira do IPEA mostram um verdadeiro atraso do Brasil em relação a amplitude da concessão de crédito privado quando comparado a outros países de economias emergentes e em desenvolvimento, como Chile e África do Sul e evidenciam a discrepância entre seu índice com economias em estágio de alto desenvolvimento, como a China. Este cenário vem sendo observado por diversos estudiosos na área econômica e jurídica, a fim de identificar as causas do baixo índice de investimento nos setores da economia em relação ao PIB e prever algumas possíveis práticas para modificar este cenário e alavancar o país nos referidos índices.
Para tanto, os estudiosos responsáveis por compilar o “Financiamento do Desenvolvimento no Brasil” (IPEA) sugerem como principais causas do baixo índice de investimento no setor privado a elevação das taxas de juros e o aumento do custo de investimentos nos setores que mais carecem, o que decresce os índices de produtividade. Neste sentido, ama sugestão prevista no referido estudo para elevação do PIB, é o investimento em setores de maior impacto sobre a produtividade, como infraestrutura, inovação e tecnologia, setores de elevada incidência de operações estruturadas de financiamento.
Além do nível, o tipo de investimento é crítico para o crescimento da renda per capita. Não basta apenas aumentar o investimento em relação ao produto da economia, deve-se investir em ativos e atividades com maior impacto sobre a produtividade. No Brasil, recuperar e ampliar a infraestrutura, investir em inovação, ciência e tecnologia e educação depende de um mercado de crédito compatível com as necessidades de crescimento mais acelerado.9
Os autores preveem duas grandes frentes de atuação de um país para elevar a taxa de concessão de crédito privado e, por consequência, aumento do PIB brasileiro:
a) Em nível macroeconômico – redução das taxas de juros o que pode ser obtido através do ajuste fiscal de longo prazo que estabilize a relação da dívida pública em proporção do PIB. Do contrário, os empréstimos de longo prazo terão custo proibitivo, o que terminará em subinvestimento; e
b) Em nível microeconômico – reduzir a incerteza regulatória no mercado de crédito, a fim de obter a redução do spread bancário.
A fim de obter a melhora da produtividade brasileira, aumento da concessão de crédito e por consequência, elevação do PIB nacional, o primeiro capítulo do compilado apresentou ainda as principais restrições existentes hoje, no Brasil, e suas respectivas soluções, conforme abaixo:
O mercado financeiro brasileiro apresenta três restrições fundamentais: i) custo de participação no mercado de crédito, na forma de custos administrativos e outras exigências por parte do emprestador; ii) custo de monitoramento do sistema, associados à inadimplência e ao spread; e iii) custo referente ao limite de endividamento, relativo às garantias. A primeira restrição afeta a margem extensiva (a quantidade de firmas que tomam crédito), enquanto as duas últimas afetam a margem intensiva (volume de crédito das firmas que já estão no mercado de crédito). Exercícios realizados pelo Ipea17 mostram que a eliminação do custo de participação no mercado de crédito aumentaria o PIB per capita em 7%, via aumento da participação das firmas com crédito no mercado. Melhorias que afetem o custo de monitoramento gerariam um aumento do PIB per capita em 2,4% via redução do spread bancário. Contudo, o limite do endividamento é a maior restrição financeira, e que a redução das garantias nos empréstimos para níveis de países desenvolvidos elevaria o PIB per capita em 12%. 10
O item (iii) custo do limite de endividamento, que o autor faz menção está estritamente ligado à capacidade de retorno da garantia utilizada para assegurar a operação de crédito, que no Brasil não é alta devido ao seu elevado formalismo e difícil execução. A redução de seu uso só é possível através da melhora na gestão e execução da garantia, assim, reduzindo custos de manutenção e execução, menos garantias serão necessárias para assegurar um investimento.
A fim de reduzir o uso as garantias tradicionais, gradualmente os arranjos contratuais e negociações entre os tomadores de crédito e as instituições financeiras têm se utilizado de novas espécies de garantias, mais simples e eficazes, para assegurar o empréstimo, muitas vezes sem a necessidade do formalismo característico dos contratos de garantias tradicionais, situação que será pormenorizada no Item 1.4.2 da tese.
Entretanto, para ocorrer uma redução significativa das garantias tradicionais deve haver não só uma predisposição do setor privado, mas também a coordenação de ações e mudanças regulatórias que simplifiquem o uso e execução das garantias, reduzam a assimetria de informação entre garantidor e garantido e fomentem o mercado privado de crédito.
1.4.1. O Uso Crescente das Garantias em Operações de Financiamento
As garantias são responsáveis por contrabalancear eventuais situações de inadimplemento que possam surgir ao longo do repagamento da dívida adquirida e são de suma importância para as instituições bancárias pois possuem um caráter tangível, de fácil conversibilidade e autoliquidez, o que Schrickel chama de Colateral11:
O Colateral, tradução do termo inglês de idêntica grafia, significa a garantia. O Colateral deve ser, necessariamente, algo tangível. A capacidade de repagamento não pode ser tida como Colateral, eis que não é tangível, nem executável (em Juízo), e apenas resume uma expectativa sobre um evento potencial futuro, consoante certas premissas assumidas pelo banqueiro no passado. (SCHRICKEL, 2000, p. 55).
Uma forma ainda mais simplificada de compreensão do mecanismo de empréstimos bancários e a função das garantias ou “colaterais” é através da explicação de James Brook em seu livro “Secured Transactions”12:
Another method developed in the commercial community by which Creditor can be given greater assurance of payment is the use by Debtor of some of his or her present wealth as collateral to secure, as we would say, the promise to perform. A particular piece of Debtor’s property is put at risk to increase the pressure on Debtor to pay the debt. Debtor agrees with Creditor that should the obligation not be met this specific property will become directly available to Creditor and that Creditor can take whatever steps are necessary to seize the property, sell it if need be to realize its value, and then get what is coming to him or her out of that value. (BROOK, 2002, p. 8).
As garantias podem ser classificadas entre garantias pessoais, como o aval e a fiança, e garantias reais, como a cessão fiduciária de recebíveis, valores depositados em conta bancária garantia, o penhor e a alienação fiduciária de bem imóvel. As garantias pessoais possuem como fundamento a boa-fé do devedor13, criando um vínculo de confiança entre ele e o credor e as garantias reais vinculam o bem que está sendo dado em garantia ao bom desempenho do negócio14, de forma que o credor deterá um direito preferencial e absoluto sobre o bem objeto da garantia, decorrente da sub-rogação dos direitos de propriedade do bem ao credor, outrora do devedor, para que em caso de inadimplemento, o credor possa autonomamente excutir a garantia para sanar a dívida.
Estudos recentes vêm notando um elevado aumento do uso de garantias em operações comerciais, o jurista Héctor Alegria em seu artigo acadêmico “Las Garantías Abstractas (‘A Primera Demanda’ o a ‘Primer Requerimiento’)”, elencou as principais causas para o crescente uso das garantias.15
Assim, conforme previu o jurista, os efeitos dessas condições nas relações comerciais atuais, são (i) uma maior exigência de garantias, para as instituições que concedem o crédito, e (ii) que sejam mais eficazes e simples, a fim de reduzir o custo dos empréstimos.
Neste diapasão, foram sendo criados novos tipos de garantias pautadas na autonomia da vontade, tais como a cessão, o contrato de opção, as cartas de patrocínio e o fenômeno da subordinação, que não exigem o formalismo presente nas garantias tradicionais, pessoais e reais.
No que tange as operações estruturadas de financiamento, são incluídas em seus arranjos contratuais as diversas formas de garantia, formando verdadeiros blocos de garantias, cada qual com as suas próprias particularidades. Todas as garantias outorgadas nestes financiamentos instrumentalizam-se por contratos de garantia os quais contém uma série de condições e deveres a serem observados pelos credores, requisitos para sua execução e regras de comunicação com a outra parte, que são de difícil observância por sua quantidade e complexidade de matéria.
O resultado das análises realizadas até o presente ponto deste trabalho, demonstram que a consolidação, manutenção e execução das garantias demanda uma dedicação especial, com elevado custo, que são ampliados, por exemplo, em empréstimos sindicalizados ou em operações com investimento estrangeiro. Assim, torna-se uma tarefa ainda mais árdua de ser executada, em primeiro lugar, pela multiplicidade de credores, e em segundo, pela própria falta de familiaridade deles com as normas brasileiras e com o formalismo das garantias, que provavelmente é diferente do país de origem dos investidores estrangeiros.
A complexidade, a grande projeção temporal e os grandes arranjos contratuais com elevados custos de manutenção tornam as operações estruturadas de financiamento muito custosas e ativos de alto risco para as instituições financeiras que são consultadas para conceder o crédito. Por isso, uma série de condições mitigadoras desse risco são implementadas na operação, tais quais a outorga de diversas garantias, que dão aos credores acesso a todas as receitas relativas ao projeto, com preferência sobre terceiros, e possivelmente, o auxílio na gestão dos arranjos contratuais com a contratação de um “agente de garantia”.
A contratação do agente de garantia não possui previsão legal apesar de tratar de um ente que gerencia e auxilia o conjunto de credores a administrar e promover a manutenção das garantias, que como já analisado, possuem, em sua maioria, um exagerado formalismo. Por isso, torna-se evidente a importância do debate e aprofundamento teórico sobre o papel do agente de garantia em operações de tamanha sofisticação, quanto as operações de financiamento de grandes projetos de infraestrutura, operações de securitização, dentre outras.
2. Agente de garantia
2.1. Definição e Funções
A figura do agente de garantia, surgiu, com o tempo, objetivando uma melhor administração das garantias em operações estruturadas de financiamento. Trata-se de um terceiro ao financiamento que auxilia a administração, manutenção e execução das garantias em prol dos credores que concederam o crédito da operação, e acaba auxiliando também na facilitação da comunicação e diminuição da assimetria entre credor e devedor (“Agente de Garantia” ou “Agente”).
O Agente de Garantia surgiu inicialmente em operações de financiamento em países com o sistema jurídico da Commonwealth, mais especificamente, nos Estados Unidos e na Inglaterra, nos quais há taxas mais elevadas de concessão de crédito, o que acabou por ampliar a quantidade de operações de financiamento e a criatividade em suas estruturas.
Esta conjuntura acabou influenciando na criação de diversas figuras com o intuito de auxiliar os credores, atuantes nas operações estruturadas de financiamento, que demandam uma maior e mais eficiente administração que as demais. Foram surgindo então, figuras como o Agente de Garantia, o agente de administração e o agente de depósito. O “agente de administração” ou simplesmente “agente” atua em nome dos credores como administrador de todo o arranjo contratual do financiamento auxiliando, por exemplo, na observância dos eventos de vencimento antecipado (“Covenants”) e auxiliando o cumprimento de determinadas diligências. O “agente de depósito” é a instituição financeira na qual é aberta a conta corrente restrita ou a conta caução (“Escrow Account”) que receberá os créditos advindos de instrumentos financeiros da operação, como as duplicatas, e é contratado através do “contrato de custódia”.
Estes sujeitos que atuam em operações estruturadas de financiamento são de suma importância, principalmente para os empréstimos sindicalizados, em que existe um grupo de credores que detém o poder de tomada de decisão e que devem tomá-la em conjunto, isto é, em sociedade. Assim, no âmbito das garantias, o Agente é responsável pela administração de todas as espécies de garantias concedidas em sede do financiamento e lhe são outorgados poderes efetivos para agir em nome dos credores.
O seu papel é desempenhado por pessoas jurídicas que já possuem prática com operações de financiamento e acabam oferecendo também o serviço de Agente de Garantia. Este Agente está sendo implementado há pouco tempo no Brasil, o que acaba acarretando insegurança em sua contratação, por parte dos credores, principalmente quando há entre os credores instituições estrangeiras que não possuem largo conhecimento sobre a jurisdição brasileira.
2.2. Poderes e Responsabilização do Agente de garantia
Os credores outorgam ao Agente de Garantia todos os poderes ordinários e especiais para que, em nome e por conta dos credores, ele pratique todos os atos e cumpra as atribuições que lhe são incutidas através de um contrato que rege a sua relação com os credores e, também, através dos demais contratos de crédito da operação. Portanto, o Agente de Garantia age, de forma exclusiva, em conta e em nome alheio a fim de exercer todos os direitos e pretensões extraídos das garantias outorgadas no âmbito do financiamento.
O Agente de Garantia atua em prol dos credores e no limite das atribuições por eles requisitadas, o que, no Brasil, toma forma através do instrumento do mandato, que pode ser escrito ou tácito, conforme art. 653 e ss. do Código Civil.
Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.
As regras do Código Civil para o mandato preveem as suas condições gerais, as obrigações do mandatário, as obrigações do mandante e suas regras de extinção. No caso das operações estruturadas de financiamento, nas quais os credores contratam os serviços do Agente de Garantia, o Agente figura como “mandatário” e o conjunto de credores, como “mandantes”.
Merece destaque os ditames do Código Civil a respeito da responsabilização do mandatário sobre seus atos em prol do mandante, no qual está previsto em seu art. 667 que a responsabilização do mandatário por culpa ou excesso de poder, quando atuar em nome do mandante. Entretanto, se este dispositivo for aplicado sem restrições, pode se mostrar extremamente prejudicial ao bom desempenho das operações estruturadas de financiamento.
Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente.
Isto ocorre, pois quando as complicações da operação de financiamento não podem ser facilmente resolvidas dentro da própria operação e acabam sendo levadas a âmbito judicial, para obtenção da indenização, por exemplo, há (i) um engessamento do projeto e do investimento obtido para sua realização, (ii) gerando maus precedentes ao mercado de credito, (iii) elevando o risco, (iv) aumentando o custo do projeto e (v) aumentando o endividamento das companhias envolvidas e, a longo prazo, reduzindo investimentos estrangeiros.
Portanto, pautado na liberdade negocial dos particulares de contrair as obrigações que desejarem, é considerado uma boa prática a realização prévia de uma delimitação da responsabilização do Agente de Garantia, através da inclusão de cláusulas limitadoras de sua responsabilidade no contrato de Agente de Garantia, como uma cláusula de indenização.
A responsabilização do Agente de garantia deve, portanto, restringir-se à (i) responsabilidade ou despesa que decorrer de ato ou omissão praticado com culpa ou dolo pelo Agente de Garantia ou (ii) do não cumprimento de instruções ou outras diretrizes apresentadas pelos credores ao Agente de Garantia, salvo se a observância das instruções ou diretrizes for expressamente proibida por lei.
Outra cautela necessária ao Agente de Garantia para evitar a sua responsabilização em sede de processos judiciais que possam surgir em decorrência dos direitos das garantias que gere, é o entendimento de separação e incomunicabilidade de seu patrimônio com aqueles previstos nas garantias.
Seria possível o questionamento se o Agente de Garantia poderia configurar como “comissário”, previsto nos art. 693 a 709, ou como “agente”, previsto nos art. 710 a 712, ambos do Código Civil. Entretanto, esses questionamentos seriam facilmente resolvidos com a explicação de duas principais diferenciações entre os institutos e o conceito de Agente de Garantia, com relação ao objeto dos contratos e as funções desempenhadas por cada sujeito.
O objeto do contrato de comissão é a compra e venda de determinados bens e o mandato exige o comprometimento do mandatário com a administração de uma pluralidade de negócios do mandante e a atuação do comissário se dá sempre em nome próprio, enquanto o mandatário age por conta e em nome alheio, entendimentos trazidos dos estudos de Fabio Kupfermann Rodarte16 a respeito do agente de administração nas operações de Project Finance.
Art. 693. O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente.
Art. 694. O comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes.
Quanto ao objeto do contrato de agência, existe uma clara necessidade de o agente assumir a obrigação de promoção do contratante, o que no caso do Agente de Garantia não ocorre, haja vista a necessidade exclusiva de administração do arranjo contratual das garantias da operação. No mesmo sentido, o agente age em nome próprio para executar os fins previstos pelo proponente e não em nome alheio, como ocorre com o Agente de Garantia, que toma para si os direitos dos credores, através do mandato.
Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.
Há ainda a previsão de que o proponente não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de um agente, no art. 711 do CC, o que se fosse aplicável ao Agente de Garantia, impediria a realização de outros empréstimos ou financiamentos estruturados pelos credores, desacelerando o mercado de crédito e inviabilizando o uso da figura do Agente de Garantia. Art. 711. Salvo ajuste, o proponente não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de um agente, na mesma zona, com idêntica incumbência; nem pode o agente assumir o encargo de nela tratar de negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes.
2.3. Mandato
O mandato é uma espécie contratual extremamente utilizada pelas pessoas na prática cotidiana, cujo objeto é a outorga de poderes para que alguém pratique determinados atos em nome de outra pessoa. Trata-se de contrato consensual, típico, não solene, intuito personae, gratuito ou oneroso e unilateral.
Devido ao mandato ser consensual e não solene, ele se aperfeiçoa independentemente de forma especial, apenas com a simples manifestação de vontade das partes, o que está previsto pelo art. 656, do CC. Neste sentido, possuindo as características essenciais de um mandato e estando em conformidade com os art. 653 a 691, do CC, a espécie contratual se aperfeiçoa. Art. 656. O mandato pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito.
Neste sentido, o contrato do Agente de Garantia pode ser intitulado, redigido e formalizado da maneira que as partes desejarem, devendo apenas apresentar a designação e extensão dos poderes conferidos pelo mandante, o local, data, objetivo da outorga dos poderes e a qualificação do outorgante e outorgado, segundo o art. 654, §1º, do CC: 1º O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e
do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.
O fato de a relação de responsabilização do Agente de garantia se perfazer em forma de mandato permite que seus serviços sejam instituídos nos próprios contratos de crédito da operação de financiamento, desde que ele figure como parte, ou em contrato apartado, que por não ser típico, pode possuir nomes diversos como “Contrato de Agente de Garantia”, com a inclusão de “cláusula de mandato”. Estes contratos deverão conter, portanto, os deveres, funções, instruções, designação e extensão dos poderes conferidos pelos credores ao Agente de Garantia.
O Contrato de Agente de garantia deve ser celebrado entre todos os credores e o Agente de Garantia e deve conter algumas cláusulas em especial para assegurar o bom desempenho do negócio e dos serviços previstos, são elas: (i) Objeto, (ii) Mandato, que delimitará e indicará os poderes outorgados e como eles deverão ser exercidos; (iii) Despesas, que o Agente de Garantia possa incorrer e como ocorrerá o respectivo ressarcido pelos credores; (iv) Funções ou Atividades do Agente de Garantia (x) Substituição, Destituição ou Renúncia do Agente de Garantia (v) Indenização, que regulará principalmente os limites da responsabilização do Agente de Garantia; (vi) Renúncia ou Novação, necessidade ou não de expressa manifestação de vontade doas credores de permanecer com o Contrato de Agente de Garantia; e (vii) Vigência.
Há ainda a necessidade de outorga de procuração ad judicia, fora do âmbito contratual acima previsto, a algum advogado ou escritório de advocacia especializado caso surja a necessidade de representação dos credores em juízo.
3. LEGALIDADE E LEGITIMIDADE ATIVA do Agente de Garantia no Brasil
3.1. Legalidade do Agente de Garantia
Existe uma íntima ligação entre o Direito e a Economia, os quais, em muitos momentos, parecem até mesmo indissociáveis. Em realidade, uma das finalidades do Direito é garantir bases sólidas para a efetividade da chamada “ordem econômica”, e para isso, foram estabelecidos alguns preceitos fundamentais para solidificação da ordem econômica do país.
Um dos preceitos previstos na Constituição Federal é o da livre iniciativa, previsto no art. 1º, IV da CF.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
O princípio da livre iniciativa diz respeito à liberdade atribuída aos particulares para exercício da atividade econômica no país como bem entenderem. A importância deste princípio pode ser demonstrada até mesmo por sua posição no texto constitucional, logo no 1º artigo da CF, como um dos fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal aperfeiçoa este princípio ainda nos art. 5º caput e art. 170, caput e parágrafo único:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
Para que seja possível a observância da livre iniciativa no país, foi editada a Lei da Declaração de Direitos de liberdade Econômica (Lei Nº 13.874, de 20 de setembro de 2019), a qual estabelece garantias de livre mercado e limitações à atuação estatal, com o intuito de prever a existência de um Estado que atue apenas como agente normativo e regulador.
O Princípio da legalidade possui origem no Direito Romano e é considerado o princípio garantidor da liberdade dos indivíduos, pois assegura a autonomia da vontade das pessoas e os direitos individuais. Deste princípio decorre a ideia de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei, conforme previsto no art. 5º, II da CF.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Desta feita, se não há lei que proíba ou reprima determinada conduta ao particular, este pode agir com livre arbítrio, se não há lei que proíba a criação de um agente que administre as garantias em determinada operação de financiamento, este papel pode ser desempenhado livremente.
Da compreensão do princípio da livre iniciativa, norteador da atividade econômica brasileira, e em consonância com o princípio da legalidade, decorre a possibilidade de os particulares atuarem livremente na economia, desde que o objetivo traçado por eles não seja defeso por lei. Assim, pode o particular instituir a atuação de um Agente de Garantia para auxiliar a administração das operações estruturadas de financiamento.
Além da sólida base principiológica extraída da Constituição Federal que dá fundamento à atuação despreocupada das instituições que atuam como Agente de garantia e aos credores que as contratam, há no direito brasileiro outros sujeitos que atuam no mercado de capitais que desempenham funções semelhantes e que já são previstos expressamente por lei e são regulados por autarquias como a Comissão de Valores Mobiliários, conforme prevê Fabio Kupfermann Rodarte17
O agente fiduciário, por exemplo, é um agente que atua em nome dos credores em operações de emissão de Certificado de Recebíveis Imobiliários (“CRI”), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (“CRA”), securitizações e debêntures, e uma de suas funções é o dever de diligência na observância do correto pagamento das parcelas da dívida em nome dos credores da dívida, assim como o Agente de Garantia.
O agente fiduciário pode ser uma instituição financeira ou companhia autorizada para esse fim segundo o BACEN e é expressamente mencionado nas leis nº 6.404/76, Lei nº 9.514/97, Lei nº 11076/04 e Lei nº 9514/76. Assim, fica demonstrado que o papel de um agente que atue em nome de um conjunto de credores já possui previsão legal no direito brasileiro, o que não seria de todo estranho ao sistema normativo a atuação de um Agente que administrasse garantias em nome de credores.
Apesar do amparo dos princípios constitucionais e a existência de agentes com a mesma finalidade no ordenamento jurídico brasileiro, a falta de previsão legal em conjunto com a pluralidade de entendimentos de precedentes pelos órgãos do judiciário brasileiro, permanece uma insegurança jurídica na atuação do Agente de Garantia em operações de financiamento no Brasil, em especial, quando está envolvido investimento estrangeiro.
Esta situação evidencia um nítido esvaziamento da possibilidade de escolha do particular sobre a forma de organização de sua atividade, já que suas decisões são tomadas sob a égide de uma vontade futura do juiz ou do administrador, de caráter imprevisível.
Em contrapartida, é comum que bancos estrangeiros que desejem realizar investimentos no país requeiram os serviços do Agente de Garantia, pois a prática desta figura em outras jurisdições é extremamente comum, como nos EUA e na Inglaterra, além de desempenhar um papel de extrema utilidade para operação.
Então, quando informados a respeito da prática recente de implementação do Agente de Garantia, em operações de financiamento; da inexistência de previsão legal; e da insegurança a respeito do surgimento de possíveis decisões jurisprudenciais conflituosas, os investidores estrangeiros ficam receosos e, muitas vezes, optam por não incluir o Agente de Garantia na estrutura do financiamento, o que eleva os riscos do projeto, por reduzir sua eficiência, e consequentemente, reduz os investimentos estrangeiros no país.
Resta demonstrado, portanto, que o Agente de Garantia é legalmente possível de ser implementado em operações estruturadas de financiamento, mas a falta de definição legal da atuação do Agente de Garantia culmina na insegurança jurídica de sua inclusão em operações de financiamento e na iminente possibilidade do surgimento de controvérsias judiciais questionando sua atuação, o que prejudica o desempenho do mercado de crédito no país.
3.2. Legitimidade Ativa do Agente de Garantia
Dentre as atribuições comuns do Agente de Garantia está ainda a coordenação da excussão da garantia, caso venha a configurar evento de vencimento antecipado, e a defesa de quaisquer interesses dos credores, em juízo ou fora dele. Mas para desempenhar estas funções, é necessário que o Agente de Garantia possua capacidade postulatória ou, ao menos, legitimidade ativa para atuar em nome dos credores.
Quanto à capacidade postulatória, o Agente de Garantia é proibido de exercê-la, pois a capacidade de postulação a órgãos do judiciário e juizados especiais é conferida apenas a pessoas físicas inscritas na OAB, isto é, que sejam capacitados para exercer a atividade da advocacia, conforme art. 1º, inc. I e art.3º, da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994 (“EOAB”) e inclusive se exercidas por pessoa incapacitada, está sujeita a sanções civis, penais e administrativas, conforme art. 4º do mesmo diploma legal.
Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I – a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;
Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.
No mesmo sentido, prevê o art. 103 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (“Código de Processo Civil”), que a representação, em juízo, de qualquer sujeito deve ser exercida por advogado regularmente constituído.
Art. 103. A parte será representada em juízo por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
Por outro lado, a legitimidade ativa diz respeito à legitimidade para determinada pessoa física ou jurídica figurar como autor de demanda judicial, quebrando a inércia da jurisdição. A legitimidade ativa decorre do princípio da tutela jurisdicional, previsto no art. 5º, inc. XXXV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (“Constituição Federal”), prevendo que toda e qualquer ameaça de lesão a direito será apreciada pelo judiciário.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Entretanto, esta ameaça ou lesão deve ser a direito próprio, não podendo um terceiro exercer a legitimidade ativa em nome de outrem, conforme art. 18 do CPC. A única hipótese de ocupação do polo ativo de outra pessoa, prevista no art. 18, é através do instituto da substituição processual, conforme o parágrafo único do referido artigo.
Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial.
O Agente que atua em prol de um conjunto de credores, entretanto, pode ser inserido como administrador do “ente organizado sem personalidade jurídica”, que possui a prerrogativa de atuar ativa ou passivamente a seu favor em juízo, conforme art. 75 do CPC:Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: IX – a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens;
De forma mais simples, é possível que como anexo aos contratos de garantia da operação de financiamento seja outorgada procuração (art. 653, CC) aos credores para promover mais facilmente a excussão da garantia e, seja indicado o Agente de Garantia, no próprio instrumento, como seu representante.
Portanto, o Agente de Garantia terá legitimidade ativa para atuar judicial ou extrajudicialmente em nome dos credores caso figure como administrador dos contratos de garantia dos credores ou receba esta atribuição através de procuração.
Neste sentido, aconselha-se aos credores a (i) garantir a assinatura do Agente de Garantia nos contratos da operação, podendo até mesmo substituí-los em alguns e, havendo a necessidade de ingressar em juízo para excussão de determinada garantia, que (ii) contratem escritório de advocacia especializado para patrocinar seus interesses em juízo, outorgando poderes ao Agente de Garantia para atuar em seu nome no processo. Cumprindo essas instruções, o Agente de Garantia obterá legitimidade ativa para exercer esta função em nome dos credores.
Importante ressaltar que após realizada extensa pesquisa jurisprudencial, não foi identificada nenhuma hipótese de questionamento da legitimidade ativa do Agente de Garantia para atuar em nome dos credores no desempenho das funções elencadas acima, conforme será melhor explorado no Item 3.3.
Após vasta pesquisa jurisprudencial acerca do tema do Agente de Garantia, foram identificadas apenas três demandas judiciais que envolvessem a figura do Agente de Garantia no Brasil, até a presente data, e em nenhuma delas houve qualquer questionamento acerca da legalidade de seus atos.
As discussões que surgiram no judiciário se deram em sede de processos de recuperação judicial de empresas, mais especificamente no tocante ao tema da legitimidade ativa dos credores para praticar os atos pessoalmente após a constituição de um agente de garantias para excussão das garantias concedidas em operações financeiras.
As discussões extraídas dos três casos precedentes concernem basicamente à (i) validade da excussão da garantia exercida por agente de garantia, sem comunicação ao devedor que a concedeu, em que foi mantida a decisão do juiz de primeira instância, no sentido de desconsiderar necessária a comunicação ao devedor para excussão da dívida. C o n f o r m e e m e n t a a b a i x o d o A c ó r d ã o a o A g r a v o d e I n s t r u m e n t o n º 2130635-40.2020.8.26.0000:
Agravo de Instrumento. Tutela cautelar antecedente de arbitragem. Alienação das ações da ‘ativos agroindustrial’ oferecidas como garantia. Indeferimento da tutela em primeiro grau. Alienação fiduciária. Possibilidade de excussão. Essencialidade afastada por esta c. Câmara em recursos interpostos na recuperação judicial da ‘ativos investimentos’, que, posteriormente, desistiu da sua recuperação judicial. Procuração outorgada ao credor, com amplos poderes para negociar as ações. Invalidade do documento que deverá ser decidida pelo juízo arbitral. O fato de parte do grupo estar em recuperação judicial não impede, em tese, a alteração do quadro societário e do controle acionário. Pacto comissório e marciano. Avaliação das ações realizada por terceiro isento. Indeferimento da tutela cautelar antecedente de arbitragem, mantido. Ausência dos requisitos ensejadores da medida. Recurso não provido.
Há ainda dois julgados a respeito da legitimidade ativa dos credores para propor a execução da garantia quando constituído agente de garantia para fazê-lo em seu nome, ou seja, se subsiste sua legitimidade para exercer seu direito de crédito pessoalmente. Oas acórdãos de ambos os julgados convergiram para a conclusão de que subsiste o direito do credor exercer seu direito de excutir a garantia pessoalmente, mesmo após outorgar poderes a um Agente de Garantia. Segundo o Acórdão proferido em sede do Agravo de Instrumento nº 2063842-85.2021.8.26.0000, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial:
Recuperação judicial. Decisão que indeferiu requerimento de fundo credor para excutir objeto de alienação fiduciária em garantia celebrada com a recuperanda. Agravo de instrumento do credor. Contrato que instituiu regime de garantias com ordem prioritária de excussão. Alienação fiduciária em garantia de imóvel da recuperanda que figurou como a última das garantias. Esvaziamento das garantias prioritárias (direitos creditórios e participações societárias) comprovado. Imóvel alienado em fidúcia para agente de garantias, terceiro, não para o credor. Agente que havia sido contratado pelas partes para administrar e excutir garantias em caso de inadimplemento e que nunca foi beneficiário da garantia, apesar de, formalmente, figurar como tal. Prova de que o credor é o beneficiário. O princípio da continuidade registral não pode ser óbice à efetiva excussão da garantia por seu verdadeiro titular. Precedente da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial deste Tribunal. Reforma da decisão recorrida. Agravo de instrumento a que se dá provimento, com determinações, até mesmo no sentido de conciliar o que se delibera com plano de recuperação há pouco homologado, que é objeto de recurso de outro credor (AI 2130581-06.2022.8.26.0000).
Portanto, é possível afirmar que até a presente data não houve questionamentos judiciais acerca da legalidade do Agente de garantia ou mesmo quanto à sua legitimidade ativa para excutir a dívida em nome dos credores que lhe concederam poderes para tal. O que garante uma maior segurança jurídica ao tema.
Desta forma, o Agente de Garantia em operações estruturadas de financiamento é perfeitamente aplicável, possível e não esbarra em ilegalidades, porém a falta de previsão legal a seu respeito ainda prevê certa insegurança jurídica no tocante a temas como a sua responsabilização perante dolo ou culpa e possibilidade de futuros questionamentos judicias a respeito da possibilidade de afetação de seu patrimônio para sanar dívidas advindas dos direitos decorrentes das garantias que administram, como em sede de recuperação judicial, pondo em cheque a incomunicabilidade de seu patrimônio. O que causa riscos de crédito e a desaceleração de investimentos no país.
3.4. Projeto de Lei nº 4.188/21
Recentemente, foi apresentado o Projeto de Lei nº 4.188 (“PL”), com o intuito de fomentar a economia brasileira no tocante à melhor distribuição e regulamentação das garantias para elevar os níveis de concessão de crédito no país. Dentre as mudanças trazidas pelo PL está a definição de um serviço especializado de gestão de garantias e toda uma regulamentação para a atuação das instituições praticantes destes serviços. Isto nada mais é do que a definição legal do Agente de Garantia e a regulamentação de seus serviços.
O PL nº 4.188 foi apresentado pelo Poder Executivo, em 25 de novembro de 2021 e continha a seguinte Ementa original:
Dispõe sobre o serviço de gestão especializada de garantias, o aprimoramento das regras de garantias, o resgate antecipado de Letra Financeira, a transferência de valores das contas únicas e específicas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a exclusão do monopólio da Caixa Econômica Federal em relação aos penhores civis, a alteração da composição do Conselho Nacional de Seguros Privados, e altera a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, a Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a Lei nº 13.476, de 28 de agosto de 2017, a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, a Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, e a Lei nº 14.113, de 25 de dezembro de 2020.
O Projeto de Lei propõe alterar e inovar a forma de tratamento e manutenção das garantias destinadas à obtenção de crédito no País, e por isso, foi-lhe atribuído o epíteto de “Marco Legal das Garantias”. Podem ser identificados dois principais objetivos traçados pelo PL 4.888, que acabam convergindo para a facilitação da obtenção de crédito no país: o primeiro é ampliar a obtenção de crédito para as camadas com um poder aquisitivo reduzido da sociedade e o segundo é facilitar a constituição, gestão e manutenção de garantias em operações de financiamento.
Ao presente trabalho interessa principalmente o segundo objetivo do Marco Legal das Garantias, extraído dos Capítulos II e III do Projeto de Lei, inicialmente apresentado pelo Poder Executivo. O Capítulo II possui o escopo de definir e regulamentar o novo “Serviço de Gestão Especializada de Garantias”, bem como reger aqueles que terão capacidade para exercer este serviço, as chamadas “Instituições Gestoras de Garantias”.
É de fácil percepção que o Serviço de Gestão Especializada de Garantias possui as mesmas finalidades dos serviços prestados pelo Agente de garantia, no âmbito das operações estruturadas de financiamento, conforme previsto pelo art. 2º do PL 4.188:
Art. 2º O serviço de gestão especializada de garantias tem como objetivo facilitar a constituição, a utilização, a gestão, a complementação e o compartilhamento de garantias utilizadas para operações de crédito contratadas com uma ou mais instituições financeiras por pessoas físicas ou jurídicas ou por entes despersonalizados dotados de capacidade jurídica. (grifos nossos)
As funções desempenhadas pelas Instituições Gestoras de Garantias (“IGGs”), por sua vez, estão previstas no art. 3º, §1º do PL e se adaptam perfeitamente às atividades desempenhadas pelo Agente de Garantia, em operações estruturadas de financiamento, conforme elencadas no Item 2.1, deste trabalho.
Art. 3º O serviço de gestão especializada de garantias será realizado por pessoas jurídicas de direito privado que atuarão como instituições gestoras de garantia.
§ 1º As instituições gestoras de garantia realizarão, isolada ou conjuntamente, as seguintes atividades:
I – a gestão administrativa das garantias constituídas sobre bens imóveis ou móveis;
II – a constituição, o encaminhamento a registro e o pleito à execução das garantias;
III – o gerenciamento dos riscos inerentes ao serviço de gestão especializada de garantias;
IV – a manutenção e o controle das operações de crédito vinculadas às garantias;
V – a avaliação das garantias reais e pessoais;
VI – a interconexão com as instituições financeiras; e
VII – outros serviços autorizados em regulamento.
O § 5º do art. 3º do PL prevê que a IGG “atuará em nome próprio e em benefício da instituição financeira, de acordo com os termos estabelecidos entre si”, e o art. 5º do PL define novo contrato típico ao Direito brasileiro, intitulado “Contrato de Gestão de Garantia”. Entretanto, não se faz necessária a inclusão da previsão legal do §5º do art. 3º, pois a atuação em benefício da instituição financeira já pode ser atendida através de instrumento típico já existente no Código Civil, o Mandato, o que acaba por excluir também a necessidade de previsão legal do art. 5º do PL, de novo contrato típico para estabelecer a relação entre o Agente de Garantia e os credores.
Art. 5º A contratação do serviço de gestão especializada de garantias ocorrerá por meio de instrumento público ou particular denominado contrato de gestão de garantias, a ser firmado entre a instituição gestora de garantia e a pessoa física ou jurídica prestadora da garantia.
O Capítulos III do PL, por sua vez, inseriu uma série de novas regras em Leis já existentes sobre garantias, no direito brasileiro, e dentre as principais mudanças podemos extrair duas: (i) a possibilidade de uma mesma garantia poder ser outorgada a mais de um credor ou para garantir mais de um contrato de financiamento e (ii) a alteração do Código Civil, para inserção do “Capítulo XXI – Do Agente de Garantia” e do art. nº 853-A, e instituição de um novo contrato típico, o “Contrato de Gestão Especializada de Garantias”.
Trata-se de duas importantes mudanças para o cenário econômico e jurídico brasileiro, pois a possibilidade de reuso ou uso concomitante de uma garantia para assegurar mais de um financiamento proporciona um aumento significativo da possibilidade de aquisição de crédito no país, seja para pessoas jurídicas como para pessoas físicas. Isto possibilitaria uma verdadeira reestruturação legal da forma de utilização das garantias no país, alcançando novos
e mais seguros parâmetros regulatória no mercado de crédito, reduzindo o spread bancário, conforme discutido no Item 1.4.1.
CONCLUSÃO
No tocante à inclusão de definição do Agente de garantia no Código Civil há uma série de particularidades nos parágrafos do art. 853-A, como a indicação de compromisso de deveres fiduciários do Agente de Garantia para com os credores, indica regra de assembleia de credores, regras de pagamento aos credores e prevê a incomunicabilidade do patrimônio do Agente de Garantia com os valores obtidos pela excussão da garantia que ainda deverão ser repassados aos credores, pelo prazo de 180 dias.
Esta última previsão legal é de suma importância para garantir o bom desempenho dos serviços do Agente de Garantia e que ele não fique sujeito a decisões judiciais descabidas em sede, por exemplo, de execuções judiciais, nas quais o juiz poderia determinar o bloqueio de bens e ativos da companhia que presta este serviço.
Atualmente o PL encontra-se estagnado no Plenário do Senado Federal, “aguardando despacho” desde a data de 10 de agosto de 2022. Entretanto, no tocante ao Agente de Garantia, não se trata de um dispositivo legal que inova o direito, mas uma normativa que atesta e assegura relações já existentes, dirimindo certas dúvidas interpretativas existentes, o que deverá produzir efeitos ex nunc, após sua aprovação.
Apesar das críticas apontadas ao PL, a normativa é de demasiada importância para extinguir a insegurança jurídica na atuação do Agente de Garantia em operações estruturadas de financiamento, pois por mais que não exista vasta discussão jurisprudencial a respeito, subsistem temas claramente passíveis de configurarem no bojo de controvérsias judiciais.
A presente tese entende por bem a aprovação do PL nº 4.188/21, observadas as críticas apontadas ao longo deste Item 3.4., pois o dispositivo legal possui uma série de inovações regulatórias importantes para a modernização e simplificação do uso das garantias, além de diminuir incertezas no papel do Agente de Garantia. A aprovação do PL pode influenciar a elevação do PIB brasileiro e o investimento em setores privados da economia, conforme explorado no Item 1.4.1 do presente trabalho, através da obtenção da redução da assimetria de informação entre garantidor e garantido e fomentando o mercado privado de crédito.
1 FEBBRAJO, Alberto, LIMA, Fernando Rister de Sousa. Autopoiese. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https:// enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/152/edicao-1/autopoiese Acesso em: 12 de abril de 2024.
2 MAZZUCATO, Mariana (Canal: ffmspt). [IN]. Pertinente: Estará o capitalismo condenado? Entrevista a Mariana Mazzucato. YouTube, 22 de março de 2021. Disponível em: https://youtu.be/ld_iAf9PZBA. Acesso em: 14 de abril de 2024.
3 YESCOMBE, E.R. Principles of Project Finance. 2 ed. Oxford: YCL Consulting, 2014. p. 1. Em tradução livre: O Project Finance é um método de obtenção de financiamento da dívida a longo prazo para grandes projetos através de “engenharia financeira”, baseada em empréstimos contra o fluxo de caixa gerado apenas pelo projeto; depende de uma avaliação detalhada da construção de um projeto, riscos operacionais e de rendimento, e a sua repartição entre investidores, mutuantes, e outras partes através de disposições contratuais e outros documentos.
4 NETO, Eduardo Salomão. Direito Bancário. 2 ed. ver. e ampl. São Paulo: Atlas, 2014. p. 345.
5 FINANCIAMENTO de projetos na modalidade project finance alcança R$ 39 bilhões em 2019. Boletim de Financiamento de Projetos, ANBIMA, 2020. Disponível em: . Acesso em: 14 de abril de 2024.
6 DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Financiamento do Desenvolvimento no Brasil. v. 1. p. 8. Brasília: Ipea, 2018.
7 DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Financiamento do Desenvolvimento no Brasil. v. 1. p. 8. Brasília: Ipea, 2018. Apud: GOMES, D. M. Escassez de crédito bancário no Brasil: comparação internacional e evidência recente. Rio de Janeiro: FGV, abr. 2009.
8 DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Financiamento do Desenvolvimento no Brasil.
v. 1. p. 8. Brasília: Ipea, 2018. Apud: COSTA, R. T. Perspectivas e projeções para a economia e o mercado de capitais. Revista RI, n. 204, jun./jul. 2015. Disponível em: https://goo.gl/mFMKyY. Acesso em 14 de abril de 2024.
9 DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Financiamento do Desenvolvimento no Brasil.
v. 1. p. 8. Brasília: Ipea, 2018.
10 DE NEGRI, J. A.; ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). Financiamento do Desenvolvimento no Brasil.
v.1. p. 8. Brasília: Ipea, 2018.
O Colateral, tradução do termo inglês de idêntica grafia, significa a garantia. O Colateral deve ser, necessariamente, algo tangível. A capacidade de repagamento não pode ser tida como Colateral, eis que não é tangível, nem executável (em Juízo), e apenas resume uma expectativa sobre um evento potencial futuro, consoante certas premissas assumidas pelo banqueiro no passado. (SCHRICKEL, 2000, p. 55).
11 SCHRICKEL, Wolfgang Kurt. Análise de Crédito: Concessão e Gerência de Empréstimos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 55.
12 BROOK, James. Secured Transactions. 2 ed. Nova Iorque: Aspen, 2002. p. 8. Em tradução livre: Outro método desenvolvido na comunidade empresarial através do qual o Credor pode ter maior garantia de pagamento é a utilização pelo Devedor de parte de seu atual patrimônio como garantia para assegurar, como diríamos, a promessa de cumprir (com sua obrigação de pagar). Uma determinada parte dos bens do Devedor é posta em risco para aumentar a pressão sobre o Devedor para pagamento da dívida. O Devedor concorda com o Credor que se a obrigação não for cumprida, este bem específico ficará diretamente à disposição do Credor e que o Credor pode tomar as medidas necessárias para apreender o bem, vendê-lo se necessário para, verificando o seu valor, obter o que lhe é devido.
13 SCHRICKEL, Wolfgang Kurt. Análise de Crédito: Concessão e Gerência de Empréstimos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 164.
14 SCHRICKEL, Wolfgang Kurt. Análise de Crédito: Concessão e Gerência de Empréstimos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 164.
15 ALEGRIA, Héctor. Las Garantías Abstractas (“A Primera Demanda” o a “Primer Requerimiento”). Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 929/2013. p. 27 – 120. Mar / 2013. Em tradução livre: As restrições impostas ao crédito por regulamentos públicos ou decisões dos agentes financeiros; / a massificação do crédito, que leva à multiplicação de devedores desconhecidos e a um aumento do risco de insolvência; / a utilização de meios modernos de avaliação de riscos, classificações, registos de percurso e outras formas de avaliação e controlo de riscos; / o aumento da mobilidade territorial dos devedores e da sua riqueza (não necessariamente pessoas singulares), combinado com os meios de comunicação e de transferência de títulos; / a influência das agências de crédito; / em países que sofrem de inflação, a crescente volatilidade da riqueza, do crédito e das garantias; / o aumento dos privilégios, especialmente os relacionados com créditos fiscais, trabalho e certas entidades estatais; / a utilização crescente de garantias como garantia para os ativos das instituições financeiras; / o aumento dos processos de insolvência e falência (e a proteção especial que a legislação sobre insolvência ou os tribunais tendem a conceder nesta área, em benefício dos credores sem garantia ou da empresa insolvente); / a multiplicação de outras áreas de proteção legislativa que afetam o património dos devedores (proteção ambiental, defesa do consumidor, a própria lei de falências, etc.). Como se pode ver abaixo, muitas destas proteções são razoáveis; contudo, como efeito não intencional, criam uma exigência de maiores garantias para os sujeitos do crédito, o que torna necessário pensar em garantias mais eficazes, mais baratas e mais simples para benefício de todas as partes e da própria fluidez do crédito; / o critério generalizado entre os juristas de que a utilização de garantias (especialmente garantias reais, para proteger o “penhor comum dos credores”) deve ser limitada.
16 RODARTE, Fabio Kupfermann. O papel do Agente no Project Finance. Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura, São Paulo, vol. 5/2018. p. 77 – 105. Abr – Jun / 2018.
17 RODARTE, Fabio Kupfermann. O papel do Agente no Project Finance. Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura, São Paulo, vol. 5/2018. p. 77 – 105. Abr – Jun / 2018.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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