REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202411131212
Pedro Enrico Souza De Freitas
Nathállia Gabriella Martins Alves
Orientador: Prof. Pedro Fernando Borba Vaz Guimarães
RESUMO
O Benefício de Prestação Continuada- BPC foi criado com intuito de oferecer auxílio aos que não dispunham de condições financeiras para garantir o seu sustento. Ao longo dos anos, o BPC passou por diversas mudanças, a fim de que fossem sanados vícios que prejudicavam sua funcionalidade. No ano de 1993 o benefício foi instituído como uma das principais funções da assistência social. O benefício é direcionado às pessoas com deficiência e aos idosos com idade superior a 65 anos, que se encontrem em situação de desamparo. Dentre os requisitos necessários à concessão, estão a comprovação da incapacidade laboral e da situação de vulnerabilidade econômica. Este trabalho busca analisar o formato vigente de avaliação econômica e a necessidade de aumento do valor concedido aos beneficiários, sendo este no importe de um salário-mínimo. Analisando dados e propostas de reforma, o artigo questiona se o critério de renda é adequado para combater a pobreza e a desigualdade. A pesquisa conclui que uma atualização do limite de renda poderia ampliar o acesso a benefícios como o BPC, tornando-o mais eficaz, especialmente considerando as variações econômicas e sociais recentes.
Palavras-chaves: Benefício de Prestação Continuada; BPC LOAS; vulnerabilidade; miserabilidade; requisito; renda; previdência social.
ABSTRACT
The Continuous Cash Benefit- BPC was created to provide assistance to those who did not have the financial means to support themselves. Over the years, the BPC has undergone several changes in order to correct defects that were impairing its functionality. In 1993, the benefit was established as one of the main functions of social assistance. The benefit is aimed at people with disabilities and elderly people over the age of 65 who are in a situation of helplessness. Among the requirements for granting it are proof of incapacity for work and a situation of economic vulnerability. This paper seeks to analyze the current format of economic assessment and the need to increase the amount granted to beneficiaries, which should be in the amount of one minimum wage. Analyzing data and reform proposals, the article questions whether the income criterion is adequate to combat poverty and inequality. The research concludes that an update to the income limit could expand access to benefits such as BPC, making it more effective, especially considering recent economic and social changes.
Keywords: Continuous Cash Benefit; BPC LOAS; vulnerability; miserability; requirement; income; social security.
INTRODUÇÃO
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um instrumento essencial de assistência social no Brasil, instaurado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993. Trata-se de um benefício que assegura um valor mensal de um salário-mínimo a indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos e a pessoas com deficiência de qualquer idade, desde que estes atendam aos critérios de vulnerabilidade social firmados pelo governo.
Para ter direito ao BPC, os beneficiários devem comprovar não apenas a condição de idade ou deficiência, mas também uma situação de miserabilidade econômica dos indivíduos, configurando na incapacidade de proverem, por conta própria ou por intermédio de suas famílias, os métodos necessários para uma vida digna.
O BPC surge, assim, como uma chave às necessidades dos segmentos mais fragilizados da sociedade, buscando reduzir a marginalização social e garantir um mínimo de qualidade de vida para aqueles que enfrentam dificuldades severas de subsistência.
A implementação do BPC ao longo das últimas três décadas reverbera as transformações nas políticas públicas de assistência social do País e as demandas de uma sociedade reputada por desigualdades profundas e históricas.
No início, a concessão do BPC foi caracterizada por critérios severos, entre os quais o requisito de renda per capita familiar inferior a um quarto do salário-mínimo, como aspecto de direcionar o auxílio aos mais carentes. Esse critério, no entanto, se mostrou, com o tempo, restringido para muitas famílias que, apesar de viverem em condições de miserabilidade e desamparo, não se enquadram no limite de renda firmado, e, por isso, acabam excluídas do programa.
A exigência de renda, portanto, tornou-se um ponto de debate incessante entre especialistas, legisladores e organizações sociais que indicam a necessidade de flexibilizar essas normas para incorporar um público mais amplo e atender de forma mais eficiente às demandas sociais.
Este trabalho busca, inicialmente, contextualizar o BPC, proporcionando, em seu primeiro capítulo, uma análise detalhada de seu histórico e evolução, identificando os principais marcos legislativos que esculpiram esse benefício até os dias atuais. Ao aprofundar a compreensão das origens e transformações do BPC, busca-se fornecer uma visão clara das políticas públicas que instigaram sua criação e suas mutações ao longo dos anos.
Em seguida, no segundo capítulo, indaga-se o impacto do requisito de renda na concessão do BPC, explorando como esse quesito rigoroso, embora voltado a sobrepor os mais vulneráveis, pode também corroborar com a exclusão social de indivíduos que se estabelecem em uma faixa de penúria próxima, mas que não se qualificam para o auxílio.
O terceiro capítulo refere-se às viabilidades e consequências de um eventual aumento no valor do BPC, analisando como essa medida afetaria tanto os beneficiários quanto a sociedade como um todo, considerando seus efeitos sociais e financeiros e suas contribuições para a inclusão e a redução da pobreza extrema.
Por fim, o quarto capítulo se concentra nas perspectivas de reforma na política do BPC, discutindo propostas legislativas recentes e discorrendo possíveis mudanças no critério de renda e na definição de vulnerabilidade social. Este capítulo visa arquitetar o futuro do BPC dentro do contexto das organizações sociais brasileiras, analisando como o seu melhoramento pode favorecer para uma rede de proteção mais robusta e englobante.
Dessa forma, ao examinar tanto os desafios quanto às oportunidades de desenvolvimento do BPC, este estudo objetiva evidenciar a dimensão desse benefício para a construção de uma sociedade que fomenta concretamente os direitos à cidadania e à dignidade, garantindo um mínimo de condições de vida para as populações marginalizadas do Brasil.
1. O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC)
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), assegurado pela Constituição Federal de 1988, foi regulamentado pela Lei nº 8.742/1993, conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), e pelo Decreto nº 6.214/2007. Este benefício é de natureza assistencial e é oferecido pelo Governo Brasileiro por meio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Seu principal objetivo é garantir proteção social àqueles que se encontram em condições de vulnerabilidade. O BPC é direcionado para pessoas idosas —a partir de 60 anos — e para indivíduos com deficiência que comprovem ser incapazes de sustentar a si mesmos ou suas famílias. Essa incapacidade financeira deve ser comprovada, e a pessoa precisa estar em situação de vulnerabilidade social, conforme estabelecido no art. 20 da Lei n. 8.742/1993:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Ao contrário dos benefícios previdenciários, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) não exige contribuições prévias ao sistema de seguridade social. Essa característica é assegurada tanto pelo art. 20 da Lei nº 8.742/1993 quanto pelo art. 203, inciso V, da Constituição Federal de 1988, que reforça o BPC como um direito assistencial. O benefício visa garantir condições mínimas de subsistência a pessoas que, em razão da idade avançada ou de uma deficiência, encontram dificuldades para prover seu próprio sustento. Veja:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(…) V – a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
1.1 HISTÓRICO E EVOLUÇÃO DO BPC
Segundo Boschetti (2006), a ideia do benefício se deu primeiramente durante o processo de redemocratização do Brasil, sendo uma fase que se caracterizou pela intensa discussão e prática de movimentos sociais e políticos na década de 1980, logo após o término de um extenso regime tomado pela intervenção militar.
Desde sua criação, o benefício passou por diversas alterações, principalmente em função das Reformas da Previdência. Inicialmente, era destinado a pessoas idosas com 70 anos ou mais, porém, em 1998, a idade mínima foi reduzida para 67 anos, e em 2003, passou a ser concedido a idosos com 65 anos ou mais.
De acordo com Boschetti (2006), o benefício, que até então integrava o sistema de Previdência Social, a Renda Mensal Vitalícia (RMV), foi renovado no âmbito da Assistência Social. A RMV, instituída pela Lei nº 6.179 de 1974, limitava um valor equivalente a 60% (sessenta por cento) do salário-mínimo, sendo direcionada a idosos com setenta anos ou mais, bem como a indivíduos portadores de deficiência impossibilitados de trabalhar.
Para ter direito a esse benefício, era necessário que o solicitante tivesse contribuído para a Previdência por, no mínimo, doze meses, ou exercido uma atividade remunerada por cinco anos, consecutivos ou não, mesmo sem estar filiado à Previdência. Também eram contempladas pessoas que se filiaram ao sistema previdenciário após completarem 60 anos, desde que não tivessem direito a outros benefícios e sua renda fosse inferior ao valor da RMV. Dessa forma, o acesso ao benefício exigia a comprovação de filiação à Previdência ou atividade laboral, e o valor pago não atingia o salário-mínimo completo.
Em contrapartida, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) se destaca por não exigir contribuições previdenciárias anteriores, nem a comprovação de trabalho, representando uma mudança significativa nas políticas assistenciais do país. O BPC foi implementado de forma definitiva durante o governo de Itamar Franco (1992-1995) e entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1996.
Além disso, um dos critérios para a concessão do benefício, trazido pela novel legislação, é que a renda per capita do núcleo familiar do solicitante não ultrapasse ¼ (um quarto) do salário-mínimo vigente, conforme disposto no Artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993:
§3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou do idoso a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
A avaliação dos critérios econômicos e da condição de extrema pobreza do solicitante e de sua família tem sido um tema recorrente de debates. A principal discussão gira em torno dos parâmetros de renda estabelecidos por lei, que passaram por ajustes e vetos ao longo dos últimos anos.
De acordo com Santos (2016), o desenvolvimento socioeconômico, embora traga avanços, também acentua as desigualdades entre os indivíduos dentro de uma mesma sociedade. Isso se reflete na concentração de renda nas mãos de poucos, agravando a situação de pobreza para a maioria, que enfrenta a falta de recursos essenciais para garantir uma vida digna.
Em síntese, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) surge como um avanço importante nas políticas de proteção social, rompendo com os antigos vínculos contributivos da Previdência Social e estendendo sua cobertura a pessoas em situação de vulnerabilidade, independentemente de terem contribuído para o sistema previdenciário.
A evolução do BPC ao longo dos anos, com mudanças na faixa etária e nos critérios de renda, reflete as constantes tentativas de aprimorar o acesso e a inclusão social, embora os desafios relacionados às desigualdades socioeconômicas ainda sejam evidentes. As discussões sobre os critérios econômicos para a concessão do benefício continuam no centro das reformas e debates, especialmente no que se refere à equidade na distribuição de renda e ao combate à pobreza.
1.2 CRITÉRIOS DE CONCESSÃO DO BPC CONFORME A LEGISLAÇÃO ATUAL
No que concerne aos critérios para a concessão do BPC, ou seja, os requisitos, estes estão previstos no art. 20, Lei nº 8.742/1993. Neste espeque, verifica-se a exigência do cumprimento de dois requisitos fundamentais, sendo um de natureza subjetiva, relacionado à condição de ser uma pessoa com deficiência ou idosa com 60 anos de idade ou mais conforme o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 2003) e outro de natureza objetiva, que diz respeito à situação de extrema pobreza.
A comprovação de ambos os critérios é necessária para a concessão do benefício assistencial. Esses critérios foram estabelecidos com o objetivo de restringir ao máximo a abrangência do BPC. Embora tenham sido modificados ao longo dos anos, o critério que mais influencia na garantia do direito, qual seja, o da renda que permaneceu inalterado.
É determinado no art. 20, §3º, inciso I, Lei nº 8.742/1993, que uma renda per capita igual ou inferior a ¼ do salário-mínimo é considerada insuficiente para o sustento de pessoas com deficiência ou idosos com 60 anos ou mais, garantindo a esses candidatos o direito ao BPC.
No entanto, em 2018, a Câmara dos Deputados, por meio do SDC nº 6/2018, substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 55/1996, sugeriu que o critério de renda per capita para a concessão do BPC fosse alterado para ½ salário-mínimo, alterando o art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/1993.
O argumento para essa mudança é que, nos dias que correm, mesmo com uma renda per capita de ½ salário-mínimo, esse valor seria módico para o indivíduo sustentar a si e sua família. Assim, elevar o critério financeiro permitiria que mais pessoas fossem beneficiadas (STRAZZI, 2020).
Além disso, é importante destacar que a nova regulamentação introduzida pela Lei nº
13.982/2020, em resposta à calamidade pública causada pela pandemia de coronavírus (Covid19), alterou os critérios de renda estabelecidos em lei, elevando o limite de ¼ para até ½ salário mínimo.
De acordo com Strazzi (2020), o critério de renda de ¼ do salário-mínimo para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi mantido de forma provisória até 31 de dezembro de 2020. A partir de 1º de janeiro de 2021, com a entrada em vigor da Lei 13.982/2020, foi inserido o art. 20-A na Lei 8.742/1993, permitindo ao Poder Executivo a prerrogativa (discricionária) de ampliar o critério de renda per capita para ½ salário-mínimo.
Veja:
Art. 20-A. Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário-mínimo. § 1º A ampliação de que trata o caput ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento, de acordo com os seguintes fatores, combinados entre si ou isoladamente:
I – o grau da deficiência;
II- a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária;
III – as circunstâncias pessoais e ambientais e os fatores socioeconômicos e familiares que podem reduzir a funcionalidade e a plena participação social da pessoa com deficiência candidata ou do idoso;
Foi definido pela Portaria nº 374, de 5 de maio de 2020, em seu artigo 5º, que a implementação do art. 20-A da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o qual prevê a possibilidade de ampliar o critério de renda per capita para até meio (1/2) salário-mínimo, está subordinada ao dispositivo inerente para sua efetiva aplicação, conforme previsto na própria legislação (STRAZZI, 2020).
Apesar disso, é importante destacar que essa norma tinha caráter excepcional e transitório, sendo válida apenas durante o período da pandemia de coronavírus. Com o término da pandemia, o referido artigo foi revogado pela Lei nº 14.176/2021, o qual redefiniu as regras para a concessão do benefício.
Além disso, de acordo com o novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) após o julgamento da Reclamação (RCL) 4374, movida pelo INSS, que alegava desrespeito ao entendimento da Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1232, o STF considerou que, devido às diversas transformações ocorridas ao longo dos anos desde a promulgação da Lei 8.742/1993, que regula o Benefício de Prestação Continuada (BPC), incluindo mudanças políticas, econômicas, sociais e jurídicas, essa norma passou por um processo de inconstitucionalização. Assim, o critério de renda mensal per capita inferior a ¼ do salário-mínimo foi considerada desatualizada para caracterizar a condição de miserabilidade.
O próprio legislador já reconheceu a possibilidade de hipossuficiência mesmo com renda superior a esse limite ao editar a Lei 9.533/1997, que autoriza o Poder Executivo a oferecer apoio financeiro aos municípios que implementem programas de garantia de renda mínima vinculados a ações socioeducativas. Essa lei adotou um critério mais favorável para a avaliação da miserabilidade, estabelecendo que a renda familiar per capita inferior a ½ salário mínimo pode ser utilizada para essa análise.
Diante das considerações feitas até aqui, fica claro que o critério de renda per capita tem sido um dos elementos centrais nas discussões sobre a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A sua evolução ao longo dos anos, especialmente durante a pandemia de Covid-19, bem como as interpretações legislativas e judiciais, demonstra como esse requisito tem se mostrado dinâmico e impactante na definição da vulnerabilidade econômica.
2. O IMPACTO DO REQUISITO RENDA NA CONCESSÃO DO BPC
No que tange ao critério de miserabilidade para o difícil acesso ao benefício assistencial, o art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, pontua a lei ordinária a definição da idade mínima e a legitimação da vulnerabilidade. Dessa forma, busca-se verificar se o valor equivalente a ¼ do salário-mínimo mensal, por pessoa, estabelecido no §3º do artigo 20 da LOAS, está em conformidade com os princípios delineados na Constituição e com o sistema de assistência social.
De acordo com Santos (2019, p. 213),
[….] Ao fixar em 1/4 do salário-mínimo o fator discriminante para aferição da necessidade, o legislador elegeu discrime inconstitucional porque deu aos necessitados conceito diferente de bem-estar social, presumindo que a renda per capita superior a ¼ do mínimo seria a necessária e suficiente para a sua manutenção, ou seja, quanto menos têm, menos precisam ter!
O critério adotado pelo legislador ordinário afronta o princípio do não retrocesso social e, em especial, o princípio da isonomia, uma vez que, no Brasil, uma pessoa que possui renda mensal equivalente a ¼ do salário-mínimo é considerada pobre.
No entanto, o conceito de pobreza não se equipara apenas a uma renda per capita estipulada, haja vista que tal limitação prejudica tão quanto aqueles que recebem apenas um pouco mais do que esse valor, visto que, essas mesmas pessoas enfrentam as mesmas condições de vulnerabilidade e miserabilidade.
No entendimento de Silva (2009), a pobreza pode ser caracterizada como a expressão mais crua da escassez. Em vista disso, o indivíduo em situação de pobreza extrema não possui os recursos essenciais para sua subsistência, pois lhe faltam os meios materiais indispensáveis para assegurar condições básicas de saúde, como alimentação adequada e longevidade. Assim, a inópia desses elementos compromete diretamente a sua qualidade de vida e bem-estar.
2.1 O PAPEL DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE NA INCLUSÃO OU EXCLUSÃO SOCIAL
Na atualidade, o requisito quanto a renda para concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) é estabelecido como “igual ou inferior a ¼ do salário-mínimo”. Anteriormente, a legislação mencionava unicamente a expressão “inferior”, sem incluir a possibilidade de igualdade ao limite. Apesar de ser uma mudança sutil, trata-se, ainda assim, de uma modificação na redação normativa, findando na inclusão de pessoas que antes não tinham direito ao benefício.
Um outro avanço proporcionado pela nova lei se deu pela formalização de uma jurisprudência já consolidada. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) vinham, há bastante tempo, expandindo a interpretação do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003). Esse dispositivo estabelece que, caso outro idoso do mesmo núcleo familiar receba o Benefício de Prestação Continuada (BPC), tal valor não deve ser incluído no cálculo da renda per capita familiar.
Observa-se, ainda, que a Lei nº 13.892/2020, ao inserir o §14 ao artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, apresenta um entendimento similar ao já defendido em tribunais, o que contribui para a redução quanto a necessidade de recorrer ao processo judicial para garantir o benefício. Dessa forma, a nova disposição visa facilitar o acesso ao direito sem que seja necessário acionar o sistema judiciário. In verbis:
§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Por outro lado, inúmeras pessoas que tentam obter o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ainda enfrentam dificuldades consideráveis para que o benefício seja aprovado. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) frequentemente utiliza a mesma justificativa para negar o pedido: a alegação de que o requerente não atende ao critério de renda familiar per capita “igual ou inferior a ¼ do salário-mínimo”, exigido para a concessão do BPC previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Nesse cenário, emerge o conceito de “mínimo existencial”, associado à ideia de um direito fundamental destinado às pessoas em situação de vulnerabilidade, garantindo a elas as condições mínimas para uma vida digna. Esse conceito está intrinsecamente ligado ao princípio de “existência condigna”, que ratifica a necessidade de caucionar a dignidade humana a todos os cidadãos (TORRES, 2009).
Segundo Martins (2020, p. 320):
[…] decorre da dignidade da pessoa humana o dever estatal de garantir a todos um mínimo existencial dos direitos sociais, sem os quais se viola a integralidade da natureza humana.
Dito isso, de acordo com Canotilho (2003), os direitos sociais não devem ser limitados tão somente pelas restrições de orçamento dos cofres públicos, pois tal postura corre o risco de esvaziar o conteúdo e a efetividade das normas previstas na Constituição.
Caso sejam tratados apenas sob essa ótica financeira, esses direitos correm o perigo de se tornarem encargos sem aplicabilidade real, privando a população das garantias essenciais conceituadas pela Constituição.
3. A VIABILIDADE DO AUMENTO DO PISO PARA CONCESSÃO DO BPC
A discussão sobre a ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) tem relevância diante da persistente desigualdade social vivenciada no Brasil. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2022 revelam que cerca de 17% (dezessete por cento) da população com 60 anos ou mais vive em condições de pobreza ou extrema pobreza, “na população com 60 anos ou mais, 14,8% eram pobres e 2,3%, extremamente pobres” destaca o site do IBGE, evidenciando a necessidade de políticas públicas mais firmes, no sentido de garantir a segurança social desse grupo.
No mesmo estudo, o IBGE apontou a necessidade do apoio estatal através da concessão de benefícios assistenciais, destacando que, sob a hipótese de não serem mais permitidos tais benefícios, os índices de pobreza extrema cresceriam aproximadamente 80% (oitenta por cento).
Embora o estudo descrito acima indique uma gradual redução dos índices de pobreza no país, o acesso a uma boa qualidade de vida ou uma vida minimamente digna para a parcela da população beneficiária do BPC ainda é escasso. Os critérios de avaliação, muitas vezes restritivos e complexos, inviabilizam que uma parcela significativa das pessoas em situação de vulnerabilidade tenha acesso ao benefício.
O valor do BPC, atualmente equivalente a um salário-mínimo, demonstra-se insuficiente para atender às necessidades básicas dos beneficiários, especialmente considerando os elevados custos relacionados à saúde e à vida cotidiana. A fragilidade financeira desses indivíduos torna-se ainda mais evidente quando se analisam os desafios enfrentados por aqueles com condições de saúde mais complexas, cujos gastos com medicamentos e tratamentos podem comprometer significativamente o orçamento familiar.
Atentando-se ao quesito renda, observa-se o §3º do artigo 20 da Lei Federal nº 8.742/1993:
§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
A partir da análise do quesito acima que o §3 do art. 20 da referida legislação impõe uma limitação profundamente inadequada para a realidade socioeconômica brasileira. Esse critério, além de ser restritivo, não acompanha as transformações no contexto econômico e social, desconsiderando os efeitos da inflação, a desvalorização do salário-mínimo e o aumento da precarização do trabalho, que afetam gravemente a renda das famílias em situação de vulnerabilidade.
Dessa forma, ao manter um patamar de elegibilidade tão baixo, a legislação exclui um número significativo de pessoas com deficiência e idosos que, embora não atendam a esse limite arbitrário, vivem em condições de extrema pobreza e necessitam de assistência para garantir sua dignidade e acesso a condições mínimas de vida.
Essa definição legal implica a atuação de maneira efetiva da política de assistência social, negando a muitos a garantia do direito fundamental à vida digna. O BPC, que deveria funcionar como uma rede de proteção para os mais suscetíveis a situações de risco, finda por ser insuficiente em sua abrangência, em virtude do critério de renda ultrapassado e alheio às nuances da realidade econômica e social atual.
Reavaliar e reformular o critério de elegibilidade é imprescindível para que o BPC cumpra plenamente seu papel constitucional e efetive o direito à assistência social conforme previsto na Magna Carta que rege o ordenamento jurídico pátrio.
A viabilidade do aumento do piso do BPC é uma questão de alta complexidade, que exige uma análise aprofundada dos impactos sociais, econômicos e políticos envolvidos. É necessário o estudo não somente da situação econômica atual, mas desde a criação do benefício, além dos possíveis impactos para o futuro da seguridade social no Brasil.
3.1 PONTOS FAVORÁVEIS E IMPACTOS SOCIAIS
A insuficiência do Benefício de Prestação Continuada (BPC) revela uma lacuna significativa na rede de proteção social brasileira, comprometendo a dignidade e a qualidade de vida de milhões de cidadãos em situação de vulnerabilidade. O déficit do valor atual do benefício em relação às necessidades básicas da população, como alimentação, saúde e moradia, torna-se ainda mais evidente diante do aumento do custo de vida e da inflação.
Observando-se o público que dispõe de carência econômica atrelada a limitação física – carecendo ou não do amparo de outrem -, é incontestável que juntas elas desencadeiam um cenário ainda mais excludente. Neri (2003) traz o termo “Pessoas com Percepções de Incapacidade” para conceituar àquelas acometidas por deficiência severas, destacando as que se encontram às margens da sociedade.
Um aumento substancial do piso do BPC é imperioso para corrigir essa distorção no esforço de tornar a situação econômica do país menos desequilibrada. Assegurando, ainda, condições minimamente dignas de vida para os beneficiários, essa medida impulsiona a redução dos índices de pobreza e desigualdade, fomentando o desenvolvimento social e econômico do país.
Além disso, tornar o BPC mais abrangente teria ainda reflexos benéficos no tocante à economia, pois ao aumentar o valor do benefício, torna possível que os beneficiários disponham de poder.
Nessa senda, o documento de discussão e debate elaborado por profissionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em abril de 2017 atentou-se para exemplificar como a concessão do BPC afeta a vida das famílias. Veja:
“A desvinculação do valor do BPC do salário-mínimo afetará um público em situação peculiar de vulnerabilidade, famílias que possuem pessoas com deficiência e/ou idosos e cujos rendimentos, já mínimos, são afetados tanto pela ampliação de gastos como pela menor capacidade de obter renda no mercado de trabalho. Pesquisa realizada entre os beneficiários do BPC demonstrou a grande relevância do valor desse benefício para a efetividade na proteção em face da pobreza: em média, a renda proveniente do BPC representa 79% do orçamento dessas famílias, e em 47% dos casos, ela é a única renda da família.”
É pertinente destacar que o aumento do BPC não se trata apenas de uma questão assistencial, mas sim de um investimento social visualizando o futuro econômico do Brasil. Ao garantir condições dignas para o público mais vulnerável, o Estado demonstra seu compromisso com a justiça social.
4. PERSPECTIVAS DE REFORMAS NA POLÍTICA DO BPC
As discussões acerca das possibilidades de reforma na política do Benefício de Prestação Continuada (BPC) vêm fomentando intenso debate no Brasil, principalmente no tocante às transformações demográficas e os desafios fiscais que o país enfrenta.
Firmado pela Constituição Federal de 1988, o BPC tem por fundamento garantir um patamar mínimo de dignidade para idosos e pessoas com deficiência que se encontram em situações de extrema pobreza. Desde sua criação, o benefício – regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – tem exercido um papel essencial na proteção social de milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade.
Consoante a Sposati (2004), embora o BPC seja garantido pela Constituição Federal, sua aplicação persiste em ocorrer através de critérios de seletividade, que acabam se confrontando com a garantia constitucional do direito à cidadania.
Todavia, a sustentabilidade do BPC vem sendo questionada tendo em vista o crescimento elevado da parcela idosa da população brasileira e a exigência de políticas públicas que lutem contra a segregação social.
Por esse motivo, é imprescindível uma reforma que seja verdadeiramente eficiente para extinguir desvantagens de ordem social, pelo menos em relação a alguns requisitos, quais sejam educação e saúde, e, sempre que possível, eliminar desvantagens de cunho natural, como determinadas deficiências físicas e intelectuais (KUNTZ, 2005).
Desse modo, essa narrativa origina uma pressão sobre o erário público, carecendo de um profundo exame acerca das mudanças necessárias no modelo atual
4.1 PROPOSTAS LEGISLATIVAS RECENTES
A reforma do Benefício de Prestação Continuada (BPC) suscita um debate crucial sobre a adequação dos critérios dessa narrativa hodiernamente, um dos pontos mais questionados em relação a aplicabilidade do BPC é à concessão a partir do requisito de miserabilidade social, ou seja, quando o indivíduo e seu grupo familiar têm renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Todavia, mestres na área fomentam que essa rigorosa avaliação exclui muitos que, mesmo não correspondendo tecnicamente a esse limiar, permanecem em uma situação desamparada grave. Desse modo, o debate a respeito desse tópico se faz cada vez mais presente e necessário, pois flexibilizar ou ampliar o referido critério, permite que o benefício abarque uma quantidade maior de pessoas.
Nessa senda, convém destacarmos a jurisprudência pátria, a qual viabiliza o acesso ao benefício para pessoas que vivenciam quadro de miserabilidade social, mesmo com renda superior a ¼ do salário-mínimo.
EMENTA PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. RESTABELECIMENTO DE BPC/LOAS. MISERABILIDADE COMPROVADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR MINIMAMENTE SUPERIOR A ¼ DE SALÁRIO-MÍNIMO, DECORRENTE DE PENSÃO ALIMENTÍCIA PAGA PELO GENITOR, ÚNICA FONTE DE RENDA DA FAMÍLIA. AUTOR MENOR IMPÚBERE E PORTADOR DE AUTISMO. AUSÊNCIA DE OUTRAS FONTES DE RENDA. DADO PROVIMENTO. 1. Pedido de concessão do benefício assistencial, cessado com esteio em ausência do requisito de miserabilidade, em contraposição ao laudo socioeconômico. 2. Presença de manifesta condição de hipossuficiência econômica, apta a dificultar gravemente a manutenção da subsistência do grupo familiar, formado por filho menor portador de grave transtorno neurológico e sua mãe. 3. Pelo INSS, ausência de comprovação de melhoria da situação financeira da família, caracterizando indevida cessação do benefício. 4. Recurso a que se dá provimento.
(TRF-3 – RI: 00003130720214036304, Relator: TAÍS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL, Data de Julgamento: 10/02/2023, 14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: 16/02/2023)
Ainda, nesse mesmo sentido, o STJ firmou a tese do Tema 185 como:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo.”
Ou seja, o STJ define como miserabilidade presumida quando a renda auferida pela família for inferior a ¼ do salário-mínimo, mas não necessariamente limita apenas a esse valor a concessão do benefício assistencial, cabendo uma análise geral do contexto vivenciado pelo requerente.
4.2 POSSÍVEIS ALTERAÇÕES NO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE
Atentando-se à esfera fiscal, é incontestável o impacto do BPC nos cofres públicos, principalmente diante do cenário econômico atual, a crise financeira que demanda variados reajustes nas contas do governo. É notório que o aumento do piso, consequentemente, traria mais gastos para o estado, o que resultaria no receio da administração pública.
Entretanto, outra proposta existente é o incentivo e a discussão sobre a tentativa de reingresso dos indivíduos no mercado de trabalho através da criação de categorias de beneficiários de acordo com a incapacidade enfrentada por cada um. Mas, atualmente, essa análise se faz complexa em razão dos desafios práticos enfrentados, principalmente no tocante à criação de vagas de trabalho específicas aos contextos das limitações físicas e/ou mentais dos beneficiários.
Outrossim, as transformações nos quesitos da previdência, que foram aprovadas em 2019, implicaram na discussão sobre o BPC, uma vez que as novas diretrizes para aposentadoria podem desencadear maior procura por benefícios assistenciais.
O aumento da idade mínima para se aposentar e a implementação de critérios mais rigorosos para a concessão de pensões e aposentadorias por incapacidade podem levar mais pessoas, que não conseguem cumprir os requisitos de contribuição, a buscar o BPC como sua única fonte de renda.
De acordo com Amartya Sen (2000), para superar a pobreza e a desigualdade, exige enxergar além da renda, entendendo que corresponde à privação de capacidades básicas, as quais cerceiam a prosperidade das pessoas e fomentam a desigualdade. Isto é, a vulnerabilidade da renda se demonstra a partir de limitações sociais, podendo ser impulsionada por outros fatores, à exemplo idade ou enfermidades.
Para o professor (SEN, 2001), as políticas públicas têm a função de suprir as necessidades populares, garantindo o bem-estar social e trazendo proteção aos que não se encontram resguardados.
A maneira vigente de concessão e revisão do benefício, carece de melhorias. A burocracia presente na obtenção do BPC tem se apresentado como grande desafio para diversas pessoas que, embora tenham direito, encontram barreiras para acessar o benefício em consequência da complexidade dos procedimentos.
A compreensão do STJ no sentido de tornar mais acessível a flexibilização no requisito de miserabilidade, precisa ser mais difundida no cenário previdenciário, principalmente no âmbito administrativo, dado que a grande procura pelo judiciário para a aceitação do pleito do requerente, se dá por motivo de indeferimento injustificado – atendo-se a uma avaliação severa do requisito de ¼ do salário – evidenciando a segregação social.
Ademais, existem críticas em relação à transparência e à efetividade dos métodos de fiscalização e controle de fraudes, indicando que há uma necessidade de aprimorar os sistemas de gestão.
Assim, os argumentos de natureza econômica devem ser levados em conta, pois exercem um impacto direto no processo social e influenciam a eficácia das políticas públicas voltadas ao bem-estar coletivo (MARTINS, 2011).
4.3 PROJEÇÕES PARA O FUTURO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL
Por fim, ao pensarmos em perspectivas futuras para o Benefício de Prestação Continuada, é indispensável que o debate acerca deste tema seja realizado atentando-se aos mais variados cenários que possam surgir, ou seja, deve partir de uma análise mais humana, não pensando apenas nos valores que o Estado terá de custear.
O público o qual o BPC atende é formado, majoritariamente, por pessoas que não encontram outra forma de auferir renda para sustentar-se e realizar o devido tratamento de suas incapacidades – prejudicando-os até mais do que a enfermidade prejudicaria se fosse realizado o tratamento correto -, para elas o benefício representa a preocupação do Estado para com elas. Isto é, a reforma do sistema atual do BPC deve ser pensada com zelo para que torne a concessão ainda mais seleta, indo contra o fundamento principal determinado pela própria Constituição Federal, que é o amparo e resguardo social.
O debate voltado a encontrar soluções realmente eficazes que assegurem a sustentabilidade financeira do BPC garantindo a proteção aos seus princípios basilares, é o maior desafio para a seguridade no Brasil. Pois a população brasileira está acostumada com uma estrutura onde raramente existe a perspectiva, quanto mais a ascensão social de fato, destacando CARVALHO e IAMAMOTO (1983):
“A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”.
A prosperidade da aplicação das reformas está sujeita à capacidade de equilibrar a justiça social e o comprometimento financeiro do Estado em um cenário onde o número de demandas tende a crescer cada dia mais necessitando a inclusão e a equidade.
CONCLUSÃO
Ao longo do presente trabalho foi discutida a importância do BPC e a necessidade de sua reformulação para que o benefício atenda de forma mais ampla e eficaz seu público-alvo. O Benefício de Prestação Continuada foi criado e garantido por lei para solidificar um direito assegurado pela própria Constituição Federal, sendo este o amparo por parte da previdência social, quando o indivíduo se vê em situação de risco ou miserabilidade econômica.
O BPC dispõe de um conjunto de requisitos essenciais à concessão. O requerente deve atender aos requisitos de incapacidade, provando que está impossibilitado a longo prazo de exercer atividades laborais ou que dependem do amparo de familiares, impossibilitando também a desempenhar seu labor.
Ademais, o requerente precisa se enquadrar na esfera econômica, demonstrando que a renda auferida pela família é insuficiente para garantir o sustento e a manutenção dos que residem naquele grupo familiar.
Entretanto, o BPC vem, ao longo dos anos, se evidenciando nos debates das autoridades competentes, pois o cenário previdenciário brasileiro se encontra com um número cada vez mais crescente de idosos e de indivíduos que buscam o amparo do INSS para garantir sua manutenção através desse auxílio previdenciário.
No presente trabalho foi avaliado, principalmente, o atual formato de avaliação dos requerentes para a concessão do BPC, mais especificamente, no tocante à avaliação social. O critério avaliativo vigente só permite que o benefício seja para o requerente que, além da incapacidade permanente, tenha renda inferior a ¼ do salário-mínimo. Esse método vem sendo debatido por ser bastante rígido.
Observando-se a legislação atual, as decisões judiciais e a situação atual brasileira pertinente ao tema, constata-se que a limitação imposta de ¼ do salário-mínimo não corresponde ao cenário de pobreza do país. Com o aumento da inflação e o afunilamento do mercado de trabalho, as condições econômicas das famílias vêm ficando cada vez mais limitada, tornando mais difícil a manutenção diária dos componentes do grupo familiar.
Ademais, ao realizar a perícia social, os profissionais do INSS aplicam uma avaliação muito restrita e severa. Dessa forma, findam por tornar o benefício inacessível àqueles que necessitam, mas que descumprem o referido requisito, pois não avaliam outras formas de necessidade de amparo e outros contextos de vulnerabilidade.
Por fim, conclui-se que é incontestável a importância do Benefício de Prestação Continuada para garantir a proteção da parcela mais carente da população brasileira, que não dispõe de meios adequados para preservar uma qualidade de vida digna. Entretanto, o montante oferecido atualmente pela previdência social não é suficiente para que esse direito seja adequadamente garantido, bem como, o critério avaliativo que está sendo aplicado de forma equivocada, restringindo o acesso popular.
Esta pesquisa mostra a urgente necessidade de mudança no BPC. Seguindo os princípios de elegibilidade adotados pelo STJ, ao flexibilizar a avaliação social não se restringindo somente à renda auferida pelo requerente e sua família, mas pelas despesas que, na maioria dos casos, advém da enfermidade incapacitantes que vem acometendo àquele que pleiteia o BPC.
Esse olhar mais humanizado ao contexto de cada um, desencadeia o sentimento de proteção social e amparo necessário. Trazendo a redução nos índices de pobreza extrema e possibilitando uma maior igualdade social.
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