FEAR IN ADMINISTRATIVE LAW AND THE BLACKOUT OF PENS: IMPACTS OF THE CONTROL SYSTEM ON THE EFFICIENCY OF PUBLIC MANAGEMENT.
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202410020946
Nathália Cavalcanti Limeira Martins1
Orientador: Professor Dr. Fábio Lins de Lessa Carvalho
RESUMO: Este artigo analisa o impacto do excesso de controle e poder punitivo exercido sobre os atos da Administração Pública, que resulta em ineficiência na gestão pública e, em muitos casos, em uma paralisia decisória, conhecida como “apagão das canetas” ou silêncio administrativo. A investigação aborda como o temor de sanções severas desestimula os gestores a tomarem decisões que envolvem discricionariedade e inovação, comprometendo a eficiência e o cumprimento dos objetivos públicos.
PALAVRAS-CHAVE: Administração Pública. Controle. Medo. Ineficiência.
ABSTRACT: This article analyzes the impact of excessive control and punitive power exercised over the actions of the Public Administration, which results in inefficiency in public management and, in many cases, in decision-making paralysis, known as “pen blackout” or administrative silence. The investigation addresses how the fear of severe sanctions discourages managers from making decisions that involve discretion and innovation, compromising efficiency and the fulfillment of public objectives.
KEYWORDS: Public Administration. Control. Fear. Inefficiency.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Intensificação do Controle e o Comprometimento da Eficiência Administrativa. 3. O Clima de medo e a ineficiência Administrativa. 4.Conclusão. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo discute o excesso de poder punitivo estatal e a profunda burocratização no sistema de controle da Administração Pública brasileira. Tal cenário tem gerado graves consequências para a gestão pública, que, diante de um ambiente de medo e insegurança jurídica, se encontra frequentemente paralisada e ineficiente. A situação demanda uma reflexão sobre a necessidade de moderação no poder punitivo estatal, bem como uma ponderação mais criteriosa nas decisões de controle, levando em consideração o contexto e as condições em que os agentes públicos atuam.
As análises apresentadas neste artigo se fundamentam na observação de que muitas das decisões punitivas adotadas não estão baseadas em critérios racionais e objetivos, mas são frequentemente influenciadas por um contexto cultural e midiático de combate à corrupção. Esse cenário resulta em decisões desproporcionais e, por vezes, descoladas da realidade prática da administração.
No Brasil, com a promulgação da Constituição de 1988 e o estabelecimento do Estado Democrático de Direito, buscou-se afastar as arbitrariedades e abusos cometidos no período ditatorial. A Constituição e as leis ordinárias subsequentes trouxeram consigo um conjunto de princípios e deveres a serem observados pela Administração Pública, além de um robusto sistema de controle e fiscalização, submetendo tanto entidades quanto agentes públicos a uma vasta rede de controle sobre suas ações.
Este artigo tem como objetivo demonstrar que, em determinadas circunstâncias, o princípio da legalidade — ou juridicidade — deve ceder parcialmente a outros princípios igualmente fundamentais, como os da finalidade e da razoabilidade. O excesso de rigidez na aplicação do controle punitivo ignora esses princípios, gerando disfunções significativas na gestão pública.
O debate atual enfatiza essas disfunções, com foco particular no impacto negativo do excesso de poder punitivo estatal e da burocratização sobre os atos administrativos discricionários. Muitas vezes, essa burocracia é utilizada como um escudo para encobrir possíveis ilícitos, enquanto agentes públicos, por medo de represálias, evitam tomar decisões que possam ser consideradas arriscadas, ainda que necessárias para o interesse público. Como resultado, o princípio constitucional da eficiência é comprometido, e o interesse coletivo acaba sendo colocado em segundo plano ou sequer considerado, devido ao receio constante de punição rígida e desproporcional.
Diante desse cenário, o artigo busca lançar luz sobre a urgência de uma reformulação no modelo de controle, para que se promova um ambiente de confiança, onde o controle sirva como apoio à boa gestão, e não como um obstáculo à tomada de decisões administrativas legítimas e inovadoras
2. A INTENSIFICAÇÃO DO CONTROLE E O COMPROMETIMENTO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, houve uma ampliação significativa do controle sobre a atuação estatal. Esse processo, de maneira inequívoca, trouxe benefícios inquestionáveis para a sociedade, na medida em que fortaleceu mecanismos de fiscalização e responsabilização dos agentes públicos. No entanto, o ponto em discussão não é a necessidade de controle, mas sim como ele se expandiu de forma desordenada e descoordenada, ultrapassando muitas vezes sua competência. Essa expansão tem sido marcada por uma rigidez excessiva e intolerância nas fiscalizações, especialmente em face das frequentes notícias de malversação de recursos públicos.
Com a Constituição de 1988, foram instituídos diversos mecanismos de controle sobre os atos administrativos, resultando na criação de múltiplas instituições e estatutos jurídicos com essa finalidade. A multiplicidade de instâncias de controle, por si só, não é prejudicial, uma vez que a independência entre esses órgãos é crucial para assegurar uma fiscalização robusta. Entretanto, o problema surge quando a ampliação dessas estruturas de controle não é acompanhada por uma atuação coordenada entre as diferentes entidades criadas. Isso resulta em uma fragmentação da fiscalização, com diversos órgãos investigando os mesmos fatos de forma isolada, muitas vezes chegando a conclusões conflitantes e desprovidas de lógica e racionalidade.
Como apontado por Loureiro (2009), em estudo sobre a situação do controle no âmbito do Governo Federal, a pluralidade de órgãos não é, em si, um problema, mas a falta de coordenação entre eles. A ausência de articulação entre as diferentes instâncias de controle acaba por gerar conflitos entre os próprios fiscalizadores, o que, em última análise, resulta em uma competição por espaço de atuação, recursos e vantagens. Esse cenário compromete a própria eficiência da atuação estatal, que, ao invés de promover uma fiscalização harmônica, se vê prejudicada por redundâncias e conflitos internos, afetando diretamente a economicidade exigida da administração pública (LOUREIRO, 2009).
A efetividade do controle estatal, portanto, é severamente comprometida quando diversos atores agem de forma independente e descoordenada, fiscalizando os mesmos fatos de maneira difusa. O sistema de controle brasileiro, composto por uma rede de órgãos públicos descentralizados e especializados, atua com pouca sinergia, o que não apenas eleva os custos de fiscalização, mas também sobrecarrega os próprios agentes públicos sob fiscalização. A duplicidade de investigações e a incoerência entre as ações dos diferentes órgãos de controle geram lacunas graves, deixando muitas irregularidades sem investigação, enquanto outras são examinadas repetidamente (ALVES; CALMON, 2008).
Essa falta de coerência e coordenação compromete profundamente a efetividade do controle estatal, gerando duplicidade de esforços e desperdício de recursos, sem que o objetivo final de coibir irregularidades seja alcançado. O tempo e os recursos gastos na fiscalização de determinados fatos já investigados por outras instâncias acabam por impedir que outros casos igualmente relevantes sejam examinados. Assim, o controle, em vez de promover a eficiência administrativa, se torna um entrave, com resultados opostos ao desejado.
Como consequência dessa desordenação no sistema de controle, emergiu uma verdadeira obsessão dos órgãos fiscalizadores pela punição dos agentes públicos, frequentemente ignorando o contexto em que as decisões foram tomadas. As sanções impostas muitas vezes não consideram a intenção ou o contexto da ação dos gestores, que podem ter agido de boa-fé ao tomar decisões sob pressões específicas da época. Além disso, irregularidades formais, muitas delas sanáveis, são tratadas com a mesma rigidez reservada a casos de corrupção e malversação administrativa, resultando em uma desproporcionalidade clara entre a conduta do agente político e a sanção aplicada.
O excesso de controle punitivo, aliado à falta de coordenação entre os órgãos fiscalizadores, prejudica não só a eficiência da Administração Pública, mas também gera um ambiente de insegurança jurídica para os gestores públicos. É necessário que se reconheça a importância de um controle eficaz, mas que este seja exercido de maneira coordenada e proporcional, evitando assim a penalização injusta de condutas que não merecem uma reprimenda tão severa.
Nesse diapasão, destacam-se as considerações de Carlos Ari Sundfeld (2016):
Outro problema é que se espalhou no Brasil uma verdadeira obsessão em punir gestores públicos: falhou, pagou; um exagero. Claro que a corrupção e o desvio de recursos públicos têm de ser combatidos com severidade. Mas grande parte dos processos punitivos contra gestores públicos é por falhas operacionais, por questões formais ou por divergências de opinião. Ora, falhas são próprias de qualquer organização; só não erra quem não age. Os controladores por acaso são punidos quando falham? Por outro lado, são normais as opções do gestor não coincidirem com as preferências do controlador: o direito tem muitas incertezas, não é matemática; divergência de interpretação sobre fatos e leis não é crime. Portanto, punição é um erro para esses casos.
A obstinação a que o autor se refere manifesta-se por meio da aplicação de interpretações excessivamente rígidas e inflexíveis de diversos enquadramentos administrativos, como o de improbidade, e da imposição de medidas severas, tais como constrição de bens, afastamento temporário e, em alguns casos, até prisão, sem que haja, muitas vezes, a devida observância do cumprimento dos requisitos legais mínimos necessários para a adoção dessas sanções..
O controle sobre os atos administrativos tem se revelado excessivamente rígido, especialmente no que tange ao enquadramento desses atos como improbidade administrativa. Mesmo com a existência de jurisprudência que afirma a necessidade de comprovação do elemento subjetivo para caracterizar a prática de improbidade, assim como as recentes atualizações na Lei de Improbidade Administrativa, observa-se, com frequência, a propositura de ações de improbidade diante de qualquer irregularidade, independentemente da verificação de dolo, má-fé ou desonestidade. Esse cenário faz com que a Lei nº 8.429 (BRASIL, 1992), conhecida por suas sanções severas, seja aplicada a meros ilícitos de gestão que poderiam ser corrigidos.
Na realidade, o que muitas vezes se percebe é que essas ações, em parte, são respostas a pressões da opinião pública, frequentemente fomentadas pelo sensacionalismo midiático. Além disso, para preservar a imagem da instituição controladora ou demonstrar eficiência no combate à corrupção, diversas ações são movidas de maneira precipitada, baseadas em fundamentos genéricos ou com um caráter exclusivamente político-punitivo, distanciando-se da finalidade real da Lei de Improbidade.
O gestor público, segundo Santos especialmente nos âmbitos municipais, têm, gradualmente, desistido de tomar decisões. O temor em relação aos riscos jurídicos que envolvem o exercício de sua função tem crescido de forma significativa. Decisões necessárias para o dia a dia da Administração Pública passaram a ser vistas como potenciais fontes de problemas legais, podendo, em alguns casos, culminar na criminalização de condutas administrativas. Rodrigo Valgas, em sua obra, descreve diversas situações em que gestores preferem não agir para evitar consequências jurídicas severas, como o risco de serem responsabilizados penalmente por decisões tomadas em exercício de suas funções. (SANTOS, 2022, p. 28)
Diante do aumento do controle sobre suas ações, o administrador público tem desistido de tomar decisões importantes. Com os riscos ampliados, muitos gestores, por instinto de autoproteção, limitam suas ações à chamada “zona de conforto”, evitando qualquer medida que possa gerar controvérsia ou expô-los a sanções. Segundo o autor Rodrigo Valgas, isso resultou em uma verdadeira “crise da ineficiência pelo controle”, na qual os gestores, acuados pelo medo de responsabilização, deixam de buscar a melhor solução para o interesse público e, em vez disso, se preocupam prioritariamente em evitar a responsabilização. A tomada de decisões inovadoras ou a adoção de ações que possam ser vistas como controvertidas pelos órgãos de controle representam, para esses gestores, uma exposição a riscos jurídicos difíceis de enfrentar. (SANTOS. 2022, p.28).
A inibição do administrador diante dessa iminente ampliação dos riscos de sanção é compreensível. Tomar decisões sensíveis pode implicar, para o gestor, o risco real de ser processado criminalmente, o que cria um ambiente de extrema cautela. Como consequência inevitável dessa retração, instala-se a ineficiência administrativa, com claros prejuízos ao funcionamento adequado da máquina pública. Ao evitar ações que possam ser questionadas, os gestores deixam de implementar soluções necessárias, comprometendo o atendimento ao interesse público e a eficácia das políticas públicas ainda que o Autor pontue que é de bom alvitre que exista o controle da Administração Pública e que àqueles encarregados orientem e determinem em que determinados atos administrativos sejam ou deixem de ser praticados, sob pena de sanções. (SANTOS,2022)
A princípio isto nada tem de errado. Afirma o autor, em contrapartida que: “O problema é que no caso brasileiro estas garantias institucionais trouxeram postura pouco diferencial destes órgãos para com os administradores, pois mesmo decidindo legitimamente, têm de ceder às decisões dos órgãos de controle em face do risco da imposição de sanções.”(SANTOS, 2022 p. 51).
Santos (2022) não critica o exercício do controle sobre os atos administrativos. Pelo contrário, ele reconhece que o combate à corrupção, liderado pelos órgãos de controle no Brasil, foi essencial para fortalecer a legitimidade da burocracia perante a sociedade. De fato, a luta contra a corrupção é imprescindível, e a burocracia brasileira desempenha um papel significativo nesse esforço. No entanto, o foco excessivo no tema, amplificado pela cobertura midiática, transformou os órgãos de controle em uma espécie de último bastião moral, considerados por muitos como a única salvação do país. Esse fenômeno, embora positivo em certos aspectos, acabou legitimando alguns excessos cometidos por esses mesmos órgãos, além de expor suas disfunções (SANTOS, 2022, p.73).
A crítica central do autor reside no esvaziamento da racionalidade jurídica, o que abre caminho para a crescente politização dos órgãos de controle. Quando instituições como o Judiciário, o Ministério Público e os Tribunais de Contas acumulam um poder decisivo sobre a vida civil e política dos gestores públicos, observa-se uma tendência de politização dessas esferas de controle. O Direito, que deveria ser o principal balizador para garantir a segurança jurídica, acaba sendo insuficiente nesse contexto, e os órgãos controladores correm o risco de se tornarem aquilo que deveriam combater: agentes políticos. (SANTOS, 2022, p.79)
Dessa forma, a imparcialidade e a objetividade, essenciais para uma fiscalização justa e equilibrada, começam a ser minadas pela influência política, provocando uma distorção no papel original dessas instituições. O controle, que deveria servir como um mecanismo de garantia da legalidade e da moralidade administrativa, passa a exceder seus limites institucionais, tornando-se um instrumento de ingerência política. Esse desvio compromete profundamente a função primordial desses órgãos, que é assegurar a eficiência e a equidade na administração pública. Em vez de promover a boa governança e a proteção do interesse público, o controle se transforma em um obstáculo à autonomia e à inovação administrativa, prejudicando a capacidade do gestor público de tomar decisões fundamentadas no interesse coletivo, sem o receio de intervenções indevidas.
Segundo Santos (2022, p. 48-49), as burocracias passaram a ocupar um papel central na atual configuração da separação de poderes. Em determinados momentos, essas instituições se apresentam como plenamente autônomas e independentes em relação aos demais poderes, enquanto em outras situações estão estruturalmente subordinadas a eles. A ausência de subordinação dos órgãos de controle, como o Ministério Público e os Tribunais de Contas, aos demais poderes constitucionais tem levado à criação de novos arranjos institucionais que desafiam o modelo tradicional de separação de poderes.
Santos (2022) ressalta que os órgãos constitucionais autônomos, previstos em nossa Constituição, atuam com ampla independência, não estando sujeitos ao mesmo nível de controle que se aplica aos outros poderes. Essa constatação evidencia a necessidade urgente de se discutir, de lege ferenda, a criação de mecanismos que possam exercer algum grau de controle sobre esses próprios órgãos de controle. Tal mudança seria indispensável para garantir um funcionamento minimamente equilibrado da divisão de poderes, exigindo, portanto, revisões tanto no âmbito constitucional quanto infraconstitucional.
As ações de improbidade, como dito pelo doutrinador Rodrigo Valgas – “com o perdão da metáfora beligerante – são como metralhadoras giratórias que exterminam sem seletividade. O administrador honesto, que descumpre a lei por inépcia ou venha causar algum dano no exercício das suas funções (coisa a que qualquer pessoa está sujeita), acaba sendo equiparado ao desonesto.” (SANTOS, 2022, p.90)
A inclinação pelo uso da ação de improbidade é justificável pelas razões ideológicas previamente analisadas, já que, com medidas como o afastamento de funções públicas, indisponibilidade de bens, suspensão de direitos políticos e ampla cobertura midiática, atingisse um elevado nível de punibilidade que afeta diversas esferas e bens jurídicos do condenado, indo muito além do mero ressarcimento civil (SANTOS, 2022, p. 90). O conceito de improbidade, ao ser ampliado dessa forma, torna-se disfuncional, equiparando condutas distintas e impondo a todos o mesmo enquadramento rígido, como no Leito de Procusto. Essa ampliação gera pânico entre os gestores, pois qualquer erro pode ultrapassar o simples ressarcimento civil, atingindo desproporcionalmente seu patrimônio, seus direitos políticos e, consequentemente, o cargo que ocupa (SANTOS, 2022, p. 90).
O risco jurídico que recai sobre a contratação administrativa é intensificado por entendimentos exagerados (ainda que aparentemente majoritários) que tratam esses ilícitos como atos de improbidade. Trata-se de uma distorção, pois os tipos de improbidade são aplicados como se representassem meros ilícitos de gestão, desconsiderando se houve ou não corrupção e desonestidade na conduta do gestor. Para muitos desses entendimentos, basta que a conduta seja considerada ilícita ou em desacordo com os princípios da administração pública para que se impute ao gestor práticas de improbidade. Pouco importa, nesses casos, as consequências negativas que esses enquadramentos excessivos geram, tanto para o sistema de contratação administrativa quanto para o funcionamento da atividade pública (SANTOS, 2022, p. 90).
Se, por um lado, a restrição rigorosa de práticas duvidosas pode melhorar o desempenho no combate à corrupção e aos desvios de ética, por outro lado, essa abordagem acaba por aumentar os custos de transação e gerar ineficiências no desenvolvimento da atividade administrativa (SANTOS, 2022, p. 90).
É necessário, reavaliar o nosso sistema de controle e adequar os entendimentos que vêm dando conotações e colocações rígidas em demasia e intolerantes por vezes ortodoxas.
Os sinais da ineficiência administrativa estão mais evidentes do que nunca. O que se observa é que a cultura brasileira em relação ao controle da Administração Pública é permeada pela ideia de que “quanto mais controle, melhor”, uma abordagem que, no entanto, não tem sido eficaz para inibir condutas lesivas ao patrimônio estatal. Esse pensamento contribuiu para uma expansão desordenada das instâncias de controle, que frequentemente investigam os mesmos fatos, mas sem a devida coordenação entre si, o que contraria a lógica racional e resulta em um desperdício de esforços e recursos. Ademais, essas instâncias têm ampliado cada vez mais o seu poder punitivo, exercendo controle sobre os atos administrativos de forma rígida e inflexível, o que, na prática, não tem alcançado os resultados esperados no combate à corrupção.
3. O CLIMA DE MEDO E A INEFICIÊNCIA
Como consequência do excesso de poder punitivo e da natureza estritamente burocrática do controle da atuação estatal, instalou-se um verdadeiro clima de medo na Administração Pública. O modelo de controle, ao invés de combater eficazmente a corrupção, tem frequentemente inibido a liberdade e a eficiência da gestão administrativa. Como destaca Loureiro, “tomar decisões no cotidiano da Administração, mesmo aquelas mais rotineiras, passou a atrair riscos de toda ordem ao gestor público que, num instinto de autoproteção, acaba restringindo sua atuação à sua zona de conforto” (LOUREIRO, 2009, p. 76-77).
Com receio e temor diante da intensidade do controle exercido sobre sua atuação, os gestores públicos, ao serem desafiados pela realidade social a oferecerem soluções administrativas inovadoras e criativas, frequentemente optam por não se arriscar, preferindo manter o status quo. Muitas vezes, essa postura resulta na ausência de resolução dos problemas, com o completo silêncio administrativo. Tomar decisões ousadas nesse contexto é considerado arriscado, uma vez que pode sujeitar o gestor a responder por ações de improbidade, processos criminais ou outras penalidades, comprometendo sua atuação e segurança jurídica.
Esse retraimento dos agentes políticos resulta em uma grave ineficiência administrativa. Conforme ressalta Fernando Vernalha Guimarães, “instalou-se o que se poderia denominar de crise da ineficiência pelo controle: acuados, os gestores não mais atuam apenas na busca da melhor solução ao interesse administrativo, mas também para se proteger” (GUIMARÃES, 2022). Essa dinâmica de autocensura, na qual o gestor público prioriza a autopreservação em detrimento de decisões mais arrojadas e inovadoras, compromete a eficiência e a capacidade da administração pública de responder de forma eficaz às demandas sociais.
De forma semelhante, afirmam os autores Onofre Alves Batista Júnior e Sarah Campos: “A cultura administrativa reinante, nesse contexto, é a do medo, a do receio da punição. Não se tenta aperfeiçoar ou buscar a solução adequada, mas o receio enraizado aponta sempre para a solução de privilégio de uma interpretação literal dos regulamentos e ordens do hierarca. A eficiência administrativa e o bem comum são postos de lado em prol de uma atuação servil e, por vezes, medrosa e covarde” (BATISTA JÚNIOR; CAMPOS, 2014, p. 38).
Esse clima de insegurança e medo leva o gestor público, na maioria das vezes, a reagir de forma negativa, sobretudo diante de demandas atípicas que não se enquadram perfeitamente no texto normativo e que exigem uma solução criativa e eficiente. Em vez de buscar a melhor solução ou até inovar em prol do interesse público, o receio de punição faz com que o gestor se refugie na interpretação estrita da norma, limitando-se a executá-la de maneira literal. Assim, qualquer situação inusitada, que não esteja claramente prevista nos atos normativos, acaba não recebendo o devido tratamento administrativo. Muitos dos problemas relacionados à ineficiência estatal, portanto, não decorrem de incompetência ou má vontade dos gestores, mas frequentemente do medo, do horror e do receio frente ao controle punitivo estatal.
Ademais, os autores mencionados acreditam que o modelo de controle vigente em nosso ordenamento jurídico acaba privilegiando “aqueles servidores que ‘não trazem problemas’, incapazes de assumir riscos, incapazes de levantar conflitos com o poder econômico, incapazes de atuarem eficientemente, incapazes de proporcionarem o bem comum” (BATISTA JÚNIOR; CAMPOS, 2014, p. 38). Esse sistema favorece uma postura passiva, em que os gestores preferem a inação e a conformidade estrita às normas, em vez de buscar soluções inovadoras que possam promover o interesse público de forma efetiva. Assim a equipe administrativa acaba adotando um padrão de comportamento mediano, desinteressado, em que se mostra melhor e mais prudente não buscar medidas eficientes, com intuito de se autopreservarem.
Conforme destaca Carlos Ari Sundfeld, “a boa gestão pública não é a prioridade da legislação brasileira, muito menos de seus intérpretes. A prioridade tem sido outra: limitar e controlar ao máximo – até ameaçar – os gestores, em princípio suspeitos de alguma coisa” (SUNDFELD, 2015). Esse enfoque no controle e na limitação excessiva dos gestores públicos, conforme o autor, acaba por criar um ambiente de constante suspeição, em que o foco se desvia da busca por eficiência e inovação, direcionando-se quase exclusivamente para o controle punitivo.
O mesmo autor, Carlos Ari Sundfeld, ainda reforça: “Nossos problemas na máquina pública não vêm de simples imperfeições técnicas nas leis ou nas pessoas. Vêm de algo mais profundo: da preferência jurídica pelo máximo de rigidez e controle, mesmo comprometendo a gestão pública. Boa gestão pode e deve conviver com limites e controles, mas não com esse maximalismo. Sem inverter a prioridade, não há reforma administrativa capaz de destravar a máquina. O novo lema tem de ser: mais sim, menos não; mais ação, menos pressão” (SUNDFELD, 2015). Sundfeld aponta que o problema central não é a falta de técnicas ou de boas intenções, mas a preferência pela rigidez extrema, que asfixia a gestão pública, impedindo sua modernização e eficiência.
O excesso de controle sobre a atuação estatal se alastrou, como se sua intensidade fosse sinônimo de eficácia e de bom funcionamento da administração pública. Nesse contexto, quem mais sofre é o bom agente público, de conduta íntegra, que apenas deseja realizar seu trabalho da melhor maneira possível, em prol de uma Administração Pública eficiente, da sociedade e do interesse público.
O sistema de controle não deve representar um entrave à eficiência da Administração. Como afirmam Batista Júnior e Campos (2014), “O controle da Administração Pública, de fato, é uma necessidade para que se possam observar as máximas de moralidade, impessoalidade e mesmo de eficiência administrativa. Entretanto, o Estado não pode ser visto como um veículo cuja principal parte sejam os freios. A busca da eficiência administrativa não pode ser um convite a repercussões negativas para o agente, sob pena de generalização de um comportamento ‘mediano’, resignado. Uma ideia equivocada de legalidade, calcada em um ‘legalismo estéril’, não pode converter os mecanismos de controle da Administração Pública no cavalo de Troia do Direito Administrativo, especialmente no contexto da Administração democrática, que exige a adoção de soluções consensuais e participativas” (BATISTA JÚNIOR; CAMPOS, 2014, p. 31-43).
Os órgãos de controle e fiscalização devem, portanto, avaliar se o agente público, ao tomar decisões, realmente buscou promover a eficiência administrativa e priorizar o interesse público coletivo, ainda que o resultado final não tenha sido o esperado ou que haja discordância quanto aos meios empregados, desde que não haja flagrante ilegalidade ou mau uso dos recursos públicos. Além disso, tais órgãos precisam se colocar no lugar do gestor no momento da decisão, considerando as informações e circunstâncias disponíveis à época. Não é razoável julgar ações passadas com base em conjunturas atuais, onde os resultados – muitas vezes imprevisíveis no momento da decisão – já são conhecidos.
4. CONCLUSÃO
Em resumo, apesar dos recentes avanços normativos, como as inovações trazidas pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), o sistema de controle da Administração Pública ainda se mostra descoordenado e ineficiente. Como discutido ao longo deste estudo, o exagero no controle dos atos administrativos, manifestado tanto pelo excesso do poder punitivo quanto pela falta de coordenação entre as diferentes instâncias de fiscalização, somado ao crescimento da burocracia estatal, não tem sido capaz de impedir a prática da corrupção. Pelo contrário, esses fatores contribuíram para a criação de um ambiente de receio e inação na Administração Pública.
A predominância do controle burocrático e a exacerbação do poder punitivo resultaram em um clima de medo entre os gestores públicos. Para se autopreservar, o agente político, ao invés de agir de maneira proativa e buscar soluções inovadoras e criativas, opta por decisões conservadoras, temendo que suas ações sejam interpretadas de forma rígida e inflexível pelos órgãos de controle. Esse comportamento, longe de promover a eficiência administrativa, contribui para a paralisia da máquina pública, como observado em inúmeras situações.
Este artigo traz a necessidade urgente de reverter esse ambiente de medo e suas consequências na ineficiência administrativa, geradas pelo excesso de poder punitivo no controle. É imprescindível que se reveja o modelo atual, que se caracteriza por sua rigidez, descoordenação entre os órgãos de controle e extrema burocratização. O modelo vigente, além de gerar um receio generalizado entre os gestores, impede o desenvolvimento de soluções eficientes e adaptadas às necessidades da sociedade e da administração.
Neste contexto, a adoção de parâmetros de controle mais flexíveis e, quem sabe, mais tolerantes, é crucial para permitir que os gestores públicos desenvolvam respostas adequadas e inovadoras para os desafios recorrentes e, muitas vezes, inesperados que surgem no cotidiano da Administração Pública. A crítica aqui não se direciona à punição dos gestores ímprobos que, de fato, deve ocorrer, mas sim à necessidade de uma ponderação no exercício do controle, para que a fiscalização dos atos administrativos não se torne um obstáculo à eficiência e à consecução das políticas públicas. O equilíbrio entre controle e discricionariedade é fundamental para que o Estado possa atuar de maneira eficaz, transparente e em prol do interesse público.
REFERÊNCIAS
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BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; CAMPOS, Sarah. A administração pública consensual na modernidade líquida. Fórum Administrativo, Belo Horizonte, v. 14, n. 155, p. 31-43, jan. 2014.
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LOUREIRO, Maria Rita. (Coord.). Coordenação do sistema de Controle da Administração Pública Federal. Série Pensando o Direito, nº 33/2009, Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Brasília, 2009.
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1Mestranda em direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Maceió/AL.
E-mail: nacalimar@hotmail.com