O IMPACTO DO ANALFABETISMO FUNCIONAL NA GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS NO AGRONEGÓCIO

THE IMPACT OF FUNCTIONAL ILLITERACY ON HUMAN RESOURCE MANAGEMENT IN AGRIBUSINESS.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202506182102


Ana Júlia Souza Castro1
Cléria Núbia Elias Pereira1
Leonardo Camisassa Fernandes2


RESUMO

O presente artigo examina a evolução da área de Recursos Humanos (RH) no Brasil, com foco no agronegócio, ressaltando sua transformação de uma função predominantemente burocrática e administrativa, voltada ao cumprimento da legislação trabalhista, para um papel estratégico alinhado às metas organizacionais e às demandas do mercado globalizado. A pesquisa tem como objetivo central analisar os desafios atuais enfrentados pelo setor de RH no agronegócio brasileiro, com ênfase no impacto do analfabetismo funcional sobre a produtividade, o desenvolvimento profissional e a inclusão social dos colaboradores. Para tanto, foram utilizados métodos de pesquisa bibliográfica e a aplicação de questionários estruturados em empresas do setor, buscando avaliar o nível de conscientização e as práticas organizacionais relacionadas ao tema. Os resultados evidenciam que 80% das organizações reconhecem o analfabetismo funcional como um fator limitador para a eficiência operacional e o desenvolvimento humano, enquanto 20% ainda não adotam políticas ou programas específicos para sua mitigação. Esses dados indicam a urgência da implementação de estratégias pedagógicas adaptadas, programas de alfabetização funcional e a integração entre políticas públicas e práticas empresariais. Conclui-se que o Recursos Humanos (RH) no agronegócio brasileiro necessita reorientar suas práticas, incorporando o desenvolvimento humano como eixo central, para superar as barreiras educacionais, promover a inclusão efetiva no ambiente de trabalho e fortalecer a competitividade e sustentabilidade das organizações do setor no âmbito nacional e internacional.

Palavras-chave: Recursos Humanos. Gestão de Pessoas. Analfabetismo Funcional. Produtividade Organizacional. Desenvolvimento Profissional.

1 INTRODUÇÃO

O pensamento em volta da gestão de pessoas previsto no Recursos Humanos (RH) vem mostrando o quanto a evolução tecnológica que emergiu a partir do século XX, nesse mundo globalizado, mecanizado vem trazendo facilidades e desafios no dia a dia desse setor, e promovendo uma relação entre empregadores e empregados, onde a adaptação é de fundamental relevância, impulsionando o investimento em treinamentos e qualificação de colaboradores.

A origem da área de Recursos Humanos (RH) está ligada a diversos eventos históricos e mudanças econômicas, e não apenas ao reconhecimento recente do valor dos trabalhadores nas empresas. (CALDAS, TONELLI & LACOMBE, 2002).

As contribuições de Taylor e Elton Mayo evidenciaram o impacto dos aspectos humanos e psicológicos no rendimento dos empregados. Gradualmente, a função do RH evoluiu para abranger ações mais estratégicas, como o alinhamento entre os processos de seleção, treinamento e a cultura da empresa. Hoje, a área abrange diversidade, tecnologia e gestão de talentos. (CHIAVENATO, 2014; DUTRA 2016).

A área de Recursos Humanos (RH) tem passado por profundas transformações ao longo das últimas décadas, migrando de um modelo burocrático, com foco em tarefas operacionais, para uma função estratégica, voltada à gestão de competências e à valorização do capital humano (CHIAVENATO, 2014; DUTRA, 2016). Essa evolução decorre de mudanças econômicas, políticas e sociais que impactaram diretamente as relações de trabalho, especialmente no Brasil, cujo processo de industrialização foi tardio em comparação a países desenvolvidos (FAUSTO, 1999; SKIDMORE, 1998).

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), instituída em 1943 no governo Vargas, representou um avanço ao definir regras mínimas para regular as relações trabalhistas no Brasil (PHILLIPS & HARDY, 2002). A partir dos anos 1980, com a intensificação das crises econômicas e o fortalecimento sindical, a gestão de pessoas passou a ser repensada, integrando-se a estratégias organizacionais para lidar com negociações coletivas, produtividade e competitividade (CALDAS, TONELLI & LACOMBE, 2002.).

No contexto contemporâneo, um dos principais desafios enfrentados pela área de Recursos Humanos (RH) é o analfabetismo funcional, que compromete a capacidade dos trabalhadores de compreender e aplicar informações básicas no ambiente de trabalho. Conforme levantamento do Instituto Paulo Montenegro (2022), aproximadamente 29% dos brasileiros enfrentam limitações na compreensão de textos e na realização de cálculos básicos, o que interfere em suas atividades profissionais. Essa limitação impacta diretamente a execução de tarefas, o entendimento de normas e a participação em processos de qualificação profissional.

A presença de analfabetismo funcional no ambiente organizacional exige que a gestão de pessoas adote práticas pedagógicas inclusivas, considerando as limitações educacionais dos trabalhadores e promovendo seu desenvolvimento. Como destaca BASSO (2016), a valorização das competências não deve se restringir a aspectos técnicos, mas considerar também as condições humanas e sociais dos colaboradores, que influenciam seu desempenho e produtividade.

A gestão estratégica de pessoas demanda, portanto, políticas alinhadas à realidade educacional brasileira. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022) indicam que, naquele ano, o Brasil contava com 11,4 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais de idade, evidenciando a necessidade de integração entre políticas públicas e práticas empresariais para superação desse entrave. No setor do agronegócio, por exemplo, onde há grande concentração de trabalhadores com baixa escolaridade, o desafio é ainda mais expressivo (CEPEA/ESALQ/USP, 2023).

Além disso, as transformações tecnológicas impõem novas competências aos trabalhadores, ampliando a exclusão daqueles que não dominam habilidades básicas de leitura e interpretação (MALAFAIA, 2011). A gestão de pessoas, diante desse cenário, deve promover ações de formação continuada, de forma a garantir a adaptação da força de trabalho às exigências do mercado.

Para Emília Ferreiro (1979), a alfabetização vai além do simples reconhecimento de letras e palavras, pois promove a capacidade crítica e a interação significativa com a realidade. Essa perspectiva deve orientar a atuação da área de Recursos Humanos (RH) na construção de ambientes organizacionais mais justos, produtivos e inclusivos.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O analfabetismo funcional é um fenômeno que afeta diretamente a dinâmica organizacional, sobretudo em setores produtivos que dependem intensamente da força de trabalho operacional, como o agronegócio. Este setor, por estar fortemente concentrado em regiões rurais e interioranas, apresenta índices mais elevados de analfabetismo funcional quando comparado a outras áreas econômicas, conforme apontam dados do IBGE (2023). Essa condição compromete significativamente os processos de recrutamento, treinamento, desenvolvimento e avaliação de desempenho, os quais são centrais para a gestão de Recursos Humanos.

No contexto do agronegócio, o analfabetismo funcional limita a compreensão de instruções técnicas, normas de segurança, procedimentos operacionais e diretrizes administrativas. Isso exige da gestão de pessoas uma reestruturação de seus métodos de comunicação interna, treinamento e integração. Como observa Chiavenato (2014), o capital humano é um ativo estratégico, e a eficácia da gestão de pessoas depende da capacidade de desenvolver competências, o que pressupõe algum nível de letramento funcional.

Além disso, o analfabetismo funcional compromete a leitura crítica de documentos formais, como contratos, holerites, normas internas e comunicados legais. De acordo com Marras (2021), essa limitação pode gerar vulnerabilidade trabalhista, aumento do passivo jurídico e conflitos na relação entre empregador e empregado. Para mitigar tais riscos, é necessário que o setor de Recursos Humanos adote práticas de gestão inclusivas e adaptadas, como o uso de linguagem acessível, mediação com apoio visual e treinamentos contextualizados à realidade dos colaboradores.

O impacto do analfabetismo funcional também se manifesta na dificuldade de mensuração do desempenho e da produtividade. A ausência de compreensão dos objetivos, metas e indicadores afeta o alinhamento entre os colaboradores e a estratégia organizacional. Nesse sentido, o Recursos Humanos (RH) precisa desenvolver instrumentos alternativos de avaliação, além de programas de desenvolvimento que considerem os níveis reais de compreensão dos trabalhadores.

A atuação estratégica da área de Recursos Humanos (RH) no agronegócio tem buscado soluções como a implantação de programas internos de alfabetização, a exemplo de iniciativas chamadas “Escola na Fazenda”, relatadas em entrevistas com gestores da área. Essas ações não apenas elevam o nível de letramento funcional dos colaboradores, mas também fortalecem o vínculo com a empresa, promovem o engajamento e aumentam o sentimento de pertencimento, o que está em consonância com os princípios da responsabilidade social empresarial (BOHLANDER, SNELL & MORRIS, 2019).

Ademais, a realização de pesquisas de clima organizacional, a manutenção de registros funcionais consistentes, a condução de entrevistas de acompanhamento e a atuação integrada com os líderes de campo são ferramentas que permitem ao Recursos Humanos (RH) diagnosticar e intervir de forma eficaz nos desafios impostos pelo analfabetismo funcional, contribuindo para a melhoria do desempenho organizacional.

Portanto, o analfabetismo funcional representa um entrave significativo para a gestão de pessoas no agronegócio, exigindo políticas de desenvolvimento humano que articulem educação básica, treinamento técnico e inclusão social, como parte da estratégia de sustentabilidade e produtividade no campo.

Evolução do Recursos Humanos (RH) no Brasil

Ao abordar sobre a evolução dos Recursos Humanos (RH) no Brasil, conclui-se que esse processo foi tardio, considerando que o período entre o final do século XIX e início do século XX países como Estados Unidos já haviam passado por fases e estruturações em conceitos de Recursos Humanos, entretanto, o Brasil neste período mencionado, ainda seguia como um país de economia de base agrícola e com condições de trabalho semelhantes a escravidão, e foi apenas no final da década de 1920, após a crise do café, que a industrialização do país teve consideráveis avanços, no qual pode ser citado o início de indústrias focadas em setores alimentícios e têxtil e, em 1930 se iniciou a Era Vargas e em 1943 Getúlio Vargas criou a Consolidação das Leis Trabalhistas no Brasil (CLT), no qual foi um marco histórico para o Brasil.

A trajetória inicial da gestão de pessoas no Brasil esteve fortemente condicionada à necessidade de atender exigências legais trabalhistas, o que conferiu à área um perfil essencialmente burocrático. Como apontado por Lousada (1976), essa fase inicial esteve centrada nas atividades do Departamento de Pessoal, cuja função restringia-se à administração de rotinas formais. A partir da década de 1930, com o fortalecimento da legislação trabalhista, foram criadas as primeiras Seções de Pessoal, responsáveis por atividades como o controle de frequência e a execução da folha de pagamento, conforme indicado por Vieira e Silva (1992) e atualizado por Pereira, Santana e Gonzales (2022).

O contexto do Estado Novo, o governo brasileiro promoveu a racionalização da gestão pública por meio da criação do DASP, em 1936, e da Fundação Getulio Vargas (FGV), em 1944, com o intuito de profissionalizar a administração pública (VIEIRA, SILVA & BORGES, 1995). Nesse período, a promulgação da CLT em 1943, seguida por dispositivos legais como o FGTS, o 13º salário e as Normas Regulamentadoras (NRs), reforçou o caráter normativo e legalista da área de Recursos Humanos, como apontado por Carvalho et al. (2010).

A partir da segunda metade do século XX, a atuação em Recursos Humanos passou por uma transição técnica, incorporando práticas como recrutamento, seleção e capacitação baseadas em modelos gerenciais estadunidenses, introduzidos principalmente por empresas multinacionais que se estabeleceram no Brasil a partir da década de 1950 (NOGUEIRA & RAMOS, 1987). Ainda assim, até os anos 1970, predominava uma abordagem operacional e administrativa, pouco alinhada às estratégias organizacionais, mesmo diante de um ambiente socioeconômico em transformação (ARAÚJO, NOGUEIRA & RAMOS, 1997).

Com o processo de abertura econômica e globalização nos anos 1990, emergiu um RH estratégico, pautado na gestão por competências e valorização do capital intelectual (CHIAVENATO & MARRAS, 2011); nota-se a fase estratégica a partir de 1985 (CARVALHO et al., 2010). Porém, a transição para uma atuação plenamente estratégica enfrenta obstáculos: carências técnicas, influência residual do modelo normativo e resistência cultural à humanização da gestão de pessoas (PEREIRA, SANTANA & GONZALES, 2022; CARVALHO et al., 2010).

Após a Segunda Guerra Mundial e iniciando-se a Guerra Fria, as empresas multinacionais dos Estados Unidos e da Europa chegaram em países latino-americanos, que ainda estavam em desenvolvimento, no qual tiveram primeiro contato com o modelo de Gestão de Pessoas. Adiante disso, o país teve crescimento econômico e urbano, passando por investimentos de governos militares e modelos de gestão Taylorista e Fordista, período em que teve instituições de programas para trabalhadores, como por exemplo a PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador), concluindo que o governo incentivava as empresas a se atentarem as necessidades dos trabalhadores. 

Nas últimas décadas, contudo, o discurso – e, em alguns contextos, também a prática – começou a mudar. O RH brasileiro passou a se alinhar com tendências internacionais, caminhando para um modelo de gestão estratégica de pessoas. Essa transição refletiu a tentativa de reposicionar a área como elemento central nas decisões organizacionais, contribuindo de forma mais efetiva para o alcance dos objetivos e da competitividade empresarial (CALDAS; TONELLI & LACOMBE, s.d.).

Com a abertura da economia e o Plano Real, as indústrias brasileiras começaram a se destacar no mercado internacional, o que como consequência gerou a necessidade de modernizar os modelos de gestão de Recursos Humanos. Atualmente, a Gestão de Competência é o modelo predominante no mercado.

Ao estudar e considerar toda a evolução de Recursos Humanos (RH), seus desafios e transformações, percebe-se que há necessidade de inovação e acolhimento dentro desse setor. Atualmente, adiante de pesquisas, consegue-se destacar alguns desafios que esse setor enfrenta, com suas origens, gravidade, possibilidades de soluções e suas consequências no ambiente corporativo.

As escolas de administração exerceram papel relevante na disseminação de modelos e práticas de Gestão de Recursos Humanos (GRH). Em 1954, a Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, instituiu o primeiro curso voltado exclusivamente à área de negócios e gestão, por meio da criação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP). A formulação dos programas acadêmicos contou com a colaboração de professores da Michigan State University, e docentes brasileiros receberam formação complementar nos Estados Unidos.

Além da instituição paulista, foram fundadas escolas de administração nos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia (WOOD & PAES DE PAULA, 2004). Na década de 1960, a FGV implementou seu primeiro programa de pós-graduação, com o intuito de formar docentes para atuação em outras instituições e fomentar a disseminação de novos modelos gerenciais (BERTERO, 2006). As instituições de ensino, em conjunto com consultorias e uma mídia especializada ainda em formação — como jornais voltados à economia e a Revista Exame —, passaram a exercer influência direta sobre a dinâmica corporativa brasileira (DONADONE, 2001).

Desafios enfrentados no dia a dia na gestão de RH

Diante dos desafios contemporâneos enfrentados pelo setor de Recursos Humanos nas organizações, destaca-se o analfabetismo funcional entre colaboradores — fenômeno que compromete o desempenho individual e a eficiência sistêmica. Segundo Basso (2016), um dos principais entraves da Gestão de Pessoas é reconhecer as limitações cognitivas e vulnerabilidades dos profissionais, pois aspectos emocionais, sociais e educacionais influenciam diretamente produtividade e integração.

Os gestores devem incorporar elementos da psicodinâmica do trabalho (Dejours, 1994), valorizando a subjetividade do trabalhador por meio da escuta ativa, acolhimento e políticas inclusivas, principalmente em contextos com elevado analfabetismo funcional.

Embora investimentos em capacitação representem custos iniciais, estudos indicam retorno estrutural a médio e longo prazos, tanto na performance quanto na redução do turnover (Chiavenato, 2014; Basso, 2016). Destaca-se que a formação técnica só é eficaz se os colaboradores apresentarem níveis mínimos de letramento funcional.

A atração e retenção de talentos também exigem atenção, especialmente para as gerações Y e Z, que valorizam qualidade de vida, reconhecimento e desenvolvimento de carreira (Malafaia, 2011). Organizações buscam, assim, modelos flexíveis e inclusivos baseados em diversidade, equidade e propósito social.

O avanço tecnológico impõe desafios na gestão do equilíbrio entre vida pessoal e laboral. Pesquisa Deloitte (2023) aponta que 64% dos gestores brasileiros enfrentam dificuldades em estabelecer limites produtivos no ambiente digital, demandando competências digitais e atenção à saúde mental (Morin, 2001).

O analfabetismo funcional permanece como obstáculo à efetividade das políticas de gestão. Dados do INAF (2018) indicam que cerca de 29% da população adulta brasileira está em níveis rudimentares ou elementares de letramento, afetando segurança, execução de tarefas e assimilação de normas.

Assim, organizações devem adotar estratégias pedagógicas inclusivas, alinhadas à Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a tecnologias educacionais adaptadas, estruturando parcerias com sindicatos, instituições e entes públicos para programas de formação contínua e alfabetização contextualizada (Freire, 1996; UNESCO, 2022).

Por fim, a abordagem do analfabetismo funcional deve ser incorporada às políticas de gestão estratégica. A criação de redes interinstitucionais, formação de lideranças sensíveis e a disseminação de boas práticas — como o programa “Escola no Campo”, promovido em diversas regiões do Brasil com apoio do SENAR (SENAR, 2025) — favorecem ambientes mais justos e inclusivos. Ressalta-se que o fenômeno é mais frequente em funções operacionais e no setor rural, exigindo ações específicas e territoriais.

3 METODOLOGIA

A presente pesquisa foi conduzida por meio de levantamento bibliográfico e aplicação de formulários em 05 empresas do setor do agronegócio. Os instrumentos utilizados consistiram em questionários direcionados exclusivamente a gestores de Recursos Humanos, com o objetivo de identificar a percepção desses profissionais sobre o impacto do analfabetismo funcional nas atividades operacionais e administrativas do setor.

A amostragem contemplou organizações situadas em regiões rurais, sendo o critério de seleção a atuação no agronegócio e a existência de estrutura formal de gestão de pessoas. A escolha desse setor justifica-se pela significativa presença de trabalhadores com diferentes níveis de escolaridade, o que torna a temática especialmente relevante.

O questionário aplicado foi estruturado com perguntas abertas e objetivas, sendo aplicado através de um formulário no “Google Forms”. As perguntas foram divididas em eixos temáticos relacionados ao perfil da empresa, à composição da força de trabalho e às percepções quanto ao analfabetismo funcional no ambiente organizacional. As questões abordadas foram:

1. Qual o número de colaboradores que a empresa possui em momento de pico de safra?

2. Qual o perfil de colaborador com maior predominância nas contratações para o trabalho de campo? E para o trabalho de escritório? (gênero, faixa etária)

3. Qual o número de colaboradores fixos que a empresa mantém ao longo do ano?

4. Em sua experiência, é possível identificar colaboradores que apresentem características de analfabetismo funcional?

5. Quais são os principais desafios enfrentados pelo setor de Recursos Humanos ao lidar com o analfabetismo funcional no agronegócio?

6. Como a empresa identifica ou percebe a presença de analfabetismo funcional entre os colaboradores?

7. Em sua visão, de que forma o analfabetismo funcional impacta o desempenho dos colaboradores, tanto no campo quanto no ambiente administrativo?

8. Após essa reflexão, é possível sugerir ações que as empresas poderiam adotar para acolher colaboradores com esse perfil?

9. A seu ver, as empresas atualmente já adotam alguma medida voltada para esse tema? 

A análise dos dados coletados foi realizada de forma quantitativa e qualitativa.  Os resultados foram interpretados em consonância com os objetivos da pesquisa, buscando compreender os impactos do analfabetismo funcional sob a ótica dos profissionais de Recursos Humanos (RH) atuantes no setor do agronegócio.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Dentre as sete empresas contatadas na Região do Alto Paranaíba para a pesquisa, cinco responderam ao questionário proposto. Essas organizações empregam, ao todo, 770 trabalhadores fixos, chegando a 1.794 durante o pico da safra. Segundo os dados coletados, o trabalho no campo é majoritariamente realizado por homens entre 18 e 50 anos, enquanto as atividades de escritório apresentam maior equilíbrio de gênero.

Ao serem questionadas sobre a presença de analfabetismo funcional entre seus colaboradores e as formas de identificação do problema, todas as empresas responderam afirmativamente. O diagnóstico costuma ocorrer ainda no processo de admissão, por meio da dificuldade dos candidatos em preencher formulários e documentos, bem como pela preferência pelo uso de mensagens de voz em vez de texto. No cotidiano, esses trabalhadores demonstram limitações em tarefas que envolvem leitura e escrita, e muitos relatam, de forma espontânea, não terem concluído os estudos, expressando, por vezes, sentimentos de constrangimento diante dessa condição.

Tais limitações geram impactos operacionais significativos, sobretudo para o setor de Recursos Humanos, que precisa desenvolver estratégias de comunicação acessível. Segundo os setoristas ouvidos, muitos colaboradores não conseguem ler ou escrever o próprio nome, interpretar informações sobre salários ou compreender prazos legais. No contexto agrícola, isso representa um desafio adicional: dificuldades em assinar documentos, seguir instruções e compreender procedimentos, exigindo dos gestores maior empatia e paciência.

O analfabetismo funcional, portanto, configura-se como um problema estrutural que ultrapassa a esfera operacional, restringindo o desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores. Conforme relatado, esses indivíduos concentram-se em funções que exigem esforço físico e são alijados de oportunidades que demandam competências cognitivas mais elaboradas.

No tocante às ações de enfrentamento, as empresas reconheceram que os esforços ainda são incipientes. A ausência de programas estruturados demonstra uma fragilidade institucional frente à necessidade de inclusão educacional. Questionadas sobre possíveis soluções, as organizações destacaram a importância de acolhimento já na fase de admissão, mediante estratégias que facilitem o acesso à informação.

Adicionalmente, foram sugeridas parcerias público-privadas voltadas à alfabetização de adultos, com propostas que envolvem desde a oferta de cursos internos de aperfeiçoamento até o incentivo à participação em programas como a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Destacou-se, entre as iniciativas mencionadas, o projeto “Escola na Fazenda”, que propõe levar o ensino básico diretamente ao ambiente rural, como estratégia concreta de combate ao analfabetismo funcional.

5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas entrevistas realizadas e na análise dos dados coletados, conclui-se que o analfabetismo funcional constitui um fenômeno recorrente, porém ainda subestimado nas discussões organizacionais — sobretudo no setor do agronegócio. Apesar de haver avanços no reconhecimento do problema, a abordagem permanece superficial, limitando a efetividade das ações institucionais.

A urgência em tratar o tema decorre dos impactos diretos nas rotinas de trabalho, como a dificuldade de compreensão de direitos trabalhistas, normas operacionais, ordens de serviço e documentos institucionais. Esses fatores comprometem o desempenho individual, elevam a rotatividade e afetam a eficiência global das organizações.

Os dados obtidos indicam que 80% das empresas reconhecem a presença do analfabetismo funcional entre seus colaboradores, enquanto 20% ainda desconhecem essa realidade. Esse contraste revela, de um lado, uma abertura à implementação de políticas inclusivas e, de outro, uma carência crítica de diagnóstico e intervenção. A resposta mais comum das organizações consiste em adotar mecanismos paliativos — como a simplificação da linguagem e o uso de recursos visuais —, os quais, embora úteis, não resolvem a questão estrutural.

A superação do analfabetismo funcional demanda programas permanentes de alfabetização de jovens e adultos, com apoio institucional e articulação entre empresas, Estado e sociedade civil. A construção de políticas inclusivas e de formação continuada é essencial não apenas para o aumento da produtividade, mas para a promoção da autonomia, valorização do capital humano e garantia do direito à cidadania no ambiente de trabalho.

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