O FAZER PEDAGÓGICO NO SÉCULO XXI BASEADO EM UM CURRÍCULO PARA AS COMPETÊNCIAS, EM ESCOLAS INTEGRAIS PARAIBANAS: CONCEITOS EM TORNO DO CURRÍCULO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12735092


Paulo Célio Ramos Soares[1]


Para Início de Conversa

O século XXI têm exigido cada vez mais do trabalho docente o desenvolvimento de competências, tanto dos discentes quanto dos próprios educadores. Trabalhar em meio a globalização da informação, bombardeado por inúmeras inovações ou avanços tecnológicos faz parte de uma rotina em que todo educador e educadora pertence. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz como grande inovação competências gerais e específicas a serem desenvolvidas durante a educação básica, contraditório, até o momento, com a formação inicial ofertada aos futuros discentes.

Em meio a este cenário surgem muitas inquietações sobre o fazer docente, uma base diversificada em que exige do docente para além de sua formação, com disciplinas com pouco nexo às realidades escolares. O currículo nunca foi tão questionado quanto na atualidade, necessitando ser debatido por todos aqueles que fazem parte da comunidade escolar. Não apenas pensar em conteúdos, mas não ignorar o currículo oculto, assim como não se pode esquecer o contexto social, histórico e econômico dos atores atuantes do contexto de cada instituição em que tal currículo será aplicado.

A educação surge de um processo de transformação entre o ser humano e a natureza e do próprio ser, em que os indivíduos “na medida em que se deparam com a realidade, transformando-a e transformando-se, os indivíduos se educam no processo comunicativo entre os sujeitos, mais uma vez transformam-se” (DA SILVA, 2020, p. 21). Posto isso, podemos afirmar que a cultura faz parte do fazer pedagógico, já que a educação é central no processo político das relações sociais.

Como ensinar competências digitais a estudantes que não possuem acesso a computadores, celulares ou similares? Como ensinar competências de autonomia e responsabilidade a discentes que têm medo de falar motivado pelo seu contexto social e familiar? Como ser um educador que inspira um projeto de vida a pessoas sem esperança? Estas inquietações precisam ser debatidas no ambiente escolar e fora dele, para que se encontre meios de tornar o currículo real, próximo do contexto educacional.

Neste sentido iremos, neste artigo, debater sobre currículo em transformação, em constante dinâmica. Discutir conceitos de currículo e a definição que me proponho a colocar e seguir pela minha prática docente, recorrendo às leis nacionais, colocando a visão de vários autores.

O tema currículo é de grande importância, pois as escolas – independente do modelo- se organizam tendo como norte o currículo. Um instrumento que deve ser amplamente discutido pela equipe pedagógica escolar, considerando, inclusive, a dimensão oculta que permeia a noção de currículo.

Sendo o currículo “uma relação política situada em um contexto histórico, é uma relação de poder” (Soares, 2023, p. 12). Podemos afirmar ser o currículo um instrumento pensado em um determinado tempo e espaço, construído por seres culturais e históricos, não podendo ser confundido com uma listagem de conteúdo a serem ministrados, formulário de passo-a-passo de metodologias a serem implantadas.

Ao refletir sobre a educação brasileira, num processo histórico e a atualidade, Soares (2023, p.13) cita Candau (2011, p. 245) ao afirmar ser muito presente na educação nacional a ideia de que “a cultura escolar continua fortemente marcada pela lógica de homogeneização e da uniformização das estratégias pedagógicas”.

O currículo tem sua origem como sendo um plano de estudos, uma lista de conteúdos a se ensinar, conforme Sacristán (2013, p 17) o “currículo a ensinaré uma seleção organizada dos conteúdos a aprender, os quais por sua vez, regularão a prática didática que se desenvolve durante a escolaridade”.

O currículo traz mais do que conteúdos, deve pensar sobre as opções que são tomadas, as estratégias metodológicas, ponderar sobre o sentido do que se faz e para que fazemos, é planejar avaliação do processo, encontrar mecanismos que proporcionem uma aprendizagem significativa; considera a dimensão entre o ser e o deve ser e a dimensão do desenvolvimento, não pode, portanto, se resumir a uma lista ou a um cronograma irrefletido; devendo ser um diálogo entre os atores escolares, por isto Sacristán (2013, p. 23) afirma que o currículo “não é algo neutro, universal e imóvel, mas um território controverso e mesmo conflituoso a respeito do qual se tomam decisões, são feitas opções e se age de acordo com orientações que não são as únicas possíveis”.

Pensando em Currículo

Existem muitas teorias do currículo, Chaves e Alencar (2015, p. 2 citado por Soares, 2020, p. 361) alerta que:

Da tradicional ao pós-crítico, as teorias do currículo partilham a mesma preocupação, ou seja, as questões de poder. Dessa maneira, vão ser as ligações entre significados, identidade e poder que passam a ser vivenciadas. O currículo sempre é visto com um olhar de inocência porque não há a preocupação de questionar suas origens e suas motivações ocultas.

O currículo é um debate, deve ser uma prática dialogada como defende tantos autores, como Tomaz Tadeu da Silva (2019), Libâneo (2013), Freire (2021) e o protagonismo defendido pelo modelo de escola integral.

Soares (2020) discorre sobre as diferentes teorias do currículo, elencando que a teoria tradicional não se preocupa em problematizar as temáticas, sendo um “currículo capitalista “, que reproduz a ideologia dominante, nas palavras freirianas, a ideologia do opressor. Quando as teorias críticas, surgidas nos anos de 1960, através de movimentos sociais, contesta o tecnicismo e o taylorismo. Por fim, as teorias pós-críticas que se colocam a favor do progresso cultural e histórico, teorias que visam um currículo multicultural, multiétnico, que sugere diálogo entre as culturas e suas manifestações.

Além de pensar em currículo, também pensamos em tendências pedagógicas que influenciam o fazer pedagógico, que no Brasil, de acordo com Soares (2020, p. 363), existem duas, a saber

Uma pedagogia classificada de liberal acoplada ao desenvolvimento do liberalismo na sociedade moderna capitalista; e a outra classificada como progressista que rejeita a individualidade e incentiva a cultura e a coletividade, obtida como resultado da inquietação de movimentos de educadores após 1960.

Pelas necessidades da sociedade, falamos em metodologias ativas, didática ativa para atender as expectativas dos alunos e desenvolver as habilidades e competências para a vida plena em sociedade, uma teoria importante sobre esta didática é a teoria de Mattos explicada por Libâneo (1994, p. 67 citado por Soares, 2020, p. 364), é a teoria do Ciclo docente, que é um método didático posto em ação.

O ciclo docente, abrangendo as fases de planejamento, orientação e controle da aprendizagem e suas subfases, é definido como conjunto de atividades exercidas, em sucessão ou ciclicamente, pelo professor, para dirigir e orientar o processo de aprendizagem dos seus alunos, levando-o a um bom termo. É o método em ação.

Como podemos perceber, a teoria do Ciclo docente, é uma prática em ação, que oportuniza o nivelamento da turma, de maneira cíclica vai realizando atividades que vão desenvolvendo, no educando, as habilidades de aprendizagem necessárias para o bom desempenho global do mesmo. Por ser intermitente este método deve ir suprindo às lacunas deixadas no processo, sem excluir discentes com maior dificuldade de aprendizagem.

As tendências liberais e suas tendências, para Soares (2020, p. 365) não “significam um avanço à educação, uma abertura social, visto que em sua proposta há divulgação de ideologia, uma reprodução principalmente nos currículos tradicionais”; o que recairia no complexo do oprimido, conforme Freire (2021).

Podemos encontrar as ideias freirianas e no modelo ECI (pelo menos teoricamente) nas tendências progressistas, principalmente na pedagogia libertadora. Nas escolas cidadãs e integrais vemos que ainda existe muito do tradicionalismo em sua rotina, não que o tradicional seja de todo ruim, mas está velado a ideologia neoliberal e do mercado capitalista na avaliação, principalmente, na formação das salas de aula, nas aulas muito expositivas, no plano de aula cronometrado, na confusão entre escola integral e escola em tempo integral (na Paraíba), por exemplo.

Apesar destes inconvenientes, a escola integral está em processo para aplicar as tendências progressistas, sendo a educação progressista aquela que:

Considera o indivíduo como ser que constrói a sua própria história. Sua metodologia consiste no desenvolvimento de atividades de ensino que consideram o aluno como centro do processo ensino-aprendizagem. Os interesses, temas e problemas do cotidiano do aluno passam a fazer parte do conteúdo ensinado. O conteúdo deve ir além da definição, classificação e descrição; o professor deve explicitar a realidade social, de modo a demonstrar noções e preconceitos que dificultam autonomia cultural. Sobrinho (2015, p. 5 citado por SOARES, 2020, p. 366)

O currículo surge nos anos 1920 nos EUA, momento de muitas mudanças na sociedade, do ponto de vista econômico, com a dinâmica da industrialização. Silva (2019, p. 13), afirma que foi Bobbitt que iniciou a sistematizar o estudo das teorias de currículo, e que possuía como visões sobre currículo a ideia de ser uma racionalização de resultados; via a escola como modelo institucional baseado em fábrica; o currículo deveria especificar objetivos, procedimentos e métodos visando resultados mensuráveis, sendo, pois, um processo industrial e administrativo.

A questão nuclear das teorias do currículo é, para Silva (2019), qual conhecimento deve ser ensinado em todos os contextos históricos em que se pensaram estas teorias, o mesmo autor irá esclarecer que “o currículo é sempre o resultado de uma seleção(…) um currículo busca precisamente modificar as pessoas que vão ‘seguir o currículo’ (…) além de uma questão de conhecimento, o currículo é uma questão de identidade” (p. 15).

No quadro abaixo, descrevo algumas diferenças entre as teorias tradicionais e as teorias críticas e pós-críticas de currículo.

Quadro. Diferenças entre as teorias críticas e pós-críticas de currículo

Teorias tradicionaisTeorias críticas e pós-críticas
São teorias ditas neutras, científicas e desinteressadas.Afirmam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas, são implicadas em relações de PODER.
Se concentram em questões técnicas, aceitam o status quo, se preocupam com questões de organização, se limitam a responder “o quê” ensinar e fazer.Se baseiam em um constante questionamento sobre o “quê”, indagam “Por que esse conhecimento e não outro?”; se preocupam com as conexões entre saber, identidade e poder.

Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em Silva (2019)

No ano de 1918 Bobbitt escreveu a obra “The Curriculum” que estabelece o currículo como campo especializado. Ele propunha que a escola funcionasse da mesma forma que uma empresa comercial; possuindo, assim, a ideia de currículo como eficiência, inspirado na organização taylorista.

É importante frisar que as mudanças nas teorias de currículo seguem as mudanças socias, a história das lutas de classe, os movimentos sociais e políticos influenciam diretamente a visão de currículo. Como por exemplo, as mudanças sociais da década de 1960 em que surgem livros, ensaios e teorias que criticam a ameaçam a veracidade do modelo tradicional nas escolas (Silva, 2019, p. 29).

O currículo quando refletido além dos conteúdos deve ser capaz de instrumentalizar os educadores na visão de uma educação integral que auxiliará no desenvolvimento para além da dimensão intelectual, que proporcione a pedagogia da autonomia freiriana no sentido de ser o indivíduo capaz de tomar decisões baseadas em seu conhecimento e suas críticas ao mundo. Sacristán (2013) assevera que um currículo assim possui elementos bem determinados, que sejam os fins, objetivos ou motivos; ações e atividades desenvolvidas; e, por fim, resultados.

Existem campos sociais que influenciam o debate sobre currículo, segundo Apple (1986, 1989, 1996 citado por SACRISTÁN, 2013, p. 29) “o currículo é um campo de batalha que reflete outras lutas cooperativas, políticas, econômicas, religiosas, de identidade, culturais, etc”.

Não há como o conhecimento escolar ser homogêneo, pois atende uma diversidade de indivíduos com peculiaridades únicas, culturas distintas, formas de compreender o mundo, o currículo é, pois, um campo conflituoso e por este motivo o conhecimento a ser trabalhado também é; conflitos estes do campo político, econômico, cultural, social, identitário, dentre outros (SACRISTÁN, 2013).

O conhecimento escolar deve considerar o conhecimento de mundo do educando, deve dialogar com sua cultura (externa aos muros escolares), a educação não pode ser bancária, como defendia Paulo Freire; e mais, “todo conhecimento escolar deve considerar as concepções prévias do aluno, as representações culturais, os significados populares próprios do estudante como membro de uma cultura real e externa à escola” (SACRISTÁN, 2013, p. 32).

Debatendo a Teoria

A carta magna brasileira assegura em seu artigo 205 que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Brasil, 2016, p.123).

A escola pública precisa ser democrática, mas como torná-la de fato democrática? Soares (2023) discorre sobre esta indagação, baseado em Libâneo (2013), elencando três fatores complementares, entre si, que sejam o de orientar ações sobre os princípios da diversidade e da igualdade – temas que não podem ser menosprezados-, a escola precisa refletir como desenvolver as habilidades intelectuais, nos indivíduos, em uma relação dialogada entre sociedade e indivíduo; por fim, a compreensão de uma educação não bancária, como defende Freire (2021), superando a ideia de educação como transmissão de conteúdo.

O modelo de escola integral discute muito sobre protagonismo juvenil, amparado pelo artigo 22 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n º 9394/96) em que afirma a educação básica ter “por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Brasil, 2017, p. 17).

Nas escolas integrais podemos observar a adaptação feita nas diretrizes operacionais e na rotina escolar, nas disciplinas de eletiva, práticas experimentais e nivelamento, sobre a educação básica com o artigo 26 da LDB, que versa:

Ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (Brasil, 2017, p. 19).

Na prática, contraditoriamente, não se observa o respeito à cultura de muitos educandos, seu modo de vida, filosofias religiosas, necessidades educacionais, pois

Mesmo com a modernidade o Brasil mantém uma tradição em seus aspectos sociais, percebida ao se privilegiar a cultura de algumas etnias em detrimento de outras, na escola vamos observar isso em seu currículo engessado, que não permite se discutir inovações, e que as leis (…) são por vezes ignoradas com o argumento de não haver aceitação do tema entre os atores da comunidade escolar. (SOARES, 2021 a, p. 27)

As leis citadas pelo autor são as leis federais nº 10639/03, nº 11645/08; 13185/15 e a própria LDB, leis que asseguram o debate sobrea cultura indígena e afro-brasileira, e de combate à intimidação sistemática que devem ser partícipes do currículo da educação básica.

A invasão cultural é, para Freire (FREIRE, 1987, p. 86, citado por RAMALHO, 2022, p. 5), “a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão”; trata-se da imposição, pelos diversos meios de comunicação, das culturas vistas como corretas de maneira a parecer consensual e aceita por todos. Ramalho (2022, p. 5) diz que esta invasão cultural “permite a sobreposição de uma visão de mundo específica sobre as demais existentes: a visão de mundo do opressor sobre a dos oprimidos”.

O sucesso desta invasão está no fato do reconhecimento, por parte dos oprimidos, da superioridade cultural dos opressores, “como manifestação da conquista, a invasão cultural conduz à inautenticidade do ser invadido (FREIRE, 1987, p.86 citado por RAMALHO, 2022, p. 7). Como consequência desta violência à cultura do oprimido, Freire define outra característica do oprimido, que seja a desvalia, argumentando que

De tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes […] terminam por se convencer de sua ‘incapacidade’. Falam de si como os que não sabem e o ‘doutor’ como o que sabe e a quem devem escutar. Os critérios do saber que lhes são impostos são os convencionais (FREIRE, 2021, p. 69).

Ramalho (2022, p.7) tenciona o nosso pensamento ao alertar que o “oprimido incorpora os padrões culturais alheios como se fossem suas próprias pautas de vida”. Nas escolas integrais paraibanas vemos um exemplo claro desta incorporação ao intitular as disciplinas eletivas, que para se tornarem mais “atraentes” colocam títulos com estrangeirismos, muitas vezes incompreendidos pelo público e mal explorado no desenvolvimento das disciplinas.

A aceitação dos padrões culturais impostos pelo opressor é o que Freire vai nomear de adesão cultural e mais “o comportamento dos oprimidos é um comportamento prescrito” (Freire, 2021, p. 46). O que leva o oprimido tornar-se um ser-para-o-outro que existe em função do outro, por reproduzir o comportamento prescrito pelo opressor. Os oprimidos atuam, então, para benefício do opressor.

Outro tema que deve ser refletido, e muitas vezes ignorado, é sobre o fracasso escolar, não apenas sob o ponto de vista das avaliações somativas e externas, sendo este fracasso ainda “considerado como déficit de aprendizagem associado ao discurso de classes, de condições de trabalho, de aspectos psicológicos.” (Soares, 2023, p.20). Discursos que fortalecem estereótipos e a ideologia dominante, ignorando completamente outros fatores de cunho cultural, social e econômico. Este tema, certamente, é um dos maiores entraves da educação nacional, por se analisar de maneira superficial, apenas.

Definição de currículo

Definir currículo é uma tarefa complexa, muitos autores expuseram suas definições, dos quais discutiremos alguns.

Um primeiro conceito é dado por Soares (2023, p. 22), que diz ser “um instrumento concebido pelo diálogo, autônomo (pelo menos no que tange as decisões locais e necessidades escolares), ganha vida pela democracia escolar”. O pesquisador entende, pois, o currículo como um elemento vivo do espaço escolar, visão de outros autores como Silva (2019) e Libâneo (2013). O autor adverte, porém, que essa autonomia, referida em sua concepção, não tem a ver com se rebelar com as diretrizes e leis, mas com a decisão de prioridades no que concerne conteúdos, metodologias e construção de uma rotina escolar, inclusive no que se refere o currículo oculto.

Já em Tomaz Tadeu da Silva (2019, p. 150) vemos um conceito que reflete sobre um currículo de discurso, de identidade, o currículo é visto como uma viagem, um percurso, como aponta o autor

O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade.

Apple (2013, p.71) trata currículo como uma escolha, ressaltando que existe uma intencionalidade em sua organização, que não é um instrumento neutro, visão compartilhada com Paulo Freire, sendo assim,

O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aulas de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo.

Com relação ao currículo oculto, ignorado por muitos profissionais, Melo, Oliveira, Veríssimo (2016, p. 200) discorre que este se encontra nas ações desenvolvidas no ambiente escolar e nas relações existentes no cotidiano escolar, entre todos os atores da comunidade escolar, permeado pelas posturas assumidas pela equipe pedagógica, e também pela relação estabelecida entre os educandos e o conhecimento.

Cito também Fernandes (2014) que analisa o currículo como sendo concebido por três perspectivas, que sejam,

Perspectiva técnica, na qual o currículo é concebido como algo prescrito, planificado, que deve ser implementado, constituído por objetivos e conteúdos a ensinar. […] Perspectiva prática e emancipatória, concebe o currículo como algo culturalmente determinado; como prática social de sujeitos inseridos em determinada cultura, permeada por relações de poder. […] Artefato multicultural, constituído por expressão de identidades e subjetividades diversas e que, portanto, precisa ser pensado a partir dos diversos sentidos presentes no mesmo e não dos modelos preestabelecidos. (p. 15-16).

O currículo, também é, espaço para definir os objetivos de aprendizagem aliados às experiências a serem materializadas no ambiente escolar, como esclarece Sacristán (1998, p. 46):

O currículo aparece, assim, como o conjunto de objetivos de aprendizagem selecionados que devem dar lugar à criação de experiências apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis, de modo que se possa manter o sistema numa revisão constante, para que nele se operem as oportunas reacomodações.

As visões de sociedade, currículo, educação e avaliação deve estar discutido no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, pois cada docente como um ser social e histórico, e se espera que crítico, possuem sua própria visão, estas devem convergir para um melhor resultado coletivo. Pois, “o processo educacional quando mediado pela atuação em equipe, facilita o processo de ensino e aprendizagem” (Soares, 2021 b, p. 93).

Um ponto crítico, a meu ver, principalmente modelo de escola integral se refere à padronização de avaliações e métodos de ensino, muitas vezes sendo ponto de embate nos âmbitos escolares, por desconsiderar o direito de cátedra dos docentes. Criando, muitas vezes, um espaço inconsonante, que desconsidera a natureza dos campos de saberes, sendo contraditório com a educação para o século XXI.

Observando ainda uma avaliação tradicional e punitiva, infelizmente ainda muito cultivada entre muitos docentes, se torna outra barreira para o protagonismo, uma barreira contra o modelo que visa socializar indivíduos críticos e que são censurados muitas vezes. (Soares, 2021 b, p. 95).

A avaliação não pode ser padrão, uma vez que o educando não é padrão, não podemos mais considerar aluno reprodutor, uma educação bancária (FREIRE, 2021) falida, fracassada. Se queremos indivíduos aptos a viver na sociedade do século XXI não podemos ter reprodutores de teorias, precisamos ter indivíduos hábeis, competentes, autônomos.

Palavras nada Finais

De posse aos estudos sobre as teorias do currículo e análise do conceito dado por tantos outros estudiosos, defino currículo como sendo um instrumento norteador dos fazeres pedagógicos, fruto de conflitos e debates sociais, feito por e para seres históricos, que precisam ter suas culturas e ideias refletidas nas ações que serão geradas pelo currículo. Currículo é relações de poder, de culturas, de reflexões. Currículo é caminho a ser seguido, e também questionado. Currículo é real, oculto e formativo, é processo e não fim em si. Currículo é amálgama entre o vivido e o vivenciado, entre o oculto e o esperado. Currículo é pensamento, é desejo, é projeto. Currículo é fonte inesgotável de leituras do mundo e da sociedade. Currículo é vivo, discutível e necessário.

Continuo afirmando que currículo é reflexo da multiculturalidade, das múltiplas identidades, das múltiplas manifestações sociais. É pertencimento, é ação e dinamismo, currículo é real quando considera o contexto sócio-histórico-cultural dos educandos e dos educadores, currículo é mais que reprodução de ideologias, é sentido para o fazer pedagógico.

A avaliação é outro tema que carece maiores debates, não existe mais espaço para uma avaliação tradicional, é estranho querer padronizar avaliações, ou rotular estudantes através de avaliações, em um currículo que emerge da ideia de indivíduos por competências devemos, antes, observar suas habilidades e auxiliar os estudantes a aperfeiçoarem elas. Com isso não estou negando a importância dos componentes curriculares da BNCC; pelo contrário acredito que todas têm sua devida importância na formação integral do indivíduo, o que questiono é padronizar as avaliações e rotular o aluno por suas notas desconsiderando suas outras habilidades e competências.

Referências

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[1] Doutorando em Educação (Funiber). Licenciado em Matemática (Universidade Federal de Campina Grande), licenciado em Filosofia (Centro Universitário Ítalo Brasileiro), Licenciando em Pedagogia (Universidade Estadual da Paraíba). Mestre em Educação (Funiber). Escritor de livros e artigos nas áreas de Matemática, Filosofia e Educação. Professor de Matemática da Educação Básica da rede estadual paraibana. Orcid: 0000-0002-2869-1128. e-mail: pcelio85matematica@gmail.com