“O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES POLICIAIS NA CONSTRUÇÃO DA AGENDA DA POLÍTICA INTERNACIONAL”

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7931140


Wladimir da Silva Nobre Formiga¹


RESUMO

Com o fim da Guerra Fria, o conceito e a Agenda na área da Segurança Internacional sofreram uma grande mudança, especialmente no que diz respeito a prioridades, desafios e estratégias. Ademais, percebeu-se o crescimento das ameaças provenientes da criminalidade transnacional e das organizações terroristas, que, invariavelmente, devem ser levadas em consideração pelos Estados na formulação de sua Agenda para a Segurança Internacional. Assim o presente estudo tem o objetivo de verificar o papel assumido pelas instituições policiais na definição da referida Agenda, considerando as particularidades dessas novas ameaças. Serão observadas as contribuições das polícias para a eventual inclusão de temas de segurança pública na gênese da Agenda Internacional, para verificar se ela ainda dominada por diplomatas e militares ou se as instituições policiais também estão assumindo um papel relevante nessa atividade.

Palavras-chave: Segurança Internacional; Guerra Fria; Terrorismo; Crimes Transnacionais; Instituições Policiais.

ABSTRACT

With the end of the Cold War, the concept and the Agenda of International Security have undergone a major change, especially regarding to priorities, challenges and strategies. In addition, there has been an increase in threats from transnational crime and terrorist organizations, which must invariably be taken into account by States when formulating their Agenda for International Security. Thus this study aims to verify the role assumed by the police agencies in the definition of the said Agenda, considering the particularities of these new threats. The contributions of the police will be observed for the eventual inclusion of public security issues in the genesis of the International Agenda, to verify if it is still dominated by diplomats and military or if the police agencies are also taking a relevant role in this activity.

Keywords: International Security; Cold War; Terrorism; Transnational Crimes; Police Agencies.

1 INTRODUÇÃO

O estudo das Relações Internacionais está intrinsecamente ligado à análise da paz e da ordem internacional, como também da guerra e de suas consequências para o sistema internacional. Para o analista das RI, seja como ciência, seja como política governamental, o estudo da Segurança Internacional é fundamental para a contextualização acerca do cenário mundial.

Dessa forma, é importante identificar a participação e influência das entidades estatais – agentes de governos que operam no sistema internacional – na definição da Agenda da Segurança Internacional, observando suas prioridades, motivações e demais fatores determinantes que os colocam naquela posição.

Com o fim da Guerra Fria, o paradigma da Segurança Internacional sofreu uma importante inflexão, tendo em vista o encerramento de um sistema bipolar, marcado pelo equilíbrio de poder e pela constante ameaça de uma guerra nuclear, e o início da hegemonia de apenas uma superpotência global. Soma-se a isso o advento dos ataques terroristas em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos – e a posterior sequência de diversos outros ataques em vários países –, e o incremento das atividades criminosas transnacionais, levando a um novo significado para a Segurança Internacional.

Como consequência, a Agenda na área de segurança também sofreu uma mudança de rumos, com novas prioridades e desafios. Porém, ainda não está claro que tal mudança também implicou na mudança na composição dos agentes estatais que definem aquela Agenda, tradicionalmente dominada por diplomatas e militares.

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho está na análise da formação da Agenda de Segurança Internacional, notadamente, quanto a participação de instituições policiais como agentes de influência na referida pauta. Assim, pretende-se responder a seguinte pergunta: as instituições policiais possuem um papel relevante na definição da Agenda Internacional de Segurança no pós-Guerra Fria?

Para se chegar à resposta, este artigo explorará o tema em 03 (três) partes. A primeira contextualizará a questão da Segurança Internacional e seus atores no século XX até o fim da Guerra Fria. Em seguida, a segunda parte explorará as mudanças ocorridas na seara da Segurança Internacional após o fim da Guerra Fria, incluindo o fenômeno do terrorismo islâmico. Já a terceira parte discorrerá sobre o papel assumido pelas instituições policiais na definição da Agenda da Segurança Internacional. Por fim, o artigo chegará à conclusão se as polícias nacionais de fato assumem um papel relevante na área de Segurança Internacional ou se essa Agenda continua dominada apenas pelos diplomatas e militares.

Visando subsidiar o estudo e análise ora problematizados, serão consultadas fontes primárias, especialmente livros e atos normativos, como também fontes secundárias, na forma de artigos científicos. Para se chegar à conclusão, será utilizado o método qualitativo e indutivo, vez que, através de observações de casos particulares, pretende-se chegar a um cenário mais abrangente.

2 A SEGURANÇA INTERNACIONAL DO SÉCULO XX ATÉ 1989

O professor Barry Buzan procura conceituar segurança internacional como:

Security is taken to be about the pursuit of freedom from threat and the ability of states and societies to maintain their independent identity and their functional integrity against forces of change which they see as hostile. (BUZAN, 1991, p. 432)

É inegável que a questão da Segurança Internacional é um dos temas mais significativos para as Relações Internacionais. Na gênese das RI como ciência encontra-se a preocupação na promoção da paz nas relações interestatais. Nesse sentido, Edward H. Carr, em sua obra “Vinte Anos de Crise”, argumenta que:

A Guerra de 1914-18 pôs fim na opinião de que a guerra é um assunto que afeta unicamente soldados profissionais e, fazendo isso, dissipou a impressão correspondente de que a política internacional podia ser deixada com segurança nas mãos dos diplomatas profissionais. […] Foi o primeiro sintoma da demanda pela popularização da política internacional, e anunciou o nascimento de uma nova ciência.(CARR, 2001, p. 04)

Até o fim da Guerra Fria, é possível perceber que os principais agentes estatais que atuam no cenário internacional são os diplomatas e os militares, visto que o Sistema Internacional se apresenta como um ambiente no qual os Estados são os únicos atores relevantes. Nesse contexto, os problemas para a manutenção da paz ou do equilíbrio no Sistema Internacional são causados pelos próprios Estados, ou seja, pela relação direta entre eles.

Faz-se mister mencionar que a atividade diplomática pode ser datada do período das cidades-estado da Grécia Antiga, presente, inclusive nas narrativas de Homero, em sua obra Odisseia. Também verificamos desde o Século XVII a existência de oficiais de ligação militares, como, por exemplo, a emissão aos países aliados de militares franceses para auxiliar, observar e reportar ao governo francês durante a Guerra de Trinta Anos (VAGTS, 1967, p. 05).

Assim, a promoção da paz era exclusivamente assunto da diplomacia e das forças armadas, pois implicava na defesa das fronteiras e do território da ameaça de outros Estados. Raymond Aron afirma que:

Ora, não há dúvida de que o centro das relações internacionais está situado no que chamamos de “relações interestatais”, as que engajam as unidades políticas. Essas relações se manifestam por meio de canais especiais, personagens que chamarei, simbolicamente, de diplomata e de soldado. Os dois e somente eles – agem plenamente não como membros mas como representantes das coletividades a que pertencem: o diplomata, no exercício das duas funções, é a unidade política em nome da qual fala; no campo de batalha, o soldado é a unidade política em nome da qual mata o seu semelhante. […] O diplomata e o soldado vivem e simbolizam as relações internacionais que, enquanto interestatais, levam à diplomacia e à guerra. As relações interestatais apresentam um traço original que as distinguem de todas as outras relações sociais: elas se desenrolam à sombra da guerra; para empregar uma expressão mais rigorosa, as relações entre os Estados implicam essencialmente na guerra e na paz.(ARON, 2002, p. 52)

A obra citada de Aron foi originalmente publicada em 1962 (em que pese a edição utilizada no presente estudo ser uma nova publicação traduzida para o português em 2002), momento em que a Guerra Fria ainda estava em curso e que a temática da Segurança Internacional era restrita aos diplomatas e militares, conforme é possível observar no trecho citado acima. Uma época em que a única ameaça à soberania e ao território de um Estado era outro Estado.

Nesse mesmo sentido, Hedley Bull, ao discorrer sobre as instituições que mantém a ordem no Sistema Internacional, destaca que:

A “proteção” das regras [do Direito Internacional] abrange, antes de mais nada, as ações clássicas da diplomacia e da guerra com as quais os estados procuram preservar o equilíbrio geral do poder no sistema internacional […] [Grifo nosso]
(BULL, 2002, p. 88)

Bull indica que as principais atividades do Estado em sua atuação no SI é a diplomacia e a guerra, assim, conferindo o protagonismo aos diplomatas e aos militares na formação da Agenda internacional dos diversos países. Tal entendimento também está alinhado à realidade encontrada na Guerra Fria, visto que a obra de Hedley Bull ora referenciada foi lançada em 1977.

O professor Barry Buzan ensina que:

During the Cold War, international security was dominated by the highly militarized and highly polarized ideological confrontation between the superpowers. This confrontation divided the industrialized North into the First World (the West) and the Second World (the Soviet bloc). Because their rivalry was intense, the danger of war was real, and political/military concerns dominated the security agenda.
(BUZAN, 1991, p. 433)

Importante destacar que, embora esse entendimento seja perfeitamente aplicável no contexto mundial até a Guerra Fria, atualmente a realidade da Segurança Internacional foi alterada significantemente.

3 A MUDANÇA NO PARADIGMA DA SEGURANÇA INTERNACIONAL

Com o fim do sistema bipolar, os Estados Unidos surgiu como única potência global, sem competição, sem ameaça de outro Estado a sua hegemonia. Essa nova realidade impactou na percepção quanto à Segurança na sociedade internacional. O professor Buzan destaca que, no pós-Guerra Fria, a Segurança Internacional passa a seguir uma dimensão mais ampla, podendo ser subdividida em 05 (cinco) setores: militar, política, econômica, social e ambiental.

Military security concerns the two-level interplay of the armed offensive and defensive capabilities of states, and states’ perceptions of each other’s intentions. Political security concerns the organizational stability of states, systems of government, and the ideologies that give them legitimacy. Economic security concerns access to the resources, finance and markets necessary to sustain acceptable levels of welfare and state power. Societal security concerns the ability of societies to reproduce their traditional patterns of language, culture, association, and religious and national identity and custom within acceptable conditions for evolution. Environmental security concerns the maintenance of the local and the planetary biosphere as the essential support system on which all other human enterprises depend. (BUZAN, 1991, p. 433)

Porém, emergiram novas ameaças à paz e à ordem do Sistema Internacional, materializadas nas organizações terroristas e criminosas. Tratam-se de entidades sem território, sem fronteiras, sem rosto e bastante fluidas, diferentemente dos Estados, que, por mais hostis que possam parecer, ainda são facilmente identificados e sujeitos a certas regras do Direito Internacional, tendo em vista a necessidade de manutenção de sua condição de Estado.

Didier Bigo ensina que:

After the end of bipolarity, we witnessed a change in perceptions as the threat of a major conflict involving nuclear weapons diminished, but the threat of transnational organised crime and terrorism rose. War between states was less plausible, but crime was evolving and threatening the state and the identity of societies.
(BIGO, 2006)

As organizações terroristas e criminosas não se limitam às leis, às regras, às fronteiras, à moral e à ética. Elas também não se restringem a um território e possuem uma Agenda própria.

Essa realidade também implica em mudanças na visão da Segurança Internacional, que deve levar em consideração essas novas ameaças e as suas características, uma vez que implicam em novos riscos e, dessa forma, demandam novas estratégias.

O Professor Rodrigo More afirma que:

Embora termo “guerra” ainda seja o mais utilizado no âmbito das relações internacionais, como a tradução correta do termo “war”, no âmbito do direito internacional seu emprego tem sido substituído pelo termo “conflitos armados”, correspondente a “armed conflict”, objeto de estudos do “direito dos conflitos armados”. A razão da opção do direito por um termo mais amplo fica bastante clara se considerarmos que o termo e o conceito histórico e formal de “guerra” é próprio de conflitos interestatais, sendo inadequado para definir os tradicionais conflitos intraestatais que, como é conhecido, tornaram-se os principais focos de ameaça ou rompimento da paz e da segurança internacionais, ao lado das instabilidades e ameaças de atores transnacionais representados por atividades criminosas ligadas ao terrorismo, ao narcotráfico e a crime organizado, denominadas pela doutrina e pela política de “novas ameaças”.
(MORE, 2007)

Fica clara a ampliação do escopo inerente à Segurança Internacional e o surgimento de novas ameaças no contexto internacional.

A configuração das chamadas “nova” ameaças, como o terrorismo, a radicalização violenta, o crime organizado, Estados falhados, sociedades fragilizadas, a perpetuação das crises e conflitos violentos de base identitária, o tráfico humano, a pirataria marítima e a proliferação de armamentos, tem favorecido uma tendência para a externalização da segurança interna e a internalização da segurança internacional.(NUNES, 2016, p. 296)

Nesse diapasão, Manuel Monteiro Guedes Valente discorre que:

A livre circulação de pessoas e a livre prestação de serviços, pela sua natureza e incidência, devido à inexistência de controlo de fronteiras, são permeáveis à criação e ramificação de estruturas e organizações criminosas poderosas, impossibilitando ou diminuindo as possibilidades de acesso a informações às entidades oficiais de cada Estado sobre sua actividade.Edificam-se estados não legítimos dentro dos Estados.
(VALENTE, 2017, p. 688)

Considerando que cada vez mais a movimentação de pessoas no mundo está mais fácil e acessível e a circulação de ideias e informações é mais rápida e ilimitada, as ameaças do terrorismo e das organizações criminosas está mais presente no cotidiano das pessoas comuns, não apenas nos campos de batalha. Dessa forma, um cidadão comum pode ser alvo de um atentado no caminho do trabalho, ou mesmo em um momento de laser, o que transfere parte da responsabilidade da manutenção da paz e da ordem, no contexto internacional, também aos agentes de segurança pública (instituições policiais), que prestam a segurança presencial aproximada e ostensiva aos cidadãos comuns no dia a dia.

Essa responsabilidade dos agentes policiais decorre por ser o representante do Estado na fiscalização de veículos nas estradas, na presença em ruas, praças e demais sítios públicos, na investigação de crimes, na atividade de inteligência policial, enfim, em atividades que levam ao combate e à prevenção do terrorismo e do crime transnacional.

Não é possível afirmar que as forças armadas perderam espaço ou importância no cenário internacional, muito pelo contrário. O papel dos militares ainda é fundamental na formação da Agenda, na definição de prioridades, na análise e na atuação internacional dos Estados. O que se mostra como inevitável é que a mudança no paradigma da Segurança Internacional levou a acensão de novos atores que também devem ser levados em consideração na elaboração da Agenda internacional, as instituições policiais.

Once it is accepted that the fight against insecurity, if it is on a global scale, needs to be a coercive response in order to put an end to erratic violence of all sorts spreading from the local level, the response is by definition neither internal nor external, but integrated. This means that the military, the intelligence services and the police, irrespective of their traditional spheres of action and competence, are required to cooperate.
(BIGO, 2006)

4 AS INSTITUIÇÕES POLICIAIS NO CONTEXTO DA SEGURANÇA INTERNACIONAL

O novo paradigma da Segurança Internacional exige a resposta por parte de Estados e Governos na forma do estabelecimento de estratégias eficazes para o combate das novas ameaças. Desse forma, o conhecimento, a experiência e as demandas das instituições policiais devem ser levadas em consideração na formulação da política de segurança nacional.

Nesse sentido, Etiene Martins ensina que:

[…] o alcance de uma política de segurança isolada é pontual e momentânea, sem grandes oportunidades de sucesso. Assim como tem ocorrido no âmbito econômico, a segurança pública também deve ser alçada ao plano da cooperação internacional.
(MARTINS, 2011, p. 114-115)

Também é importante destacar o ensinamento de Manuel Valente:

A globalização do crime deve imprimir a necessária e consequente ‘globalização’ da legislação, da justiça e, por maioria de razão, da globalização da actuação policial: liberdade, justiça e segurança

Mas a participação das polícias não se limitaria apenas a ser ouvido, mesmo porque a atividade policial é intrinsecamente ativa e reativa. Nos últimos anos, é possível perceber o aumento da cooperação internacional policial através de definição e negociação de Agendas comuns, de troca de informações de inteligência policial, cooperação operacional e intercâmbio de conhecimento e treinamento.

O primeiro aspecto é o mais relevante tanto para a Politica Internacional quanto para resultados consistentes de médio e longo prazos, pois além de definir diretrizes comuns, ela abarca também os aspectos subsequentes, pois fomenta e orienta sua execução. Um bom exemplo é a Agenda Europeia de Segurança[1], definida no âmbito da União Europeia, entre seus países-membros com a participação ativa das instituições policiais.

Outro fenômeno que pode ser observado recentemente é o surgimento de Fóruns Internacionais organizados e dirigidos por instituições policiais, como a Europol, a Tispol e a Ameripol. Tratam-se de fóruns em que as instituições policiais participantes se reúnem para a troca de informações, debates e oportunidades de cooperação.

Com relação à Interpol, Manuel Valente afirma que:

Como referência de uma cooperação internacional mais sofisticada e organizada podemos apontar a INTERPOL, que tem por missão assegurar e desenvolver a assistência recíproca a todas as autoridades de polícia criminal de acordo com a legislação de cada país, mas sempre no respeito do espírito da DUDH [Declaração Universal dos Direitos Humanos] e estabelecer e desenvolver institutos capazes de contribuir eficazmente para a prevenção e repressão da criminalidade. [grifo nosso]
(VALENTE, 2017, p. 691)

Quanto ao funcionamento da Europol, Russel Smith explica que:

In the European Union, Europol, which was created in 1998 and based in the Hague, is an information clearing house and analysis centre with law enforcement liaison officers in various member states. It aims to increase cooperation and communication between and among law enforcement agencies in member states rather than acting as a European police service. (SMITH, 2001, p. 03)

Importante destacar que os demais organismos internacionais para a cooperação policial atuam com a mesma lógica apresentada nas citações anteriores, visto que a criação de uma polícia internacional implica a cessão de soberania e do monopólio do uso da força nos territórios nacionais, o que se mostra inviável no atual estágio da Sociedade Internacional. Dessa forma, exige-se maior coordenação de esforços para o combate aos crimes transnacionais e ao terrorismo.

Mesmo sem possuir o caráter de uma instituição policial investigativa, a Europol possui a competência de subsidiar o Conselho e a Comissão da União Europeia na formulação da sua Agenda de combate à criminalidade, incluindo os crimes transnacionais, conforme pode ser observado no artigo 4º, parágrafo 2, do Regulamento 2016/794 do Parlamento Europeu e do Conselho:

A Europol fornece análises estratégicas e avaliações de ameaça para auxiliar o Conselho e a Comissão no estabelecimento de prioridades estratégicas e operacionais da União em matéria de luta contra a criminalidade. A Europol presta também assistência na execução operacional dessas prioridades. (Reg. 2016/794)

Como exemplo, é possível destacar a participação da Europol na definição da Agenda estratégica da União Europeia durante a crise migratória de 2015, sendo parte fundamental não apenas na execução, mas na definição da abordagem “Hotspot”.

This new approach can be traced back to May 2015, when the European Commission (EC) established a new European Agenda on Migration, kickstarting a joint effort between the European Asylum Support Office (EASO), Frontex (the EU Border Agency, essentially an international police force), Europol and the EU Judicial Cooperation Agency (Eurojust), with the intention of identifying, registering and fingerprinting all refugees in zones to be known as ‘hotspots’.
(NOECLEOUS & KASTRINOU, 2016, p. 01)

No caso dos movimentos migratórios decorrentes da Primavera Árabe, também foi possível observar a participação das instituições policiais europeias na construção de uma agenda externa, inclusive com a negociação de acordos com países externos à União Europeia.

EU Home Affairs agencies, such as Frontex and Europol, have become increasingly active in the external dimension of migration policy, thereby also gaining autonomy from domestic and European accountability and central foreign policy coordination constraints (see Guild et al., 2011). Frontex is the prime example of this development; the Agency now plays an important role in central EU border and migration initiatives such as the Mobility Partnerships (where third countries are obliged to sign working arrangements with Frontex) and in the setting up and future operation of the “European border surveillance system” (EUROSUR).104 The agency has already concluded 17 working arrangements with third states, with several more currently under negotiation.
(CARRERA, HERTOG & PARKIN, 2012, p. 21)

Dessa forma, é possível observar a influência direta das instituições policiais dos países da União Europeia na construção da Agenda estratégica interna e externa.

Também é importante mencionar a contribuição das instituições policiais para a definição da Agenda do Mercosul. Isso ocorre no âmbito da Reunião de Chefes do Polícia do Mercosul, que reúne duas vezes ao ano os Chefes das instituições policiais dos países membro e estados associados do Mercosul para, além de apresentar iniciativas exitosas e possíveis problemas de interesse mútuo, propor medidas e estratégias para o Conselho do Mercado Comum, órgão responsável pelas deliberações do referido Bloco Regional.

Como exemplo, cabe destacar a iniciativa do Governo brasileiro (através da Polícia Rodoviária Federal do Brasil), durante a XX Reunião de Chefes de Polícia do Mercosul, em 2018, ocorrida em Assunção, no Paraguai, para incluir a proposta de adoção de um modelo de Hot Pursuit (perseguição transfronteiriça) para os países-membros, criando critérios para resguardar tanto a soberania dos países, quanto a segurança dos policiais, numa tentativa de evitar a impunidade no flagrante de crimes nas regiões de fronteira.

A referida proposta foi aceita pelos demais chefes de polícia e o tema evoluiu para as deliberações superiores. Nesse caso, também fica clara a participação direta das instituições policiais na definição da Agenda Internacional da Segurança na região do Cone Sul. No ano seguinte, os Ministros da Justiça, do Interior e da Segurança dos países-membros e associados do Mercosul assinaram a proposta de acordo.

Também cabe destacar que, no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas existe a United Nations Global Counter-Terrorism Coordination Compact, que é um organismo com a participação constante de 38 instituições e que atua para discutir e propor soluções a questões relativas ao combate ao terrorismo no nível global[2]. Dentre as instituições que participam, incluem-se a Organização Internacional de Polícias Criminais (Interpol) e o Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), que são compostas por instituições policiais e atuam primariamente para a cooperação visando redução da criminalidade ao redor do mundo.

5 CONCLUSÃO

Considerando a evolução do conceito e da visão acerca da Segurança Internacional, notadamente após o fim da Guerra Fria, resta claro que a Sociedade Internacional deve se adaptar à nova realidade. Novos desafios implicam em novas estratégias.

No caso da Segurança Internacional, a nova estratégia requer a participação de

novos atores técnicos, especializados e responsáveis por lidar com as ameaças que agora ocupam a posição central na Agenda. As instituições policiais são as responsáveis por prover a primeira resposta (first responders) ao se detectar a ocorrência de crimes transnacionais e atividades terroristas, bem como realizar a devida investigação criminal num momento posterior, assim, possuem a experiência e o conhecimento necessários para a definição de estratégias e, também, podem representar os Estados com melhor embasamento em Fóruns internacionais que tratam da temática.

Isso pode ser observado na nova visão de Segurança Internacional, pois a segurança da fronteira, do território e da soberania agora divide a atenção dos Governos com a segurança individual e a garantia de direitos. Nessas novas áreas de preocupação, a polícia é entidade fundamental, pois atua diariamente e ininterruptamente ao realizar o policiamento de proximidade, de enfrentamento ostensivo ao crime, de proteção direta ao cidadão, de presença nas ruas e de proteção do patrimônio público e privado. Assim, a sua presença na definição e no planejamento da estratégia é fundamental para o sucesso de qualquer iniciativa para a promoção da segurança nacional e internacional.

Isso não quer dizer que as instituições policiais substituirão os diplomatas e os militares, visto que cada um deles possui sua relevância institucional para representar Estados e também possuem experiências e especialidade técnica próprias que não serão supridas pelos policiais.

Porém, é seguro concluir que as instituições policiais de fato contribuem diretamente na construção da Agenda Internacional, na área da Segurança, assumindo um papel que não pode ser ignorado, ao lado das Chancelarias e das Forças Armadas, contribuindo decisivamente em estratégias nacionais e internacionais para a promoção da segurança, da ordem e da paz.

Por outro lado, ainda é possível afirmar que a participação das polícias na política internacional ainda deve ser ampliada, seja no nível multilateral – como, por exemplo, participação em organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde, que é responsável por temas como homicídios, abuso de drogas lícitas e ilícitas, mortes no trânsito etc. –, como também no nível das relações bilaterais, com a ampliação dos oficiais de ligação de instituições policiais a um mesmo nível das Adidâncias Militares.

Essa ampliação não apenas ampliará e fortalecerá o diálogo, o intercâmbio e as relações entre as nações, mas, principalmente, promoverá o aprimoramento da coordenação de esforços conjuntos para o combate e a prevenção dos crimes transnacionais, para o enfrentamento das ameaças terroristas e para o estabelecimento de um cenário de paz e ordem no cenário internacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARON, Raymond. Paz e Guerra Entre as Nações. Brasília: UnB, 2002.

BIGO, Didier. Internal and External Aspects of Security. In European Security: Security and Democracy in the EU. Vol. 15. Nº. 4. Pp. 1-23. 2006. (Disponível em https://www.researchgate.net/profile/Didier_Bigo/publication/232832173_Internal_and_External

_Aspects_of_Security/links/54eb74d80cf2ff89649dbfda/Internal-and-External-Aspects-ofSecurity.pdf, último acesso em 25/04/2023)

BULL, Heddley. A sociedade anárquica. Brasília: UnB, 2002.

BUZAN, Barry. New Patterns of Global Security in the Twenty-First Century. In International Affairs, Vol. 67, No. 3 (Jul., 1991), pp. 431-451.

CARRERA, Sérgio; HERTOG, Leonhard den; & PARKIN, Joanna. EU Migration Policy in the wake of the Arab Spring: What prospects for EU-Southern Mediterranean Relations?. MEDPRO Technical Report No. 15 (Aug. 2012). (Disponível em http://aei.pitt.edu/59169/1/MEDPRO_TR_15_EU_Migration_Policy_in_wake_of_Arab_Spring. pdf, último acesso em 23/04/2023)

CARR, Edward Hallett. Vinte anos de crise: 1919-1939. 2ª ed. Brasília: UnB, 2001.

MARTINS, Etiene Coelho. Direito Internacional e Segurança Pública: A questão do tráfico internacional de armas. São Paulo: Biblioteca 24 Horas, 2011.

MORE, Rodrigo F. Conflitos modernos, direito e relações internacionais. Jus Navigandi (Online), v. 11, p. 1459, 2007. (Disponível em https://jus.com.br/artigos/10048/conflitosmodernos-direito-e-relacoes-internacionais, último acesso em 23/04/2023)

NEOCLEOUS, Mark; & KASTRINOU, Maria. The EU Hotspot: Police war against the migrant. In Radical Philosophy. No. 200 (Nov-Dec 2016). (Disponível em https://bura.brunel.ac.uk/bitstream/2438/13518/1/Fulltext.pdf, último acesso em 25/04/2023)

NUNES, Isabel Ferreira. Segurança na União Europeia. In Segurança Contemporânea (Org. Raquel Duque, Diogo Noivo e Teresa Almeida e Silva). Lisboa: Ed. Pactor, 2016.

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VAGTS, Alfred. The Military Attaché. Princeton: Princeton University Press, 1967.

VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Teoria Geral do Direito Policial. 5ª ed. Coimbra: Ed. Almedina, 2017.


[1] https://ec.europa.eu/home-affairs/what-we-do/policies/european-agenda-security_en

[2] https://www.un.org/counterterrorism/ctitf/en/structure


¹Policial Rodoviário Federal, Bacharel em Relações Internacionais (Universidade de Brasília – UnB),Bacharel em Direito (Universidade de Brasília – UnB) Mestre em História, Relações Internacionais e Cooperação (Universidade do Porto),Pesquisador na Universidade Corporativa da Polícia Rodoviária Federal (UniPRF)