THE AIR MANIFESTO, AFROBRAS STRATEGIES AIMED AT CONFRONTING STRUTURAL RACISM AND ITS INEQUALITIES
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10120279
Joana de Carvalho1
Washington Ubiratan Pinheiro2
Resumo
Objetivo: Este estudo divulga a contribuição do Manifesto do Movimento Ar, e seu plano de ação, mostrando as dez estratégias deles para os próximos cinco anos, a partir de julho de 2020, visando o enfrentamento ao racismo, o preconceito e a discriminação racial em relação ao preto, objetivando a diminuição das desigualdades historicamente sofridas pelos pretos. Esse Movimento é apoiado por empresas, parceiros e personalidades da sociedade e a UNIAFRO. Referencial Teórico. Na busca da construção do conhecimento humano utilizamos a abordagem qualitativa, a pesquisa bibliográfica. Métodos: Utilizou-se o estudo de caso, que segundo Yin (2001), é uma estratégia de pesquisa pontual para a coleta de dados. Nessa coleta, selecionou-se a entrevista semiestruturada. Essa foi respondida por uma pessoa da equipe do Movimento Ar. Resultados. Nas Análises realizadas verificou-se que o manifesto é um Plano de Ação que objetiva a redução das desigualdades que são vetores e alimentadores do racismo estrutural. Conclusão: Concluiu-se que as ações estratégicas do Plano do Manifesto é uma relevante contribuição visando uma sociedade menos desigual em toda a sua amplitude social, econômica e educacional para mais igualdade em relação aos pretos no Brasil.
Palavras-chave: OSCS. Movimento Ar. Plano de Ação. Racismo estrutural.
1 INTRODUÇÃO
Deve A constituição de 1988 trouxe, entre os róis de direitos estabelecidos, a igualdade e equidade entre todos os indivíduos que estão em solo brasileiro. Em seus próprios termos: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988, p.1).
Entretanto, estamos distantes desse ideal, ainda mais quando nos debruçamos sobre a realidade da população preta. Os dados são alarmantes: 71 a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil são pretas; a população carcerária brasileira é formada por 64% de jovens pretos com idade entre 18 e 29 anos; os pretos possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras “melaninas”; em média, os brasileiros brancos ganhavam o dobro que os pretos, e, ainda, caso nada seja feito, somente em 2089, pretos e brancos terão uma renda semelhante. Parece ao menos em questões do racismo estrutural, que a frase de Orwell (1945, p. 250) seja mais adequada a nossa realidade: “Todos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”.
Dada essa realidade, não se pode pretender analisar a questão do racismo sem abordar as práticas estruturais que legitimam essa desigual e injustificável situação. Por racismo estrutural, entende-se neste estudo como “um fenômeno que resulta do funcionamento das instituições, que são apropriadas pelos grupos hegemônicos de poder para conferir desvantagens e privilégios para grupos racialmente identificados.” (Ribeiro, 2018, p.3).
Em outros termos, trata-se do racismo institucionalizado nas relações: sociais, políticas, jurídicas e econômicas da sociedade. (GUIMARÃES; CAMPOS, 2017).
Segundo Almeida (2019), a análise das questões raciais sob a perspectiva estrutural permite compreender as desigualdades desse fenômeno de forma plena, pois, muitas vezes, as instituições são as reprodutoras do processo de desigualdade, privilegiando uns em detrimento de outros.
Nessa linha, este artigo busca analisar a contribuição dos Movimentos sociais e das Organizações Sociais da Sociedade Civil (OSCS) para as políticas de enfrentamento ao racismo estrutural no Brasil, delimitamos o tema no Manifesto do Movimento Ar: sua contribuição no enfrentamento ao racismo estrutural, visando minimizar os efeitos do preconceito, da discriminação racial, que fazem parte da história do país em relação aos pretos (as). (Universidade Zumbi dos Palmares, 2020).
De forma detalhada, a proposta objetiva verificar qual o plano de ação do Movimento
Ar, suas metas, parcerias, as ações estratégicas para alcançar os objetivos propostos pelo Manifesto do Movimento Ar, para a população que será beneficiada, considerando que segundo os dados do IBGE mais de 55% da população brasileira são de pretos (as), afrodescendentes que vivem em uma sociedade altamente desigual. (AFROBRAS, 2020).
Assim, é imperativo que haja medidas mais justas e igualitárias de condições de vida por parte do Estado, visando assim, uma participação digna, inclusiva, democrática e cidadã das pessoas pretas na sociedade desse país.
Para atingir os fins propostos, este estudo está dividido em quatro etapas, sendo a primeira esta introdução. Na parte dois são apresentados o quadro teórico com os principais autores sobre o tema. A parte três contém a metodologia, isto é, os caminhos a serem percorridos para alcançar os objetivos propostos. Na parte quatro, são apresentadas as possíveis respostas encontradas, assim como, os impactos sociais do resultado, a conclusão, bem como, as referências utilizadas na pesquisa.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Conceituando o Racismo Estrutural
Segundo Munanga (2012), o racismo é um processo de desumanização, somado a um determinismo biológico e geográfico, capazes de explicar as diferenças morais, psicológicas e intelectuais entre as chamadas “raças”. Inclusive, evitar as misturas de “melaninas”. O Quadro 1 apresenta os principais trabalhos atuais que estão sendo desenvolvidos sobre o tema.
O racismo por ser uma construção do Estado moderno, liberal e capitalista é sempre estrutural, eles compõem a estrutura intrínseca do Estado moderno, elemento justificador para a injustificável diferença, ou seja, não igualdade, não liberdade e não fraternidade com o que se compõem e se estruturam os estados modernos e liberais nascidos sob a bandeira das lutas revolucionárias, por liberdade, igualdade e fraternidade.
A desigualdade ou discriminação tem a raça como fundamento, onde foi preciso desumanizar o outro seu igual. Sua manifestação estrutural acontece de forma consciente e inconsciente, culminando com a mantença das desvantagens para uns e vantagens e privilégios para outros. (Almeida, 2019).
Portanto, a formação de padrões estéticos é uma construção do estado moderno, liberal, capitalista e do homem branco, a fim de dificultar a ascensão social e política de grupos minoritários como os pretos (as)/pardos, as mulheres e as mulheres pretas. É a busca dos controles através da produção de consensos de dominação. (ALMEIDA, 2019).
Assim, racismo é uma forma de discriminação. O racismo só pode ser alterado em todas as suas dimensões pelos poderes estruturantes do Estado e a forma de combate mais eficaz são as chamadas práticas antirracistas efetivas e suas ações afirmativas que são políticas de estado para o enfrentamento do racismo estrutural e a consequente promoção da igualdade e diversidade. “[… na sua compreensão, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico a ser respeitado por todos, e passa a ser um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado e pela sociedade […]”. (GOMES, p. 132, 2001).
O racismo é um instrumento legitimador do poder do homem, sendo vetor de dominação de classes e de raças, e, no comentário de Foucault[…] é um “meio de introduzir […] um corte entre os que devem viver e os que devem morrer”.
Quadro 1 – Quadro Teórico do Estudo
Estudo | Principais conceitos |
Almeida (2019) | Reflexão sobre os conceitos de racismo como fundamento estruturador das relações sociais |
Guimarães (2004) | Formação do campo temático dos estudos de relações raciais |
Fonte: desenvolvido pelos autores
2.2 Atuação das OSCS e dos Movimentos sociais para o enfrentamento ao racismo estrutural, na Conferência de Durban
A Conferência de Durban é o nome da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância realizada pela Organização das Nações Unidas-ONU, no período compreendido entre 31 de agosto e 8 de setembro de 2001, na Cidade de Durban, na África do Sul. (ALVES, 2019).
O reconhecimento do negro como vítima de racismo, de discriminação, xenofobia foi o norte da Conferência de Durban, realizada em 2011, na África do Sul, que teve o Brasil como signatário, onde se reconheceu o caráter estruturante do racismo nas organizações públicas e privadas e como elemento construtor das sociedades. A Conferência não só fortaleceu a luta contra o racismo como também desencadeou a Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024). O sucesso desse evento se deve em muito ao engajamento da sociedade civil do Brasil, ali representada por sua delegação. (ALVES, 2019).
Alguns dos representantes de OSCS e Movimentos sociais brasileiros presentes em Durban foram: O Movimento Negro, Geledés, Criola, CEAP, Maria Mulher, Rede de Advogados e operadores do direito e outros. (CARNEIRO, 2009).
Essas instituições representantes da sociedade civil presentes em Durban ficaram estarrecidas pela inflexibilidade de alguns países em reconhecer as origens do racismo e as reparações pelo tráfico de escravos, onde elas reivindicam um pedido formal de perdão por parte dos países colonizadores, Mendonça (2010) registra a seguir, a nota que o prefeito de Londres, Ken Livingstone, divulgou sobre o tema.
O tráfico de escravos se constituiu em um crime contra a humanidade e o governo do Reino Unido deveria se unir a outros países e pedir perdão. Essa posição também foi defendida por parlamentares norte-americanos e franceses, que elaboraram projetos de lei sobre a herança do colonialismo e sobre formas de reparações. (MENDONÇA, 2020).
De acordo com Gomes (2012), a atuação das OSCs e dos Movimentos sociais foi intenso. Houve a assunção do compromisso assumido pelos Estados-Membros, objetivando enfrentar o racismo estrutural através das chamadas ações afirmativas positivas em todo o mundo. Não só com leis como também com medidas positivas e estruturantes a serem implementadas que garantam que as leis não se tornem letras mortas.
É dever não só dos Estados-Membros, mas também no plano interno com suas instituições e organizações públicas a promoção de uma verdadeira mudança de paradigma. Devendo haver uma maior promoção, reconhecimento, informação sobre a herança cultural e dados históricos dos afrodescendentes. (ONU, 2020).
Os países da América Latina têm muito a ganhar economicamente com a eliminação das barreiras sociais impostas aos negros. (Silva, 2014).
Segundo a Revista do IPEA, a sociedade inclusiva de “raça” e etnia melhoraria os índices econômicos dos seguintes países: Brasil, Bolívia, Guatemala e Peru cresceriam pelo menos 12,8%, 36,7%, 13,6% e 4,2%, respectivamente, com o fim da exclusão social desses grupos, de acordo com o BID”. (SILVA, p.21, 2014).
Dessa forma, respeitar as identidades culturais é importante para garantir uma democracia constitucional. Assim, abre possibilidades para a implantação de políticas sociais, de raça, sexo, étnica, de nacionalidade, econômica.
2.3 O que são Oscs e Movimentos Sociais
As Organizações da Sociedade Civil Organizada-OSCs, são entidades de natureza privada, ou seja, não públicas, sem fins lucrativos, juridicamente podem ser associações, fundações, pertencentes ao chamado terceiro setor, onde as pessoas se reúnem com objetivos comuns, em prol de uma causa, gerando benefícios aos seus associados. (LINS, 2001). Segundo o Observatório do Terceiro Setor, as OSCs são instituições que desenvolvem projetos sociais para fins públicos. Veja como o Terceiro Setor se caracteriza por agrupar diferentes atores: de defesa de direitos, assistência social, associações profissionais, de classes, escolas, hospitais, instituições educacionais, entidades de classe, movimentos etc.
Como podemos observar, a realidade social é dividida em três esferas autônomas: o Estado, o mercado, e a sociedade civil. (SZAZI, 2001). O terceiro setor contrapõe-se à lógica do Estado, e também a lógica do mercado que visa o lucro. As Organizações da sociedade civil organizada-OSCs, bem como os movimentos sociais pertencem ao chamado terceiro setor, os atores do terceiro setor se referem a ele como organizações sem fins lucrativos. (Coelho, 2002).
Assim sendo, o terceiro setor se refere ao conjunto de organizações mais ou menos formais da sociedade civil, ou seja, organizações e ou/ações da sociedade civil não estatal e não mercantil, que, via de regra, estão vinculadas a um fim público, onde o propósito a que se destina é servir a coletividade. A partir da Constituição de 1988, as associações passaram a possuir relevante papel social abrindo espaço para ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos de uma comunidade. (ROMÃO, 2010).
As organizações da sociedade civil-OSCs, compreendem uma gama de fenômenos e
intervenções que o Estado não oferece, ou seja, ela está onde o Estado não pode estar, de forma mais predominante na área da saúde, serviço social, cultura, educação. (MENDONÇA, 2019).
Podemos citar assim, como exemplo de atuação em relação ao racismo algumas das associações que tiveram importantes papéis no enfrentamento ao racismo estrutural, tais como: o Geledés, o Movimento Negro, Crioula. (ONU, 2014).
Dessa forma, trazemos, neste estudo, como modelo de enfrentamento ao racismo estrutural, por parte de movimentos sociais, e, também, da sociedade civil organizada, o Plano de ação da Universidade Zumbi dos Palmares, mantido pela Associação Instituto Afro – Brasileiro de Ensino Superior (AFROBRAS), o Manifesto do Movimento Ar.
2.3.1 Os Movimentos sociais
Os movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam diferentes maneiras da população se organizar e expor suas necessidades (Gohn, 2008).
A expressão “Movimentos sociais” tem sido usada em dois sentidos amplo e estrito. No amplo, eles se confundem com toda e qualquer ação coletiva; no estrito, se referem às mobilizações reivindicativas da sociedade civil contemporânea. Ela é toda e qualquer mobilização de massas humanas que reivindicam algo do Estado, da sociedade.
(MOURÃO, 2010).
Por falar em reivindicar o Movimento Negro que tem suas origens lá na escravidão através das fugas, das greves de fome e rebeliões dos escravos, que eram as manifestações da insatisfação diante das desigualdades sofridas historicamente pelo negro no Brasil, que chega aos dias atuais com a luta pela igualdade em relação à questão educacional, econômica, trabalho, moradia, saúde e tratamento, que são desigualdades prementes que precisam ser atendidas. (IANNI,1978).
O movimento negro é múltiplo em sua luta no enfrentamento ao racismo, ao feminismo, à luta pela intolerância religiosa, os direitos LGBTQIA+. Uma das organizações que iniciou essa luta foi a Frente Negra Brasileira (FNB), datada de 1931, que denunciava o racismo na sociedade brasileira. (IANNI, 1978).
Para Romão (2010), os movimentos sociais no Brasil buscam, na prática, o acesso a bens e serviços coletivos e participação no processo decisório, ou seja, o fim da exclusão social, econômica e educacional.
Hoje, a sociedade tem diversos movimentos importantes de combate ao racismo, sendo que a Universidade Zumbi dos Palmares lança o Manifesto do Movimento Ar, que apresenta estratégias práticas, através de um Plano de Ação para o combate ao racismo, o preconceito e à discriminação para o ser humano que tem em sua pele a melanina de cor preta.
(AFROBRÁS, 2020).
2.4 O Manifesto do Movimento Ar: ações concretas por vidas negras, sua contribuição
no enfrentamento ao racismo estrutural
A Universidade Zumbi dos Palmares-UNIAFRO e a AFROBRAS, são as idealizadoras do Manifesto do Movimento Ar, esse é um plano de ação que foi concebido com dez ações práticas e estratégicas para combater o racismo por meio da educação e trabalho, com o objetivo de minimizar as desigualdades ocorridas na sociedade brasileira em decorrência das questões que envolvem o preconceito e a discriminação racial contra negros, que é um fato na sociedade brasileira. (Universidade Zumbi dos Palmares, 2020).
O Movimento Ar é voluntário, ele trabalha para a promoção e realização de mudanças e transformações sociais efetivas visando uma sociedade menos desigual para os pretos, com mais acesso à educação e à renda através do apoio de parcerias e de políticas públicas, na medida em que a população brasileira de (“negros” pretos e pardos) representam mais de 55%, segundo os dados do IBGE, e hoje clama por igualdade de condições. (IBGE, 2020).
Para atingir na prática esses objetivos, o Movimento Ar entende que é preciso educar para haver igualdade na sociedade, só assim as diferenças sociais diminuirão.
Assim sendo, o Movimento Ar enumerou de zero a dez as ações estratégicas que permitirão atingir os objetivos propostos pelo seu plano de ação, sendo a ação de número zero a Lei de Cotas:
Figura 02- O Movimento Ar: Ações concretas por vidas Pretas
De acordo, com a Universidade Zumbi dos Palmares (2020), o Plano de Ação Zero diz respeito à “Prorrogação da Lei de Cotas nas Universidades Públicas Federais”. O Plano segue abaixo:
2.4.1 A lei de Cotas nas Universidades Públicas Federais
A Lei de cotas 12.711/2012 fez parte das políticas públicas afirmativas do governo da última Presidenta do Brasil. Essa lei institui cotas nas Universidades Públicas Federais, nas Instituições Federais de Ensino de todo o país. Ela prevê a reserva de cotas de 50% das vagas para os estudantes que tenham cursado todo o ensino médio nas escolas públicas. Essas vagas das cotas são distribuídas entre negros (negros e pardos), e indígenas. (MEC, 2013).
Segundo a Universidade Zumbi dos Palmares (2020), as políticas inclusivas hoje são à base da ação política e econômica do país, “O objetivo das cotas não é combater o racismo e sim produzir o acesso mais igualitário ao espaço e republicano da educação superior”.
Assim, dando continuidade às ações estratégicas do Manifesto do Movimento Ar, seguem as outras ações do Plano, são elas:
Ação 01- Mudança nos protocolos policiais; Ação 02- Mudança nos Protocolos da Segurança Privada; Ação 03- Criação de 500 mil Bolsas de Estudos; Ação 04- Criação de 300 mil vagas de estágios; Ação 05- Formação e Qualificação; Ação 06- Implementação de recursos; Ação 07- 300 Milhões em compras corporativas;Ação 08- R$ 200 milhões, para o Fundo vidas negras Importam; Ação 09- Implementação integral da Lei da História do negro e história da África e da disciplina de relações étnico-raciais em todo o ambiente escolar e universitário públicos e privados do país, Ação 10- Campanha de instalação da Rua Zumbi.
Seguimos no próximo capítulo apresentando o método usado na pesquisa.
2 METODOLOGIA
A proposta do estudo consiste em investigar a contribuição dos Movimentos sociais e das organizações da sociedade civil-OSCs, para as políticas de enfrentamento ao racismo estrutural no Brasil, delimitada pelo caso do Manifesto do Movimento Ar: Ações concretas por vidas negras, que foi idealizado pela UNIAFRO-Universidade Zumbi dos Palmares, para ser implantado na sociedade com um plano de Ação, com dez estratégias, em cinco anos.
Para alcançar os fins propostos, o estudo, de caráter exploratório, se valeu dos procedimentos qualitativos, realizados por meio de estudo de caso. No caso em tela, o Movimento Ar e suas estratégias, um Plano de Ação Concreto. Na conceituação desse autor “O estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real”. (YIN, 2001, p. 32).
O estudo foi realizado em duas etapas: A primeira etapa consistiu na coleta de dados necessários para a pesquisa. Os dados foram obtidos através da pesquisa bibliográfica e de entrevista semiestruturada com participante da organização investigada. O objetivo foi descrever com clareza quais foram as Ações propostas pelo Movimento Ar e o que ensejaram a sua contribuição em relação ao enfrentamento ao racismo estrutural.
Foi realizada análise descritiva do material bibliográfico disponível e selecionados para a pesquisa, tais como: livros, artigos científicos, material digital e impresso recebido da Organizadora do Movimento Ar e a resposta da entrevista semiestruturada.
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir das entrevistas semiestruturadas, das entrevistas e pesquisas bibliográficas pode-se observar o número de dados coletados que remete a uma análise sobre a contribuição significativa do Manifesto Ar e seu Plano de Ação que tem como objetivo imediato à diminuição das desigualdades.
O Manifesto do Movimento Ar, idealizado pela UNIAFRO-Universidade Zumbi dos Palmares é, em verdade, um Plano de Ação composto por dez ações fundamentais que objetivam a redução das chamadas desigualdades que são vetores e alimentadores do racismo estrutural. ( UNIAFRO; AFROBRÁS, 2021).
Vale lembrar, dada a importância e o alcance desses 10 (dez) itens, os objetivos propostos no plano estratégico que a educação e o trabalho como objetivos fundamentais, na busca pela redução das desigualdades em nossa sociedade, através de normativas inclusivas, o apoio de parcerias público-privadas e políticas públicas visando a redução das desigualdades de acesso e oportunidades.
Assim, uma vez mais, relacionaremos os dez itens que compõem as chamadas ações estratégicas, que são os objetivos fundamentais do Movimento AR, seu Plano de Ação a começar pela importantíssima Ação Zero:
Ação 0 zero- Prorrogação da Lei de Cotas nas Universidades Públicas Federais;
Ação 01- Mudança nos protocolos policiais;
Ação 02- Mudança nos Protocolos da Segurança Privada;
Ação 03- Criação de 500 mil Bolsas de Estudos;
Ação 04- Criação de 300 mil vagas de estágios;
Ação 05- Formação e Qualificação;
Ação 06- Implementação de recursos;
Ação 07- 300 Milhões em compras corporativas;
Ação 08- R$ 200 milhões, para o Fundo Vidas Negras Importam;
Ação 09- Implementação integral da Lei da História do negro e história da África e da disciplina de relações étnico-raciais em todo o ambiente escolar e universitário público e privado do país,
Ação 10- Campanha de instalação da Rua Zumbi.
Os resultados foram extremamente satisfatórios, considerando que se pode observar esse Plano de Ação através do acesso a ele, e do acesso aos resultados dele nas mídias de comunicação, é um plano ambicioso, na medida em que alcança e toca diversos segmentos da sociedade e tem como pano de fundo e remédio de cura a educação, o que a tornou rica e promissora.
4 CONCLUSÃO
A implementação das ações estratégicas propostas pelo Movimento Ar, em número de dez, são de grande impacto e repercussão social, diversas, na medida em que, toca no quadro de alunos universitários através da Lei de Cotas, também atinge a grade curricular ao tornar obrigatório o estudo da História da África e do preto (a), passando extensivamente pela mudança nos protocolos de segurança pública e privada.
Observa-se que, as implicações sociais, políticas e econômicas estão a impactar a sociedade, na medida em que algumas estratégias representam a quebra de alguns paradigmas e talvez até o estabelecimento de novos marcos civilizatórios, ao tornar realidade alguns princípios e axiomas que já se encontram consignados em nosso texto constitucional, em tratados e normativas internacionais, mas que não encontram nas instituições públicas e privadas assim como na população como um todo, a acolhida e o uso prático devido, ou seja, estão apenas consignados e tutelados, mas, não encontram a acolhida e uso no dia a dia, vida real necessário a dar vida plena aos textos legais e supra-legais.
Ao fecharmos nossos sentidos e sensibilidades a questões fundamentais como a igualdade em todas as suas implicações, a cidadania em toda sua acepção, ao trabalho em toda sua profundidade, drama e impacto sociais, estamos ajudando a desconstruir um futuro possível e só possível a partir de políticas públicas e o devido apoio e recepção por parte da sociedade civil. As questões colocadas no Plano de Ação do Movimento Ar são de importância vital para a construção de uma sociedade que se quer mais inclusiva, mais igual, mais cidadã, mais republicana, menos discriminatórias, sem racismos, sem desconhecimentos e ignorâncias.
O Plano de Ação do Movimento Ar é um foco de Luz ao pugnar pela promulgação da lei de Cotas nas Universidades Públicas Federais, por ser essa lei instrumento de inclusão e de regate de parte significativa da população nacional que anseia pela possibilidade, através da educação e de ascender socialmente, melhorar a renda familiar, ingressar no mercado consumidor com mais poder de compra, elevar a qualificação da mão de obra nacional e assim, consequentemente, esse enorme continente estará a ajudar no crescimento do que denominamos de PIB – produto Interno Bruto. A chamada Lei de Cotas deveria ser alçada a Planejamento Estratégico Nacional, dada sua repercussão social e econômica com reflexos diretos na saúde, segurança pública, habitação, consumo e até turismo interno.
Dentro do Plano de Ação do Manifesto do Movimento Ar não por acaso, topograficamente, a lei de Cotas figura como Ação Zero, o que demonstra toda a sua importância. De alcance social e de importância fundamental para os chamados periféricos e favelados, onde, infelizmente, está concentrada a imensa maioria dos pretos (as), pardos da população nacional. A mudança nos protocolos de Ação dos policiais e segurança privada ganha grande importância tanta pela busca na diminuição de mortes quanto pela possibilidade de dar aos aparelhos de segurança uma nova dimensão e dimensionamento só possível em sociedades que se querem democráticas, republicanas, inclusivas e humanas.
O uso do aparelho e aparato policiais como instrumento de repressão pelo chamado Estado leviatã não condiz nem se coaduna com o Estado democrático de direito construído a partir da Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã com todo o seu arcabouço de direitos e garantias fundamentais com todas as suas chamadas Cláusulas Pétreas. Assim, é de muita felicidade por parte do Plano de Ação, o enfoque na mudança dos Protocolos Policiais e Segurança privada, por serem estas instituições aparelhos de repressão do Estado e reflexo de como esse mesmo Estado entende e percebe seus cidadãos.
O Plano de Ação é de todo pragmático ao estabelecer a criação de determinado número de bolsas de estudo, vagas de estágio, e a formação/qualificação, reforçando a importância da educação como maior e melhor instrumento de reparação de desigualdades e de instrumento de inclusão social. Tudo isso, aliada a implementação integral da lei da História da África e do Negro como instrumento desmistificador quanto a diversos aspectos históricos e culturais dos povos africanos que neste continente eram Nações Estados com Reis, Rainhas, e Cortes, então prisioneiros de guerras (onde eram vendidos ou trocados, por mercadorias no Litoral Atlântico), e só então, chegavam ao Brasil, para serem vendidos como escravos, ou seja, estes pretos não eram escravos e sim prisioneiros de guerra. Essa verdade, só o estudo da África pode trazer a lume a verdade. Com a Campanha de Instalação da Rua Zumbi, reforce a figura de Zumbi dos Palmares como um marco na luta pela liberdade de pretos e mestiços em terras brasileiras.
O seu plano de Ações Estratégicas é um marco na busca pela Igualdade, por uma sociedade mais inclusiva, menos desigual, por uma cidadania mais plena e menos mitigada, pelo pluralismo social, por um país mais Republicano e democrático, onde as consequências e os resultados só podem ser a inclusão, a valorização e oxigenação da sociedade brasileira com flagrantes e diretos reflexos na vida social, política e econômica do país. Lembremos sempre que, “em uma cultura de morte, viver é desobediência civil”[1]
REFERÊNCIAS
AFROBRAS. Entrevista ao Reitor José Vicente da Faculdade Zumbi dos Palmares para o Jornal digital Migalhas. Disponível em https://migalhas.com.br. Acesso em 22 de jul. De 2020.
ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.
ALVES, Lindgren J.A. A Conferência de Durban contra o Racismo e a responsabilidade de todos. Rev. Bras. Polít. Int. 45 (2): 198-223 [2002].Disponível em: https://www.scielo.br. Acesso em 09 de jul. de 2020.
BRASIL. Constituição. Constituição da república federativa do Brasil. Supremo Tribunal Federal, 1988.
CAMPOS, Luis A. Racismo, em três dimensões uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: RBC, V. 32,2017.
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não ser como fundamento do ser.São Paulo: USP, 2005 (tese).
Gohn, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais paradigmas clássicos e contemporâneos Edições Loyola São Paulo: 1997
FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: curso dado no College de France. São Paulo: Martins Fontes, 2008, 2014.
GOMES, Joaquim B. Barbosa. A recepção do instituto da ação afirmativa pelo Direito Constitucional brasileiro. Revista de Informação. Brasilia, 38, nº151, jul./set., 2001.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. Disponível em: http://www.acaoeducativa.org.br/ fdh/wpcontent/uploads/2012/10/. Acesso em: 9 set. 2019.
GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Preconceito de cor e racismo no Brasil. Revista de antropologia, v. 47, n. 1, p. 9-43, 2004.
HENRIQUES, Isabel de Castro. Colonialismo e história. Lisboa, FCT, 2002.
IANNI, Otávio. Escravidão e racismo. São Paulo: Hucitec, 1978. p. 76-79.
IBGE. Estimativas da população. Disponível em: HTTPS://www.ibge.gov.br. Acesso em 2020.
IPEA. [et. al.]. Retrato das desigualdades de gênero e raça. 4. ed. Brasília: , 2011.
LINS, Maria Nazaré. Manual de ONGS. 3.ed. Rio de janeiro: FGV, 2002.
MEC. Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Brasília, 2013. 104 p.
MENDONÇA, Maria Luisa. Durban o processo continua. Disponível em: https://www.social.org.br. Acesso em 10 de jul. de 2020.
Observatório do Terceiro Setor. Disponível em: https://observatóriodoterceirosetor.
ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Ano Internacional dos
Afrodescendentes. Disponível em: HTTP://www.onu.org.br. Acesso em: 27 de ago. 2020.
ORWEL, George. A revolução dos Bichos. São Paulo: Companhia das letras,2007.
RIBEIRO, Isabela Trivino. Racismo estrutural: um olhar sobre a justiça criminal e as políticas de drogas após a abolição. Rio de Janeiro: UFRJ, 2018.
ROMÃO, José Eustáquio. Movimentos sociais, ONGS e Terceiro setor.
SILVA, Tatiane. Desigualdades sociais. IPEA, 2014.
SZAZI, Eduardo. Terceiro setor: regulação no Brasil : São Paulo, Peirópolis, 2001.
UNIVERSIDADE ZUMBI DOS PALMARES. Movimento Ar, ações concretas por vidas negras: release. São Paulo, 2020. 6 p.
YIN, Robert.; Estudo de Caso, Estudo. Planejamento e métodos. São Paulo: 2. ed. Trad. Daniel Grassi, Porto Alegre, Bookman, 2001.
[1] Henry David Thoreau-1849. Filósofo desenvolveu o conceito de desobediência civil.
Joana de Carvalho Mestre em administração1
Washington Ubiratan Pinheiro Advogado2