O IMPACTO DAS POLÍTICAS DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO COMPORTAMENTO ELEITORAL NO BRASIL: UMA ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DO VOTO ECONÔMICO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202502142150


Letícia Sther Castellari Amâncio1


Resumo: Este texto tem como objetivo investigar se as políticas públicas de distribuição de renda exercem impacto significativo na decisão do voto dos eleitores brasileiros, com base na teoria do voto econômico. Para compreender essa relação, foi realizada uma análise comparativa de três trabalhos acadêmicos: um artigo, uma dissertação de mestrado e um trabalho de conclusão de curso; todos focados no impacto de políticas públicas de transferência de renda sobre o comportamento eleitoral no Brasil. A metodologia envolveu a seleção desses estudos a partir de critérios como a relevância temática e a aplicação da teoria do voto econômico, além de uma revisão bibliográfica sobre essa teoria. Os estudos analisados examinaram a relação entre os benefícios proporcionados por políticas públicas e a escolha do eleitor, utilizando dados eleitorais e correlacionando-os com a cobertura dos programas sociais nas respectivas regiões. Os resultados mostram que, embora as políticas públicas de distribuição de renda influenciem positivamente a decisão de voto, especialmente entre os mais vulneráveis, essa relação não é direta ou automática. Fatores como carisma, trajetória dos candidatos e o contexto social desempenham papel relevante no comportamento eleitoral. Assim, a teoria do voto econômico oferece uma perspectiva importante, mas não suficiente, sendo necessário incorporar também aspectos sociológicos e contextuais para uma compreensão mais abrangente do comportamento do eleitor.

Palavras-chave: Voto econômico; Políticas Públicas; Voto; Bolsa Família.

Abstract: This study aims to investigate whether public income distribution policies have a significant impact on the voting decisions of Brazilian electors, based on the theory of economic voting. To understand this relationship, a comparative analysis of three academic works was conducted: an article, a master’s thesis, and an undergraduate thesis, all focused on the impact of public income transfer policies on electoral behavior in Brazil. The methodology involved selecting these studies based on criteria such as thematic relevance and the application of economic voting theory, alongside a bibliographic review of this theory. The analyzed studies examined the relationship between the benefits provided by public policies and voter choice, using electoral data and correlating it with the coverage of social programs in the respective regions. The results show that, although public income distribution policies positively influence voting decisions, particularly among the most vulnerable, this relationship is neither direct nor automatic. Factors such as charisma, candidate trajectories, and social context play a significant role in electoral behavior. Thus, while economic voting theory provides an important perspective, it is not sufficient on its own, requiring the incorporation of sociological and contextual aspects for a more comprehensive understanding of voter behavior.

Keywords: Economic Voting; Public Policies; Voting Behavior; Bolsa Família.

INTRODUÇÃO

A teoria do voto econômico sugere que eleitores tendem a basear suas escolhas em resultados econômicos, recompensando ou punindo governos de acordo com sua percepção de bem-estar. Essa abordagem considera que os eleitores agem de maneira racional, tomando decisões políticas com base nos benefícios materiais que recebem, como o aumento da renda ou a melhoria das condições de vida (DASSONNEVILLE; LEWIS-BECK, 2020).

Nesse contexto, as políticas públicas de distribuição de renda são um elemento fundamental. Elas consistem em ações do governo destinadas a reduzir as desigualdades sociais e garantir a inclusão para as camadas mais vulneráveis da população através da distribuição de bens e recursos públicos. Assim, a implementação dessas políticas assegura direitos e atende às demandas sociais (MACIEL; PINTO; BECKER: DOMINGUES, 2024; RAPOSO; LORETO; PIRES, 2023). Programas como o Bolsa Família é um exemplo de políticas públicas que buscam redistribuir renda por meio de transferências diretas a famílias de baixa renda, com o objetivo de aliviar a pobreza e melhorar os indicadores sociais. Essas políticas não só têm efeitos imediatos no bem-estar das famílias, mas também influenciam a percepção dos eleitores sobre o governo responsável por implementá-las (SOARES; SATYRO, 2020).

Assim, o objetivo deste texto é justamente investigar se essas políticas públicas de distribuição de renda têm impacto real na decisão do voto, especialmente no Brasil, onde programas como o Bolsa Família se tornaram pilares importantes da política social. Além disso, busca-se analisar se os pesquisadores brasileiros conseguem utilizar a teoria do voto econômico para fundamentar suas hipóteses e conclusões sobre o comportamento eleitoral. Para isso, foram selecionados três trabalhos acadêmicos: um artigo, uma dissertação de mestrado e um trabalho de conclusão de curso (TCC); que examinam a influência de políticas públicas na escolha eleitoral e a aplicação da perspectiva do voto econômico. A análise desses estudos permite explorar como a teoria do voto econômico é aplicada no contexto brasileiro e em que medida as políticas públicas influenciam as escolhas eleitorais.

METODOLOGIA

De acordo com Boccato (2006), a pesquisa bibliográfica busca o levantamento e análise crítica dos documentos publicados sobre o tema a ser pesquisado com intuito de atualizar, desenvolver o conhecimento e contribuir com a realização da pesquisa. A vista disso, este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa de natureza bibliográfica, com enfoque em estudos acadêmicos sobre a influência de políticas públicas de distribuição de renda no comportamento eleitoral no Brasil. A escolha por esse tipo de abordagem se justifica pela natureza exploratória do tema, que busca compreender de forma crítica como pesquisadores brasileiros têm aplicado a teoria do voto econômico em suas análises sobre a decisão de voto.

Para a composição do corpus desta pesquisa, foram selecionados três trabalhos acadêmicos que abordam a influência de políticas públicas na decisão de voto e utilizam, em alguma medida, a teoria do voto econômico como referencial teórico. Os trabalhos escolhidos são: um artigo científico, uma dissertação de mestrado e um trabalho de conclusão de curso (TCC). A diversidade de formatos foi proposital, visando a obtenção de diferentes perspectivas metodológicas e teóricas sobre o tema. Os critérios de seleção dos trabalhos foram os seguintes: Relevância temática: Todos os trabalhos selecionados abordam diretamente a relação entre políticas públicas de distribuição de renda e comportamento eleitoral, com destaque para o programa Bolsa Família e o Programa Auxílio Brasil; Diversidade metodológica: Foram escolhidos diferentes tipos de produções acadêmicas para garantir uma visão abrangente sobre o tema. O artigo científico oferece uma análise direta e concisa; a dissertação apresenta uma abordagem mais aprofundada e teórica; e o TCC reflete a perspectiva de novos pesquisadores em formação bem como explora um cenário eleitoral mais atual. Essa diversidade de trabalhos possibilita uma análise comparativa entre diferentes contextos e abordagens, oferecendo subsídios para a avaliação crítica da aplicação da teoria do voto econômico no país.

A análise dos trabalhos selecionados foi conduzida em duas etapas principais: Leitura e categorização: Inicialmente, cada trabalho foi lido integralmente e suas principais informações foram categorizadas de acordo com os seguintes critérios:

1. Aplicação da teoria do voto econômico: Identificação de como os autores utilizaram a teoria do voto econômico para embasar suas hipóteses e análises.

2. Impacto das políticas públicas: Verificação da influência das políticas de distribuição de renda na decisão de voto, com ênfase em programas como o Bolsa Família e o Programa Auxílio Brasil.

Por fim, foi realizada uma interpretação crítica dos achados, relacionando-os com a literatura revisada sobre o voto econômico e com outras teorias que explicam o comportamento eleitoral, como a teoria sociológica do voto. Essa etapa foi fundamental para evidenciar que, embora as políticas públicas de distribuição de renda possam influenciar a decisão de voto, outros fatores, como o contexto social e o carisma dos candidatos, também exercem uma influência significativa.

É importante ressaltar que, por se tratar de uma pesquisa de natureza bibliográfica, este trabalho não inclui a análise direta de dados eleitorais ou entrevistas com eleitores. Dessa forma, as conclusões apresentadas baseiam-se exclusivamente na revisão e análise crítica de estudos acadêmicos previamente publicados. Embora essa abordagem permita uma reflexão aprofundada sobre o tema, futuras pesquisas poderiam complementar este estudo com dados empíricos primários, como levantamentos de opinião pública e análises estatísticas mais abrangentes.

TEORIA DO VOTO ECONÔMICO/ RACIONAL

A literatura sobre o voto econômico tem suas raízes na teoria econômica da democracia, sendo o trabalho de Anthony Downs (1957), uma das obras mais influentes. Essa teoria se destaca por aplicar ferramentas da microeconomia para analisar questões políticas. Seu principal pressuposto é que as decisões coletivas são o resultado agregado das escolhas individuais, feitas por agentes que agem de forma racional e estratégica, baseando-se em suas próprias preferências.  Isto é, a ação do eleitor segue um esquema de recompensa ou punição. Ao avaliar o desempenho do partido no poder, o eleitor assume o papel de juiz: recompensa o candidato (ou seu partido) com o voto, ou o penaliza, optando por votar no partido ou candidato da oposição (KAYSER; PERESS, 2022).

Essa abordagem rejeita, de forma categórica, os elementos psicológicos das motivações individuais como fatores capazes de explicar o comportamento eleitoral. “Relações de empatia entre eleitores e lideranças cedem lugar a relações de entropia: cada indivíduo isoladamente, no seu microcosmo, reage e age continuamente em resposta ao que ele percebe e experimenta em relação à economia” (FIGUEIREDO, pag. 129-130, 2002). Nesta corrente teórica o Homus psicologicus e o Homus sociologicus dão lugar ao Homus economicus, isto é, os eleitores fazem escolhas (politicas) e votam em favor de seu benefício econômico (FIGUEIREDO, 2002).

 A principal preocupação de Downs foi explicar o comportamento de eleitores e partidos políticos – ou mesmo de políticos individualmente – com base no pressuposto de ação racional individual. Da sua obra, podem-se derivar dois princípios centrais nas teorias do voto econômico: (1) os políticos buscam maximizar suas carreiras, o que geralmente implica aumentar o número de votos obtidos; (2) os eleitores utilizam o voto como meio de maximizar sua renda, ou seja, buscam otimizar sua função de utilidade através do ato de votar.  Para essa teoria a avaliação do desempenho do partido governante se concentra principalmente na gestão da economia. Dessa forma, se a situação econômica for favorável, o eleitor tende a votar pela reeleição do governante. O mecanismo por trás dessa relação entre economia e voto é simples: o eleitor percebe uma melhoria em sua própria condição de vida (ou na condição do país) e, ao atribuir essa melhora ao governante, recompensa o partido no poder.

 Estudos recentes, como o de Hellwig e Marinova (2020) e Fraile e Lewis-Beck (2021), reforçam essa perspectiva ao demonstrar como o voto econômico se manifesta em contextos de países em desenvolvimento, onde os eleitores tendem a reagir de forma mais direta às condições econômicas, especialmente em cenários de instabilidade ou crise.

Embora seja uma teoria bastante utilizada para compreender o comportamento político, ela possuiu limitações e lacunas. Healy e Malhotra (2020), apontamque a teoria do voto econômico apresenta dificuldades no que diz respeito à sua capacidade de explicar o comportamento eleitoral em contextos onde fatores não econômicos, como valores culturais, identidade partidária ou questões sociais, desempenham um papel central. Eles argumentam que, em muitos casos, os eleitores não têm informações suficientes para avaliar o desempenho econômico de forma precisa, o que pode levar a decisões eleitorais baseadas em percepções errôneas ou influenciadas por vieses cognitivos. Além disso, a teoria tende a subestimar o papel de fatores emocionais e simbólicos, que também podem influenciar o voto.

Ainda assim, Barone (2009) aponta que diversos estudos demonstraram a presença de um comportamento eleitoral influenciado por questões econômicas. Um dos primeiros trabalhos empíricos foi realizado por Kramer (1971), que partiu do pressuposto de que os eleitores utilizam o desempenho anterior dos partidos e seus candidatos como um atalho informacional na hora de decidir seu voto. Kramer descobriu que flutuações econômicas de curto prazo são fatores importantes para explicar as variações no voto para a Câmara Baixa dos EUA. Os indicadores econômicos mais relevantes seriam a renda per capita, o nível de desemprego e as taxas de inflação. Posteriormente, Tufte (1975) corroborou com os achados de Kramer e acrescentou que as eleições legislativas de meio de mandato nos EUA são fortemente influenciadas pelas condições econômicas de curto prazo. Tufte denominou esse comportamento eleitoral como um “referendo sobre a performance presidencial”.

Esse trabalho procurou explicar os resultados eleitorais ou a popularidade presidencial com base na avaliação retrospectiva que os eleitores fazem da gestão econômica dos governantes. Embora a economia não seja o único fator considerado pelos eleitores, sua influência na decisão de voto é vista como essencial. Indicadores como crescimento econômico, inflação e desemprego estariam diretamente relacionados às variações nos níveis de popularidade presidencial ou nas chances de reeleição (LEWIS-BECK; PALDAM, 2000).

No entanto, muitos estudos identificaram um problema de instabilidade nos resultados encontrados, com variações significativas entre diferentes países e ao longo do tempo em um mesmo país (GÉLINEAU, 2002; LEWIS-BECK; PALDAM, 2000). Em primeiro lugar, não há consenso sobre qual fator econômico é determinante. Além disso, não está claro se a deterioração dos indicadores econômicos provoca o mesmo impacto sobre o voto ou a popularidade do presidente que sua recuperação, ou seja, se as recompensas e punições são proporcionais em relação aos indicadores econômicos.

Para Baert (1997), a teoria assume que os indivíduos são “homo economicus”, agindo sempre de maneira racional e autocentrada. Contudo, essa visão ignora a complexidade das motivações humanas e a influência de fatores sociais e culturais nas decisões eleitorais. A crítica do autor sugere que as ações dos indivíduos não podem ser reduzidas a meras análises de custo-benefício, pois incluem aspectos emocionais e sociais que não são contabilizados na lógica racional.

Outro ponto que deve ser considerado é o paradoxo do voto uma vez que ele aponta que, em eleições com um grande número de eleitores, a probabilidade de um único voto ser decisivo é extremamente baixa. Dessa forma, o benefício esperado, em termos racionais, tende a ser insignificante, enquanto os custos permanecerem reais. Esse paradoxo revela uma contradição: se os eleitores agissem puramente de acordo com a lógica econômica, eles não deveriam votar, já que os custos superam amplamente os benefícios. No entanto, a realidade mostra que a participação eleitoral continua expressiva em diversas sociedades, indicando que outros fatores, além do cálculo racional, estão em jogo (OLIVEIRA, 2012).

[…] com base em uma só premissa a teoria da eficiência do voto oferece dois conselhos contraditórios. O primeiro conselho diz: não participe, porque seu ato individual é irrelevante e, como cidadão, você não estará excluído dos benefícios deriváveis da ação governamental, seja qual for o “time” eleito. O segundo conselho diz: […] mas se todos, menos eu, adotarem o primeiro conselho e não participarem, então eu participo e defino o resultado da eleição na direção que eu quiser; mas outros certamente pensarão o mesmo e assim logo seremos muitos, o que se torna um incentivo para que se pegue carona em vez de participar, voltando para o primeiro caso (FIGUEIREDO, 2022, p.123).

Embora a teoria da escolha racional apresente limitações, ela se mostra mais adequada para compreender a relação entre políticas públicas e o voto, especialmente no caso de políticas que possuem uma influência direta na economia, como as de redistribuição de renda, por exemplo. Isso ocorre porque a teoria da escolha racional foca na análise de incentivos e no comportamento estratégico dos eleitores, permitindo captar como decisões econômicas afetam diretamente as preferências eleitorais. Além disso, a teoria do voto econômico permite avaliar como as políticas públicas afetam diferentes grupos sociais, uma vez que o impacto de políticas de natureza econômica pode variar conforme a classe, região ou setor. Ela também ajuda a entender como a deterioração ou melhora de indicadores econômicos, como crescimento, emprego ou inflação, pode gerar recompensas ou punições eleitorais. Assim, a teoria oferece uma estrutura sólida para analisar como as políticas públicas, ao influenciar a economia, moldam o comportamento eleitoral.

Na próxima seção, serão abordados alguns trabalhos produzidos no Brasil que buscaram averiguar se e /ou como as políticas públicas influenciaram o comportamento eleitoral; para tal, a maioria dos autores se utilizaram da teoria do voto econômico ou racional como uma variável explicativa do voto. Assim, o objetivo é realizar uma sucinta revisão teórica dessas pesquisas, destacando as principais contribuições e limitações, com o intuito de oferecer um panorama sobre a discussão desse tema no contexto brasileiro.

POLÍTICAS PÚBLICAS E O VOTO ECONÔMICO NO BRASIL: UMA BREVE ANÁLISE DE ESTUDOS RECENTES

Na dissertação “Norteando o voto: o impacto do Programa Bolsa Família no comportamento do eleitor do norte do Brasil” (COSTA, 2010), teve como um dos seus objetivos analisar o impacto do programa federal de transferência de renda Bolsa Família, na decisão do voto dos moradores da região Norte do Brasil. A hipótese do autor é que o0 programa Bolsa Família foi um dos principais fatores que contribuíram para a campanha de Lula na eleição presidencial de 2006, especialmente na região Norte do Brasil. Isso ocorreu porque os investimentos do governo no programa acabaram refletindo em votos. A candidatura do PT poderia mostrar aos eleitores a importância da ajuda financeira proporcionada, mesmo que os benefícios tenham os seus limites. Para isso, Costa (2010) realizou uma análise comparativa, que confronta os resultados das urnas nas eleições presidenciais de 2002 e 2006. Nessa análise, é feita uma correlação entre o número de beneficiários do programa Bolsa Família e a quantidade de votos recebidos por Lula da Silva.

A pesquisa conta com um trabalho minucioso, considerando que o autor aplicou a regressão linear multivariada e fez a correlação em todos os municípios da região Norte do país; contudo destaco um dos resultados obtidos pela pesquisa de Costa (2010):

O resultado da pesquisa mostra, também, um impacto positivo do programa Bolsa Família na votação de Lula, haja vista que o candidato obteve um melhor desempenho justamente nos municípios pequenos, onde a abrangência do programa foi maior e beneficiou, diretamente, 41,6% do total de famílias. Em contrapartida, nas cidades grandes, onde a cobertura desta política pública foi menor – 23,25% –, o petista apresentou uma performance inferior a 2002. Nas cidades médias, o programa atingiu 31% do total geral de famílias e o desempenho de Lula foi melhor do que nos municípios grandes, porém, pior do que nos pequenos (COSTA, p.77, 2010).

A pesquisa mostra que nas áreas mais dependentes de apoio governamental, como nos municípios menos desenvolvidos da região Norte, Lula teve um desempenho eleitoral superior. Isso implica que, onde a população depende mais de programas sociais e ações do governo, a candidatura de Lula foi mais bem recebida, possivelmente devido à percepção positiva sobre os benefícios oferecidos pelo programa.

O coeficiente de Pearson apresentado neste estudo também confirma essa relação. As correlações entre a votação do candidato do PT em cada município e o número de beneficiários do Bolsa Família variaram entre 0,75 e 0,99, o que mostra uma associação positiva de moderada a muito forte entre as duas variáveis. Além disso, a análise demonstrou que, ao agrupar as cidades por estado ou pelo porte, o grau de associação é alto, independentemente do método utilizado (COSTA, 2010).

Para o autor, os dados apresentados deixam claro que, em 2006, Lula teve um desempenho eleitoral melhor na região Norte do Brasil, tanto em relação à eleição de 2002 quanto à média nacional. De acordo com a hipótese central desta pesquisa, essa melhoria pode ser atribuída ao programa Bolsa Família, que beneficiou 1.023.507 famílias na região, com maior concentração nos estados do Pará, Amazonas e Tocantins. Coincidentemente, foram nesses estados que Lula registrou um aumento significativo no número de votos entre 2002 e 2006, evidenciando que o programa social teve um impacto direto em sua popularidade e, consequentemente, em seu sucesso eleitoral.

Entretanto, ao examinar os resultados eleitorais do candidato petista por município em cada estado, uma análise empírica revelou que a hipótese central do estudo não se confirmou plenamente. Embora o programa Bolsa Família tenha tido um impacto positivo, esse efeito não foi observado em todos os estados da região Norte. Ou seja, o aumento de votos para Lula não ocorreu de maneira uniforme em todas as unidades federativas.

A análise das bases municipais da votação de Lula, por Estado, revela que o petista melhorou seu desempenho médio nos municípios do Amapá, Amazonas, Pará e Tocantins. Em Rondônia, entre um pleito e outro, praticamente não houve alteração na votação do candidato do PT, enquanto que no Acre e em Roraima, a performance do petista foi pior em 2006 em comparação a 2002, o que contradiz a hipótese central apresentada por esta pesquisa, uma vez que os dois Estados foram as unidades federativas do Norte brasileiro, onde o programa Bolsa Família obteve maior cobertura em relação ao contingente populacional (COSTA, p.79, 2010, grifo nosso).

A respeito da teoria do voto econômico/ racional neste cenário, o ator comenta que o impacto positivo do Bolsa Família nas eleições de 2006 na região Norte demonstra que muitos eleitores basearam sua escolha nos benefícios financeiros recebidos do governo. No entanto, é simplista afirmar que apenas a lógica pragmática e o fator econômico determinaram essa decisão. A vitória de Lula em 2006 não pode ser reduzida a um voto puramente clientelista e pragmático.

Costa (2010), conclui dizendo que em 2006, tanto na região Norte quanto no restante do Brasil, observou-se uma coexistência de diferentes padrões de comportamento eleitoral, que se alterou entre o racional, o sociológico e o psicológico. Embora o comportamento racional tenha predominado, ele não se torna uma explicação universal para o voto. O resultado das urnas refletiu uma combinação e alternação entre o apoio ao carisma, à história de Lula e sua identificação com o povo e os mais pobres, e também um voto pautado nos benefícios materiais imediatos fornecidos por políticas públicas, como o programa Bolsa Família.

Em outro trabalho, o artigo “Políticas públicas e o voto: municípios nortistas e as eleições presidenciais brasileiras de 2002 a 2010” (SOUSA; PORTÉGLIO; RIBEIRO) publicado na Revista Eletrônica de Ciência Política em 2019, tem como objetivo analisar um conjunto de políticas públicas como variável explicativa em diálogo com a teoria racional e uma perspectiva sociológica do voto, investigando se os municípios nortistas com maiores índices de beneficiários de programas sociais foram consecutivos de uma alta votação no partido governista presidencial em 2002 a 2010. Com esse propósito, os autores fizeram uma análise do impacto do Programa Bolsa Família (PBF) na Região Norte do país utilizando dados secundários do Ministério do Desenvolvimento Social e comparando a destinação de recursos para os munícipios com o quantitativo de votos, assim como outras análises de políticas públicas através do banco de dados de Ribeiro (2014) e do Censo Demográfico.

O trabalho apontou que, embora o Bolsa Família tenha influenciado o comportamento eleitoral em alguns estados do Norte do Brasil, ele não foi determinante para o voto em todos os municípios dessa região.

Uma análise focada nos efeitos desse programa de transferência de renda na região sem se considerar outras indutivas, estabelece números imprecisos. O Programa Bolsa-Familia foi um influente no comportamento eleitoral em alguns Estados nortistas, mas não foi uma determinante do voto em todos os municípios (SOUSA; PORTÉGLIO; RIBEIRO, p.52, 2019).

Para os autores, dentro da lógica da teoria racional, os municípios com menor desenvolvimento econômico e que mais dependem de políticas públicas, em sua maioria tenderiam a optar por candidatos ou partidos que garantissem a continuidade desses benefícios. No entanto, os autores alertam que atribuir essas escolhas eleitorais unicamente às políticas públicas é uma visão limitada, pois desconsidera outras variáveis igualmente importantes, como: a afinidade pessoal dos eleitores com certos candidatos, a atuação e presença dos partidos nos municípios, as estratégias de campanha dos partidos, entre outros fatores.

É taxativo afirmar que eleitores não estiveram estimulados à manter suas escolhas pelo anseio de manutenção ou transformação de suas condições sociais, mas as escolhas políticas estariam dadas a partir de sua própria localização social, onde estar em uma localização social o influenciou a optar por determinado partido. Diante disso, uma análise por uma teoria sociológica do voto posiciona que mesmo que ocorra um interesse econômico nesse voto, a localização social desse eleitor tem um impacto na forma de decisão política (SOUSA; PORTÉGLIO; RIBEIRO, p.53, 2019).

Sousa, Portéglio e Ribeiro (2019), concluem o trabalho apontando que, ser beneficiário de um programa social não implica na escolha de um candidato ou partido específico. Apesar disso, os municípios com maior número de beneficiários de programas sociais foram, muitas vezes, os mesmos em que os partidos do governo obtiveram mais votos. Quando analisado os repasses de um programa específico, como o Bolsa Família, foi possível percebemos que, mesmo com o envio de recursos, isso não garante que esses municípios darão a maioria dos votos ao partido regente. No Norte do Brasil, por exemplo, houve mudanças no comportamento eleitoral. Se em 2006 os municípios com maior concentração de pessoas em situação de vulnerabilidade social votaram em grande parte no PT, em 2010 essa tendência não se repetiu.

Os autores seguem dizendo que, as teorias de individualismo metodológico e racionalidade coletiva, como as de Downs (1999) e Olson (1965), fazem sentido dentro de seus modelos teóricos. No entanto, quando aplicadas a uma sociedade real, com todas as suas particularidades como conflitos, economia, cultura e outras características que moldam indivíduos, grupos e identidades, elas acabam sendo limitadas. O que ocorre devido as teorias não conseguirem captar toda a complexidade de uma sociedade, que é influenciada por muitos outros fatores além do comportamento racional individual ou coletivo. De acordo com eles, ao aplicar métodos que podem ser considerados como parte de uma teoria sociológica sobre o comportamento eleitoral, algumas mensurações buscam superar as limitações presentes na teoria racional do voto.

Cabe ressaltar, que os autores reconhecem as limitações da teoria racional ou econômica, mas não as desqualificam enquanto uma teoria que contribui com conceitos e reflexões acerca do comportamento eleitoral. E, reforçam a ideia de que uma análise do comportamento eleitoral, quando realizada com base em marcadores que vão além do racionalismo individual, constitui um arcabouço metodológico mais robusto para o estudo desse campo.

O último trabalho analisado “Transferência de renda e voto em 2022: Jair Bolsonaro teve dividendos eleitorais do auxílio brasil?” (DAHMER, 2023), é bastante recente e tem como principal proposta analisar a relação entre a cobertura municipal do Programa Auxílio Brasil e os resultados da votação presidencial de outubro de 2022. A hipótese levantada por Dahmer (2023) é que, devido ao seu histórico, Bolsonaro não conseguiu consolidar uma base política suficientemente sólida para obter a recompensa eleitoral do PAB. Para isso, a autora utilizou a Regressão Linear Multivariada. A variável dependente é a porcentagem de votos que Jair Bolsonaro obteve nas eleições de 2022 (tanto no primeiro quanto no segundo turno), enquanto a variável independente de interesse é a porcentagem de beneficiários do Auxílio Brasil.

Como resultado da sua pesquisa, Dahmer (2023) apresenta que:

Primeiro, ao observar o Adjusted R Square que é igual a 0,951 percebe-se que que 95,1% da variação da variável dependente Votação Jair Bolsonaro 2022 (1 turno) é explicada por suas independentes Votação Jair Bolsonaro 2018 (1 turno) e Beneficiários PAB. Em segundo lugar, com relação ao efeito de cada variável na dependente, pode-se concluir que: i) para cada aumento de 1 ponto percentual na porcentagem de pessoas beneficiárias do Programa Auxílio Brasil, a votação de Jair Bolsonaro no primeiro turno das eleições presidenciais em 2022 cresce em média 0,0497 ponto percentual, levando em conta a porcentagem de votos que recebeu no primeiro turno de 2018; ii) para cada aumento de ponto percentual na porcentagem de votação de Jair Bolsonaro no primeiro turno de 2018, a sua votação no primeiro turno das eleições presidenciais em 2022 cresce em média 0,93 ponto percentual, levando em conta a porcentagem de pessoas beneficiárias do PAB. Por fim, ao observar o p-valor, é possível concluir que o efeito de cada variável independente é significativo (DAHMER, p.36-37, 2023).

De forma resumida, para cada aumento de 1 ponto percentual na porcentagem de pessoas que recebem o Auxílio Brasil, a votação de Bolsonaro no primeiro turno de 2022 aumenta em média 0, 0497 ponto percentual, considerando a votação que ele obteve em 2018. Isso indica uma perspectiva positiva, embora o efeito seja relativamente pequeno. Embora ainda seja significativo, esta primeira estimativa indica que a política social praticamente não gerou votos para Jair Bolsonaro.

Em suas considerações finais a autora argumenta que contrariando as expectativas do ex-presidente, os resultados deste trabalho mostram que Jair Bolsonaro pouco ou nada se beneficiou do Programa Auxílio Brasil nas eleições presidenciais de 2022. Isso significa que o retorno eleitoral não ocorreu de forma automática. Esses resultados corroboram a visão de Simoni Jr. (DAHMER, 2023 APUD SIMONI JR, 2022), que argumenta que, para um político colher a recompensa eleitoral de políticas públicas ele deve também ter um discurso sobre elas.  

Dahmer, ressalta que sua pesquisa também se fundamenta na teoria da escolha racional do comportamento eleitoral e, que embora essa abordagem sugira que, ao receber um benefício, o bem-estar do eleitor aumentaria e, portanto, ele recompensaria o político incumbente, existe um mecanismo mais sofisticado que enfatiza a importância da coerência. Eleitores racionais tendem a decidir seu voto com base na consistência das ações dos políticos. No caso de Jair Bolsonaro, seu histórico torna difícil a criação de um compromisso crível com os candidatos, o que impacta significativamente sua capacidade de conquistar votos a partir do Auxílio Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos três artigos selecionados destaca a complexidade do impacto das políticas públicas, em especial as de distribuição de renda, como o Bolsa Família, na escolha do voto dos eleitores. Todos os estudos analisaram o voto a partir da teoria do comportamento econômico e racional, que sugere que os eleitores recompensam os políticos responsáveis por melhorias em seu bem-estar econômico. No entanto, embora os resultados indiquem que essas políticas sociais têm impacto positivo na escolha do voto, eles também revelam que essa relação não é automática nem suficiente para explicar o comportamento eleitoral.

Os achados sugerem que o retorno eleitoral decorrente de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o Auxílio Brasil, depende de mais do que apenas benefícios materiais. No caso das eleições de 2022, por exemplo, Jair Bolsonaro, apesar de ter implementado o Auxílio Brasil, não obteve uma recompensa eleitoral expressiva. Isso demonstra que políticas públicas de distribuição de renda, por si só, não garantem sucesso eleitoral. Para que isso possa ocorrer, é necessário que o político construa um discurso consistente e se mostre comprometido com os eleitores, fortalecendo sua credibilidade.

Além disso, os estudos indicam que a teoria sociológica do voto e o contexto social possuem uma influência significativa sobre o comportamento dos eleitores. Elementos como a identidade de classe, o carisma dos candidatos, a história política e o vínculo com grupos sociais específicos também pesam de forma decisiva na escolha do voto. Isso reforça a ideia de que o comportamento eleitoral não pode ser compreendido apenas pela ótica do voto econômico. O contexto político, social e cultural em que os eleitores estão inseridos exerce um papel crucial, demonstrando que o comportamento eleitoral é resultado de uma interação entre diversos fatores, tanto econômicos quanto sociológicos.

Em síntese, embora a teoria do voto econômico forneça uma base para analisar o comportamento dos eleitores, ela sozinha não é suficiente para capturar toda a complexidade do processo decisório nas eleições. A influência de fatores sociológicos e o contexto em que os eleitores vivem são igualmente determinantes, e é na combinação dessas abordagens que se pode melhor compreender a dinâmica do voto.

REFERÊNCIAS

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1Mestranda em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual do Centro Oeste, Unicentro.
E-mail: leticia.castellari8@gmail.com