O MÉTODO APAC COMO ALTERNATIVA DE GESTÃO PRISIONAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8090645


 Leonardo Athayde de Albuquerque1; Ariane Marciele Veiga Gripa Bordin; Cid André Garcia Pereira; Diego Conceição Monteiro; Eduardo Lopes Cardozo;  Luan Benetti Valim; Luana dos Santos Rodrigues Espindola;
Luana Rodrigues Marques; Maurício Marcelo Marciel Costa; Paulo Henrique Fagundes; Rafael Machado da Costa; William Roger da Silva Almeida


RESUMO: O cumprimento da pena privativa de liberdade no Brasil tem encontrado diversos obstáculos, especialmente no que diz respeito à concretização dos direitos do apenado. O sistema carcerário tradicional não se mostra capaz de cumprir com a sua finalidade. Neste contexto, surge o Método APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados como alternativa de política pública na gestão prisional. O método, criado pelo advogado paulista Mario Ottoboni em 1972, possui doze pilares fundamentais: a Participação da comunidade; O recuperando ajudando o recuperando; Trabalho; Espiritualidade e a importância de se fazer a experiência com Deus; Assistência jurídica; Assistência à saúde; Valorização humana – base do Método APAC; A família – Do recuperando e da vítima; O voluntário e o curso para sua formação; Centro de Reintegração Social – CRS; Mérito; A jornada de libertação com Cristo. No entanto, apesar de suas vantagens inequívocas para o detento e para a sociedade, a vinculação religiosa obrigatória do Método APAC tem como consequência a violação da laicidade estatal e da liberdade religiosa, princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito. Mostra-se necessário, assim, a continuidade da evolução do método, com o estudo de alternativas à filosofia religiosa, para que este cumpra seu potencial como política pública da gestão prisional. 

PALAVRAS-CHAVE: Gestão prisional. Método APAC. Políticas públicas. 

1. INTRODUÇÃO 

O presente artigo científico tem por objetivo a apresentação dos aspectos fundamentais do Método APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, buscando compreendê-lo e entender os motivos pelos quais este modelo de gestão prisional tem sido considerado uma alternativa viável ao modelo tradicional de cumprimento da pena. 

Dados do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional de Justiça, do ano de 2 014, informam que o Brasil conta com 1.478 estabelecimentos prisionais. A despeito do número de estabelecimentos, o déficit de vagas é de aproximadamente 206.000 . A população prisional brasileira é de 711.463, ultrapassando o número de um milhão quando se consideram os mandados em aberto (FERREIRA, OTTOBONI, 2016, p. 19). 

A superlotação carcerária, somada às condições desumanas vividas nos presídios e que são de conhecimento geral fazem com que as prisões se pareçam “mais com campos de concentração para pobres, ou com empresas públicas de depósito industrial dos dejetos sociais, do que com instituições judiciárias servindo para alguma função penalógica […]” (WACQUANT, 2001, p. 11). 

Dados estatísticos apresentados em 2009 demonstram que, enquanto no estabelecimento prisional comum o preso custa para o Estado o correspondente a quatro salários mínimos e meio, na APAC este mesmo recuperando custará somente um salário mínimo e meio. Quanto ao índice de reincidência, nos estabelecimentos tradicionais o índice chegava a 85%, enquanto na APAC a reincidência era de apenas 8.62% (FARIA, 2011). 

A consideração destas circunstâncias leva ao questionamento a respeito de maneiras através das quais essa realidade pode ser alterada. O método APAC, ao mesmo que traz uma crítica à estrutura tradicional de cumprimento de pena, propõe uma maneira de administrar os presídios que possa transformar esta realidade. De modo a cumprir com os objetivos do presente trabalho, inicia-se o estudo do método APAC através de um breve estudo de seu histórico, seguindo-se uma explanação a respeito dos elementos fundamentais do método. Por fim, analisa-se de forma breve a constitucionalidade do método. 

2. DESENVOLVIMENTO 

O método APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados surgiu no ano de 1972, na Cadeia Pública de São José dos Campos, na cidade do mesmo ano. O projeto teve início com um grupo de 15 voluntários vinculados à Pastoral Carcerária da Igreja Católica, liderados pelo advogado Mario Ottoboni (DARKE, 2014). 

Desde o início o projeto denomina-se APAC. No entanto, no início, esta sigla significa Amando o Próximo Amarás a Cristo, buscando denotar a vinculação do projeto com grupos da Igreja Católica (Pastoral Carcerária). Embora a significação hoje seja distinta, a vinculação com as Pastorais continua presente (LANER, 2015, p. 35). 

Todas as APACs fazem parte da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), criada com a finalidade de unificar o método e promover encontros anuais para estudo e aprimoramento das técnicas. A FBAC é filiada, desde 1986, à Prison Fellowship International, órgão consultivo da ONU para as questões carcerárias e de vinculação cristã (VARGAS, 2011). 

Cada APAC “é uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, com patrimônio e personalidade jurídica próprios e tempo de duração indeterminado” 
(FERREIRA, OTTOBONI, 2016, p. 20), “atuando na qualidade de Órgão Auxiliar da Justiça e da Segurança na Execução da Pena” (OTTOBONI, 1997, p. 47). 

A autonomia – financeira, jurídica e administrativa – também é característica de cada unidade. Significa dizer que o sustento financeiro das APACs advém somente das contribuições de seus sócios e de doações (OTTOBONI, 1997). 

Os objetivos primários da APAC são a recuperação do preso, a proteção da sociedade, o socorro às vítimas e a promoção da justiça restaurativa. De modo a alcançar estes objetivos, a APAC aplica uma terapêutica penal própria, a qual é formada por doze elementos fundamentais, os quais serão detalhados mais à frente (FERREIRA, OTTOBONI, 2016, p. 20). 

Como um resumo da filosofia do método, a frase mais significativa é aquela que afirma que este método visa “matar o criminoso e salvar o homem” (OTTOBONI, 1997).  

A experiência da Cadeia Pública de São José dos Campos foi sendo aprimorada e divulgada, fazendo com que o método se tornasse mais conhecido. No ano de 1984, preocupado com o cumprimento da pena privativa de liberdade, o estado de Minas Gerais implantou uma APAC masculina em Itaúna, na Cadeia Pública local. Atualmente, esta instituição é considerada o maior modelo de sucesso do método APAC (VARGAS, 2011). 

A experiência de sucesso fez com que o Governo de Minas Gerais expandisse a iniciativa e regulamentasse, em 2011, o Programa Novos Rumos da Execução Penal, através do Tribunal de Justiça, o qual conferiu às APACs o status oficial de política pública penitenciária (VARGAS, 2011). 

Atualmente, existem em funcionamento no Brasil cinquenta e uma APAC’s, as quais se encontram administrando Centros de Reintegração Social. Outras setenta e seis unidades encontram-se em processo de implantação. As unidades estão dispostas, majoritariamente, no estado de Minas Gerais, devido ao incentivo do Poder Judiciário, através do já mencionado Projeto Novos Rumos (SILVA, 2009). 

Os demais estados da federação a contarem com APACs são o Espírito Santo, Maranhão, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Há, atualmente, 3.894 recuperandos de ambos os sexos distribuídos pelas unidades acima mencionadas. O custo médio per capita, em 2019, é de R$ 1.072,09 (mil e setenta e dois reais e nove centavos), ou seja, um pouco mais de um salário mínimo. Os dados são atualizados mensalmente no sítio eletrônico da FBAC (FRATERNIDADE…, 2019). 

Entre os pontos positivos do método, apontados inclusive pelos próprios recuperandos (nomenclatura adotada para referir-se aos apenados que se encontram submetidos ao método) encontra-se a ausência de polícia armada no presídio. Outros pontos positivos apontados são a obrigatoriedade da alfabetização, a ausência de ociosidade, a possibilidade de uso disciplinado e controlado do telefone, a ausência de droga, entre outros pontos (OTTOBONI, 1997). 

Presos de todos os regimes de cumprimento de penas podem ser recebidos pelas APACs. Os presos de diferentes regimes vivem em celas separadas e, por vezes, até mesmo em estabelecimentos distintos. Emprega-se a nomenclatura de estágios, correspondendo o regime fechado ao Primeiro Estágio, o regime semiaberto ao Segundo Estágio e o regime aberto ao Terceiro Estágio (OTTOBONI, 1997 ). 

No Primeiro Estágio, os recuperandos possuem como atividades a participação em aulas de conhecimentos gerais (religião, valorização humana, artes, cursos profissionalizantes e de alfabetização). O trabalho artístico é incentivado, uma vez que considera-se que a arte possui a capacidade de despertar interesses saudáveis e voltar a atenção do preso para uma área que, via de regra, era desconhecida até o momento: a da criatividade e da beleza (LANER, 2015, p. 36). 

O trabalho artesanal é incentivado de maneira terapêutica e não de produção em série, uma vez que o idealizador do método considera que a proposta seria desvirtuada pela produção em série (OTTOBONI, 1997, p. 37). 

Também no Primeiro Estágio são atribuídas responsabilidades básicas ao recuperando, relacionadas à limpeza e organização do ambiente e de seus pertences. O escopo pedagógico da pena é o foco deste ponto. Estas tarefas, somadas às já referidas, buscam evitar a ociosidade, a qual é vista como empecilho para a “recuperação da autoestima e da capacidade de convivência do recuperando” (LANER, 2015, p. 36). 

No Segundo Estágio, amplia-se o foco para a formação profissional do detento, buscando qualificá-lo para que sua mão-de-obra seja valorizada quando retornar à sociedade. De acordo com Laner (2015, p. 36), 

no Terceiro Estágio, entendido como regime aberto, o recuperando só pode ausentar-se da Casa de Albergado para trabalhar, acompanhar atividades da APAC e passar os domingos em família. São os padrinhos que, juntamente com a Diretoria da APAC, fiscalizará a observância das normas de cada um dos Estágios pelo recuperando. 

É o próprio detento quem tem a possibilidade de requerer a assistência do método APAC, requerendo sua transferência para uma unidade da APAC. No entanto, a unidade somente aceitará aqueles que se mostrarem dispostos a trabalhar, ter disciplina e deixar para trás a vida criminosa. A autorização para a transferência fica a cargo do Juiz da Execução Penal. Para Laner (2015, p. 36) “dessa maneira, demonstra-se a rigidez do método, que não serve a todos os detentos que desejam simplesmente escapar ao sistema penitenciário comum”. 

O rigor da APAC também é demonstrado pela emissão de pareceres favoráveis somente quando há certeza de que o recuperando não representa perigo à sociedade e encontra-se preparado para comportar-se de acordo com a benesse concedida. Ottoboni (1997, p. 32) destaca que as “[…] estatísticas mostram que a APAC deu mais pareceres contra do que a favor do preso, protegendo, assim, a sociedade e o próprio preso, que não sai despreparado”. 

Os doze pilares do método APAC são: Participação da comunidade; O recuperando ajudando o recuperando; Trabalho; Espiritualidade e a importância de se fazer a experiência com Deus; Assistência jurídica; Assistência à saúde; Valorização humana – base do Método APAC; A família – Do recuperando e da vítima; O voluntário e o curso para sua formação; Centro de Reintegração Social – CRS; Mérito; A jornada de libertação com Cristo. 

No que diz respeito à Participação da comunidade, Ottoboni (2014) considera essencial que cada comunidade possa assumir o controle de seus moradores, estimulando a descentralização dos presídios através de uma alternativa de reformulação. A função e o objetivo da comunidade é difundir a metodologia da APAC nos presídios, levar ao conhecimento do restante da sociedade os trabalhos realizados nos Centros de Reintegração (HERNANDES, 2018). 

A atividade de voluntariado para o cumprimento das atividades que envolvem o cumprimento da pena, em última análise, constitui uma concretização da Lei de Execução Penal, a qual prevê no artigo 4º que “O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”, desempenhando função essencial para aplicação do método”. 

A comunidade tem o dever, portanto, de tentar quebrar os preconceitos ligados aos condenados e egressos do sistema carcerário, ampliando a possibilidade de um recomeço efetivo após o cumprimento da pena (HERNANDES, 2018).  

Quanto ao segundo pilar, Recuperando ajudando recuperando, o voluntariado é considerado pelo método APAC como meio de ensinar a cultivar o companheirismo, estimular a convivência harmônica e a possibilidade de doação, da prática do bem para que este seja também colhido (HERNANDES, 2018). 

Assim, são realizadas escalas de atividades voluntárias aos recuperandos com 

“A finalidade de manter a disciplina e a harmonia entre os recuperandos, a limpeza e higiene pessoal e da cela, o treinamento de líderes, acentuando o rompimento do ‘ código de honra’ existente entre a população prisional” (OTTOBONI, 2014, p. 70). 

O Trabalho é considerado o terceiro elemento fundamental do método. Conforme já mencionado, cada Estágio tem enfoques de trabalho específicos, sendo estimulado desde a laborterapia até a prática de uma profissão, passando pela formação técnica desta formação. Assim, diversas facetas do trabalho são estimuladas (HERNANDES, 2018). 

O quarto elemento considerado fundamental é o elemento religioso. Alguns dos escritos mais modernos a respeito do tema trazem a substituição do vocábulo “religião” pelo vocábulo “espiritualidade”, denotando uma maior abertura do método à adoção de religiosidades diferentes da católica. No entanto, todo o projeto é extremamente voltado aos princípios das religiões cristãs, excluindo de maneira implícita e indireta religiões não-cristãs, como as religiões de matrizes afro- brasileiras ou hinduístas. 

Este movimento em direção à abertura para novas religiosidades pode ser percebido através do posicionamento do próprio criador do método, o qual ressalta que a presença da religiosidade/espiritualidade entre os doze elementos fundamentais do método tem por objetivo fazer com que o recuperando passe a “crer em Deus, amar e ser amado, não impondo este ou aquele credo, e muito menos sufocando ou asfixiando o recuperando com chamamentos que o angustiam, em vez de fazê-lo refletir” (OTTOBONI, 2014, p. 81). 

A Assistência jurídica é considerada como elemento fundamental do método, a ser adotada de maneira sólida e consistente e não apenas de forma eventual. Indicadores da FBAC demonstram que 95% da população prisional não possui condições financeiras para arcar com os custos da contratação de um advogado. Assim, a APAC busca oferecer assistência jurídica com especial atenção à execução da pena, também como recompensa pela adesão ao método e ao merecimento do recuperando. 

Também é considerada como elemento fundamental do método a Assistência à saúde. A ausência de atendimento às necessidades básicas de saúde nos presídios é um dos maiores focos geradores de rebeliões, motins, fugas e até mesmo mortes nas prisões. Assim, estimula-se o atendimento à saúde com qualidade e integralidade, através de voluntários de diversas áreas (enfermeiros, médicos, dentistas, psicólogos). Ferreira e Ottoboni (2016, p. 84) consideram que este atendimento facilita o entendimento pelo recuperando de que alguém se preocupa com a sua sorte e diminui o sentimento de abandono. A APAC dispensa também especial atenção à dependência química, a qual é considerada pela Organização Mundial de Saúde como uma doença física e psíquica (FERREIRA, OTTOBONI, 2016, p. 84). 

Outro elemento fundamental do método é a Família, considerada como a estrutura de qualquer ser humano. A presença dos familiares durante o cumprimento da sentença é estimulada como fator imprescindível para o processo de recuperação. Na consideração de Ottoboni (2014, p. 88) “a família do recuperando não pode, em hipótese alguma, estar excluída da metodologia da APAC, uma vez que todos os dados estatísticos nos dão conta de que, entre os fatores determinantes da criminalidade, a família comparece com 98%”. 

Neste sentido, a APAC busca estimular os contatos telefônicos e as correspondências diárias do recuperando com os familiares. Também são programadas visitas especiais em datas comemorativas e usualmente relacionadas às famílias, como Dia das Mães, dos Pais, Natal, etc. Assim, busca-se retomar e manter os elos afetivos do recuperando com suas famílias (HERNANDES, 2018). 

A atenção às famílias também assume a forma de cursos de formação aos familiares, abordando desde orientações gerais sobre como dialogar com os recuperandos até treinamentos de valorização humana e retiros espirituais (HERNANDES, 2018). 

A pessoa do Voluntário também é considerada como elemento fundamental do método. Para que alguém seja voluntário, é realizada análise de sua conduta e de sua preparação no geral. Aqueles que desejam ser voluntários devem se submeter a um curso formado por quarenta e duas aulas, cada uma com duração de 01h30min. De preferência, são ministradas duas aulas por semana, sob responsabilidade da FBAC (HERNANDES, 2018). 

A partir dos voluntários selecionados, são montadas duplas (as quais, em geral, são formadas por um voluntário de cada sexo), as quais são designadas para cada recuperando. Estes padrinhos passam a ser também parte da família do recuperando, até mesmo substituindo a família para aqueles que não podem contar com o apoio familiar. O objetivo é reconstruir os valores negativos que podem ter sido deixados pelos pais e demais familiares e que contribuíram para a prática das infrações penais (HERNANDES, 2018). 

O próximo ponto considerado fundamental no método APAC é o próprio Centro de Reintegração Social – CRS, que é o local onde a pena será cumprida. Ferreira e Ottoboni (2016, p. 75) destacam que a possibilidade de construção dos CRS pela comunidade não modifica a obrigação constitucional do Estado de construir, equipar e manter as prisões. Os CRS são, preferencialmente, unidades de pequeno porte que ofereçam espaços separados para o cumprimento dos regimes previstos na Lei de Execução Penal. 

Quando um CRS vier a ter sua administração assumida por uma APAC, sem o concurso das polícias, a FBAC realiza inspeção para verificar se o espaço atende às necessidades da proposta, em áreas como a segurança, a preparação dos voluntários, o treinamento dos funcionários, os convênios de manutenção, etc. (FERREIRA, OTTOBONI, 2016, p. 75). 

Da mesma forma que os itens anteriores, o mérito é considerado fundamental dentro da concepção do método APAC. Conceito que está presente na vida do recuperando desde o início de sua jornada nas APACs, o mérito possui diversos aspectos. Cada recuperando possui um prontuário, no qual constam anotações referentes a todos os aspectos da sua vida dentro da instituição. Neste prontuário são anotadas todas conquistas, elogios, cursos realizados, saídas, e também as faltas e sanções disciplinares aplicadas. Este prontuário, em momento oportuno, comporá o relatório circunstanciado do recuperando, o qual é anexado a qualquer solicitação de benefícios jurídicos (HERNANDES, 2018). 

É para avaliar o merecimento dos recuperandos que se constitui a CTC – Comissão Técnica de Classificação. Os profissionais que compõem esta comissão avaliam o recuperando para verificar a necessidade de tratamento individualizado, para recomendar exames de cessação de periculosidade, de dependência toxicológica, avaliações de sanidade mental, exames exigidos para progressão de regime, etc. (FERREIRA, OTTOBONI, 2016, p. 76). 

A Jornada de Libertação com Cristo, além de ser considerada como um dos elementos fundamentais do método APAC, é considerada o ápice da metodologia. A Jornada é formada por três dias de atividades voltadas à espiritualidade (via de regra, católica), na qual busca-se fazer com que o recuperando reflita sobre sua jornada espiritual e reformule o que é considerado necessário. A Jornada, com duração de quatro dias, é dividida em dois momentos. Num primeiro momento, há a parte essencialmente doutrinária da Jornada, composta por palestras e testemunhos de cunho espiritual. Em um segundo momento, é estimulada a atividade de reflexão do recuperando a respeito de sua própria jornada até o momento, estimulando-se a revisão dos atos praticados até o momento. O objetivo é o autoconhecimento do recuperando e o estímulo de um encontro com um ser superior (HERNANDES, 2018 ; FERREIRA, OTTOBONI, 2016, p. 76). 

A Valorização humana, atualmente alicerce do método APAC, não o era no começo da aplicação do método. A base do método APAC, quando este começou, era a religião, devido ao histórico da entidade. Os atuais doze elementos fundamentais, à época, eram apenas cinco. A partir da obra de Mario Ottoboni denominada Vamos matar o Criminoso?, desenvolveram-se os Doze Elementos Fundamentais do método APAC, resultantes da síntese de estudos, pesquisas e da vivência prática do método com os recuperandos (FERREIRA, OTTOBONI, 2016, p. 76 -77). 

O que resultou disso é a consciência de que existem necessidades do apenado que antecedem e se sobrepõem a necessidade de uma divindade ou de um ser superior. Nas palavras de Ferreira e Ottoboni (2016, p. 77), 

é praticamente impossível convencer os presidiários de que Deus é amor se ele se encontra abandonado juridicamente atrás das grades. Da mesma forma, é irreal afirmar que Deus é bom para aqueles presos que se encontram doentes, vítimas de tuberculose, HIV, hanseníase e outras enfermidades. Também se torna hipocrisia falar que Deus é Pai e Mãe num ambiente de feras, vivendo em lugares superlotados, insalubres, sem higiene, sem atendimento médico, odontológico e psicológico; sem estudo, sem trabalho, com péssima alimentação e maus tratos. 

Visualizando-se esta realidade e a desvalorização e desumanização do apenado dentro do sistema carcerário que, por vezes, transforma o ser humano em monstro, adotou-se como base do método APAC a valorização humana. O que se compreendeu é que a aplicação da espiritualidade não basta para a mudança de mentalidade que se objetiva no recuperando, e que a chave para isso é a sua valorização como ser humano (FERREIRA, OTTOBONI, 2016, p. 77). 

Contudo, apesar dos benefícios trazidos pelo Método APAC, especialmente no que diz respeito à humanização da pena privativa de liberdade, há diversos aspectos do Método que podem ser criticados. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, a taxa de evasão nos estabelecimentos penais que adotam o método APAC pode ser mais elevada do que nos presídios comuns. Isso pode ocorrer devido à ausência de guardas armados, à menor rigidez do sistema e à liberdade de trânsito dentro das unidades (MARTINO, 2014). 

Ainda, o fato de que as APACs restringem o seu atendimento à detentos naturais da localidade onde implantadas (o que se dá devido à forma como trabalhada a relação do recuperando com a comunidade e com a família) funciona como limitador do acesso ao método (DARKE, 2014). 

Outro ponto que merece atenção é o fato de que, para os ideólogos e executores do método APAC, a religião católica é elemento imprescindível à sua eficácia (MUHLE, 2013). A aplicação se dá desde a doutrina até na prática dos métodos e rituais da APAC. Os padrinhos, anteriormente mencionados, têm entre suas funções a orientação religiosa e a evangelização do recuperando. 

Conforme também já mencionado, para que sejam admitidos nos estabelecimentos do Método APAC, os detentos devem estar dispostos à conversão e a aceitar os preceitos religiosos. Um fato que chama a atenção é que, entre os recuperandos, não existem homossexuais, uma vez que esta orientação sexual contraria os preceitos da religião católica (MUHLE, 2013). 

Assim, “ressalta-se que o método em comento não é acessível a todos os condenados, restringindo-se aos detentos que aceitam os dogmas católicos cristãos” (LANER, 2015, p. 43). 

No entanto, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assim como todas as constituições republicanas no país, consagra a noção de estado laico. A adoção de um método com imposição religiosa vai de encontro a esta noção de estado laico. No que diz respeito ao estado de Minas Gerais, ao alçar o método APAC ao status de política pública, “o Estado vinculou o exercício do seu poder de punir à doutrina de uma religião específica, o que caracteriza outro atentado à secularização estatal hodierna” (LANER, 2015, p. 43). 

Esta matéria é atualmente positivada nos artigos 5º, inciso VI, e 19, inciso I, da Constituição de 1988. A laicidade estatal, de acordo com Sarmento (2007), exerce a dupla função de proteger as diversas confissões religiosas de intervenções estatais em suas questões internas (doutrinas e valores professados) e de proteger o ente estatal das influências dogmáticas indevidas que possam gerar restrições a direitos e garantias fundamentais. 

Laner (2015, p. 44-45) chama a atenção para o risco de que fundamentalistas religiosos utilizem-se da execução da pena privativa de liberdade e da marginalização social dos apenados para consolidação de seus projetos de poder. Em última análise, o Estado chancelaria a difusão da intolerância inerente a estes discursos. A autora afirma que o ente estatal corrobora para a violação de princípios constitucionais, posto que o fundamentalismo religioso, frequentemente, difunde a violência psicológica e física contra os que discordam da sua visão de sociedade, política e moral” (LANER, 2015, p. 45). 

Assim, por mais vantajosa que a aplicação do Método APAC possa se mostrar à sociedade, há que se pensar em adaptações do método que garantam os princípios da laicidade do Estado e da liberdade religiosa. A ampliação e melhoramento do método APAC somente tem vantagens a oferecer ao Estado. 

3. CONCLUSÃO 

Assim, através da presente pesquisa, conheceu-se melhor o Método APAC como política pública alternativa à estarrecedora realidade do sistema penitenciário nacional. Verificou-se que o método implica em inúmeros benefícios no que diz respeito à humanização do cumprimento da pena, à efetivação dos princípios da Lei de Execução Penal e à ressocialização efetiva dos apenados. 

Por outro lado, em um contraponto importante e que exige que alternativas sejam estudadas, verificou-se que a aplicação do método APAC implica também em violação a princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, ferindo a laicidade estatal e a liberdade religiosa do indivíduo. Estas implicações constitucionais negativas podem, no entanto, ser sanadas, a partir de alternativas como a apresentada por Laner (2015). A autora sustenta que a filosofia contemporânea, a partir da sacralização do humano, pode funcionar como substituto aos elementos religiosos do método. 

Assim, o método APAC, o qual se encontra em evolução permanente e constante, pode vir a representar o futuro da execução penal no Brasil, uma vez que tem potencial para concretizar diversos aspectos do Estado Democrático de Direito.

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1E-mail: leonardo.albu@hotmail.com