O MOVA NO ENFRENTAMENTO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: O CASO DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA SANTA LUZIA

LOCAL ACTORS IN COMBATING CLIMATE CHANGE IN THE RIBEIRÃO LAGEADO HYDROGRAPHIC BASIN: THE CASE OF THE SANTA LUZIA COMMUNITY ASSOCIATION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410291100


Ma. Iolanda Cruz Teles¹;
Ph.D Ana Paula Koury².


Resumo

O MOVA, Movimento de Alfabetização Popular, é um Programa criado em sistema de parceria entre movimentos sociais urbanos e o poder público na Cidade de São Paulo no ano de 1989. Encontra-se vinculado a uma Organização da Sociedade Civil, OSC, que lhe garante a função, não só de tratar da educação, mas de atender a população local com uma rede de apoio bem diversificada. A OSC Associação Comunitária Santa Luzia- ACSL, localizada a sudeste da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Lageado, extremo leste da Cidade de São Paulo, como ator local, tem exercido também grande influência junto a sua população no que se refere ao enfrentamento às mudanças climáticas, especificamente pela exposição ao aumento expressivo da temperatura, alagamentos e inundações, fatores que têm aprofundamento a vulnerabilidade socioambiental em que vivem. Dessa forma, construir caminhos significativos para a garantia da qualidade de vida frente a realidade socioambiental com a qual esta população tem convivido, demandou a atuação deste ator local. Assim, o estudo tem por objetivo investigar como o MOVA, no contexto da ACSL tem compreendido o impacto das mudanças climáticas em seus cotidianos e como o enfrentamento tem sido construído a partir de sua influência junto à comunidade local. Em se tratando da escolha do método, a pesquisa-ação tornou-se essencial, tendo em vista que o processo investigativo junto aos atores locais os considera como protagonistas. Para materializá-la foram desenvolvidas entrevistas semiestruturadas e oficinas socioambientais, utilizando estratégias de mapeamentos participativos e saídas de campo. A realidade socioambiental dos participantes, foi tanto o ponto de partida quanto o de chegada durante o processo investigativo e, espera-se assim, reconhecer, criar, potencializar e colaborar junto a ACSL sobre formas de enfrentamentos aos eventos climáticos extremos a partir do raciocínio socioambiental local.

Palavras-chave: Movimentos Sociais, Mudanças Climáticas. MOVA, Medidas de Enfrentamentos

INTRODUÇÃO

Historicamente, a Bacia Hidrográfica do Ribeirão Lageado, localizada na zona leste da cidade de São Paulo, tendo sua maior porção na região do Itaim Paulista, passou por processos de uso e ocupação do solo de forma desordenada, com promoção de áreas densamente povoadas, desmatadas e consequente concentração de problemas socioambientais, em especial nas áreas às margens de seu córrego principal: O Lageado. 

Possui ruas totalmente ocupadas por calçamentos, circulação de ônibus e excessos de carros com liberação de dióxido de carbono, residências sem ventilação e pé-direito baixo, entre outros fatores, favorecendo a intensificação da presença de ilhas de calor na região. Estes se associam aos impactos do processo de urbanização que tem ocorrido na região ao longo destas últimas quatro décadas, entre o século XX e XXI. De acordo com a jornalista Júlia Braun, da BBC News Brasil em São Paulo (2023), “entre os distritos menos arborizados, o Itaim Paulista é considerado por muitos como o bairro mais quente de São Paulo”3.

 Ainda, a sua forma retrata um conjunto de moradias resultantes da autoconstrução, da ausência de planejamento urbano e de impactos socioambientais da construção sobre as margens do Córrego. A sudeste, em sua margem direita, encontra-se a região do Jardim Indaiá localidade onde se encontra o MOVA, Movimento de Alfabetização Popular que faz parte da Associação Comunitária Santa Luzia. 

O MOVA foi criado em 1989 por um acordo de cooperação entre a Organização da Sociedade Civil e o poder público, na ocasião em que o professor Paulo Reglus Neves Freire (Paulo Freire) foi o Secretário de Educação junto a então prefeita Luiza Erundina. Seu papel também é construir reivindicações a partir do conhecimento crítico sobre a violação de direitos onde a população está inserida. Esta realidade, influenciada ainda pelo agravamento de eventos climáticos extremos, tem promovido ao longo dos anos impactos socioambientais locais como o aumento da temperatura, enchentes e inundações ocorrendo cada vez mais em áreas antes não atingidas demandando ações de enfretamentos. Este é o caso da OSC Santa Luzia e, neste sentido, como ela tem pensado e agido em relação a questão?

Gadotti (1996), discorre               

O MOVA-SP, herdeiro da tradição do movimento de educação popular, conseguiu a façanha de reunir uma centena de movimentos populares que até então trabalhavam isoladamente e construiu uma forma particular de parceria entre Estado e Sociedade Civil, não apenas administrativo-financeira, mas também político-pedagógica. O processo de construção foi fundado em valores democráticos que resultou no aprofundamento de uma nova cultura política para a qual a educação é um instrumento fundamental. E conclui Pedro Pontual: o grande saldo que ficou do MOVA-SP foi a experiência de articulação dos Movimentos Populares, constituídos hoje num novo e importante ator social na cidade de São Paulo. (GADOTTI, 1996, p.25)

A questão crucial neste contexto é justamente investigar a relação entre os impactos de eventos climáticos nesta escala local e como a ACSL têm atuado em relação ao enfrentamento das consequências climáticas. Quais medidas têm identificado entre a comunidade para a adaptação climática? A temática tem sido pauta para a OSC? Se existe, esta tem sido realizada de forma articulada ao longo da Bacia ou de forma fragmentada? 

São questionamentos como estes que movem o estudo em questão e possibilitam a elaboração de um pensamento socioambiental dentro de um movimento social urbano como a OSC Santa Luzia. Observar este recorte socioespacial, analisar os eventos extremos mundiais na perspectiva do impacto local, identificar e construir outras possibilidades pensadas e materializadas como resposta às consequências dos eventos climáticos e construir resoluções com base na própria natureza local (ou pelo menos pensá-las) são necessárias para que a qualidade de vida seja priorizada, de fato, nas agendas de todos os envolvidos ao longo desta região. 

Os conhecimentos teóricos que subsidiam a proposta carregam em si abordagens sócio-históricas, humanistas, marxistas, libertárias, entre outros, e que têm em comum a crítica à divisão de classes, o compromisso social, a centralidade dos sujeitos de direito, emancipação, autonomia, consciência crítica, a coletividade, entre outros aspectos. Estes elementos asseguram uma base teórica que se aproxima da realidade da sociedade pelo viés do contraditório, levando à prática possibilidades e caminhos para a transformação social. 

Também, o próprio Laboratório do Mundo Real (LMR)- LabItaim Paulista, do qual este estudo faz parte, que funciona como repositório de pesquisas e tem como propósito desenvolver uma espécie de governança participativa e integrada das cidades para enfrentar a crise climática e ambiental, considerando, inclusive, que o conhecimento da realidade física e social pela sociedade local é um grande disparador para as mudanças adaptativas deste mundo em descontrole climático.

Com base no exposto, busca-se com esta pesquisa responder a seguinte questão: Como a OSC Santa Luzia tem compreendido o impacto das mudanças climáticas em seus cotidianos e como o enfrentamento tem sido construído a partir de sua influência junto à comunidade local?

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA

A região onde se localiza a Bacia Hidrográfica do Ribeirão Lageado relaciona-se historicamente a contextos de mobilizações sociais frequentes, onde pautas reivindicativas de caráter socioeconômico, sociocultural ou socioambiental, entre outros, tem orientado a busca pela garantia de direitos. A sudeste da Bacia encontra-se a OSC Santa Luzia, um dos movimentos sociais urbanos que desde a década de 1990 tem sido um dos atores responsáveis pela presença na região de equipamento públicos de saúde, lazer, além de acessos a moradias, educação, formação profissional, entre outros. A sua influência junto à comunidade local tem sido marcante e, por isso, frente ao aumento da temperatura local, cenas de alagamentos e inundações, compreender o conhecimento e como tem atuado no enfrentamento às mudanças climáticas, tem se tornado o ponto de atenção neste momento. Mas, qual o sentido da existência deste movimento social urbano?

2.1. Movimentos Sociais Urbanos e a questão local

A compreensão sobre os movimentos sociais urbanos no contexto da Bacia do Lageado relaciona-se diretamente a própria história dos movimentos sociais que ora se constituíam no Brasil e, em especial, nas grandes capitais. Apesar das grandes mobilizações dos anos de 1960, 1970, foi a partir da redemocratização brasileira que a participação social ganhou destaque nas decisões políticas de então. “O novo é o espontâneo que se opõe à manipulação, é a ação consciente que substitui a cooptação, garantindo a expressão dos verdadeiros interesses populares que ficavam sufocados pelos partidos e pelos políticos profissionais”. CARDOSO (2011, p.282)

Naquela ocasião da década de 1980, a participação social ganha força e muitos movimentos sociais passam a se destacar, principalmente por também ser um momento em que algumas decisões políticas reforçavam a exclusão, a expropriação de uma sociedade que resultava de migrações. Muitos trabalhadores do centro da Cidade passam a ocupar a região do Lageado sem uma política habitacional ou do próprio planejamento urbano. A partir de então, muitos problemas socioambientais passam a fazer parte de sua paisagem. Neste momento histórico e “após a elevação à condição de distrito, em maio de 1980, o Itaim expandiu-se em todas as direções.” (MELO, 2017, p.151)

Para Ruth Cardoso (2011),

Considerando novos atores do cenário político, esses movimentos são apresentados como fontes de transformações da sociedade e de mudanças profundas na estrutura de dominação em vigor. Organizados a partir de novas identidades sociais, ultrapassam o quadro institucional vigente e, ao exigir o reconhecimento de categorias excluídas do jogo político, constituem instrumentos de modificação desse jogo. (CARDOSO, 2011, p. 287)

Ainda, o movimento em si ganha materialidade na medida em que os conflitos resultantes da violação de direitos são identificados por um determinado grupo e passam por processos que resultam em pautas reivindicativas. Este encaminhamento que se dá entre a vulnerabilidade e a reivindicação é discutido por  Pedro Jacobi (1987) dá ênfase a tal questão, discorrendo que 

A passagem do reconhecimento da carência para a formulação da reivindicação é mediada pela afirmação de um direito que é construído de forma heterogênea pelos diferentes movimentos e através do envolvimento de diferentes agentes externos no complexo processo do qual resultam muitas ações coletivas. (JACOBI, 1987, p. 25)

O reconhecimento de uma realidade que sofreu violação de direitos, o sentimento de pertença ao grupo, o espírito da solidariedade e coletividade ou da ação compreendida como comunitária são alguns dos elementos que orientam a existência de mobilizações ou movimentos sociais. Cardoso (2011) ainda afirma,

Unidos pela experiência concreta da discriminação (ou da carência), os membros desses grupos se reconhecem iguais e impõem regras de funcionamento que impedem o aparecimento de hierarquias, assim como a delegação de poderes. Não é difícil reconhecer essas características, seja ao lembrarmos dos movimentos libertários, seja ao observarmos os movimentos populares. A democracia interna de pessoas iguais é o traço de união entre comunidades de interesses. (CARDOSO, 2011, p. 294)

É justamente por esta relação evidenciada que a Associação Comunitária Santa Luzia, uma Organização da Sociedade Civil (OSC), é compreendida como um movimento social urbano. Esta iniciada na década de 1990 a sudeste da Bacia do Ribeirão Lageado, organizou-se em torno de pautas que envolviam moradia, saúde e educação, e hoje é referenciada como um ator político local, podendo ser um referencial importante para o enfrentamento às mudanças climáticas, realidade que tem reforçado a vulnerabilidade socioambiental na região. Assim, a OSC Santa Luzia tem pautado à questão das mudanças climáticas em relação a seu espaço? Se sim, como tem sido construída esta dinâmica? Já há resultados esperados? Antes, porém, fazse necessário entender a realidade local

2.2. A OSC Santa Luzia no enfrentamento às mudanças climáticas:  

Na margem direita da Bacia da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Lageado, limitando-se entre os distritos do Itaim Paulista e Guaianases, SP, localiza-se a OSC Santa Luzia, Associação Comunitária que atua em conjunto com a comunidade em causas de natureza social que inclui desde a defesa de direitos humanos às questões ambientais. Sua criação se deu em abril de 1993 e tinha como articuladores locais, não só a sua Presidente e moradora da região Benice da Silva Santos, mas uma rede de apoio que incluía desde o poder público a articuladores locais, como no caso do Padre Antônio Luiz Marchioni, conhecido pelo nome “Padre Ticão”, O contexto de criação era justamente o da redemocratização brasileira e o papel da participação social nas decisões políticas era bem propositivo para a tomada de decisões.

A Bacia Hidrográfica do Ribeirão Lageado ocupa uma área de cerca de 11km² e está localizada nos municípios de São Paulo, com 81% das terras e Ferraz de Vasconcelos, com 19%. Em São Paulo, a sua maior porção, encontra-se sob a governabilidade da Subprefeitura do Itaim Paulista, mas, a área específica da OSC Santa Luzia está exatamente na região limítrofe entre estas duas subprefeituras, ora atende ao Itaim Paulista, ora a Guaianases. 

De acordo com os urbanistas Ana Paula Koury e Luciano Abbamonte (2023), 

A maior porção da Bacia do Ribeirão Lageado localiza-se na zona leste do Município de São Paulo, sendo que a parte oriental da sua cabeceira pertence ao município de Ferraz de Vasconcelos. Na porção paulistana, a bacia intersecta três subprefeituras: São Miguel, Itaim Paulista e Guaianases. (…) Atualmente 90% da área da bacia encontra-se impermeabilizada (…). (KOURY & ABBAMONTE, 2023, 3)

Todo espaço é contraditório e esta região não poderia ser interpretada por vieses que não considerassem as diferentes formas de apropriação, uso e ocupação do solo, mas, em se tratando da intencionalidade  proposta neste estudo, a área tem em sua configuração espacial uma paisagem comprometedora no que se refere às questões socioambientais: São ruas totalmente asfaltadas e desmatadas, construções comerciais para o atendimento de necessidades mais básicas, no caso, comércio com prioridade para produtos alimentícios, muitas moradias com casas geminadas e pé direito baixo, entre outras questões, permitindo uma interpretação favorável no que se refere aos impactos das mudanças climáticas sobre o espaço estudado.

Dessa forma, os eventos climáticos extremos têm impactado consideravelmente a região, pois a temperatura tem aumentado consideravelmente a ponto do lugar ser considerado uma ilha de calor com o aumento de chuvas intensas e os consequentes alagamentos e inundações. Esta natureza modificada, transformada é compreendida como o ponto de partida e de chegada para a transformação local. Para SANTOS (2006)

No princípio tudo eram coisas, enquanto hoje tudo tende a ser objeto, já que as próprias coisas, dádivas da natureza, quando utilizadas pelos homens a partir de um conjunto de intenções sociais, passam, também, a ser objetos. Assim a natureza se transforma em um verdadeiro movimento ecológico que completa o processo de desnaturalização da natureza, dando a esta último um valor. (SANTOS, 2006, p. 65)

A natureza presente na região da Associação Comunitária Santa Luzia encontra-se totalmente transformada e, não diferente, é a partir desta realidade socioambiental que a busca por soluções sustentáveis deve se dar a partir do próprio lugar. Alain Bourdin (2001), discorre que “o local é a prática que contesta, é o espírito que diz não. É o dispositivo crítico… Ele trabalha os multipossíveis” (BOURDIN, 2001, p. 27). O quadro instalado revela um espaço que tem sofrido impactos das mudanças climáticas e aprofundado a vulnerabilidade social local, o que impulsiona a compreender sobre como o movimento social OSC Santa Luzia tem se comportado frente a estes desafios. É justamente nesta linha que a pesquisa tem se desenvolvido.

3. METODOLOGIA 

O método da pesquisa-ação, adotado para essa pesquisa, tem caráter processual e o seu desenvolvimento envolve sujeitos investigativos e participativos, procedimentos de estudos que têm a realidade social dos envolvidos como ponto de partida e de chegada, e o protagonismo dos atores no processo investigativo, como foco principal. E é justamente pela capacidade de construir saberes gerados, a partir dos envolvidos no processo, que esta abordagem metodológica foi a escolhida. Para THIOLLENT (1986), 

(…) a ideia de pesquisa-ação encontra um contexto favorável quando os pesquisadores não querem limitar suas investigações aos aspectos acadêmicos e burocráticos da maioria das pesquisas convencionais. Querem pesquisas nas quais as pessoas implicadas tenham algo a “dizer” e a “fazer”. Não se trata de um simples levantamento de dados ou de relatórios a serem arquivados. (…) pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos observados (THIOLLENT, 1986, p. 9).

Os atores envolvidos no estudo, que vão de agentes da Unidade Básica de Saúde (UBS), moradores da região, educandos do MOVA, entre outros, participaram tanto de entrevista semiestruturada quanto da oficina realizada, sendo que  as problematizações construídas pelos grupos de participantes, a partir dos casos inicialmente oferecidos para estudo, reflexão e discussão, puderam indicar novas perguntas, novas demandas e a pesquisadora, agindo no método proposto, não pode responder, mas, conduzir a novas perguntas que buscavam atender ao foco central desta pesquisa, seja para confirmá-la, ou não, visto “que cada prática garante uma visibilidade diferente ao mundo”, mas que será analisado em conjunto (TUZZO E BRAGA, 2016)

Para a realização da pesquisa cerca de 42 pessoas participaram, sendo 6 entrevistados e 42 participantes da oficina, reunindo pessoas acima dos 18 anos ligadas a OSC Santa Luzia e que têm desempenhado papeis diferenciados enquanto mobilizadores sociais, desde agentes de saúde a moradores local. Assim, essa pesquisa social está aqui sendo tratada a partir da abordagem qualitativa buscando dar sentido ao modo investigativo aberto e participativo a que esta pesquisa-ação se propõe.

A oficina foi acompanhada também por integrantes do Laboratório do Mundo Real- LabItaim Paulista, que é o laboratório que funciona com pesquisas integradas e onde este estudo será depositado para que uma equipe de especialistas possa utilizar os resultados para dar prosseguimento a pesquisa realizadas na Bacia Hidrográfica do Ribeirão Lageado.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS

O estudo sobre o enfrentamento às mudanças climáticas a partir das práticas da OSC Santa Luzia, zona leste de São Paulo, tem em seu processo o registro de resultados e, não somente, na finalização das pesquisas, mesmo porque utilizando-se do método da pesquisaação, um resultado, pelo processo de mediação, vai dirigindo-se a outro. Dessa forma, o desenvolvimento do processo com alguns resultados e novos encaminhamentos farão parte dos resultados e discussões aqui propostas. 

Para o desenvolvimento da pesquisa propôs-se inicialmente uma visita de campo a OSC e a região onde está localizada. Este momento fez parte de uma saída proposta pelo LabItaim, passando a contar com a presença de professores, estudantes e a pesquisadora em questão, que fazem parte da pós-graduação da USJT ou Mackenzie. Na ocasião, vários pontos da Bacia do Ribeirão do Lageado foram visitados, inclusive, a OSC Santa Luzia e as salas do MOVA.

O objetivo da visitação ao Santa Luzia e a região do entorno era da ordem da observação e diagnóstico, tendo como protagonistas moradores, participantes da OSC e a equipe que ora visitava a região. O diagnóstico inicial na OSC serviria de base para as propostas de intervenções seguintes, além da ampliação de repertórios sobre o lugar e as problemáticas que apontariam para o agravamento dos impactos de eventos extremos que ali aconteciam. A seguir, um pouco das fotos relativas a este momento.

Os pontos de atenção observáveis e o resultado diagnosticado foram:

A observação realizada contemplou a forma, a função e sujeitos envolvidos com este lugar. Não bastou apenas descrever, mas, acima de tudo, problematizar as questões identificadas a fim de que intervenções relacionadas a adaptação climática pudessem ser pensadas. Como ator social com uma função orientada para a garantia de direitos humanos, a OSC junto com as informações trazidas deste diagnóstico inicial, discutiria a realidade problematizada. 

No entanto, antes mesmo da realização de uma oficina pedagógica para tratar sobre a questão climática local, uma conversa foi necessária. Agora, entre a presidente da Associação Comunitária, quatro moradores e a pesquisadora. A conversa, não seria somente diagnóstica, mas também, experimental, com simulações de situações ligadas ao diagnosticado na primeira visita e sobre situações cotidianas que se relacionam a qualidade de vida na região. Os resultados deste processo de entrevista correspondem ao método da pesquisa-ação proposto para este estudo.

4.1. A Entrevista:

A entrevista aconteceu com uma duração de cerca de 2 horas com todos sentados em círculo. Passaram a conversar informalmente sobre diversos assuntos até que um dos participantes dirigiu-se a pesquisadora e perguntou onde ela tinha nascido. Ao responder, todos concordaram que emigraram do mesmo Estado. Algumas problematizações foram construídas a partir deste disparador, sendo divididas em três partes:

Parte 1: Uma conversa sobre memória afetiva abordando a vida cotidiana de onde todos vieram e onde moram agora.

Parte 2: Comparações históricas entre a qualidade de vida hoje, antigamente e de onde migraram. Quais as principais diferenças.  

Parte 3: Como a questão ambiental deste momento histórico não fez parte das referências sobre ter qualidade de vida (quase todos responderam sobre as condições econômicas e poder de compra), o foco se deu em torno de representações, situações-problemas e simulações sobre o que poderia ter promovido o aumento da temperatura local e a intensificação de alagamentos e inundações na região.

Agora, a pesquisadora participa diretamente da conversa problematizando situações de forma mais intencional. Com esta relação uma nova pergunta surgiu. O que tem aqui na região que influencia negativamente uma boa qualidade de vida?

Este assunto desencadeou todos os outros e a mediação se desdobrou seguindo problematizações e produzindo alguns resultados, que são:

Os moradores apontaram que havia na região um ponto final de ônibus que liberarava muitos gases e poluía o ar. Citaram também sobre a ausência de árvores nas calçadas e que na década de 1990 houve um programa para que todos plantassem árvores, mas que consideraram melhor construírem calçadas para evitar pontos de droga. Neste momento a pesquisadora perguntou se todos sabiam como o ar se aquecia. Prontamente pediram para que a explicação acontecesse.

Neste momento todos se voltaram para a parte externa da sala com olhos na rua e uma aula participada foi feita. Muitos riam ao entender como os elementos anteriores citados (fumaça de ônibus, lixo na rua, outros), intensificava os problemas socioambientais neste contexto de mudanças climáticas.

Após as representações e conversas, chegou-se a uma conclusão: Faz-se necessário realizar uma oficina para que todos da associação pudessem entender a questão socioambiental do lugar, opinar e construir coletivamente algumas possibilidades de intervenção. A demanda fortaleceu a proposta de uma oficina pedagógica.

4.2. A Oficina:

A oficina aconteceu no mês de junho/2024 e contou com a presença de representantes da comunidade, UBS (Unidade Básica de Saúde), PAVs (Programa Ambientes Verdes e Saudáveis), Universidade São Judas Tadeu e Mackenzie, LabItaim, MOVA e a OSC, de forma geral. Havia cerca de 42 pessoas.

A seguir, uma síntese da pauta proposta para a oficina:

A oficina foi baseada na participação de todos os presentes, do início ao seu encerramento e a sua proposta foi construída processualmente. Em seu primeiro momento ouviu-se os moradores antigos sobre a forma como se deu a ocupação desta região da Bacia, caracterizando um momento de trocas entre novos e velhos moradores. Muitos residentes novos não conheciam ou sabiam das marcas dos movimentos sociais que participaram da conquista do lugar para a instalação de suas moradias. Este momento revelou o quanto é importante compreender a rugosidade do lugar para que o sentimento de pertença seja, de fato, desenvolvido. 

A presidente da OSC, Benice da Silva Santos, foi costurando as falas no sentido de legitimar a presença do Movimento ao longo das ruas, praça, postos de saúde, entre outros. Inclusive, o espaço da UBS é a antiga sede da OSC Santa Luzia. Hoje divide espaço entre OSC, UBS e salas de aula do MOVA.

Após a realização deste primeiro momento onde ouviu-se sobre a memória e história da construção territorial da região, questionou-se sobre a existência de pautas específicas que abordavam a questão ambiental e que poudessem ter sido desenvolvida pela OSC. A partir das vozes compreendeu-se que não existiu e que em apenas um dado momento, por ocasião da construção das residências na década de 1980, houve a solicitação de ter na área um espaço verde. Este hoje é onde se localiza a Praça, no entanto, está toda asfaltada.

O terceiro e quarto momento da pauta foram desenvolvidos juntos. A partir das estratégias “world café” e painel de encaminhamentos, realizou-se o diagnóstico, socialização e indicação de sugestões sobre o enfrentamento às mudanças climáticas, considerando a realidade socioambiental da região. 

Os quatro grupos trataram de realizar o movimento seguinte: Olhar para a sua realidade cotidiana na perspectiva da coletividade e de modo solidário indicar os fatores que influenciavam na qualidade de vida local. A única questão é que muitos associaram a qualidade de vida ao acesso a bens materiais, como uma boa casa, equipamentos diversos, outros, e a posse de sua moradia. Claro que houve outras indicações, mas estas foram bem frequentes.

Após as indicações, as informações foram socializadas, discutidas e a dinâmica da oficina mudou neste momento. Em vez de abrirmos um novo momento para apontamentos e sugestões de medidas de enfrentamentos às questões registradas, os grupos já foram fazendo tais relações e, desta forma, o encaminhamento se deu da seguinte forma:

Painel 1: A partir dos pontos positivos:

  • Junto com a OSC reivindicar áreas de lazer na própria praça;
  • Repensar a organização da praça;
  • Pensar em plantios de árvores;
  • Reivindicar postos de saúde para além do que já existe.

Olhando para a questão socioambiental e ao que já existe no lugar e pode ser potencializado, as respostas encaminharam-se na perspectiva do fortalecimento ao que já existe, exceto sobre a arborização. 

Painel 2: A partir dos pontos negativos:

  • Pensar junto a redução de lixos nas ruas ou discutir sobre os pontos viciados;
  • Tratar da nascente Santa Luzia.

Neste caso, a questão socioambiental também foi levada em conta. Os sujeitos dos grupos enxergaram como ponto negativo também o que já existe e propôs repensá-los em uma perspectiva de redução de danos ambientais.

Painel 3: A partir da influência dos outros

  • Reivindicar postos de saúde, comércio mais diversificado, áreas de lazer.

No caso do grupo 3, a perspectiva foi mais social, de atendimento às demandas da ausência do poder público. A população cresceu e os equipamentos de acesso a saúde, comercial, entre outros, permaneceram os mesmos. Neste caso, a questão socioambiental não foi o ponto central.

Painel 4: Sobre as influências internas:

Elencar atividades físicas e áreas de lazer é também tratar da questão socioambiental pois para fazê-lo torna-se necessário um olhar para o que já existe. Neste caso há algo peculiar no grupo, os encaminhamentos socioambientais em relação ao lixo, nascente, se dá a partir da ideia de coletividade.

5. CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

A investigação proposta nesta pesquisa em relação ao papel da OSC Santa Luzia junto aos moradores da região sudeste da Bacia do Lageado, se deu de forma muito participativa assim como se propõe o método da pesquisa-ação. O objetivo central se deu em torno de compreender como a OSC tem atuado no enfrentamento às mudanças climáticas considerando a realidade socioambiental da região, como ponto de partida e de chegada do processo investigativo. 

Em relação ao papel da OSC, a sua estrutura já direciona a importante função que tem nesta região pois todos os seus objetivos de criação voltam-se para a garantia de direitos humanos da população engajada nesta Organização Social. Este contexto já pressupõe o movimento realizado pela Associação, no entanto, ao adentrar para as práticas investigativas no que se refere às medidas de adaptação climática, observa-se uma ausência em pautas que centralizam tal questão. 

A proposta de intervenção investigativa junto à comunidade surtiu um efeito significativo tanto para a OSC quanto para a pesquisa que será direcionada ao LabItaim Paulista: de um lado a Associação Comunitária Santa Luzia atentou para a importância da discussão sobre a questão climática como uma das garantias ao acesso significativo da qualidade de vida da população local. A OSC já trabalhava com os problemas socioambientais, mas não centralizava ainda a discussão. 

Por outro lado, além da pesquisa atingir os objetivos propostos, pois conseguiu entender o nível de conhecimento socioambiental local de seus moradores e construir alguns encaminhamentos sobre o enfrentamento às mudanças climáticas a partir deste ator local, ampliou a possibilidade de continuidade de oficinas junto a OSC. As demandas socioambientais identificadas e as propostas encaminhadas, demandam continuidade na ação investigativa.

Dessa forma, dentro do formato da pesquisa-ação, o caminho para a atuação da OSC frente às mudanças climáticas, possui grandes possibilidades de enfrentamentos, encaminhamentos e a transformação socioambiental do lugar. Compreender os próximos papeis, funções, atuações e encaminhamentos darão sentido a força local que existe em um movimento social quando toma como princípio orientador a realidade local, a coletividade e solidariedade.


3https://www.bbc.com/portuguese/articles/czqeq2dzpw2o

REFERÊNCIAS

BOURDIN, Alain. A questão local. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

CARDOSO, Ruth. Obra reunidas. 1ed. São Paulo: Mameluco 2011

CARDOSO, R. Movimentos sociais na América Latina. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 1, n. 3.1987.

CARDOSO, R. Movimentos sociais urbanos: balanço crítico. In: ALMEIDA, M.; SORJ, B. (orgs.). Sociedade política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense, 1983.

FILHO, Cândido Malta Campos. Reinvente seu bairro: caminhos para você participar do planejamento de sua cidade. São Paulo: Ed. 34, 2003.

FONTES, Paulo. Um nordeste em São Paulo: Trabalhadores migrantes em São Miguel Paulista. Rio de Janeiro: FGV, 2008.

GADOTTI, Moacir. A experiência do MOVA-SP. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 1996. ___________Thinking urban transformation through elsewhere: A Conversation  between Real-world. Climate Change and Human Reaction: Transformation, Governance, Ethics, Law. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.3390/su132212811

MELLO. Jesus Matias de. Melo. Itaim Paulista, São Paulo : Arquivo Histórico Municipal, 2017. Disponível em:https://capital.sp.gov.br/web/cultura/w/arquivo_historico/publicacoes/8313https://capital.s p.gov.br/web/cultura/w/arquivo_histórico/publicacões/8313.Histórico Municipal, 2017.

SANTOS, Mílton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação,  São Paulo: Cortez, 1986.


¹Discente do Curso Superior de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu – USJT, Campus Mooca, e-mail: iolandafcruz@gmail.com.
²Docente do Curso de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu (USJT), Campus Mooca. Ph.D em Arquitetura e Urbanismo (IEB/USP), e-mail: ana.koury@gmail.com.