O JOGO DE XADREZ PARA A ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA NA PERSPECTIVA SOCIOEMOCIONAL 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10735650


Erika Xavier Maia1
Diva Valério Novaes2


Abstract. In this work, we will present a didactic proposal for teaching mathematics through the game of chess, exploring laterality and geometry in the shape of the board as well as in the movement of the pieces, in addition to socio-emotional aspects in the act of playing. This article is part of the production of a master’s thesis in progress, entitled The Game of Chess as a Didactic-Pedagogical Tool to work on Socio-emotional skills in Mathematical Literacy. Firstly, we will present the theoretical contributions that support the proposal for teaching mathematics through chess, exploring socio-emotional factors in the practice of the game. Secondly, we will present the lesson plan that organizes this proposal. Finally, we will present the results we obtained in this field research.

Keywords: Socio-emotional Education, Literacy, Chess game.

Resumo. Neste trabalho, apresentaremos uma proposta didática de ensino de matemática por meio do jogo de xadrez, explorando a lateralidade e a geometria no formato do tabuleiro e no movimento das peças, além de aspectos socioemocionais no ato de jogar. Este artigo é parte da produção de dissertação de mestrado em andamento, intitulada O Jogo de Xadrez como Ferramenta Didático-Pedagógica para trabalhar habilidades Socioemocionais na Alfabetização Matemática. No primeiro momento, apresentaremos as contribuições teóricas que sustentam a proposta de ensino de matemática por meio do xadrez, explorando fatores socioemocionais na prática do jogo. No segundo, apresentaremos o plano de aula que organiza tal proposta. Por fim, apresentamos os resultados que obtivemos na pesquisa de campo.

Palavras-chaves: Educação Socioemocional, Alfabetização, Jogo de xadrez.

1. Introdução

O ensino de matemática na rede pública de ensino enfrenta novos desafios após o contexto pandêmico, principalmente no que diz respeito ao lugar do aprendizado escolar em um período de sobrevivência – enquanto os estudantes menores buscam na escola o refúgio para a garantia de seus direitos humanos básicos, os adolescentes sofrem com a evasão para colaborar no sustento de suas famílias1. Ainda que o ensino remoto tenha sido uma alternativa para a continuidade dos estudos em momento de reclusão social, a falta de condições ao acesso às tecnologias digitais tornou-se mais um obstáculo para garantir o direito de todos os estudantes à educação pública. A soma desses fatores resultou em uma defasagem no aprendizado das crianças, urgindo a necessidade de recuperação de aprendizagens em um período de anormalidades. 

No que tange ao ensino de matemática, pensar em ações pedagógicas que superem métodos tradicionais é salientada pela exigência de aproximar os conteúdos escolares ao cotidiano dos estudantes. Se, em condições normais, práticas de repetição, memorização e reprodução dos conhecimentos transmitidos de forma homogênea não surtem efeito para uma aprendizagem significativa, o mesmo se acentua em contexto de recuperação de aprendizagens.

Para tanto, práticas de ensino contextualizadas, mobilizando conhecimentos dos estudantes para tornar a aprendizagem mais significativa, dialogando com a realidade da escola e mobilizando questões socioemocionais podem apontar um caminho para boas práticas de ensino-aprendizagem. Uma das formas de responder esse desafio é estar orientado pelo conceito de equidade e de educação integral e inclusiva: o primeiro está relacionado à importância de considerar a necessidade e as potencialidades de cada estudante, enquanto o segundo compreende a integralidade do sujeito em seu processo de aprendizado. Tratando de estudantes do Ensino Fundamental I, o lúdico pode ser explorado em sala de aula, valendo-se de jogos e brincadeiras, desenvolvendo estratégias para resolver problemas, conscientizando-se de suas emoções e buscando soluções para o objeto de conhecimento estudado.

Neste trabalho, apresentaremos uma proposta didática de ensino de matemática por meio do jogo de xadrez, explorando a lateralidade e a geometria no formato do tabuleiro e no movimento das peças, além de aspectos socioemocionais no ato de jogar. Este artigo é parte da produção de dissertação de mestrado em andamento, intitulada O Jogo de Xadrez como Ferramenta Didático-Pedagógica para trabalhar habilidades Socioemocionais na Alfabetização Matemática, que foi realizado com 12 estudantes em processo de alfabetização de uma turma do projeto de recuperação para as aprendizagens em contraturno do horário dos estudantes, do fundamental I, anos iniciais, da rede pública municipal de São Paulo, escola localizada na zona leste. No primeiro momento, apresentaremos as contribuições teóricas que sustentam a proposta de ensino de matemática por meio do xadrez, explorando fatores socioemocionais na prática do jogo. No segundo, apresentaremos o plano de aula que organiza tal proposta e o que se pode observar na aplicação desta proposta aos alunos de uma turma em contraturno de recuperação das aprendizagens na escola municipal de São Paulo.

Objetivamos com este artigo difundir a pesquisa do mestrado profissional para um olhar atento quanto a importância da educação socioemocional e para que as crianças sejam alfabetizadas matematicamente de maneira crítica e lúdica, de forma que a alfabetização matemática seja trabalhada em igualdade ao letramento linguístico.    

2. Fatores socioemocionais no ensino de Matemática

Schneider e Gomes (2019, n/p.) afirmam que: “A alfabetização matemática é a ação de ler e escrever matemática, ou seja, de compreender e interpretar seus conteúdos básicos, bem como saber expressar-se através da linguagem específica”. Tal definição compreende a complexidade do ensino de matemática, que não pode ser reduzido apenas à compreensão dos algarismos, à memorização da sequência dos números ou à realização de operações matemáticas. 

A alfabetização matemática, no âmbito do ensino, deve estar relacionada à ação do homem no mundo, de forma a explicitar como a matemática é presente na atividade humana, desmistificando a abstração da matemática, como ensinada nos métodos tradicionais. O conceito de letramento matemático aproxima o uso da matemática no cotidiano das pessoas aos processos cognitivos que implicam o aprendizado da matemática:

É também o letramento matemático que assegura aos alunos reconhecer que tais conhecimentos são fundamentais para a compreensão e a atuação no mundo. Além disso, por meio do letramento é possível desenvolver o caráter de jogo intelectual da Matemática como aspecto que favorece o desenvolvimento do raciocínio lógico e crítico, estimula a investigação e pode ser prazeroso (fruição) (BNCC, 2018, p. 264) 

Ao compreender que o letramento matemático está indissociavelmente relacionado à atividade humana, não seria possível ensinar matemática sem compreender sua estrutura comunicativa para informar, sistematizar conceitos, investigar e questionar as situações problematizadas. Em sala de aula, recomenda-se oferecer ao estudante atividades de investigação do objeto de conhecimento, convidando-o a refletir sobre o enunciado, levantar questionamentos, criar hipóteses e formular estratégias para buscar resultados. (SMOLE; DINIZ, 2001).

Para que os estudantes se sintam engajados a realizar as tarefas escolares, bem como a participarem dos momentos de construção do conhecimento, é importante que os professores busquem maneiras de aproximar o estudante ao seu objeto de conhecimento. Smole e Diniz (2007) atentam para a necessidade de o professor estabelecer formas de comunicação matemática com os estudantes, buscando explicitar como interpretar as informações nos enunciados, como mobilizar os conceitos e como compreender as formas de representações em determinadas situações-problema.

Considerando a importância da comunicação matemática, o jogo de xadrez dialoga com as situações de aprendizagem em matemática, podendo ser contempladas na identificação das formas geométricas, nos movimentos e na lateralidade das peças e no cálculo que os estudantes devem realizar ao iniciar uma jogada, na abstração dos conceitos do jogo, etc. (SMOLE; DINIZ, 2001).

Ensinar matemática em busca do letramento matemático, convidando o estudante a refletir sobre as situações-problemas, relacionando o conhecimento matemático ao cotidiano dos alunos e valendo-se da ludicidade nos jogos para aprender matemática está consoante às metodologias ativas de ensino-aprendizagem. Para Bacich e Moran (2018), a matemática pode ser apresentada ao estudante depois do processo de pesquisa, reflexão e discussão da situação de aprendizagem. Nesse processo, possibilitar espaços para a expressão dos estudantes em sala de aula, estimulando o diálogo plural, apresentando formas de demonstrar polidez ao concordar ou discordar de algum colega é um caminho para tornar o aluno protagonista do seu processo de aprendizagem. 

Além de contribuírem para que o estudante seja ativo em seus estudos, tenha autonomia para aprender e desenvolver boas relações com os colegas, as metodologias ativas contribuem para o aprendizado social e emocional dos educandos:

O aprendizado social e emocional (SEL) é o processo pelo qual crianças e adolescentes gerenciam emoções, estabelecem e alcançam objetivos positivos, sentem e demonstram empatia pelos outros, estabelecem e mantêm relacionamentos positivos e tomam decisões responsáveis. (CASEL, 2020, n/p)

Segundo Santos (2016), a criança necessita sentir-se segura, estimulada à criatividade e protagonista do processo de aprendizagem. Através da autonomia e do fortalecimento de seu aprendizado socioemocional, ela pode desenvolver-se ao internalizar os conceitos matemáticos.

Para Gunes e Tugrui (2017), o jogo de xadrez vai além de sua natureza lúdica, tornando-se um espelho para a introspecção infantil, pois suas peças refletem os desafios e relações da vida cotidiana. Por exemplo, a identificação de uma criança com uma das peças do xadrez pode representar sua visão de mundo ou de suas fantasias. Para Silva (2010), os estudantes mobilizam raciocínio lógico, concentração, atenção, disciplina, planejamento, protagonismo, ética, autoconfiança, além de aspectos socioemocionais dos indivíduos na prática do xadrez.

Tais escolhas didáticas facilitam o que Brousseau (2008) chama de contrato didático: enquanto os estudantes aprendem em uma situação de aprendizado que envolve ludicidade, diálogo e autonomia, os professores sentem que aqueles estão comprometidos com o estudo e o aprendizado. Segundo o autor, contrato didático é “o conjunto de comportamentos específicos do professor que são esperados pelos alunos e o conjunto de comportamentos dos alunos que são esperados pelo professor” (BROUSSEAU apud SILVA, 2010, p.50).

O estabelecimento de um contrato didático claro e justo entre ambas as partes evita ruídos e mal-entendidos na interação professor-aluno no ensino-aprendizagem. O estudo da matemática por meio da prática do jogo de xadrez, considerando as expressões emocionais dos estudantes, contribui para uma prática que alie o aprendizado do objeto de conhecimento e o autoconhecimento. Apresentaremos o plano de aula a seguir.

3. Xadrez Socioemocional: uma estratégia de ensino

De acordo com a afirmação de Antunes (2008), os jogos são alicerces fundamentais para trabalhar os aspectos psicológicos, sociais e cognitivos. Mesmo que os professores não saibam jogar xadrez, é possível que aprendam no desenvolvimento do plano de aula e junto com os alunos ao praticar. Zabala (1998) afirma que as sequências didáticas são uma maneira articulada de contemplar todos os aspectos relevantes para o aprendizado significativo, pois permitem uma avaliação a partir da observação da ação docente, atenta aos caminhos que são percorridos para aprender. Apresentamos a experiência da sequência didática deste trabalho, aplicada em 8 aulas, representada no quadro abaixo. 

Quadro 1: Plano de aula

Sequência DidáticaContexto EpistemológicoMetodologia
AulasProblematizaçãoObjetivos/HabilidadesConteúdosRecursos/Estratégias
Aula 1: O emocionárioO que sinto pelos estudos?Autoconhecimento: competência socioemocional para refletir sobre o eu desenvolvendo o senso de confiança.Conhecer as emoções e suas relações com nosso dia a dia na escola.Roda de conversa
Aula 2                Leitura: “A lenda de Sissa”Explorar as relações numéricas da história: Quantas casas tem o tabuleiro? Quantos grãos usaram? Quais cálculos fizeram? Quantos grãos têm na casa x ou y? Existe um “padrão” numérico?HABILIDADES: (EF01MA02) Contar de maneira exata ou aproximada, utilizando diferentes estratégias como o pareamento e outros agrupamentos. (EF01MA06) Construir fatos básicos da adição e utilizá-los em procedimentos de cálculo para resolver problemas.  Perspectiva etnomatemática: história do xadrez, os números.Aula expositiva e roda de conversa. Auxiliares para contagem: grãos de arroz, feijão, material dourado, palitos, tampinhas etc., tabuleiro de Xadrez.
Aula 3: Aprendendo o jogo de xadrezIniciando com a batalha de peões, os estudantes jogam com o objetivo de chegar ao fim do tabuleiro antes do amigo praticando com a inserção das peças aos poucos, e se familiarizar com elas e seus movimentos. (EF01MA06) Construir fatos básicos da adição e utilizá-los em procedimentos de cálculo para resolver problemas. A atividade envolverá as cinco macrocompetências socioemocionais: Autogestão; Engajamento com os outros; Amabilidade; Resiliência emocional e Abertura ao novo. Resolverão problemas na situação que aparecer efetuando cálculos mentais e planejando estratégias.Resolução de problemas com cálculo mental.Formar duplas e entregar um kit de tabuleiro e peças aos estudantes.    
Aula 4                 Leitura: “Os Grandes Mestres do jogo de Xadrez”Refletir o que possui em comum com eles enquanto seres humanos pertencentes a uma determinada sociedade. Ainda, pensarão as regras do Xadrez no âmago da ética e empatia.Autoconhecimento, Autocontrole e Consciência social: competência socioemocional para refletir sobre o eu desenvolvendo o senso de confiança, automotivação, autodisciplina, autocontrole de impulsos, ética, empatia etc. (EF01MA01) Utilizar números naturais como indicador de quantidade ou de ordem em
diferentes situações cotidianas e reconhecer situações em que os números não indicam
contagem nem ordem, mas sim código de identificação.
Curiosidades sobre o Xadrez, as regras, os grandes mestres, os números no contexto de datas, quantidade de prêmios e idades dos participantes.  Apresentação de Slides, aula expositiva e dialógica.
Aula 5:
O Tabuleiro
Como marcar o lugar da peça? Como saber onde ela estava para atacar ou defender?(EF01MA11) Descrever a localização de pessoas e de objetos no espaço em relação à sua própria posição, utilizando termos como à direita, à esquerda, em frente, atrás.Conhecer como observar o tabuleiro quanto sua forma, como lemos e anotamos as partidas do jogo conforme o posicionamento das peças no tabuleiro aprendendo as notações do Xadrez.Dialógica: as duplas são formadas e recebem um tabuleiro para a prática do jogo.
Aula 6: As peçasQuantas são as peças do Xadrez e quanto elas valem? Como elas se movimentam?  Qual nome você daria para ela a partir das emoções?A atividade envolverá as cinco macrocompetências socioemocionais: Autogestão; Engajamento com os outros; Amabilidade; Resiliência emocional e Abertura ao novo.A partir de conceitos sobre as emoções as peças serão nomeadas de acordo com os principais sentimentos que o jogo evoca.Dinâmica interagindo com os estudantes mostrando as peças. Entregar os jogos e as fichas com os nomes das emoções.
Aula 7: Observando a jogadaComo eles conseguiram ganhar?Engajamento com os outros; Amabilidade; Resiliência emocional e Abertura ao novo; realizando um trabalho colaborativo.Análise fílmica Harry Potter e a pedra filosofal: comentando a jogada mágicaAssistir o fragmento do filme para roda de conversa
Aula 8: Como estou me sentindo agora?    O que aprendemos? Como é a minha relação com a matemática agora? Eu sou inteligente?Autorreflexão, autocrítica e autoestima.Consolidar as aprendizagens e a mentalidade de crescimentoRoda de conversa e questionário impresso

Fonte: A autora.

Os percursos da sequência didática debruçam na perspectiva de uma alfabetização crítica, de maneira interdisciplinar. Na primeira aula, discutimos os sentimentos dos estudantes utilizando a literatura, o livro e o Emocionário, que explica as emoções e permite que façamos reflexões de situações do nosso dia a dia. Neste caso, focamos nos sentimentos relacionados à aprendizagem matemática. 

A segunda aula debruça-se na história do jogo, que é contextualizada a partir da lenda de Sissa, uma história que possibilita pensar sobre o sentimento do rei em relação à perda de seu filho, distraindo-se com um jogo que traz a realidade da batalha na época medieval. Além disso, há o importante personagem Sissa, um sábio que cria o jogo e pede apenas grãos de arroz ao invés de dinheiro, surpreendendo a todos com tal pedido. Nesta aula os estudantes seguiram os passos pedidos por Sissa, colocando os grãos de arroz no tabuleiro. Para Dweck (2006), o sucesso dos estudantes acontece a partir do seu esforço por meio do desafio que foi imposto para ele, estimulando o desenvolvimento da sua mentalidade de crescimento.

Na terceira aula, iniciamos a aprendizagem do jogo, exploramos a batalha de peões, incluindo as demais peças aos poucos, para que compreendam o movimento de cada uma e consolidar essa aprendizagem. Eles tinham que criar estratégias para chegar ao final do tabuleiro no campo do adversário. Nesse sentido, concordamos com a afirmação de Huizinga (2001), para quem o jogo pertence a uma cultura que impulsiona o desenvolvimento intelectual humano, contribuindo para a promoção das boas relações humanas e o bem-estar social.

A quarta aula consiste numa reflexão sobre a capacidade de os estudantes serem e estarem no mundo como sujeitos ativos e críticos, pois vimos os grandes mestres brasileiros e suas histórias de vida, com o intuito de inspirar os estudantes a perceberem sua capacidade de vencer os obstáculos da vida. Segundo Huizinga (2001), o jogo é um facilitador e promotor do desenvolvimento humano porque permite a criatividade, a imaginação, as relações pessoais, a comunicação e a manifestação das emoções.

Explorando o tabuleiro com os determinados movimentos das peças, na quinta aula, buscamos trabalhar a lateralidade e a geometria com os estudantes para desenvolvimento da visão espacial. Da mesma forma, situações-problemas são apresentadas para resolver, problematizando os movimentos. Para Smole e Diniz (2007), a interação dos estudantes durante um momento como o jogo é fundamental para a formação dos sujeitos, já que as situações-problema estimulam o inconformismo diante dos empecilhos, provocando o senso crítico e a criatividade.

Buscamos na sexta aula compreender o valor das peças, para além da quantidade de pontos que elas representam no mundo enxadristico. Os estudantes, a partir do que já conheciam sobre o jogo, tiveram que nomear as peças, relacioná-las com as emoções que eles compreendiam.

Na sétima aula, os estudantes realizaram uma análise da batalha do xadrez de bruxo do fragmento do filme Harry Potter e a pedra filosofal, em que foram provocados a pensar como foi possível ganhar a batalha. Compreender os comportamentos necessários para vencer também enfoca a importância da união, humildade, empatia, saber ouvir e do trabalho colaborativo entre o grupo. Na afirmação de Smole e Diniz (2007), é necessário haver comunicação com os estudantes de forma a encorajá-los a expressarem seus sentimentos, conhecimentos, descobertas, etc. 

Por fim, na última aula, os estudantes realizaram uma roda de conversa para contar o que aprenderam e o que gostaram das aulas. Para isso, também responderam a um questionário final e escolheram imãs com as emoções que sentiram durante a atividade para colocar no tabuleiro imantado. Diante ao exposto, concordamos, à luz do pensamento de Perrenoud (2000), ao afirmar que entre as dez competências para ensinar, uma delas é envolver os estudantes em seu trabalho. Observamos que durante a investigação aconteceu esse envolvimento.

3. Resultados

Na roda de conversa inicial os estudantes revelaram que tinham medo da matemática, que não gostavam da matéria porque a achavam confusa e que não se sentiam capazes de realizar as atividades propostas pelos professores. 

Aluno A: “Professora, a matemática é difícil, eu não sei fazer continhas”.

Aluno B: “Professora, eu acho muito confuso”.

Aluno C: “Professora: eu tenho medo de matemática porque sempre vou mal nas provas”.

Aluno D: “Professora, eu vou mal nas provas, não sei matemática, eu não sou esperto”.

A ficha de resposta entre aos estudantes para responder a essas perguntas é representada na figura abaixo:

Figura 1: Entrevista

Fonte: A autora.

 Durante a conversa sobre a lenda de Sissa todos se mostraram motivados e queriam participar. Comentando sobre a inteligência do sábio, eles concordavam entre si dizendo que Sissa ganharia muito mais com o arroz se o vendesse. Assim, foi possível notar que os estudantes estavam confiantes em si e que raciocinavam matematicamente, pois compreendiam o valor do arroz na lenda.

Para a aprendizagem do jogo, foi notável em suas interações as variadas tentativas de ganhar. Eles tentavam resolver o problema sem conflitos com os colegas e buscavam estratégias. Muitas vezes, eles davam dicas e faziam análises de como o seu parceiro deveria ter jogado. Eles eram empáticos e altruístas, embora quisessem ganhar a partida.

A discussão sobre os grandes mestres de xadrez os fez perceber que são capazes de ser o que quiserem. Comentaram que o que parece difícil não é como imaginam, pois podem chegar aonde quiserem com dedicação:

“Professora, eu vou ser médico, vou estudar até conseguir”.

“Professora, eu vou aprender mais xadrez para viajar o mundo ganhando mesmo que eu não ganhe os campeonatos. Pelo menos eu participei e estou aprendendo”.

Ao final das aulas, os estudantes mostraram-se confiantes e motivados. Eles perceberam que a matemática não é apenas uma operação mecanizada. Eles relataram na pesquisa final que matemática é legal e que conseguiram aprender “continha de vezes”, mostrando que a prática contextualizada torna a operação significativa.

Figura 2: Pesquisa final

Fonte: A autora.

4. Considerações finais

Buscamos compreender a alfabetização matemática considerando os aspectos emocionais que entendemos ser indissociável para o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos. Dessa forma, vimos que a pergunta que motivou a investigação “Pode o jogo de xadrez contribuir para uma alfabetização matemática crítica e exploratória por meio do jogo de xadrez concomitantemente trabalhar a educação socioemocional”? É respondida de maneira positiva, mas traz muitas ideias e hipóteses para novas investigações, pois, um estudante não foi motivado a se engajar para aprender matemática e não se interessou pelo jogo, ele queria apenas dormir. O olhar para este estudante nos provoca enquanto educadores para romper barreiras e não sermos levados ao fracasso escolar. Embora a maioria tenha aprendido e gostado do jogo, incomoda um estudante não fazer parte desta estatística do aprender.

Os dados analisados e o aporte teórico pesquisado nos trazem a reflexão de que não podemos ignorar as habilidades socioemocionais para o ensino e aprendizagem. Ainda, é necessário repensar algumas práticas tecnicistas no Fundamental I, porque a ludicidade tem sido deixada de lado nas aulas desses estudantes – que ainda são crianças e precisam brincar. 

Destacamos que as crianças se mostraram sujeitos potentes, inteligentes, criativos e protagonistas da aprendizagem. Notamos que elas eram sábias e amáveis, capazes de aprender quando as ouvíamos para ajudá-las. Mas, a pergunta que nós fazemos é se é somente este o caminho, se há outras formas didáticas de engajá-los da mesma maneira para alfabetizar matematicamente.

Por fim, a pesquisa contribui para pensarmos nosso planejamento a fim de romper paradigmas que assombram a sala de aula, como as práticas tecnicistas, que não valorizam o saber das crianças, seu protagonismo e sua criticidade. Ainda, é importante questionar por que o letramento matemático ou a alfabetização matemática não é vista ou validada como a alfabetização linguística ou o letramento linguístico, pois a academia precisa trazer à tona essa discussão de maneira mais enfática de modo que seja levada para as formações das redes pública.


1Disponível em: < NERI, Marcelo; OSORIO, Manuel Camillo. Evasão escolar e jornada remota na pandemia. Revista NECAT-Revista do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense 10.19 (2021): 28-55.>. Acesso em: 02/02/2024.

Referências

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BROUSSEAU, G. Introdução ao estudo das situações didáticas: conteúdos e métodos de ensino. São Paulo: Ática, 2008.

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HUIZINGA, J. Homo Ludens. O jogo como elemento de cultura. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001.

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SCHNEIDER, Magalis Bésser Dorneles; GOMES, Jéssica Pereira. Letramento matemático na alfabetização: Criar e reinventar a matemática Schneider, Jéssica Pereira Gomes. Educação no século 21: Matemática. Editora Poseidon. ed. 32. 2019. 

SANTOS, Lijecson Souza dos. Contextualização matemática em situação de ensino e aprendizagem no EJA. Anais II CINTEDI. Campina Grande: Realize Editora, 2016. Disponível em: <https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/22770>. Acesso em: 02/01/2024.

SILVA, Wilson da. Raciocínio lógico e o jogo de xadrez: em busca de relações. Tese (Doutorado). – Universidade Estadual de Campinas. Campinas.  2010. Disponível em:  <http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/251446/1/Silva_Wilsonda_D.pdf>. Acesso em 13/01/2024.

SMOLE, Kátia Stocco. DINIZ, Maria Inês. Ler, escrever e resolver problemas: habilidades básicas para aprender matemática. Porto Alegre: Artmed, 2007.


1Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (ENCIMA) – Instituto Federal de São Paulo (IFSP), São Paulo, Brasil proferikamaia@gmail.com – Rua Pedro Vicente, 625, Canindé, S.P – CEP 01109-010
2Programa de Pós Doutorado Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
Campinas, S.P. Cidade Universitária Zeferino Vaz novaes.diva@gmail.com – Barão Geraldo, Campinas – SP, CEP 13083-970