O “NOVO ENSINO MÉDIO” COMO POLÍTICA CURRICULAR DE NEGAÇÃO DE DIREITOS DA JUVENTUDE BRASILEIRA E DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO PÚBLICA

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102412030869


Whisney Luiz Pereira Messias[1]


RESUMO

Desde que foi apresentado, o projeto do novo ensino médio foi alvo de críticas pela ausência de debate e discussão sobre os interesses da sociedade. Embora o documento apresente como proposta um currículo que vai além do domínio e da compreensão dos conteúdos científicos, buscando articular as diferentes linguagens e o conhecimento escolar ao processo de ensino-aprendizagem, é notório as dificuldades de se alterar um modelo curricular praticado há décadas, sem ouvir e discutir com os principais agentes escolares, como os professores, alunos, pais e outros envolvidos no processo de construção e execução do currículo. No estado do Pará a proposta da matriz curricular do ensino médio vem sofrendo grande desgaste, principalmente no que se refere a redução da carga horária para a formação básica e das aulas de componentes curriculares importantes para a formação da juventude, como por exemplo, filosofia, sociologia, arte, inglês e educação física, que passaram a ser desenvolvidas em apenas uma aula de 50 minutos. Com essa nova organização curricular, os professores são obrigados a trabalhar em mais de uma escola para compensar a perda de carga horária nos campos de saberes da base e consequentemente a redução de seus salários, além da perda da autonomia de organizar sua prática educativa e pedagógica com os estudantes, o que tem desencadeado adoecimento, maior estresse, falta de ânimo e apelo pela aposentadoria. A implementação do novo ensino médio no Estado do Pará tem gerado uma sobrecarga de trabalho para os professores, que estão lidando com adaptações e nova organização do ensino. Não houve preparação, qualificação e formação para os novos desafios, a não ser formações aligeiradas, desenvolvidas por meios de aplicativos e internet com problemas graves de transmissão, que não responderam ao principais questionamentos. O Novo Ensino médio tem comprometido a formação dos estudantes e a saúde emocional dos docentes.

INTRODUÇÃO

Após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, nenhuma outra medida legal foi tão impactante na educação quanto à reforma do Ensino Médio apresentada pelo governo Temer, que alterou as orientações curriculares para estudantes e professores na última etapa da educação básica. Cheia de controversas e críticas por especialistas ligados à educação, professores e alunos, a reforma do novo ensino médio foi editada em forma de Medida Provisória (MP nº. 746/2016) e após tramitação rápida e sem discussão no Congresso Nacional, foi aprovada a Lei nº. 13.415 de 17 de fevereiro de 2017, sendo reexaminada pelo Congresso Nacional e aprovada a Lei nº. 14.945 de 31 de julho de 2024, após vários projetos curriculares desastrosos e fracassados país a fora e forte mobilização social, principalmente dos estudantes e professores.

A reforma do ensino médio é uma exigência da sociedade e uma necessidade para melhorar a última etapa da Educação Básica, pois apesar das ações e investimentos sobretudo, entre os anos 2003 à 2014, a exemplo da política de financiamento através do FUNDEB, de assistência como Bolsa Família, de fomento como o PARFOR- Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica e de formação continuada como Pnaic, Pró-letramento, dentro outras, muitos problemas continuam persistindo, como as altas taxas de evasão e repetência escolar, a precarização da infraestrutura das escolas e a questão salarial de professores. Nesse contexto marcado por reformas e projetos antagônicos na educação básica, o financiamento da educação aparece no centro do debate.

As mudanças provocadas na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, em 1996, tornaram o Ensino Médio obrigatório e gratuito, um dever do Estado e um direito do cidadão. Essas garantias produziram um aumento significativo de matriculas de estudantes no ensino médio e, consequentemente, uma ampliação da oferta de vagas no sistema público, o que não garantiu um volume de recurso necessário para acolher todos os estudantes nas redes e sistemas de ensino público e melhorar a qualidade de ensino.

Não é de hoje que pesquisadores como Pinto (2000), Carreira (2007), Araújo (2009) entre outros, chamam atenção que os investimentos em educação no Brasil ainda são baixíssimos se comparados aos de países desenvolvidos ou de países em desenvolvimento, corroborando com pesquisas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE, publicadas em 2023, que apontam durante o período de 2019 e 2020, o Brasil foi um dos países que menos investiu em educação. De acordo com os resultados da pesquisa da OCDE, o investimento no Brasil para cada estudante brasileiro, em 2020, foi de cerca de US$ 4.306 por aluno, aproximadamente R$ 21.000,00 (vinte e um mil). Já os outros países filiados a OCDE registraram um investimento médio de US$ 11.560 no mesmo ano, aproximadamente R$57.000,00 (cinquenta e sete mil). A pesquisa levantou dados de países como Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Uruguai, Venezuela, Japão, entre outros.

Essa falta de investimentos na educação no Brasil implica em garantir as escolas recursos suficientes para atender adequadamente os estudantes, seja nos aspectos pedagógicos de sala de aula e ou de infraestrutura adequadas, com forte repercussão no abandono escolar, nos baixos índices de alfabetização das crianças, escolas inadequadas para desenvolver o processo de ensino aprendizagem, desvalorização dos professores, que levaram anos após anos aos índices negativos nas avaliações institucionais como o SAEB.

Não se pode falar em mudanças a partir do currículo com redução de investimentos e com menos recursos, assim como, não se resolve os problemas do ensino médio sem corrigir problemas estruturais, como infraestrutura das escolas, redução do número de alunos por turma, valorização dos professores e o entendimento de que a educação e os projetos de vidas dos jovens são partes integrantes de um processo mais amplo que, em última instância, é a expressão de um modelo de sociedade que embora pense, por um lado, o processo de escolarização desses jovens, nega, por outro lado, que esse processo os direcione para o enfrentamento daquilo que os marginaliza, como as impossibilidades de formação profissional e o acesso ao mundo do trabalho.

O CURRÍCULO COMO NEGAÇÃO DE DIREITOS DOS ESTUDANTES E PROFESSORES.

Inicialmente o “Novo Ensino Médio” traz uma proposta de currículo como ação educativa forjada na seleção de conhecimentos construídos pela sociedade, expressando-se por práticas escolares que se desdobram em torno de conhecimentos relevantes e pertinentes, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes e contribuindo para o desenvolvimento de suas identidades e condições cognitivas e socioemocionais (CNE/CEB, 2018).

Apesar dessa orientação aparecer como novidade na proposta do novo ensino médio, muitas escolas já vinha praticando essa concepção de currículo, desenvolvendo projetos com referência nacional e garantindo as aprendizagens dos alunos dentro desse contexto da ação-reflexão-ação, ou melhor dizendo, da ação como prática reflexiva, a exemplo das escolas de aplicação das Universidades Federais, que possuem boas avaliações no SAEB, embora essas práticas não serviram como parâmetro para a organização dos currículos desenvolvidos pelos estados.

Embora, a proposta do “Novo Ensino Médio” nasça na perspectiva de enfrentar a reprovação, abandono e a falta de interesse da juventude pelo ensino médio, colocando a escola dentro de um cenário de pesquisa, de desenvolvimento de projetos articulados com as vivências dos estudantes, de professores trabalhando conjuntamente dentro das grandes áreas e de caminhos (itinerários) formativos que vão para além da sala de aula, sua concepção parti da organização curricular dentro do contexto produtivo, isto é, formar jovens e adultos para atender o mercado de trabalho, com flexibilização de direitos, horários, salários etc.

Os itinerários formativos era a grande promessa de diferencial para o novo ensino médio, apresentados como aulas integradas e de escolha para os estudantes (aprofundamento dos interesses). Nessa perspectiva, a formação dos estudantes no ensino médio passa a ser definida pela categoria “flexibilização”, compreendida como arranjo curricular alicerçado nas áreas do conhecimento para serem aprofundadas, ampliadas e contextualizadas pelos estudantes. Na prática, essa flexibilização curricular – projetos integradores de ensino, eletivas e projetos de vida (Mundo do Trabalho) não estão preparando a juventude nem para o mercado de trabalho, nem para ingressar em uma universidade.

Como responsabilidade dos Estados, o currículo do Novo Ensino Médio deve ser construído e organizado dentro de uma diversidade metodológica, que articule as vivências práticas dos estudantes com a educação escolar, o mundo do trabalho e à prática social, possibilitando o aproveitamento de estudos e o reconhecimento de saberes adquiridos nas experiências pessoais, sociais e do trabalho, com carga horária destinada a formação geral básica e aos itinerários formativos, conforme normatização do respectivo sistema de ensino (MEC/PORTARIA Nº 649/2018. Isso significa dizer que, cada Estado deverá organizar seus currículos para o ensino médio a partir de suas identidades e realidades locais, definindo propostas que contemple o tempo escolar, a carga horária anual, a organização das estruturas e formas de oferta necessárias para a aprendizagem das habilidades e competências já elencadas pela BNCC e Diretrizes curriculares para o ensino médio.

Em relação à estrutura curricular por área de conhecimento, é bom salientar que a própria lei nº. 13.415/2017 estabelece que a formação geral básica no ensino médio terá em sua organização quatro áreas de conhecimento, a saber: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas, com carga horária máxima de 1.800 horas.

Essas áreas de conhecimento devem contemplar estudos e práticas que possibilitem aos estudantes compreender a língua portuguesa, matemática; o mundo físico e natural e a realidade social e política do Brasil; a arte e suas expressões regionais, desenvolvendo as linguagens das artes visuais, da dança, da música e do teatro; a educação física, a história do Brasil e do mundo, levando em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia, assim como a história e cultura afro-brasileira e indígena, em especial nos estudos de arte e de literatura e história brasileira, os conhecimentos sociológicos e filosóficos e a língua inglesa, podendo ser oferecidas outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade da instituição ou rede de ensino. 

O ensino médio já era organizado por área de conhecimento, a questão posta nessa proposta é a supressão do termo componente curricular pelos termos campos de saberes e estudos e práticas. Os estudos e práticas podem ser compreendidos como elementos com carga horária pré-definida, formadas pelo conjunto de estratégias, cujo objetivo é desenvolver competências específicas, podendo ser organizadas em disciplinas, módulos, projetos, entre outras formas de oferta.

No Estado do Pará a estrutura e organização curricular foi definida por áreas de conhecimentos e por itinerários formativos, dividido em Educação Geral Básica e Mundo do Trabalho, com a carga horária do curso de 3.000 horas e a organização do currículo no modelo semestral.

A priorização da parte diversificada do currículo, assinala a importância dada pelo Estado do Pará com a flexibilização curricular, o que ao nosso ver, foi responsável pela desvalorização e perda de carga horaria de componentes curriculares na Educação Geral Básica, a exemplo da Filosofia, Sociologia, Educação Física, Artes e Língua Inglesa que apesar de permanecerem no currículo, sofreram subtração na sua carga horaria e importância para a formação da juventude paraense, posto que são campos de onde são produzidas reflexões e problematizações existenciais, éticas, comportamentais e valorativas, assim como das contradições no campo da política, da economia, das ideologias e etc, além é claro da supervalorização de campos de saberes como a Língua Portuguesa e Matemática no currículo dos estudantes, como se o processo de produção da leitura e da escrita e a compreensão logica matemática se construíssem apenas nesses campos, equívocos com grande repercussão na prática de sala de aula, com aumento de turmas para os professores e dificuldades de implementar os conteúdos programáticos na formação dos estudantes, o que desencadeou forte apelo e mobilização de professores, alunos e comunidade escolar pela revogação da grade curricular no ano de 2024.

Diferente da formação geral básica, os itinerários formativos ou flexibilização curricular deve se configurar pelo conjunto de situações e atividades educativas ofertadas pelas escolas, com escolha realizada pelos estudantes de acordo com seus interesses das áreas e aprendizagens que pretende ampliar e aprofundar, na perspectiva de vivenciar experiências educativas associadas à realidade contemporânea, a formação pessoal, profissional e cidadã, envolvendo-se em situações de aprendizagem como protagonista da produção do conhecimento e da intervenção do contexto em que estar inserido, a partir de eixos estruturantes construídos pela investigação científica, pelos processos criativos, pela mediação e intervenção sociocultural e pelo empreendedorismo, que poderão ser organizados em projetos, por disciplinas, por oficinas, por unidades/campos temáticos, entre outras possibilidades de flexibilização dos currículos no Ensino Médio.

Longe da realidade das escolas paraenses, com falta de professores para atender a educação geral básica e os itinerários formativos, assim como falta de infraestrutura nas escolas, os estudantes não tiveram escolhas de praticar os caminhos de formação apresentados a eles, já que os projetos apresentados como manuais a serem seguidos pelos professores, não tinham recursos para ser executados e nem estrutura para ser realizado com todos os estudantes, sendo a “escolha” mera propaganda sustentada pelas mídias oficiais do estado. Além do mais, a falta de percepção e entendimento dos professores, que não tiverem preparação e formação consistente para trabalhar conjuntamente (interdisciplinaridade) os projetos dos itinerários formativos, acarretou fadiga, estresse, desinteresse e adoecimento de uma grande parcela dos docentes, pois exigiu esforço maior de uns em detrimento de outros. Soma-se a isso, a falta de articulação e desorientação da própria rede, com mudanças repentinas das equipes e das orientações dadas aos docentes, criando um ambiente de incertezas e de grande inconsistência.

Essas dificuldades apresentada acima, são reflexos da posição do Governo do Estado do Pará em ignorar a ideia de currículo como produto de tensões e conflitos culturais, políticos e econômicos presentes em diferentes grupos sociais e por ser construído num ambiente simbólico, material e humano, não podem ser pensados e produzidos como uma coisa ou como produto de um programa estabelecido por uma lei (SILVA, 2019).

Essa concepção de currículo apresentada para o Novo Ensino Médio não apenas ignora os diversos agentes que constroem o processo educativo, como também burocratiza e intensifica o trabalho dos professores, na medida em que reforça a ideia de currículo pensado e construído por especialistas, que oferecem organizações curriculares em pacotes, algo claramente evidenciado nas escolas paraenses, que atualmente são meras executoras de manuais fornecidos pela Secretaria de Estado de Educação-SEDUC que contratou empresas privadas para fornecer um conjunto de orientações curriculares que não condiz com a realidade de alunos e professores e que menospreza a riqueza cultural, social, econômica e política do nosso estado.

Sem uma definição clara da matriz curricular adotada no estado e sem a articulação dessa matriz com a grade curricular praticada (entende-se grade curricular como o conjunto de componentes curriculares ofertadas aos estudantes) e a participação coletiva da comunidade escolar na elaboração e definição do currículo,  torna-se comprometedor qualquer movimento das escolas públicas em elaborar suas propostas de flexibilização do currículo, principalmente no que diz respeito aos itinerários formativos e seus eixos estruturantes, uma vez que a escola não possui autonomia para construir uma proposta de currículo praticável, o que não é difícil prevê o que será do ensino médio nos próximos anos: precarização do trabalho docente e desmonte da escola pública e de todo acumulo pedagógico que vinha sendo praticado.

Não há dúvida que o maior desafio para os professores e para a rede de ensino do estado será desenvolver os itinerários formativos sem prejudicar os alunos e professores, pois ao estado cabe a obrigatoriedade da ofertar apenas dois itinerários formativos, tendo o aluno a possibilidade de cursar um segundo, quando integralizar o currículo e se houver disponibilidade de vaga ou matrícula na escola.

Considerando que a maioria dos municípios do Estado do Pará possui apenas uma escola de ensino médio em seu território, com problemas estruturais e com falta de professores, a oferta dos itinerários formativos ficou condicionada ao próprio sistema ou as condições materiais das escolas, ficando a autonomia da juventude, seu poder de decisão, como referência que subsidiou as justificativas para a reforma do ensino médio e que serviu de propaganda e apelo para convencer a sociedade da urgência na implantação,  “caiu por terra”.

No que tange aos professores, a proposta do novo ensino médio e do currículo adotado trouxe transtornos sem precedentes a sua vida profissional, criando situações de precarização da atividade docente a perder de vista, como por exemplo, o aumento significativo de turmas. Em alguns campos de saberes, os professores foram obrigados a assumir 30 turmas para uma jornada de trabalho de 40 horas semanais. Também é perceptível as dificuldades de ministrar os conteúdos em uma aula de 45 minutos (filosofia, sociologia, artes, inglês e educação física) e de assumir o programa curricular dos projetos nos itinerários formativos, em decorrência dos conteúdos não fazerem parte de sua formação acadêmica, o que exige mais tempo para pesquisa e estudo, algo inexistente para a maioria dos professores.

  O acumulo de trabalho nos processos de avaliação e planejamento de cada turma, também ocasionou maior esforço dos professores para dar conta tanto dos trabalhos desenvolvidos em sala de aula (ministração de conteúdo, correção das atividades, avaliação das aprendizagens adquiridas) quanto do trabalho burocrático de preencher os diários, lançar notas e frequência no sistema eletrônico da rede estadual,  uma vez que são lotados não só nos campos de saberes da base, como também nos projetos dos itinerários formativos.

Com essa nova organização curricular, os professores são obrigados a trabalhar em mais de uma escola para compensar a perda de carga horária nos campos de saberes da base e consequentemente a redução de seus salários, entretanto, o que vem agredindo drasticamente a vida profissional dos docentes é a perda da autonomia de organizar sua prática educativa e pedagógica com os estudantes, uma vez que os livros didáticos oferecidos pela rede aos alunos, a exemplo dos matérias do “Prepara”, “Acelera”, “Reforço” e dos Itinerários Amazônicos,  Projetos de Vida e do Meio Ambiente, Sustentabilidade e Clima, são manuais didáticos-pedagógicos que apresentam os conteúdos, as atividades, o processo avaliativo, as expectativas de aprendizagem e uma ‘receita” de como aplicá-los. Essa pressão e controle do trabalho docente e dos instrumentos de planejamento, de avaliação e de resultados, tem desencadeado maior estresse, falta de ânimo e apelo pela aposentadoria.

Esse modelo de currículo, não pensado e não planejado pelos professores e sem formação para a compreensão dos processos de execução, prejudica suas habilidades para a compreensão dos fundamentos teóricos e metodológicos que o sustenta, como também de todas as etapas para concretização do currículo. Portanto, suas habilidades de construção das metas curriculares e das estratégias de articulação do conhecimento produzido cientificamente com o conhecimento escolar e dos estudantes são extremamente prejudicados, uma vez que  uma boa aula não se resume na destreza que um professor possui de ministrar conteúdo específicos de uma determinada disciplina, mas principalmente de saber ensinar e entender o processo de como o ser humano aprende e se desenvolve, o que exige conhecimentos de didática, metodologia, aprendizagem, avaliação e desenvolvimento humano.

Os estudos de Libâneo (2012) também auxiliam na compreensão de que o exercício da profissão docente tem relação direta entre o acumulo do conhecimento oriundo de um determinado campo disciplinar e daqueles produzidos no campo didático-pedagógico. Em outras palavras, pode-se dizer que não basta saber Português, Matemática, Ciências, etc. para ensinar. A proficiência docente resulta do encontro entre esses conhecimentos e outras dimensões pertencentes ao processo educativo.

O autor referido destaca, por exemplo, que aqueles cursos de licenciatura cujos professores são formados sem a devida atenção a dimensão didático-pedagógica tendem a promover práticas que inviabilizam o desenvolvimento humano por meio do encontro com os conhecimentos historicamente produzidos. Assim, qualquer profissional que exerça o magistério desprovido desses conhecimentos não pode ser chamado de professor, mas de mero reprodutor de conteúdos de disciplinas, do sistema e do status quo estabelecido na educação e na sociedade, o que empobrece o ensino, desvaloriza a profissão docente e desmonta todo o sistema educativo, já que professores são exigências de uma educação pública, gratuita e de qualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É perfeitamente cabível pensar o novo ensino médio em uma perspectiva ideológica, entendida não como uma visão distorcida da realidade, mas como consciência social e coletiva sustentada e ancorada por ideias, imagens e projetos de um determinado sistema de produção, nesse caso o capitalismo, que também se mantem e continua sendo sustentado na e pelo processo de formação das pessoas, e nesse sentido, o novo ensino médio cumpre perfeitamente essa tarefa, já que a flexibilização curricular tem acentuado as desigualdades sociais entre estudantes das escolas públicas, com menos acesso a disciplinas e conteúdos importantes para o seu percurso formativo, enquanto estudantes de escolas privadas podem ter mais oportunidades de escolha, o que exige de nós a defesa de uma proposta de educação democrática, inclusiva e participativa, como projeto de emancipação política e humana dos estudantes.

A emancipação e formação humana passam, inevitavelmente, pelo reconhecimento de que as múltiplas dimensões do humano (cognitiva, física, ética, estética, psíquica e afetiva) representam, conjuntamente, a integralidade do humano, sua totalidade e unidade coletiva e social, o que é possível pensar o currículo escolar para além dos aspectos da racionalidade ou cognição, dando relevância às artes em geral, ao desenvolvimento de dimensões afetivas, aos valores e ao bem-estar do indivíduo, o que significa formar sujeitos-cidadãos responsáveis e livres, capazes de aplicar o seu conhecimento em ações que vão além dos muros da escola.

A ideia do currículo pensado a partir da formação integral não é apenas definir e incluir disciplinas e conteúdo que não se comuniquem entre si ou mesmo que não estabeleçam relação com a vida em sociedade, mas fundamentalmente incorpore o sentido do que se busca, do que se pretende alcançar com a formação, diferente da concepção de educação pensada pelo currículo adotado, que pretende encerrar o processo formativo nas disciplinas obrigatórias e nos itinerários formativos.

Ao incorporar novos tempos, espaços e conteúdos, espera-se que ocorra uma integração real entre os campos de saberes, que acabe com a ruptura entre racionalização e cognição e as outras dimensões do ser humano, que no currículo adotado nas escolas paraenses, ainda é materializado pela separação das disciplinas, dos itinerários formativos e também, na hierarquização entre os profissionais das disciplinas de português e matemática, com mais valorização dos seus campos do saber, em detrimento dos outros professores.

Do debate sobre as condições de trabalho dos professores das disciplinas que foram ampliadas à sua jornada e dos professores dos outros campos do saber que tiveram suas relações de trabalho precarizadas, está posto um dos grandes desafios para a rede de ensino: equacionar as condições para que todos os professores possam participar da construção coletiva de um novo projeto pedagógico e de um novo projeto de educação. Essas e outras questões devem ser apresentadas com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, aprovada em 13 de novembro de 2024, pelo Conselho Nacional- Câmara de Educação Básica, atreves da Resolução nº. 02.

REFERÊNCIAS

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[1] Professor da Rede Pública Estadual de Ensino do Pará, Técnico Educacional da Rede Pública do Município de Almeirim e Coordenador do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará-SINTEPP. Formado em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará e Mestre em Ciências da Educação pela Universidade Autônoma de Assunção.