THE INSTITUTE OF CIVIL LIABILITY AND DAMAGES RESULTING FROM AFFECTIVE ABANDONMENT BY PARENTS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11479601
André Fabrício Silva Viana1;
Victor Hugo Camargo Alves2.
Resumo: O objetivo da pesquisa centra-se em uma abordagem sobre o instituto da responsabilização civil e os danos ocasionados em razão do abandono afetivo por parte de um dos genitores do menor. Nesse sentido, esclarece-se que as entidades familiares atuais são protegidas e tuteladas pela Constituição Federal de 1988 e pelo ordenamento jurídico pátrio em geral. Ademais, os membros dessas entidades familiares (principalmente os filhos) são ainda mais priorizados pelo diploma constitucional e através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Diante disso, doutrinadores e estudiosos passaram a questionar os casos em que se tenha a prática do abandono afetivo por parte de um dos genitores do menor e a possibilidade de serem responsabilizados na esfera cível devido à conduta praticada. Trata-se, nesse prumo, de uma conduta que poderá gerar severos danos emocionais e psicológicos em detrimento de crianças e adolescentes, sendo, muitas vezes, imensuráveis e irreparáveis. Portanto, com base em todos os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais aqui analisados, compatibiliza-se com o posicionamento majoritário, ou seja, pela possibilidade de responsabilização civil dos genitores que vierem a praticar o abandono afetivo parental e, consequentemente, a possibilidade de se pleitear uma indenização por danos morais em favor da vítima. Contudo, deverá o magistrado analisar cada demanda de acordo com suas peculiaridades, levando-se em conta o conjunto probatório juntado aos autos e toda a comprovação dos danos emocionais sofridos pela criança ou adolescente. Em relação à metodologia escolhida para fins de elaboração do presente artigo científico, destaca-se que, por ser tratar de uma pesquisa predominantemente teórica, foram utilizadas fontes bibliográficas, jurisprudenciais e doutrinárias, com base na legislação vigente e em estudos modernos.
Palavras-chave: Ausência de afeto aos filhos. Ação indenizatória. Danos emocionais e psicológicos. Direito de Família. Princípios constitucionais.
Abstract: The objective of the research focuses on an approach to the institute of civil liability and the damage caused due to emotional abandonment by one of the minor’s parents. In this sense, it is clarified that current family entities are protected and protected by the Federal Constitution of 1988 and by the national legal system in general. Furthermore, the members of these family entities (mainly children) are even more prioritized by the constitutional diploma and through the Child and Adolescent Statute (ECA). In view of this, scholars and scholars began to question cases where there is the practice of emotional abandonment by one of the minor’s parents and the possibility of being held liable in the civil sphere due to the conduct practiced. In this sense, it is a conduct that could cause severe emotional and psychological damage to the detriment of children and adolescents, often being immeasurable and irreparable. Therefore, based on all the doctrinal and jurisprudence positions analyzed here, it is compatible with the majority position, that is, the possibility of civil liability for parents who practice parental emotional abandonment and, consequently, the possibility of claiming a compensation for moral damages in favor of the victim. However, the judge must analyze each demand according to its peculiarities, taking into account the evidence contained in the case and all evidence of the emotional damage suffered by the child or adolescent. Regarding the methodology chosen for the purpose of preparing this scientific article, it is worth highlighting that, as it is predominantly theoretical research, bibliographic, jurisprudence and doctrinal sources were used, based on current legislation and modern studies.
Keywords: Lack of affection towards children. Compensation action. Emotional and psychological harm. Family right. Constitutional principles.
1 INTRODUÇÃO
Durante o passar dos anos, vislumbra-se que as organizações familiares foram sofrendo grandes mudanças. Dessa maneira, principalmente após o advento da Constituição Federal de 1988, esses arranjos passaram a ser tutelados e protegidos de modo mais contundente. Em resumo, tem-se que as famílias representam o cerne mais precípuo da sociedade moderna.
Nesse diapasão, da mesma forma que os arranjos familiares são tutelados, os seus membros (principalmente os filhos menores) são priorizados no âmbito de direitos, garantias e valores. Portanto, tem-se que as crianças e os adolescentes devem ser tratados de forma digna com prioridade, na seara dos direitos fundamentais.
Diante desse contexto, tem-se que diversos estudiosos passaram a questionar os casos em que há uma ruptura da entidade familiar original e essas pessoas passam a desprezar os filhos oriundos daquela relação. Em outras palavras, passaram a questionar as consequências do chamado “abandono afetivo parental”.
Ademais, teve-se, a partir desse ponto, uma abordagem sobre a possibilidade de se responsabilizar civilmente esses genitores e de se pleitear uma indenização por danos morais em favor da vítima (crianças ou adolescentes que sofrem com o abandono afetivo por parte dos genitores).
Com base nesses critérios e elementos apresentados, ressalta-se que a presente pesquisa científica trata sobre o instituto da responsabilidade civil, apresentando uma análise conceitual e os critérios que devem ser aplicados para fins de reconhecimento do instituto em comento. Além disso, diferencia-se a responsabilidade civil objetiva e subjetiva, assim como os pressupostos aplicáveis.
Do mesmo modo, aborda-se sobre os princípios constitucionais que podem ser aplicados e tratados na esfera do Direito de Família, sendo eles o princípio da dignidade da pessoa humana, o melhor interesse da criança e do adolescente, a proteção integral e o princípio relativo à afetividade.
Através do capítulo subsequente, apresenta-se os posicionamentos doutrinários majoritários que disciplinam sobre a responsabilização civil oriunda da ausência afetiva por parte de um dos genitores da criança ou adolescente. No mesmo prumo, apresenta-se a ementa relativa à primeira decisão jurisprudencial sobre o abandono afetivo parental, o posicionamento que era adotado pelo extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, uma decisão recente proveniente do Superior Tribunal de Justiça e uma decisão oriunda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Em relação à metodologia escolhida para fins de elaboração do presente artigo científico, destaca-se que, por ser tratar de uma pesquisa predominantemente teórica, foram utilizadas fontes bibliográficas, jurisprudenciais e doutrinárias, com base na legislação vigente e em estudos modernos.
2 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL: Critérios conceituais e elementos aplicáveis
Nessa senda de pensamento, ressalta-se que o instituto da responsabilidade civil se encontra previsto no Código Civil Brasileiro de 2002, abarcando acontecimentos do cotidiano dos cidadãos. Dessa maneira, tem-se as condutas que são praticadas pelo agente (condutas comissivas), as condutas que são negligenciadas (omissivas), as consequências ali vislumbradas (resultados), bem como os fatos ali observados. Nesse esteio, observa-se que, caso algum cidadão, em decorrência de uma conduta comissiva ou omissiva, venha a causar algum dano a outrem, seja esse dano moral, patrimonial, estético, dentre outros, surgirá a necessidade de estabelecer uma situação justa em prol da vítima ou daqueles que vierem a se sentir prejudicados com essa conduta (DINIZ, 2021).
Dessa maneira, argumenta Venosa (2020) que o instituto em comento é parte do direito obrigacional, ou seja, diante da ocorrência de um dano, nasce uma obrigação de se resolver aquele desacerto: “a responsabilidade civil é parte integrante ao direito obrigacional, a reparação dos danos sendo algo decorrente da transgressão de uma obrigação, de um dever jurídico ou direito” (VENOSA, 2020, p. 151).
No contexto apresentado, ressalta-se que a “responsabilidade civil” se constitui como um ônus de se reparar ou compensar alguém, em virtude da ocorrência de um dano, de assumir a responsabilidade em decorrência de um ato errôneo. Nesse sentido, Cavalieri Filho (2020) salienta que “a noção de responsabilidade civil em seu sentido etimológico exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação, que seja o dever de reparar o prejuízo em virtude da violação de outro dever jurídico” (CAVALIERI FILHO, 2020, p. 19).
Suplementarmente ao exposto, enfatiza Diniz (2021) acerca do mencionado instituto e da sua imposição legal precípua:
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal (DINIZ, 2021, p. 124).
Outrossim, tem-se que a responsabilidade civil se encontra tipificada no artigo 927 do Código Civil Brasileiro, que assim dispõe:
Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002).
Tendo como base os pressupostos apresentados, pode-se compreender que os artigos abarcados traduzem o âmago do instituto da responsabilidade civil, pontuando que, diante do cometimento de uma conduta que venha a causar um prejuízo à vítima, nascerá a necessidade de regularizar aquele resultado vislumbrado, ou seja, de se compensar, de se amenizar todos os infortúnios suportados (BRASIL, 2002).
Desse modo e de forma supletiva, aduz Diniz (2021) que a responsabilidade civil pressupõe uma forma de aplicação, ou seja, um caminho a ser seguido pelos operadores do direito:
A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de fato de coisa ou animal sob sua guarda, de pessoa por quem ele responde, ou ainda, de simples obrigação legal (DINIZ, 2021, p. 179).
Na mesma senda de pensamento, preleciona Gonçalves (2022) que a responsabilidade civil pode ter um caráter compensatório (sendo uma forma de reparar ou amenizar os danos ocasionados pelo agente), um caráter socioeducativo (com o intuito de ensinar o agente sobre a reprovabilidade social e jurídica da conduta praticada) e pedagógico (sendo uma forma de se ensinar acerca daquela conduta errônea praticada pelo agente).
Enfatiza-se também que existem diversas classificações e subdivisões relativas à responsabilidade civil e, dentre elas, a que trata sobre a responsabilidade objetiva e subjetiva. Desse modo, mister que tal classificação seja pontuada e descrita de modo pormenorizado.
2.1 A responsabilidade civil objetiva e subjetiva
Consoante Cavalieri Filho (2020), durante um grande período, a teoria relativa à responsabilidade subjetiva preponderou em casos da seara cível, ou seja, quando existe a necessidade de comprovação da culpa para fins de reparação ou compensação do dano ocasionado. Contudo, a partir da evolução da sociedade e dos mecanismos legais, passaram a surgir situações fáticas onde não se era possível ou necessário vislumbrar o elemento “culpa” de outrem.
Dessa forma, para fins de abarcar a situação vivenciada por vítimas que se encontravam incapacitadas de comprovar o elemento “culpa”, criou-se a denominada “teoria do risco” ou “responsabilidade objetiva”. Nesse esteio, tem-se que a mencionada teoria pressupõe que “todo dano é indenizável e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa” (ALVIM apud GONÇALVES, 2022, p. 32).
Em caráter complementar ao exposto, aduz Gonçalves (2022):
Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura) (GONÇALVES, 2022, p. 33).
Do mesmo modo, Gonçalves (2022) complementa que, apesar de a responsabilidade subjetiva ser considerada a regra prevalecente no âmbito do Direito Civil brasileiro, no conteúdo presente nos artigos 186, 187 e 927 do diploma legal civilista, ainda se tem uma essência ligada à responsabilidade objetiva (a depender da situação fática apresentada e dos demais critérios legais aplicáveis).
2.2 Os pressupostos inerentes à responsabilidade civil
Em relação ao artigo 186 do Código Civil Brasileiro, existem quatro pressupostos inerentes à responsabilidade civil, quais sejam, a conduta praticada pelo agente, a culpa, o nexo causal e o dano. Tais pressupostos, consoante Cavalieri Filho (2020), devem ser vislumbrados, para fins de reparação, com exceção do elemento culpa, quando se tratar da responsabilidade objetiva.
Nesse contexto, conforme os ensinamentos de Cavalieri Filho (2020), a conduta praticada pelo agente consiste no “[…] comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas” (CAVALIERI FILHO, 2020, p. 29).
Em geral, conforme Tartuce (2018), a conduta humana pode ser de cunho comissivo (que deriva de uma ação) ou omissivo (quando o agente deixa de atuar). Dessa forma, ressalta-se que a conduta comissiva só será levada em consideração “[…] quando existir prova de que a conduta não foi praticada. Em reforço, para a omissão é necessária ainda a demonstração de que, caso a conduta fosse praticada, o dano poderia ter sido evitado” (TARTUCE, 2018, p. 358).
Ressalta-se no mesmo sentido, que a responsabilidade civil, em casos comissivos ou omissivos, poderá recair sob aquele que deu causa ao acontecimento trágico ou um terceiro que tenha sido causador do dano. Ademais, a lei só responsabilizará aquele que tiver plena ciência de seus atos, bem como a capacidade de determinar-se de acordo com esses atos (CAVALIERI FILHO, 2020).
O elemento “culpa”, por sua vez, trata-se de um critério relevante (principalmente quando se liga à conduta praticada ou o ato omisso do agente). Desse modo, em sede de responsabilidade subjetiva, a vítima só terá uma reparação ou compensação quando conseguir provar que o agente teve culpa naquela situação danosa:
A obrigação de indenizar não existe, em regra, só porque o agente causador do dano procedeu objetivamente mal. É essencial que ele tenha agido com culpa: por ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência, como expressamente se exige no artigo 186 do Código Civil. Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo (VARELA apud GONÇALVES, 2022, p. 501).
É importante destacar que a culpa, em seu sentido mais abrangente, condiz com toda conduta humana contrária aos ditames legais e sociais, seja de forma intencional (dolosa) ou tencional (culposa). Uma vez que já se tenha o dolo, já se perfaz uma ideia de que o agente queria praticar aquela conduta e gerar aquele dano. De modo contrário, no âmbito da culpa, vislumbra-se que o agente pratica uma conduta inicialmente lícita e, ao passo que essa conduta gera um dano, torna-se ilícita e passível de reprimenda pelo ordenamento jurídico pátrio (CAVALIERI FILHO, 2020).
Na mesma senda, tem-se também o denominado “nexo causal”, ou seja, o liame existente entre a conduta praticada pelo agente e o dano ocasionado (TARTUCE, 2018).
Acerca do nexo causal, preleciona Cavalieri Filho (2020):
É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. A relação causal estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não causa do dano (CAVALIERI FILHO, 2020, p. 37).
Observa-se, nesse prumo, que o dano ou prejuízo refere-se ao resultado nefasto vislumbrado, ou seja, na subtração ou diminuição de um bem jurídico. Há, sobremodo, uma lesão a um bem jurídico da vítima, sendo considerado material, moral, estético, dentre outros (GAGLIANO, 2019).
Em tom supletivo, Cavalieri Filho (2020) compreende que o dano consiste:
A subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. (CAVALIERI FILHO, 2020, p. 38).
Além disso, conforme os ensinamentos de Gonçalves (2022), o dano pode ser caracterizado de formas diversas, mas, em primeiro plano, classifica-se como material ou moral. Nesse esteio, tem-se que o dano material atinge o patrimônio da vítima, seus bens corpóreos (casa, automóvel, joias, dentre outros) e incorpóreos (direitos de crédito, propriedade intelectual, penhor, dentre outros).
Nesse contexto, salienta Gonçalves (2022) que o dano material é calculado com subsídio na diminuição sofrida pelo patrimônio da vítima, sendo necessário uma recomposição dele ou uma restauração do “status quo ante”:
Avalia-se o dano material tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio. O ressarcimento do dano material objetiva a recomposição do patrimônio lesado. Se possível, restaurando o status quo ante, isto é, devolvendo a vítima ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal desiderato, busca-se a compensação em forma de pagamento de uma indenização monetária (GONÇALVES, 2022, p 701).
O denominado “dano moral”, por sua vez, trata-se de uma lesão aos direitos mais intimistas da vítima, ou seja, aqueles que se encontram na esfera personalíssima, pessoal, atinentes à vida privada. Desse modo, “O dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente” (GAGLIANO, 2019, p. 59).
Segundo Cavalieri Filho (2020), a integração do dano moral ao ordenamento jurídico pátrio ocorreu de modo progressivo. Diante disso, com o advento da Magna Carta de 1988, o ser humano passou a ocupar um posicionamento de destaque, sendo detentor de plenos direitos fundamentais, que deveriam ser resguardados e protegidos.
Nesse prumo, tem-se o posicionamento de Gonçalves (2022) acerca do dano moral e da sua essência precípua:
O dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano. […] O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente (GONÇALVES, 2022, p. 569).
Conforme balizado nas linhas acima, consoante as ponderações de Gonçalves (2022), não são todas as dores ou angústias que serão compensadas ou reparadas por intermédio da esfera cível. O dano moral, nesse contexto, abarca toda a esfera intimista da vítima ligada ao bem jurídico lesionado, possibilitando, desse modo, uma reparação. Há, sobremodo, uma forma de se compensar o sofrimento causado pelo agente ou a humilhação em decorrência da lesão ao bem jurídico inerente àquela pessoa.
3 OS PRINCÍPIOS PRESENTES NA MAGNA CARTA DE 1988 E SUAS APLICAÇÕES NA SEARA DO DIREITO DE FAMÍLIA BRASILEIRO
Em conformidade com os ensinamentos de Dias (2021), o ordenamento jurídico brasileiro denota-se composto por regras, normas, preceitos e princípios, cujas diferenças basilares centram-se na capacidade de imposição, no grau de aplicação e na forma de absorção daquele conteúdo. Nesse contexto, encontram-se os chamados “princípios”, ou seja, aqueles “[…] que incorporam as exigências de justiça e de valores éticos que constituem o suporte axiológico, conferindo coerência interna e estrutura harmônica a todo o sistema jurídico” (DIAS, 2021, p. 34).
Suplementarmente ao exposto, aduz Alexy (2008) sobre a importância dos princípios:
Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes (ALEXY, 2008, p. 90).
Nessa esteira, pondera Silva (2012) que os princípios são muito importantes para a seara jurídica e muitas vezes estão contidos nas entrelinhas das normas vigentes, sendo necessário que o aplicador da lei faça uma interpretação segundo à situação fática exposta. O autor supramencionado complementa que os princípios, muitas vezes, são mais relevantes que a própria regra jurídica, haja vista que são os pontos básicos, o alicerce mais precípuo para a busca e efetivação de justiça:
No sentido, notadamente no plural, significa que as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Desse modo, exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas. Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito (SILVA, 2012, p. 49, grifo nosso).
Dentre o conjunto de princípios, direitos e valores contidos na Magna Carta de 1988, que são aplicados na seara do Direito de Família contemporâneo, cita-se o princípio da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da criança e do adolescente, da proteção integral e o princípio da afetividade (DIAS, 2021).
Ressalta-se, nesse prumo, que o princípio da dignidade humana se encontra na órbita central principiológica, sendo necessário para efetivação dos demais princípios existentes. Em outras palavras, trata-se de um alicerce, um ponto de apoio para os operadores do direito e aplicadores das leis. Outrossim, enfatiza Dias (2021) que o princípio em comento “[…] é o mais universal de todos os princípios. É um macro princípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, uma coleção de princípios éticos” (DIAS, 2021, p. 62).
Dessa forma, argumenta-se que o princípio da dignidade humana também se encontra na base de formação das estruturas familiares contemporâneas, atuando no âmbito de desenvolvimento de cada membro da comunidade, nas diversas áreas sociais e de convivência humana:
A proteção à dignidade da pessoa humana revela-se interesse metaindividual, como garantia do pleno desenvolvimento de cada membro da comunidade, devendo ser já respeitada no seio familiar e daí expandindo-se às demais areais de atuação do indivíduo na sociedade (VENOSA, 2020, p. 44).
De forma supletiva, pondera Gonçalves (2022):
O princípio do respeito à dignidade da pessoa humana constitui, assim, base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227) (GONÇALVES, 2022, p. 31).
Nesse enfoque, Tepedino, sob as palavras de Gonçalves (2022), ressalta que o princípio da dignidade humana traz em seu bojo que os valores familiares são inegociáveis. Tem-se que a entidade familiar deve ser respeitada como instituição central, que os direitos de cada um de seus membros devem ser considerados, sobremodo em relação ao desenvolvimento da personalidade da prole:
Princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, como decorrência do disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal. Verifica-se, com efeito, do exame do texto constitucional, como assinala Gustavo Tepedino, que ‘a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos’ (TEPEDINO apud GONÇALVES, 2022, p. 27).
Nos mesmos moldes propostos, observa-se que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e o princípio da proteção integral comungam de ideias e preceitos semelhantes. Em outras palavras, tem-se no bojo dos mencionados princípios uma ideia de que os direitos, valores e garantias relativos às crianças e adolescentes devem ser priorizados pelo Estado, pela sociedade e pela família do menor.
Suplementarmente ao exposto, aduz Lôbo (2020) que pelos princípios em comento, principalmente o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, esses devem:
[…] ter seus interesses tratados com prioridade, pelo Estado, pela sociedade e pela família, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, notadamente nas relações familiares, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade (LÔBO, 2020, p. 89).
Tratam-se, sobremodo, de valores atinentes aos menores, que traduzem e ressaltam a necessidade de proteção delas em relação à sociedade e ao mundo jurídico contemporâneo. Nesse aspecto, conforme o conteúdo apresentado pelos artigos 3º, 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), os menores gozam de todos os direitos fundamentais relativos ao ser humano, sendo assegurado por lei a aplicação desses direitos e todas as oportunidades para que tenham um desenvolvimento físico, psicológico, moral, espiritual e social saudáveis. Além disso, faz-se necessário que o ente público, a família, a comunidade e a sociedade em geral atuem em prol da efetivação de direitos, garantias e valores em favor das crianças e adolescentes:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (BRASIL, 1990).
Consoante Diniz (2021) o princípio da proteção integral estabelece que as crianças e adolescentes devem ser tratadas de forma prioritária, sendo vedado todo e qualquer comportamento discriminatório, de exclusão, de depreciação, exploração ou violência em detrimento deles.
Nessa senda, destaca-se que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente exerce um importante papel no âmbito das relações paterno filiais. Além disso, os filhos passam a serem vistos como sujeitos de direito, detentores de absoluta prioridade pelo Poder Judiciário e pela sociedade adjacente:
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente representa importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-filiais, em que o filho deixa de ser considerado objeto para ser alçado a sujeito de direito, ou seja, a pessoa humana merecedora de tutela do ordenamento jurídico, mas com absoluta prioridade comparativamente aos demais integrantes da família de que ele participa. Cuida-se, assim, de reparar um grave equívoco na história da civilização humana em que o menor era relegado a plano inferior, ao não titularizar ou exercer qualquer função na família e na sociedade, ao menos para o direito (GAMA, 2008, p. 80).
Suplementarmente ao exposto, Filho (2018) destaca que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente está previsto no conteúdo preceituado pelo artigo 227 da Magna Carta de 1988, ressaltando que o Estado, a família, a comunidade e a sociedade devem assegurar que esses jovens tenham todos os direitos fundamentais, valores e princípios concretizados, em favor da formação e desenvolvimento deles:
[…] Para nós, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente (favor minoris), expressão colhida dos textos originais da Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), cumpre relevante papel transformador plasmado no caput do art. 227 da CF/88: dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, todos os direitos fundamentais não só a todo ser humano, mas, em especial, à criança e ao adolescente como pessoa em desenvolvimento, dotada de dignidade (LEITE apud FILHO, 2018, p. 79).
No mesmo sentido, Filho (2018) também aduz que a Convenção sobre os direitos da criança buscou tratar sobre a concretização e necessidade de efetivação desses direitos fundamentais. Diante disso, pondera-se que as crianças possuem prioridade de atendimento em instituições públicas ou privadas, que o bem-estar social delas deve ser considerado e respeitado. Ademais, as políticas públicas devem ser fomentadas e cada instituição compreender o contexto histórico desses menores, em prol da compreensão de suas necessidades e carências precípuas:
A Convenção sobre os direitos da criança encarregou-se de fixar critérios hermenêuticos próprios, ‘ o interesse maior da criança’’ como consideração prioritária em todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos (CDC, art. 3.1).Sem revelar pautas que permitam inferir o verdadeiro significado e a extensão do princípio, na prática, obriga aqueles órgãos a efetuar uma aplicação concreta em dada situação que envolva seus destinatários.
Será razoável, então, conceituar o melhor interesse da criança como um conjunto de bens necessários para assegurar o desenvolvimento integral e proteção da pessoa em desenvolvimento, no que resultar de maior benefício para ele (FILHO, 2018, p. 85).
No que se refere ao princípio da afetividade, compreende-se que, apesar de o afeto estar presente no cerne das entidades familiares modernas, de representar a mola propulsora desses arranjos familiares, muitos juristas e estudiosos não o consideram propriamente um princípio. Nesse esteio, para os negacionistas, o afeto trata-se de um sentimento de afeição, de um laço consubstancial, mas espontâneo. Portanto, tem-se que o afeto, embora seja importante para os arranjos familiares, não pode ser imposto, exigido, nem tampouco cobrado:
A resposta, crê-se, só pode ser negativa. Se o afeto é um sentimento de afeição para com alguém, soa intrínseco ao mesmo a característica da espontaneidade. É uma sensação que se apresenta, ou não, naturalmente. É uma franca disposição emocional para com o outro que não tolera variações de existência; ou há ou não há; e, tanto numa como noutra hipótese, o é porque autêntico. Isso impede que, ainda que se pretenda, se possa interferir sob o propósito de exigibilidade nas situações em que ele não se apresentar autonomamente. Insistir nisso é desvirtuar a virtude do afeto. Uma vez imposto não é sincero e, assim, não congrega as qualidades que lhes são próprias, dentre as quais o incentivo à sadia conformação da identidade pessoal dos envolvidos (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p. 43).
Dessa maneira, segundo Lôbo (2018), houve uma projeção em âmbito jurídico-constitucional que as entidades familiares possuem um alicerce consubstanciado no afeto:
Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade, tendo em vista que consagra a família como unidade de relações de afeto, após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procracionais, econômicas, religiosas e políticas (LÔBO, 2018, p. 43).
Portanto, consoante Almeida e Rodrigues (2012) a afetividade cedeu o espaço de sentimento para ganhar novos contornos. Dentre tais contornos, passou-se a atuar como instrumento de criação das famílias, um elemento vital para o pleno desenvolvimento e crescimento pessoal dos agentes:
[…] A afetividade se apresenta como a grande justificativa dos ambientes familiares espontaneamente instaurados, principalmente os que não contam com a concorrência de recursos jurídicos constitutivos, a dizer, situações não matrimoniais. Ganha importância jurídica, no entanto, apenas ao provocar comportamentos permanentes e públicos em favor do conjugado crescimento pessoal dos agentes (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2012, p. 41/42).
Dessa maneira, Dias (2021) salienta que, embora exista um posicionamento doutrinário minoritário, diversos estudiosos coadunam que a afetividade vai bem além de um sentimento, constituindo-se como o cerne vital das entidades familiares contemporâneas, representando o elo mais precípuo desses arranjos conjugais e filiais. Dessa forma, deve-se considerar a afetividade sob um plano social e jurídico, bem como todos os efeitos dali decorrentes.
4 A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL EM DECORRÊNCIA DA AUSÊNCIA AFETIVA POR PARTE DE UM DOS GENITORES
Compreende-se, com subsídio no contexto apresentado alhures, que a família se constitui como uma entidade protegida pela Magna Carta de 1988, haja vista que ela se constitui como o núcleo precípuo da sociedade. Nesse diapasão, também se ressalta que os seus membros, sobremodo os filhos menores provenientes de uma relação conjugal, também possuem todos os direitos, valores e princípios resguardados, não apenas pelo diploma constitucional, mas por intermédio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (DINIZ, 2021).
De modo complementar ao exposto, aduz Pereira (2018) que o âmbito familiar se mostra de inestimável valor para o pleno desenvolvimento e formação dos filhos menores. Ademais é na família que o indivíduo buscará refúgio, conforto e amparo necessário para as situações que vierem a fragilizá-lo:
É na família que o indivíduo nasce, se desenvolve, molda sua personalidade e se integra no meio social. É na família que, no curso de sua vida, o indivíduo encontra conforto, amparo e refúgio para sua sobrevivência, formação e estruturação psíquica. A criança mantém uma relação direta de dependência com aqueles que, tendo as concebido ou não, acolheram-na, se tornaram responsáveis pela continuação de sua existência e formação. A inserção em um núcleo familiar é importante para o desenvolvimento físico, psíquico e afetivo saudável da criança. Em geral, os responsáveis são os genitores, investidos do “poder familiar”, outrora denominado ‘pátrio poder (PEREIRA, 2018, p. 668).
Ademais, tem-se que é dever dos genitores a concessão de um ambiente harmônico e sadio para com os filhos, de condições necessárias ao suprimento de questões biopsíquicas, para que se tenha ali uma verdadeira referência de vida, um alicerce seguro:
Lembra que o dever de criação abrange as necessidades biopsíquicas do filho, o que está vinculada à satisfação das demandas básicas, tais como os cuidados na enfermidade, a orientação moral, o apoio psicológico, as manifestações de afeto, o vestir, o abrigar, o alimentar, o acompanhar física e espiritualmente ao longo da vida (LIMA, 2018, p. 52).
No sentido avençado, enfatiza-se também que o artigo 227 da Magna Carta de 1988 traz em seu bojo que é dever da família, junto à sociedade e o Ente público, assegurar que todos os direitos básicos sejam garantidos, com absoluta prioridade, às crianças e adolescentes (BRASIL, 1988). No mesmo prumo, tem-se o artigo 22 previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que assim dispõe:
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei (BRASIL, 1990).
Diante do contexto apresentado, compreende-se que, embora o diploma constitucional, o ECA e a legislação esparsa tratem e priorizem os direitos e garantias em prol das crianças e dos adolescentes, nem sempre a realidade vislumbrada será nesse sentido.
Nesse esteio, consoante Dias (2021), tem-se que muitos pais, ao romperem uma relação conjugal, ao desfazerem uma entidade familiar, também se distanciam dos filhos menores, acarretando um verdadeiro embate para com o outro cônjuge. Dessa maneira, muitas crianças e adolescentes se veem desprezadas, abandonadas e sem o apoio dos próprios genitores. Tal situação, ocasiona, muitas das vezes, no denominado “abandono afetivo”, gerando danos de ordem emocional e moral à vítima (no caso, os filhos menores).
Acerca do assunto em comento, preleciona Hironaka (2018) que essas crianças e adolescentes, uma vez que venham a sofrer danos afetivos, poderão ter ali uma mácula no âmbito da personalidade, no sentimento de pertencimento, de acolhida naquela entidade familiar original:
O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada (HIRONAKA, 2018, p. 20).
Além desses critérios, Stoco (2017) ressalta que a dor sofrida pelo filho abandonado, desprezado pelos genitores pode ser irreversível, imensurável. Em resumo, pode tratar-se de um trauma que acompanhará o indivíduo por toda a vida:
A dor sofrida pelo filho em razão do abandono afetivo e desamparo dos pais, privando-o do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral, psíquico e material é não só terrível, como irreversível. A mancha é indelével e o trauma irretratável.
O direito de proteção efetiva em circunstâncias tais tem fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. Aliás, nosso ordenamento jurídico – e não só a Constituição Federal – é pleno de preceitos de proteção, afirmando o dever dos pais de cuidar e proteger os filhos, seja no plano material, educacional, afetivo ou psíquico (STOCO, 2017, p. 945).
Diante da questão do abandono afetivo para com os filhos menores, da ausência de afeto, de companheirismo, de participação do genitor no âmbito daquela entidade familiar, juristas e estudiosos passaram a questionar a possibilidade de responsabilização civil desses pais em favor dos filhos menores. Em outras palavras, trata-se de uma possibilidade de se atenuar, de se compensar os danos causados pelo abandono e pelo desprezo (DIAS, 2021).
Nesse sentido, esclarece Cardin (2017) que o cabimento de uma ação indenizatória na seara familiar justifica-se porque o patrimônio familiar ali envolvido, a convivência, o afeto mútuo se mostram de inestimável valor, sendo necessária a disposição e tutela por parte do ordenamento jurídico pátrio:
O cabimento da reparação dos danos morais no âmbito familiar justifica-se pelo fato de que o patrimônio moral e familiar é algo muito precioso e de grande estimação, visto ser construído com carinho, afeto e sentimento em cada minuto da vida e, porque o impacto de uma lesão causada por um membro da família em detrimento de outro tende a ser maior, do que aquele provocado por um estranho, assim, merece amparo pela teoria geral da responsabilidade civil, já que o ordenamento jurídico brasileiro não dispõe de previsão específica (CARDIN, 2017, p. 51).
É importante destacar, conforme Diniz (2021), que o magistrado, diante de uma ação de reparação de danos, não se encontra limitado a um valor em específico, bem como a forma de pagamento ou compensação por essas ocorrências danosas. Dessa forma, Costa (2018) complementa que a indenização feita diretamente em dinheiro em espécie, em prol da vítima, só deveria ser realizada em casos de necessidade de tratamento terapêutico ou psicológico, com a apresentação de laudos e documentações que atestem sobre isso (COSTA, 2018).
Contudo, diante da omissão do legislador em tratar sobre a mensuração de danos afetivos, preleciona Saldanha (2018) que o julgador deverá levar em consideração quatro elementos precípuos, ou seja, a gravidade do dano sofrido pela vítima, a capacidade financeira da vítima, a capacidade financeira do réu e o grau de culpabilidade diante da conduta praticada:
Ante a falta de normatização referente à mensuração do dano, a doutrina majoritária e a jurisprudência se firmaram no sentido de que se deve basear em quatro critérios: a gravidade do dano sofrido pelo autor e a sua capacidade econômica, a capacidade econômica do réu e o grau de culpabilidade (SALDANHA, 2018, p. 62).
Outro fator de grande destaque nessa temática, refere-se ao fato de que o juiz, ao deparar-se com uma ação indenizatória decorrente de abandono afetivo parental, deverá atuar com toda cautela. Em outras palavras, faz-se necessário que o julgador analise cada demanda de forma individual, levando-se em consideração todo o conjunto probatório juntado nos autos, para que não se tenham brechas para o cometimento de abusos, injustiças ou de um fomento de “indústrias judiciais de filhos supostamente ofendidos” em detrimento de seus genitores:
[…] Mas tal reconhecimento não poderá dar ensancha a abusos e criação de verdadeira indústria de ações judiciais de filho, supostamente ofendidos, contra os pais. Cada caso deverá merecer estudo e atenção redobrada, só reconhecendo o dano moral em caráter excepcional e quando os pressupostos da reparação se apresentarem estreme de dúvida e ictu oculi, através de estudos sociais e laudos técnicos de equipe interdisciplina (STOCO, 2017, p. 946).
No mesmo sentido, aduz Hironaka (2018) que o instituto do dano moral deve ser sempre aplicado com bom senso, de modo condizente com a situação fática, com os danos acarretados à vítima e com todo aquele acervo probatório juntado aos autos. Ademais, o mais importante, consoante o autor em comento, é que se não se permita que o Poder Judiciário, que o Direito de Família seja considerado um “altar de vaidades e vinganças”, onde se busca uma “fonte de lucro fácil”:
[…] se for utilizada com parcimônia e bom senso, sem ser transformada em verdadeiro altar de vaidades e vinganças ou em fonte de lucro fácil, poderá converter-se em instrumento de extrema importância para a configuração de um Direito de Família mais consentâneo com a contemporaneidade, podendo desempenhar, inclusive, um importante papel pedagógico no seio das relações familiares (HIRONAKA, 2018, p. 24).
Nesse mesmo contexto, Farias e Rosenvald (2019) também aduzem que uma ação indenizatória decorrente de abandono afetivo parental, deve ser comprovada e devidamente instruída. Em outras palavras, entende-se que não se trata de qualquer situação fática de abandono que poderá ensejar em danos morais em prol dos filhos menores (FARIAS; ROSENVALD, 2019).
Em caráter complementar ao exposto, assevera Madaleno (2020) que existem critérios específicos para a demanda em comento, ou seja, a ausência de afeto, de consideração para com o menor:
A negligência de um pai ou mãe que somente contribui com a pensão alimentícia ao menor, porém não age com um mínimo de afeição. Esse age ilicitamente, pois a figura do “pai” ou da “mãe” vai além do biológico ou jurídico, mas de acordo com a exegese da lei, pai e mãe são aqueles que demonstram afeto na criação da criança, criando um vínculo afetivo com o filho (MADALENO, 2020, p. 225).
Nesse mesmo contexto, aduz-se que a temática suscitada se mostra de tamanha importância que, hodiernamente, tramita na Câmara dos Deputados Federais o Projeto de Lei nº 4.294/2008, de autoria do deputado Carlos Bezerra. Nesse esteio, trata-se de um projeto que objetiva acrescentar ao artigo 1.693 do Código Civil Brasileiro a questão de o abandono afetivo dos filhos menores ensejar em uma indenização por danos morais. Ademais, visa-se alterar também o conteúdo presente no artigo 3º da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), ou seja, instituir a possibilidade de responsabilização civil decorrente do abandono afetivo dos pais.
Com base nesses pressupostos, Dias (2021) complementa que o abandono afetivo acarreta danos muitas vezes irreparáveis para a vida da vítima. Além disso, a autora supramencionada enfatiza que a indenização jamais substituirá a ausência de amor, carinho e cuidado para com os filhos menores, mas torna-se uma alternativa viável para fins de reparação dos danos emocionais ocasionados pelo abandono afetivo.
4.2 O posicionamento hodierno adotado pelos tribunais acerca do abandono afetivo parental
De modo complementar ao exposto alhures, compreende-se que os tribunais de instâncias primárias e superiores, vêm se posicionando acerca da possibilidade de se pleitear uma indenização em casos de comprovação do abandono afetivo parental.
Nesse contexto, observa-se que a primeira decisão jurisprudencial acerca da questão do abandono afetivo é proveniente de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul. Nesse diapasão, entendeu o nobre julgador, dr. Mário Romano Maggioni, que o dever da paternidade responsável vai bem além do provimento de bens materiais, adentrando-se no dever de cuidado, zelo e consideração para com a vítima. Contudo, uma vez que se tenha a ausência desse afeto, compreendeu o nobre julgador que a indenização poderia auxiliar em tratamentos psicológicos, objetivando amenizar os traumas sofridos pela vítima, em decorrência desse abandono:
A função paterna abrange amar os filhos. Portanto, não basta ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho. O sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. É preciso ser pai na amplitude legal (sustento, guarda e educação). Quando o legislador atribuiu aos pais a função de educar os filhos, resta evidente que aos pais incumbe amar os filhos. Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal, pois não está bem educando seu filho (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ação Indenizatória nº 141/1030012032-0. Relator: juiz Mario Romano Maggioni. Diário Judiciário Eletrônico-DJe, 03 set. 2014).
Destaca-se, no mesmo sentido, uma decisão proveniente do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Nesse esteio, em sede de análise de um recurso de apelação cível, posicionaram-se os doutos julgadores pelo arbitramento de uma indenização em favor da vítima, fundamentando-se nos direitos previstos na Magna Carta de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Enfatizaram, na oportunidade, que a ausência de afeto paterno violou princípios e valores precípuos e, sobremodo, o princípio da dignidade humana:
A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quanto a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito a convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana (BRASIL. Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Apelação Cível n. 408.550-5. Relator: Juiz Unias Silva. Diário Judiciário- DJ, 01 abr. 2004).
Portanto, tem-se um pensamento jurisprudencial que o abandono afetivo por parte de um dos genitores, poderá acarretar responsabilização civil e, consequentemente, em uma indenização por danos morais. Contudo, mister que sejam comprovados nos autos todos esses danos, a configuração do nexo causal e de todos os elementos caracterizadores. Há, sobremodo, uma preocupação para que os sentimentos não sejam comercializados, mercantilizados. Nessa senda, preceitua o Superior Tribunal de Justiça, em sede de análise de um Recurso Especial Civil:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO. NÃO OCORRÊNCIA. ATO ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA CONFIGURAÇÃO DO NEXO CAUSAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA. PACTA CORVINA. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. VEDAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CARACTERIZADO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
1. A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e materiais por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil (art. 186 do Código Civil) cujas especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que os sentimentos não sejam mercantilizados e para que não se fomente a propositura de ações judiciais motivadas unicamente pelo interesse econômico-financeiro.
2. Em regra, ao pai pode ser imposto o dever de registrar e sustentar financeiramente eventual prole, por meio da ação de alimentos combinada com investigação de paternidade, desde que demonstrada a necessidade concreta do auxílio material.
3. É insidiável, nesta instância especial, revolver o nexo causal entre o suposto abandono afetivo e o alegado dano ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
4. O ordenamento pátrio veda o pacta corvina e o venire contra factum proprium.
5. Recurso especial parcialmente conhecido, e nessa parte, não provido (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1493125/SP. Relator: ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Diário Judiciário Eletrônico-DJe, 01 mar. 2016, grifo nosso).
De forma complementar ao exposto, observa-se a decisão oriunda do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em âmbito de análise de um recurso de apelação cível. Nesse sentido, posicionaram-se os nobres julgadores pela improcedência da ação de danos morais, haja vista que os pressupostos para fins de responsabilização civil não foram devidamente comprovados pela vítima:
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS-ABANDONO AFETIVO POR AUSÊNCIA PATERNA-PRESSUPOSTOS NÃO COMPROVADOS-
1. Quanto ao abandono moral, trata-se de negligência com os filhos na seara emocional e intelectual, que desatende diretamente os deveres de criação e educação (arts. 229, CR, e 1.634, I, CC). É a conduta dos pais que deixam de promover o amparo e o cuidado com os filhos.’ (TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do Direito Civil, vol. 6: Direito de Família. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 310).
2. ‘A Terceira Turma do STJ tem se posicionado pela possibilidade de responsabilização civil dos pais que desamparam sua prole nos aspectos mental, psíquico e de personalidade, desde que suficientemente comprovada a relevância da ação ou da omissão parental, o efetivo dano moral e o nexo causal entre este e aquela, bem definido o caráter de excepcionalidade de referido reconhecimento’ (REsp 1.887.697/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/9/2021, DJe 23/9/2021 RSDF vol. 129 p. 53 RT vol. 1036 p. 251).
3.. Para a configuração do dano moral passível de reparação oriundo de abandono afetivo pelo genitor não basta apenas o mero distanciamento afetivo entre pai e filho, sendo necessário, ainda, comprovar-se que a ausência paterna acarretou efetivo e correspondente trauma psicológico no filho, em substancial prejuízo à sua formação humana.
3.1. As provas constantes dos autos não evidenciam dano moral decorrente da ausência paterna, não havendo se falar em violação aos direitos de personalidade do autor/apelante (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Acórdão 1625781, 07204460720208070003. Relatora: desembargadora Maria Ivatônia. Diário Judiciário Eletrônico- DJe, 19 out. 2022).
Conforme o entendimento atual adotado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a responsabilização civil em detrimento de um dos genitores e, consequentemente, a concessão de uma indenização por danos morais, depende do preenchimento de todos os requisitos presentes no ordenamento jurídico pátrio. Dessa maneira, mister que a vítima não comprove apenas o abandono afetivo, mas demonstre todos os danos e todas as questões decorrentes desse abandono. Trata-se de uma demanda que não pode ser vislumbrada como forma de “monetarização do afeto”, mas sim da responsabilização em decorrência do descumprimento de deveres legais dos genitores para com os filhos menores.
5 CONCLUSÃO
Tendo como base todos os critérios e elementos presentes no artigo em comento, pode-se compreender que as entidades familiares hodiernas possuem um grande amparo e proteção por parte do ordenamento jurídico pátrio, sobremodo pela Magna Carta de 1988. Dessa forma, considera-se a família como o núcleo central, a base mais precípua de toda a sociedade.
Nesse mesmo sentido, tem-se que os membros pertencentes às entidades familiares são também tutelados pelos diplomas legais em vigência, principalmente os filhos menores decorrentes das relações conjugais firmadas.
Contudo, embora as entidades familiares e os filhos menores decorrentes desses arranjos tenham os direitos, garantias, valores e princípios priorizados, nem sempre será essa a realidade vislumbrada. Desse modo, muitos genitores, ao romperem uma relação conjugal, rompem os laços familiares ali formados. Portanto, muitas crianças e adolescentes se veem em um verdadeiro campo de batalha, onde um dos genitores passa a atuar com desprezo, falta de atenção e de afeto.
Diante dessa questão, tem-se que o sentimento de desprezo, de falta de afeto, poderá ocasionar em severos danos para a vida dessas crianças e adolescentes. Ademais, tais danos provenientes desses traumas podem ser imensuráveis e irreversíveis, atuando de modo negativo no processo de desenvolvimento e formação humana.
Com base nesses elementos suscitados, muitos doutrinadores, juristas e estudiosos passaram a questionar se a ausência de afeto por parte do genitor, em detrimento dos filhos menores, seria passível de responsabilização civil e, consequentemente, de se pleitear uma indenização por danos morais.
É sabido que no Brasil, o instituto da responsabilidade civil é abarcado por critérios precípuos, sendo eles a comprovação da conduta praticada, o dano ocasionado à vítima, a culpa do agente e o nexo de causalidade (o liame existente entre a conduta praticada pelo agente e o dano ocasionado à vítima). Desse modo, a maioria da doutrina e da jurisprudência pátria consideram que, uma vez que a vítima consiga comprovar os danos emocionais e psicológicos decorrentes dessa conduta de um dos genitores, será possível pleitear uma indenização por danos morais. Ademais, ponderam que cada demanda deve ser analisada de forma individual, para que não se tenha uma “mercantilização do afeto”, ou seja, para que toda essa situação de desamor não seja palco para a simples lucratividade, desvirtuando o sentido da reparação de danos.
É importante ressaltar também que atualmente tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.294/2008, de autoria do deputado Carlos Bezerra. Nesse esteio, trata-se de um projeto que visa promover alterações no Código Civil Brasileiro, abarcando e disciplinando acerca do abandono afetivo e da possibilidade de se pleitear uma indenização por danos morais decorrentes dessa conduta do genitor. Ademais, também visa o mencionado projeto promover alterações na Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), instituindo a possibilidade de responsabilização civil decorrente do abandono afetivo dos pais.
No âmbito jurisprudencial moderno se observam que as decisões tendem ao reconhecimento dos danos emocionais causados pelo abandono afetivo paterno. Contudo, mister que a parte cumpra com todos os critérios e elementos presentes no instituto da responsabilização civil e comprove todos os danos ali ocasionados.
Portanto, compreende-se que o abandono afetivo parental se trata de uma realidade vivenciada por muitas crianças e adolescentes, em virtude do rompimento daquela estrutura familiar antes existente. Trata-se de questões que adentram no âmago emocional e que podem acarretar severos e irreversíveis danos emocionais à vítima. Dessa maneira, tem-se no instituto da responsabilização civil uma forma justa de se compensar ou atenuar os danos ocasionados na vida desses indivíduos, ou seja, uma forma de compreensão da dor causada por aqueles que mais deveriam protegê-los e ampará-los.
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1Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. E-mail: andresilvaviana@gmail.com. Artigo científico apresentado como requisito parcial para conclusão do curso da graduação em Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. 2024. Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino, Advogado e Professor Universitário.
2Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. E-mail hugo.aioria.victor@gmail.com. Artigo científico apresentado como requisito parcial para conclusão do curso da graduação em Direito do Centro Universitário Una de Bom Despacho. 2024. Orientador: Prof. Daniel Carlos Dirino, Advogado e Professor Universitário.