REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.11067909
Eduarda Ângelo Goes Souza1
Genneson Pereira de Menezes2
Flávio Henrique de Melo3
RESUMO
O abuso sexual como violência produz efeitos extremamente danosos na vida da vítima, desde físicos aos de cunho psicológico e moral. Quando se faz um recorte para vítimas crianças e adolescentes, tais efeitos se intensificam, uma vez que não são poucos os casos em que o agressor conviva no núcleo social e até mesmo familiar desses indivíduos. Sabendo-se que esta realidade também é vivenciada por inúmeras crianças e adolescentes no município de Porto Velho, pretende-se através deste artigo, narrar o percurso enfrentado por essas vítimas de abuso abuso sexual durante o tramitar do inquérito policial nas Delegacias Especializadas em Proteção à Criança e ao Adolescente, evidenciando a proporcionalidade existente entre a morosidade desses procedimentos apuratórios e a revitimização, isto é, a submissão desses indivíduos à um agravamento/prolongamento do sofrimento. Igualmente, busca-se trazer quais são as medidas necessárias para a preservação da segurança e integridade dessas vítimas.
Palavras chaves: crianças e adolescentes; delegacias especializadas; abuso sexual; medidas de proteção.
ABSTRACT
Sexual abuse as violence produces extremely harmful effects on the victim’s life, from physical to psychological and moral. When focusing on child and adolescent victims, these effects intensify, since there are many cases in which the aggressor lives in the social and even family nucleus of these individuals. Knowing that this reality is also experienced by countless children and adolescents in the municipality of Porto Velho, this article intends to narrate the journey faced by these victims of sexual abuse during the processing of the police investigation in the Police Stations Specialized in Protection of Child and Adolescent, highlighting the proportionality between the slowness of these investigative procedures and revictimization, that is, the submission of these individuals to a worsening/prolongation of suffering. Likewise, we intend to demonstrate the necessary measures to preserve the safety and integrity of these victims.
Keywords: children and teenagers; specialized police stations; sexual abuse; protective measures.
1 INTRODUÇÃO
O abuso sexual infantil como espécie de violência é uma das formas mais cruéis de diminuição da qualidade humana na fase inicial da vida. Negligenciado em muitos países, no Brasil especificamente, levou-se anos para que o Estado pudesse estabelecer, mediante normas e implementações de políticas públicas, um sistema minimamente voltado a amparar e solucionar tais casos. Um dos instrumentos pertencentes a esse sistema são as chamadas Delegacias Especializadas em Proteção à Criança e Adolescente (DEPCA).
Todavia, as políticas públicas direcionadas às crianças e adolescentes no nosso ordenamento jurídico, por muito tempo permaneceram inertes, sem o devido amparo a esta grande parcela da nossa sociedade que hoje representa 17,1% da população brasileira (Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). E, sob a análise no nosso contexto social, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 – CF, no artigo 227, este grupo era visto como inferior e não eram detentores de quaisquer direitos e garantias fundamentais que os amparassem. (BRASIL. Defensoria Pública do Estado do Ceará, 13 de jul. 2020).
Mas foi somente em 13 de julho de 1990 que surgiu a lei no 8.069/1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que apanhou exclusivamente os direitos e garantias exclusivas aos menores. Nesse sentido, crianças e adolescentes não eram mais considerados menores ou incapazes, ou apenas objeto de uma tutela, mas sujeitos em desenvolvimento para se tornarem protagonistas e pessoas com direitos a serem ouvidos e amparados em ações judiciais (Rodrigues, 2022).
Nesta seara, o Código Penal Brasileiro resguardou aos infantes, penalidade contra os criminosos que praticam crimes contra crianças e adolescentes, a priori crimes contra a dignidade sexual destes indivíduos. Observe o que dispõe o Código Penal: “Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.”
Entretanto, embora a legislação tenha criado uma lei para assegurar os direitos deste grupo, ocorre déficit quanto à agilidade na conclusão dos inquéritos policiais, para que posteriormente sejam realizadas a fase de instrução e julgamento destes processos. Em decorrência deste déficit, surgem falhas e brechas na legislação, que em teoria, buscam assegurar a integridade física dos infantes. Sendo importante analisar quais os motivos que geram o atraso na resolução dos inquéritos, e as consequências que essa morosidade causa na vida de crianças e adolescentes que convivem no mesmo núcleo familiar que o abusador.
Desta forma, verificou-se que as DEPCA hoje somam apenas cento e dez, em todo o território brasileiro (Brasil. Ministério dos Direitos Humanos, 2022). No entanto, especificamente na comarca de Porto Velho, no estado de Rondônia, esse número está limitado a apenas uma DEPCA com limitados recursos e poucos servidores à disposição. Devido a este fator, o combate a crimes praticados contra esta parcela da sociedade está se tornando cada vez mais prolongado.
Nesta concepção, a demora na conclusão dos inquéritos afeta, em especial, crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, o qual segundo a DEPCA de Porto Velho/RO, cerca de 1200 dos inquéritos que tratam de crimes contra os infantes, ainda estão na fase de solicitação de prazos ao Ministério Público para prorrogação de diligências, dentre eles casos de abuso sexual infantil cometidos no âmbito familiar.
Diante disso, a realidade dessas vítimas é de vulnerabilidade, visto que os infantes que convivem com o abusador, dependem da celeridade nas apurações destes inquéritos, para que sejam realizadas medidas eficazes para garantir-lhes proteção.
Destarte, torna-se imprescindível analisar quais são as medidas necessárias para resguardar a segurança de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual infantil que coabitam com o abusador no município de Porto Velho/RO enquanto os casos ainda estão na fase inquisitorial do processo, bem como, efetividade das medidas de proteção a estes infantes, com o fito de proteger a integridade física, psicológica e sexual, enquanto perdurar a fase inquisitorial.
Para isso, deve-se identificar as medidas de proteções eficazes a iminente vulnerabilidade das vítimas de abuso sexual infantil no ambiente doméstico, enquanto o processo ainda está na fase inquisitorial e pontuar a importância das DEPCA, e o consequente impacto de poucas quantidades de delegacias e servidores que combatem essas violações aos direitos deste seleto grupo, para que haja a devida efetividade e celeridade na investigação nos casos de abuso sexual infantil, a fim de que as medidas que asseguram a proteção a esses público-alvo sejam eficazes.
Logo, abordar sobre a importância de políticas públicas para combater o déficit de servidores na delegacia do município de Porto Velho é medida essencial. Visto que a morosidade na conclusão de inquéritos policiais, afetam diretamente os infantes vítimas de abusos sexuais, dado que enquanto a fase inquisitorial ocorrer por meses ou anos, crianças e adolescente continuarão sendo vítimas e estarão à mercê dos abusadores uma vez que estará dentro do seu núcleo familiar. É imprescindível que os direitos desses grupos sejam resguardados.
2 MATERIAL E MÉTODO
A extrema importância do tema relativo à proteção da criança e do adolescente em todos os seus aspectos, especialmente quanto à sua integridade sexual, tem instigado, ao longo dos anos, a produção de obras jurídicas e antropológicas, as quais buscam analisar e, por vezes, criticar, a forma com que o Estado lida com essa realidade.
É cediço que, em que pese exista no sistema legislativo brasileiro, normas que visem salvaguardar diversos direitos inerentes a essa parte vulnerável da sociedade, e que existem políticas públicas e instrumentos jurídicos instalados e em funcionamento, estatisticamente é possível notar a considerável inefetividade, vez que, no dia a dia, não são capazes de proteger de forma plena e trazer uma solução definitiva com a celeridade que o tema requer.
Buscando afunilar o imbróglio à circunscrição do município de Porto Velho, em especial à atuação das DEPCA, traremos uma revisão de literatura, de forma a interligar as análises e críticas feitas pelos autores selecionados e a realidade experienciada no cenário portovelhense.
O principal objetivo da presente revisão de literatura é sinalizar a importância das delegacias especializadas como instrumento estatal de tutela das crianças e dos adolescentes que se encontram na condição de vítimas, assim como, paralelamente, traçar críticas às lacunas existentes na sua gestão, assim como na condução dos casos que chegam até suas unidades, a fim de questionar a sistemática adotada e os possíveis aprimoramentos a serem feitos para que atinja os fins a que se propõe com efetividade.
Os dados e as informações referentes ao funcionamento das delegacias especializadas, dos trâmites dos inquéritos policiais, das ações judiciais e das medidas concedidas nos casos que envolvem abuso ou violência contra crianças e adolescentes foram diretamente coletados mediante pesquisa, frisando-se que nenhum dado pessoal ou sigiloso será apresentado, em consonância com o que dispõe a Lei nº 13.709/2018, também conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
3 RESULTADOS
A pesquisa qualitativa foi conduzida por meio da análise de artigos científicos sobre temas correlatos, bem como de informações oriundas de páginas oficiais de entidades governamentais, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, e órgãos nacionais, a exemplo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Adicionalmente, foram consultados materiais de doutrinadores e notícias do município de Porto Velho/RO.
Como resultados realizados a partir desta pesquisa, constatou-se uma deficiência na DEPCA no que tange ao número de servidores e à adequação do ambiente físico. Notou-se um acúmulo significativo de processos pendentes de análise ao longo dos anos.
Além disso, observou-se que a escassez de investimentos públicos na DEPCA repercute negativamente nas vítimas, prolongando o período de vulnerabilidade e ausência de proteção estatal adequada. Embora as normas e leis vigentes no ordenamento jurídico brasileiro sejam eficazes em teoria para garantir medidas de proteção, na prática, essas medidas não alcançam todas as crianças e adolescentes, dada a realidade enfrentada pela delegacia especializada de Porto Velho/RO.
4 DISCUSSÃO
4.1 O abuso sexual infantil como uma problemática histórica
A violência é um problema que persegue a humanidade desde as primeiras civilizações, submetendo os indivíduos a uma situação permanente de medo, angústia e vulnerabilidade quanto ao comportamento do outro enquanto integrantes da sociedade. Visando amenizar tais efeitos, estabeleceram-se ao longo do tempo sistemas legislativos voltados a criarem normas restritivas e punitivas a quem quer que atentasse contra o equilíbrio social. No entanto, é visível que durante essa evolução, nem todas as classes de indivíduos viam-se agraciadas pela tutela estatal, ficando à mercê da própria sorte.
Em uma ótica voltada para a proteção à integridade sexual de crianças e adolescentes, a gradualidade na expansão da tutela legislativa abriu espaço para que durante séculos, violências fossem acometidas a essa classe, que por muito tempo era vista como sub-humana. No Brasil, tais direitos só foram constitucionalizados, pela primeira vez, em 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal.
O reconhecido artigo 227 estabeleceu de uma vez só em seu texto, diversos deveres estatais voltados à salvaguarda da criança e do adolescente, inclusive com ampla aplicabilidade na proteção da dignidade e incolumidade sexual desses indivíduos, salientando que a partir daquele ponto na história do Brasil, seriam eles vistos como prioridade absoluta.
Por outro lado, se analisarmos o percurso histórico, veremos que o abuso sexual infanto-juvenil foi tido como normal por muitos povos na antiguidade, uma vez que para alguns deles inexistia distinção entre crianças e adultos, a exemplo da sociedade espartana. Já na idade média, esses indivíduos eram vítimas corriqueiras de punições crueis e violência (Gonçalves, 2021). Portanto, é notável que em muitas regiões do planeta, aspectos como cultura e religião influenciaram e ainda influenciam no olhar que se tem sobre cada classe de pessoas e suas funções e direitos dentro da sociedade.
No cenário brasileiro, segundo Azambuja (2006), os primeiros retratos de abuso sexual se deram logo no período colonial, iniciando com o envio das embarcações de Portugal tripuladas por homens e crianças órfãs, que eram violentadas sexualmente. Alguns séculos depois, em 1927, o Brasil promulgou o primeiro Código de Menores, em que se estabeleceu a idade de 18 anos como mínima para a prisão. Tal avanço se deu em decorrência da negativa repercussão do caso do menino Bernardino, engraxate de 12 anos, o qual foi enviado para a prisão por sujar um cliente de tinta que se recusou a pagar pelo serviço. No cárcere, Bernardino foi violentado por 20 adultos. Surtindo reflexos no Congresso, promulgou-se então, em 12 de outubro (Dia das Crianças) de 1927, o Código de Menores, considerado a primeira legislação específica brasileira para crianças e adolescentes.
É cediço que, embora outros instrumentos internacionais tenham tentado anteriormente prever alguns direitos humanos voltados às crianças e aos adolescentes, a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1990 foi o primeiro a tratar de forma abrangente e articulada, acerca de aspectos econômicos, culturais, políticos e sociais, os quais são de grande importância. De igual modo, tal Convenção concedeu a esses indivíduos status não somente de tutelados, mas também de detentores de poder e autonomia.
Embora os diversos avanços em termos de direitos e garantias nos cenários global e nacional, nota-se que a triste realidade de violência contra crianças e adolescentes subsiste em diversas localidades, seja em países que insistem em permanecer negligenciando tal problemática, seja, mesmo dentro do Brasil, país conhecido por sua legislação garantista, nas remotas regiões interioranas, em que a mão estatal encontra dificuldade de adentrar, tornando-se terra sem lei.
4.2 Delegacias especializadas na proteção de crianças e adolescentes instrumento de tutela estatal, sua importância e entraves em sua atuação
A DEPCA é um instrumento fundamental da tutela estatal, desempenhando um papel crucial no combate a crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes. No entanto, as delegacias especializadas enfrentam vários desafios em sua atuação. A falta de investimentos por parte da segurança pública é um dos principais obstáculos, resultando na falta de servidores públicos, infraestrutura inadequada e falta de recursos para que as investigações sejam realizadas com celeridade.
Esses fatores podem levar ao atraso na apuração e conclusão de casos, o que pode resultar na impunidade dos agressores, e consequentemente, aumentar a vulnerabilidade das crianças e adolescentes que coabitam com os abusadores.
Em suma, as DEPCAs são essenciais para a proteção dos direitos das crianças. No entanto, para que possam desempenhar seu papel de maneira eficaz, é necessário um investimento adequado e contínuo por parte do Estado. Pois, segundo Bodziak (2020), é necessário, ainda, gestores sensíveis e comprometidos com uma causa complexa como da infância e juventude, com a destinação de recursos públicos na proporção prevista na lei, para o desenvolvimento de políticas públicas adequadas.
Mediante a alocação de recurso adequados, essas delegacias podem se tornar o meio de segurança e justiça para as crianças e adolescentes mais vulneráveis da sociedade, uma vez que, segundo Sá Sotto Maior Neto (2020):
Lugar de criança é na família (principal agência de socialização do ser humano e espaço de afeto fundamental para o desenvolvimento sadio), na escola (local de desenvolvimento pessoal, capacitação ao trabalho e preparo para o exercício da cidadania) e, principalmente, nos orçamentos públicos (porque de nada valem os melhores discursos se, nas leis orçamentárias, não houver a destinação dos recursos necessários à implementação da política formulada).
Portanto, é imprescindível que o Estado cumpra seu dever institucional intransferível de assegurar os direitos e promover o bem-estar social de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias. Isso se torna ainda mais crucial quando se trata de proteger os direitos das vítimas de abuso sexual infantil. Nesse contexto, as delegacias especializadas desempenharam um papel basilar como alicerce dessa garantia, mas para isso, é fundamental investimentos orçamentários a fim de concretizar na prática a mudança de uma cultura que se perpassou ao longo das décadas.
4.3 Uma análise da realidade dos procedimentos criminais de abuso sexual de crianças e adolescentes no cenário portovelhense e os reflexos/impactos na vida dessas vítimas
A criança e o adolescente, sob uma ótica constitucional, são detentores natos de um rol de direitos fundamentais, dentre eles à dignidade, ao respeito, à liberdade e convivência familiar e comunitária, assim como é posto ao Estado, como tutor, o dever de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, tudo isso a par do que dispõe o art. 127 da Carta Constitucional.
Sob um enfoque processualista, no entanto, os crimes contra crianças ou adolescentes recebem a mesma proteção especial, ficando este a cargo do Ministério Público, detentor da capacidade de perquirir investigação e realizar denúncias perante o Poder Judiciário mediante as Ações Penais Públicas.
É notável, portanto, que tais direitos devem ser observados para além da realidade diária desses indivíduos, fazendo-se presentes de maneira indispensável nos processos no qual figurem como vítimas.
Conforme Soares (2008, p. 68), em uma análise sobre o devido processo legal e a sistemática dos direitos humanos da vítima:
O exame do sentido e alcance da cláusula do due process of law, em suas acepções procedimental e substantiva, não pode ser apartado da investigação sobre o significado ético-jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana. Isto porque o devido processo legal se afigura como uma das projeções principiológicas da cláusula mais genérica da dignidade da pessoa humana, despontando como um instrumento capaz de materializar e tutelar, nas lides concretas, o respeito à existência digna, síntese da imensa totalidade dos direitos fundamentais do cidadão.
De uma forma generalizada, o autor tenta demonstrar que o devido processo legal é uma garantia das partes no processo, devendo ser resguardado e aplicado em seu potencial. Salienta ainda, que é um dever estatal promover o acesso aos direitos humanos positivos, diante de qualquer lesão ou ameaça de lesão por parte de terceiros, haja vista deter o poderio da tutela dos direitos fundamentais de cada indivíduo.
Considerando essa perspectiva, a proteção à integridade física, moral e psicológica de crianças e adolescentes encontra-se a cargo, como já mencionado, de estruturas do Estado, de forma que existe todo um aparato, com procedimentos específicos, pelos quais os casos referentes a esses indivíduos tramitarão.
Em relação aos crimes sexuais contra a criança e o adolescente, o primeiro passo ocorre na comunicação do caso às autoridades competentes, o que pode ser feito mediante denúncia anônima, registro de boletim de ocorrência na delegacia, ou mediante notícia de fato no Ministério Público, feitas por qualquer pessoa que tenha conhecimento do fato.
Nesse sentido, são também perfeitamente legitimados para comunicar, as instituições de ensino e os Conselhos Tutelares, este último encarregado do atendimento social e de saúde dessas vítimas. Entretanto, as medidas efetivamente voltadas a um resguardo da vítima e deslinde dos crimes sexuais contra crianças e adolescentes são de responsabilidade da DEPCA.
No âmbito do município de Porto Velho, após a comunicação do caso à DEPCA, a criança ou o adolescente e eventuais testemunhas serão ouvidos, obrigatoriamente por profissionais capacitados e em ambiente acolhedor, buscando-se com isso evitar a revitimização da vítima que já se encontra fragilizada, nos termos da lei n° 13.431/17 (Lei da Escuta Protegida).
Após a realização de exames e coleta de possíveis materiais que servirão de prova autoria e materialidade para o inquérito policial, este é instaurado. É imperioso frisar que por se tratar de caso complexo, muitas das vezes envolvendo indivíduos que convivem juntos, as investigações são promovidas de maneira mais cautelosa, entretanto, por vezes demorada, o que traz certo grau de risco, como, por exemplo, a manutenção das lesões à criança ou ao adolescente.
Na Promotoria da Infância e Juventude, ao receber os processos judiciais eletronicamente, tanto o promotor de justiça quanto a assistente os analisam e se manifestam dentro do prazo estabelecido no sistema. Entretanto, surge um problema quando são recebidos processos eletrônicos e físicos (inquéritos policiais). Isso ocorre porque a quantidade de processos recebidos pelo Ministério Público é elevada, pois, assim como existe apenas uma delegacia especializada para apurar crimes contra crianças e adolescente, também, há apenas uma promotoria responsável para analisar os processos contra as vítimas.
Deste modo, devido ao pouco número de servidores para apurar mais de 1200 inquéritos, os físicos acabam não sendo prioridade, uma vez que os processos eletrônicos são priorizados em decorrência dos prazos estabelecidos. Tal situação prejudica no andamento dos inquéritos que ainda estão em sua forma física, bem como, gera um acúmulo de processos parados tanto nas delegacias como no órgão ministerial.
4.4 Verificação das ferramentas de proteção já existentes e os possíveis melhoramentos para a efetividade nos atendimentos dos casos de assédio sexual de crianças e adolescentes
É importante fazer menção ao que preceitua a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança em seu artigo 19:
1. Os Estados Partes devem adotar todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, ofensas ou abusos, negligência ou tratamento displicente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do tutor legal ou de qualquer outra pessoa responsável por ela.
2. Essas medidas de proteção devem incluir, quando cabível, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais visando ao provimento do apoio necessário para a criança e as pessoas responsáveis por ela, bem como para outras formas de prevenção, e para identificação, notificação, transferência para uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos de maus-tratos mencionados acima e, quando cabível, para intervenção judiciária.
Verifica-se que existe, desde 1990, o comprometimento internacional do Estado brasileiro em propiciar meios e ferramentas eficazes de salvaguarda da integridade física e psicológica das crianças, inclusive nos casos de abuso sexual. Ocorre que, inegavelmente, embora as inúmeras implementações ocorridas ao longo dos anos, é perceptível que ainda existem lacunas no atendimento desses indivíduos enquanto vítimas, o que torna ainda mais doloroso e danoso o percurso iniciado após a ocorrência do fato delitivo e o início do processo de investigação e punição do agente agressor.
Outro instituto legislativo formulado para corroborar com o cumprimento das garantias das crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência é a Lei nº 13.431/2017 (Lei da Escuta Protegida). Aqui, o legislador buscou constituir maneiras de aprimorar a proteção destinada a esses indivíduos, dentre as quais pode-se citar as seguintes:
Art. 21. Constatado que a criança ou o adolescente está em risco, a autoridade policial requisitará à autoridade judicial responsável, em qualquer momento dos procedimentos de investigação e responsabilização dos suspeitos, as medidas de proteção pertinentes, entre as quais:
I – evitar o contato direto da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência com o suposto autor da violência;
II – solicitar o afastamento cautelar do investigado da residência ou local de convivência, em se tratando de pessoa que tenha contato com a criança ou o adolescente;
III – requerer a prisão preventiva do investigado, quando houver suficientes indícios de ameaça à criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência;
IV – solicitar aos órgãos socioassistenciais a inclusão da vítima e de sua família nos atendimentos a que têm direito;
V – requerer a inclusão da criança ou do adolescente em programa de proteção a vítimas ou testemunhas ameaçadas; e
VI – representar ao Ministério Público para que proponha ação cautelar de antecipação de prova, resguardados os pressupostos legais e as garantias previstas no art. 5º desta Lei, sempre que a demora possa causar prejuízo ao desenvolvimento da criança ou do adolescente.
Observa-se, ainda, que a Constituição Federal garante que o Estado deve assegurar à família mecanismos que coíbam a violência no âmbito familiar, nos termos do artigo 226, §8. Assim, o sistema jurisdicional brasileiro criou mecânicos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, através da lei nº 14.344/2022 (Lei Henry Borel), por meio desta lei, as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual (ou qualquer outra violência) possuem a garantia, assistência e proteção, tais quais:
Art. 7º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, para a criança e o adolescente em situação de violência doméstica e familiar, no limite das respectivas competências e de acordo com o art. 88 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente):
I – centros de atendimento integral e multidisciplinar;
II – espaços para acolhimento familiar e institucional e programas de apadrinhamento;
III – delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados;
IV- programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;
V – centros de educação e de reabilitação para os agressores.
Além disso, garante proteção às vítimas por meio de Medidas Protetivas de Urgência que obrigam o agressor a cumprir as determinações legais previstas na supracitada lei, vejamos o dispositivo:
Art. 20. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente nos termos desta Lei, o juiz poderá determinar ao agressor, de imediato, em conjunto ou separadamente, a aplicação das seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I – a suspensão da posse ou a restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II – o afastamento do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima;
III – a proibição de aproximação da vítima, de seus familiares, das testemunhas e de noticiantes ou denunciantes, com a fixação do limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
IV – a vedação de contato com a vítima, com seus familiares, com testemunhas e com noticiantes ou denunciantes, por qualquer meio de comunicação;
V – a proibição de frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da criança ou do adolescente, respeitadas as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
VI – a restrição ou a suspensão de visitas à criança ou ao adolescente;
VII – a prestação de alimentos provisionais ou provisórios;
VIII – o comparecimento a programas de recuperação e reeducação; IX – o acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Em conclusão, é evidente que o Brasil tem se esforçado para cumprir seus compromissos através da implementação de novas normas e leis para proteger as crianças e adolescentes de todas as formas de violência. A legislação e as medidas adotadas refletem o empenho incessante em aprimorar a salvaguarda e o suporte a esses sujeitos vulneráveis. Contudo, persistem desafios que devem ser enfrentados para assegurar a proteção e assistência efetivas a toda criança e adolescente após vivenciarem situações traumáticas. É de suma importância que o Estado persista na avaliação e refinamento de suas diretrizes e procedimentos, com o objetivo de prevenir que qualquer menor seja negligenciado.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, após percorrer mediante análise dos importantes pontos que circundam o abuso sexual de crianças e adolescentes no núcleo familiar, desde sua apresentação ao longo da história humana, passando pela importante atuação das delegacias especializadas e um breve detalhamento acerca da realidade dos procedimentos de apuração desses crimes, conseguimos estabelecer uma ligação entre a morosidade existente no desenrolar dos inquéritos policiais e a acentuação dos riscos às vítimas.
A morosidade, em todos os tipos de investigações e processos judiciais é vista como negativa, visto que quando se busca a assistência do Estado para que atue no caso, espera-se que seja apresentada uma resolução o mais breve possível. Partindo dessa perspectiva, como já mencionado, a violência sexual intrafamiliar encontra terreno fértil nessa falha da atuação estatal, uma vez que, até que se consiga colher todas as provas de que a conduta criminosa foi realizada por um ente familiar, a criança ou adolescente permanecerão expostos à companhia diária do pretenso agressor.
Sabe-se, portanto, que as medidas protetivas concedidas de imediato nas delegacias, que atualmente são estendidas às crianças vítimas de agressão, em que se engloba o abuso sexual, são eficientes, no entanto, ainda enfrentam desafios significativos na implementação prática. A falta de recursos, a sobrecarga de trabalho e a falta de treinamento adequado podem impedir que essas medidas sejam aplicadas de maneira eficaz e oportuna.
Além disso, a falta de conscientização e compreensão sobre a gravidade e a prevalência do abuso sexual intrafamiliar pode levar a uma subnotificação desses crimes, o que por sua vez, impede a aplicação efetiva das medidas protetivas. Portanto, é imperativo que sejam feitos esforços contínuos para melhorar a eficácia das medidas protetivas e acelerar o processo de investigação e julgamento desses casos, a fim de proteger adequadamente as vítimas e prevenir futuros abusos.
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança?. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/1022>. Acesso em 13 abr. 2024.
BRASIL. Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/20786-perfil-das-criancas-brasilei ras.html. Acesso em: 02 out. 2023.
BRASIL. Constituição da República Federativa (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 set. 2023.
CEARÁ. Defensoria Pública do Estado. Trinta anos do Eca: O que mudou para Crianças a adolescentes brasileiros. Disponível em: https://www.defensoria.ce.def.br/noticia/trinta-anos-do-eca-o-que-mudou-para-crianc as-a-adolescentes-brasileiros/. Acesso em: 15 fev. 2024.
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Brasil tem apenas 110 delegacias especializadas em crimes contra crianças e adolescentes. Disponível gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2021/abril/brasil-tem-apenas-110-dele gacias-especializadas-em-crimes-contra-criancas-e-adolescentes. Acesso em: 08 set. 2023.
GONÇALVES, Natamy de Almeida. DIAS, Camila Santos. Abuso sexual infantil: aspectos históricos, legais e os prejuízos para o desenvolvimento infantil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 09, Vol. 01, pp. 183-208. Setembro de 2021. Acesso em: 07 abr. 2024.
LOPES, Beth Nia Rodrigues. Violência sexual no ambito Familiar contra crianças e adolescentes. Disponível em: https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/violencia-sexual-no-ambito-familiar -contra-criancas-adolescente.htm. Acesso em: 11 jan. 2023.
OLIVEIRA, I. S. de. Trajetória Histórica do Abuso Sexual Contra Criança e Adolescente. UniCEUB: Brasília. 2006. Professor-orientador: Dr. Maurício Neubern. Acesso em: 13 abr. 2024.
PARANÁ. Ministério Público. Aos 30 anos, ECA enfrenta desafios para sua efetiva implementação. Disponível em: https://mppr.mp.br/Noticia/Aos-30-anos-ECA-enfrenta-desafios-para-sua-efetiva-impl ementacao. Acesso em: 13 abr. 2024.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Promulgada em 13 de julho de 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 08 set. 2023.
RODRIGUES. Milena. A doutrina do defensor da criança. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-doutrina-do-defensor-da-crianca/1722649941. Acesso em: 03 dez. 2023.
RONDONOTÍCIAS. Crimes sexuais contra crianças e adolescentes têm mais de 1200 inquéritos instaurados. Disponível em: https://rondonoticias.com.br/noticia/geral/104269/crimes-sexuais-contra-criancas-e-a dolescentes-chega-a-mais-de-1200-inqueritos-na-capital. Acesso em: 08 set. 2023.
TEMER, Luciana. Violência sexual infantil: aumentaram os casos ou as denúncias. In: Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, p. 204-213,2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em: 09 jan. 2024.
1 Acadêmico de Direito. E-mail: eduarda.angelo1@gmail.com. Artigo apresentado ao Centro Universitário Aparício Carvalho, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
2 Acadêmico de Direito. E-mail: gennesonmenezes12@gmail.com. Artigo apresentado ao Centro Universitário Aparício Carvalho, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
3 Professor Orientador. Professor do curso de Direito. E-mail: flavio.henrique@fimca.com.br. Doutor em Ciências Jurídicas pela UNIVALI/SC em parceria com a FCR/RO. Mestrado em Poder Judiciário pela FGV/RJ. MBA em Poder Judiciário pela FGV/RJ. Especialista em Direito Constitucional e Eleitoral pela PUC/GO. Graduação em Direito pela PUC/GO (2000). Atualmente é JUIZ DE DIREITO AUXILIAR de 3ª entrância, Comarca de Porto Velho/RO – Poder Judiciário do Estado de Rondônia. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.