REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10792391
Thatiane Fernandes Cabral de Albuquerque1
RESUMO
O presente estudo buscou compreender de forma mais clara qual a contribuição da escola indígena para a preservação da história local da comunidade Amarelão localizada no município de João Câmara/RN, e de que maneira as práticas docentes são construídas na escola pesquisada. Onde tivemos como objetivo geral do estudo investigar as contribuições da Escola Estadual Indígena Professor Francisco Silva do Nascimento para o ensino da história local na comunidade Amarelão, no município de João Câmara /RN. E como objetivos específicos se buscou identificar como essa escola trabalha com seus alunos a história da própria comunidade Amarelão; analisar as práticas educativas dos docentes na perspectiva do ensino da história local; investigar o desenvolvimento de cursos de formação continuada para os docentes que lecionam na instituição em análise. A pesquisa utilizada foi de cunho qualitativa por meio do estudo de campo e bibliográfica. Diante o estudo realizado foi possível compreender que a educação indígena é fundamental a todo momento, de forma que a mesma é capaz de resgatar as ideias, experiências dos mais velhos e saber viver mais através dos saberes tradicionais, desde criança, jovens e adultos, porque toda sociedade tem os momentos e as atividades de ensino-aprendizagem. Desse modo, este trabalho foi importante por nos desafiar a conhecer sobre nosso próprio espaço e tempo histórico, envolver professores e alunos no processo de construção de saberes históricos.
Palavras-chave: Ensino de História; Educação Indígena; Ensino.
Abstract
The present study sought to understand more clearly the contribution of the indigenous school to the preservation of the local history of the Amarelão community located in the municipality of João Câmara/RN, and how teaching practices are constructed in the researched school. Where we had the general objective of the study to investigate the contributions of the Professor Francisco Silva do Nascimento Indigenous State School to the teaching of local history in the Amarelão community, in the municipality of João Câmara /RN. And as specific objectives we sought to identify how this school works with its students the history of the Amarelão community itself; analyze the educational practices of teachers from the perspective of teaching local history; the investigate the development of continuing training courses for teachers who teach at the institution under analysis. The research used was qualitative in nature through field and bibliographical studies. In view of the study carried out, it was possible to understand that indigenous education is fundamental at all times, so that it is capable of rescuing the ideas, experiences of the elderly and knowing how to live more through traditional knowledge, from children, young people and adults, because Every society has teaching-learning moments and activities. Therefore, this work was important because it challenged us to learn about our own historical space and time, involving teachers and students in the process of building historical knowledge.
Keywords: History Teaching; Indigenous Education; Teaching.
INTRODUÇÃO
No contexto educacional brasileiro, a educação escolar indígena se configura como fruto de uma longa trajetória imposta pelo modelo colonizador europeu. Todavia, observamos que nas últimas décadas, em decorrência de movimentos de afirmação étnica, outro modelo escolar emerge no cenário educacional dos povos indígenas, se concretizando em uma escola amparada em legislações que constituem um modelo escolar específico, em que o ensino de história tem buscado contribuir para a constituição da afirmação das identidades étnicas por meio da preservação da memória, das tradições e dos saberes ancestrais.
Diante desse fato, emerge a seguinte questão: qual a contribuição da escola indígena para a preservação da história local da comunidade Amarelão? De que maneira as práticas docentes são construídas na escola pesquisada?
Com isso o objetivo geral do estudo foi investigar as contribuições da Escola Estadual Indígena Professor Francisco Silva do Nascimento para o ensino da história local na comunidade Amarelão, no município de João Câmara /RN. Onde nos objetivos específicos se buscou identificar como essa escola trabalha com seus alunos a história da própria comunidade Amarelão; analisar as práticas educativas dos docentes na perspectiva do ensino da história local; investigar o desenvolvimento de cursos de formação continuada para os docentes que lecionam na instituição em análise.
Considerando que o Brasil é um país de dimensões geográficas continentais e que apresenta um passado histórico marcado pela miscigenação de raças, emerge a importância de uma constante investigação sobre a presença de temáticas que contemplem a abordagem da cultura indígena nas salas de aula, uma vez que essa etnia se constitui como os primeiros povos a existirem no território brasileiro duramente perseguidos durante o processo de colonização.
Analisando esse passado histórico, as comunidades indígenas sobreviventes resistem ao processo de aculturação em espaços marginalizados pela sociedade ou sofrem perseguições motivadas por causas econômicas e políticas que as obrigam a conviver com a gradativa perda dos seus territórios, da sua identidade e da sua dignidade.
Como forma de abrandar essa perseguição, e também como meio de perpetuação dos saberes ancestrais, as escolas indígenas, um direito conquistado pela resistência desses povos e garantido em lei, são um instrumento educacional que permite aos seus educandos se conectarem com as tradições e saberes da comunidade em que eles estão inseridos, sendo este um dos motivos que nos levou a eleger um desses estabelecimentos de ensino como objeto de pesquisa.
O ENSINO DE HISTÓRIA NO CONTEXTO ESCOLAR BASEADO NA EDUCAÇÃO INDÍGENA
Uma pesquisa que contemple como objeto de estudo o ensino de história em uma determinada comunidade indígena deve levar em consideração que a própria legislação educacional brasileira assegura que o ensino deve contextualizar a realidade histórica e cultural dos educandos no decorrer do processo educativo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394/96 especifica que a educação escolar indígena possui características próprias.
No tocante ao ensino fundamental, o artigo 32 da referida lei estabelece que seu ensino seja ministrado em língua portuguesa, embora também assegure que nas comunidades indígenas sejam ensinadas suas línguas maternas e erguidos processos próprios de aprendizagem, ou seja, garante a preservação da cultura e línguas dos povos indígenas e o processo de aprendizagem se dará de acordo com as suas tradições.
A referida lei ainda assevera, no seu artigo 78, que a educação indígena deve ser bilíngue e intercultural e que proporcione a oportunidade de recuperação das memórias históricas e da reafirmação identitária desses povos. Por sua vez, o artigo de número 79 dá o direito à comunidade indígena de participar efetivamente da elaboração e discursão de programas educacionais e da elaboração de material didático específico e diferenciado para a educação indígena.
Tais determinações da LDB esclarecem que a educação escolar indígena deverá ter um tratamento diferenciado das demais escolas do sistema de ensino. Essa legislação também possibilita colocar em prática esses direitos, dando liberdade para cada escola definir, de acordo com suas particularidades, o seu Projeto Político Pedagógico, além de dar muitas possibilidades para que, de fato, a escola possa atender às demandas da comunidade e oferecer aos educandos o melhor processo de aprendizagem. Essa conquista educacional é um importante passo para o seguimento da cultura e identidade indígena.
Considerando o contexto educacional vivenciado na Escola Estadual Indígena Professor Francisco Silva do Nascimento, destacamos que, a partir de uma investigação realizada no acervo documental da instituição, localizamos documentos que expõem o alinhamento dessa escola à perspectiva traçada pela LDB no que tange ao ensino escolar indígena no Brasil, como os cadernos de atividades organizados com sequências interdisciplinares cujo tema é “O lugar onde vivo” e também a obra intitulada “Pequeno Livro Sobre Saberes Linguísticos do Povo Mendonça Potiguara.”
Os primeiros documentos, os cadernos de atividades, são um registro de atividades propostas aos alunos como forma de sanar a impossibilidade de realização de encontros presenciais entre professores e alunos devido às medidas de isolamento adotadas como principal estratégia de enfrentamento ao quadro de pandemia causado pela disseminação do novo coronavírus, que ocasionou o fechamento das escolas brasileiras. Esse material engloba as disciplinas ministradas em cada turma da escola em análise, focalizando a história e a cultura local de maneira interdisciplinar.
O segundo documento reúne o conhecimento ancestral dos indígenas da comunidade Amarelão, com o registro em suas páginas de palavras e expressões — com explicações de sua origem no tupi antigo, bem como seus usos e significados atuais. Iniciativas pedagógicas como essas exemplificam as recentes tendências de adequação dos conteúdos e práticas escolares das comunidades indígenas do Brasil, caracterizadas por um modelo escolar que apareceu no cenário educacional do nosso país nas últimas décadas, a escola dos povos indígenas.
Amparada em leis que constituem um modelo diferenciado específico de educação escolar, cada povo tomou para si a tarefa de elaborar currículos escolares e propostas pedagógicas, informados por suas cosmologias. E, embora o modelo escolar mais contundente nos ainda seja o da modernidade ocidental, vê-se, cada vez mais forte, a busca de outros referenciais para essas práticas escolares, construindo aos poucos escolas específicas e diferenciadas, já reconhecidas pelas leis educacionais do país. (BERGAMASCHI; MEDEIROS, 2010, p. 56).
Nessa direção, a educação escolar dos povos indígenas brasileiros tem sido influenciada por leis que buscam promover reflexões acerca da contribuição dessas etnias para a construção da própria história brasileira. Se em períodos anteriores a escola privilegiou o colonizador europeu como o agente de civilização e o construtor do país que hoje conhecemos como Brasil, na atualidade esse conceito caiu em desuso. Nesse sentido, também convém mencionar as determinações da lei de número 11.645\2008.
Nos últimos anos diferentes grupos sociais conquistaram e ocuparam espaços sociopolíticos no Brasil. Identidades foram afirmadas, diferentes expressões socioculturais passaram a ser reconhecidas e respeitadas o que vem exigindo discursões, formulações e implementação de políticas públicas que respondam as demandas de direitos sociais específicos. A lei 11.645\2008, que determinou a inclusão da história e culturas afro-brasileiras e indígenas nos currículos escolares, possibilitará o respeito aos povos indígenas e o reconhecimento das socio diversidades no Brasil. (SILVA; SILVA, 2020, p.8).
Essa lei tornou obrigatório o ensino das temáticas indígena e afro-brasileira na Educação Básica, sugerindo atividades de estudo contextualizadas com práticas de pesquisa que conduzem o aprofundamento acerca das possibilidades de abordagem da temática indígena em sala de aula, aproximando a comunidade escolar da realidade das populações nos locais onde se encontram inseridas.
Um dos principais desafios atuais para os professores que desejam tratar adequadamente da temática indígena em sala de aula talvez seja mesmo desconstruir estereótipos fundada em visão preconcebidas sobre os povos indígenas. A vivência com estas populações no presente, em seu cotidiano, concomitante a leituras direcionadas, filmes, pesquisas temáticas, visitas a museus e exposições, entre outras estratégias planejadas para serem desenvolvidas dentro e fora de salas, podem se tornar maneiras eficazes não só superar os desconhecimentos – que geram os preconceitos – mas de reconstruir, junto a estas gerações em processo de escolarização e socialização, novos modos de relacionamento com os povos indígenas e, mais amplamente, com as diferenças em suas relações socioculturais (de gênero, etário, religião, classe, etc.). (GOMES, 2017, p.154).
Nesse sentido, cabe aos professores que desejam tratar adequadamente a temática indígena em suas salas de aula considerar aspectos como a relação entre tradições orais, memórias e patrimônio cultural dos povos indígenas (material e imaterial) como fonte para elaboração de subsídios didáticos que embasarão o ensino da temática indígena em sala de aula. Todavia, apesar dessas constatações e estudos, a insuficiente formação continuada de professores que lecionam em escolas indígenas, bem como a inexistência de uma variedade de materiais didáticos que contemplem o estudo da história local das comunidades indígenas, constitui-se como um dos entraves que dificultam a ampliação de discursões que possam superar concepções estereotipadas presentes no senso comum sobre a história e cultura dos povos indígenas.
As iniciativas governamentais para a formação continuada de professores nas temáticas relativas às culturas afro-brasileiras e indígenas ainda são insuficientes. Os recursos didáticos que os professores dispõem para o ensino das histórias e culturas indígenas são ainda menores. Os livros didáticos dedicam pouca atenção a tais temáticas e em muitos casos, infelizmente, ainda reproduzem os estereótipos acima mencionados. Quanto aos livros e materiais “alternativos”, como aqueles produzidos por autores indígenas que se dirigem ao público infanto-juvenil, têm circulação e divulgação muito limitadas e, em sua maioria, são desconhecidos pelos professores. (COLLET; PALADINO; RUSSO, 2014, p. 7).
Diante dessa constatação, destacamos a necessidade de um estudo mais aprofundado acerca das relações entre a prática dos professores e a história da própria comunidade indígena do Amarelão, tendo em vista a construção de um estudo em que, entre as suas prerrogativas, esteja a construção de subsídios didáticos para o ensino de história naquele território. Cabe salientar que a pesquisa ora proposta pretende analisar atividades e projetos realizados pelos professores da Escola Estadual Indígena Professor Francisco da Silva Nascimento, ou seja, o estudo se ancora em uma realidade escolar que favorece plenas condições para a sua execução num contexto em que de acordo com o autor HOSHINO, o mesmo diz que:
A educação escolar começa a ser vista pelos indígenas como instrumento para compreensão do mundo dos brancos. E o ensino de História poderá colaborar com essa intercularidade, pois além de trazer para os indígenas as histórias da sociedade envolvente, também resgata a história local (aldeia). Possibilitando a reconstrução de suas histórias e reafirmando suas identidades. (HOSHINO, 2017, p.4).
A reconstrução das histórias dos povos indígenas, bem como a reafirmação de suas identidades, é reflexo da busca pelo direito de uma memória própria de comunidades que sofreram direta e indiretamente por uma educação escolar que foi se modificando ao longo de mais de 500 anos, mas que atualmente busca sanar os prejuízos acarretados por esse processo, pautando-se para tanto na busca por uma consciência histórica que não é apenas uma consciência do passado. Cabe ao professor ensinar história “envolvendo a história de vida da criança, a história oral, documentos e objetos biográficos da criança, da família e da comunidade, contribuindo para o desenvolvimento do respeito à diversidade, à multiplicidade de manifestações culturais” (GUIMARÃES, 2010, p.10).
Diante dessa realidade, convém o esclarecimento de conceitos que permeiam a existência e o funcionamento da escola em territórios indígenas, entre eles citamos: a educação indígena e a educação escolar indígena que, embora em termos teóricos apresentem similitudes, em sua prática são concretizados obedecendo a características próprias.
Assim, a educação indígena refere-se aos processos próprios de transmissão e produção dos conhecimentos dos povos indígenas, enquanto a educação escolar indígena diz respeito aos processos de transmissão e produção dos conhecimentos não indígenas e indígenas por meio da escola, que é uma instituição própria dos povos colonizadores. A educação escolar indígena refere-se a escolas apropriadas pelos povos indígenas para reforçar seus projetos socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a capacidade de responder às novas demandas geradas a partir do contato com a sociedade global. (LUCIANO, 2006, p.129).
A compreensão desses conceitos, bem como a conscientização acerca do estabelecimento de metodologias, estratégias de ensino e instrumentos didáticos apropriados para o ensino em escolas indígenas, é consequência da luta de políticos e intelectuais preocupados com a causa educacional desses povos. Se por um lado, após o ano de 1988 (ano da promulgação da constituição federal) criou-se condições para que os indígenas tivessem a garantia pelo meio legal do acesso ao ensino escolar, por outro, é só com a lei número 11.645\2008 que é garantida a preservação da história e da cultura desses povos no ambiente escolar. Em um processo no qual BRIGHENTI, diz o seguinte:
[…] pensadores brasileiros que percebem a necessidade de refletir a educação escolar como processo de interculturalidade crítica, que perceberam que os povos indígenas no Brasil somente conseguirão conquistar e manter seus espaços e seus direitos se a sociedade como um todo os considerar sujeitos portadores desses direitos; e, ao perceber que o processo de educação escolar tem muito a ganhar se considerar os conhecimentos dos povos indígenas. Em última instância, foi a ação do movimento indígena que despertou e motivou esse setor da sociedade brasileira a propor mudanças na legislação. (BRIGHENTI, 2016, p. 237).
Em suma, um estudo acerca do ensino de história local na comunidade indígena do Amarelão significa compreender os desdobramentos desses dispositivos legais no âmbito desse território, tendo em vista o desenvolvimento de uma consciência histórica, a preservação da cultura e da memória dessa comunidade, bem como a luta pela construção de uma identidade própria, baseada no sentimento de pertencimento ao lugar. Estudar os aspectos educacionais que fundamentam as práticas dos professores de história daquela comunidade significa conhecer, além da própria história do lugar, as contribuições do ensino escolar para aquela sociedade.
METODOLOGIA
Nesta pesquisa, optamos pela abordagem de estudo qualitativo, sobre o qual Lüdke e André (2013, p. 20) explicitam que “[…] se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”.
A metodologia de pesquisa utilizada é a pesquisa de campo em que, conforme Severino (2007, p. 123), “o objeto/fonte é abordado em seu meio ambiente próprio. A coleta dos dados é feita nas condições naturais em que os fenômenos ocorrem”.
Nesse direcionamento, foi realizada a pesquisa de campo onde se buscou dialogar sobre a relação entre prática de ensino de história e história local com o diretor, vice-diretor, coordenadores pedagógicos, professores e alunos da Escola Estadual Indígena Professor Francisco Silva do Nascimento.
O campo de estudo foi, por tanto, a referida escola, com enfoque nos anos iniciais do ensino fundamental. Outrossim, como instrumentos para investigar as questões de pesquisa, utilizaremos um questionário semiestruturado aberto, a observação e analise documental.
De acordo com o autor Severino (2007, p. 125), ele estabelece que o questionário é um “conjunto de questões, sistematicamente articuladas, que se destinam a levantar informações escritas por parte dos sujeitos pesquisados, com vistas a conhecer a opinião dos mesmos sobre os assuntos em estudo”.
No caso mais específico dessa pesquisa, nos propomos, por tanto, a registrar e a estudar os relatos dos profissionais que estão diretamente envolvidos com o ensino de história nas salas de aula dessa instituição, bem como a compreensão dos alunos sobre a perspectiva das práticas de ensino que os professores desenvolvem.
Nesse direcionamento, Costa e Costa (2011, p. 52) esclarecem que: “a observação é uma forma de apreensão de dados, caracterizada, especificamente, pela percepção do observador”. Dessa maneira, a observação possibilitará uma análise sobre os procedimentos que os professores estão utilizando em suas aulas e a provável contribuição para a construção de uma consciência histórica por parte do alunado, de modo que será possível confrontar as falas dos sujeitos colhidas no questionário com as observações realizadas no contexto das salas de aula.
Para Lüdke e André (2013, pp. 44-45), “a análise documental pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema”. Partindo desse pressuposto, serão analisadas as perspectivas de formação dos professores de história da instituição em pauta, bem como a maneira como são tratadas nos documentos oficiais voltados para a educação indígena no Brasil, como também os planos de aula dos sujeitos que serão elencados como colaboradores da pesquisa com a finalidade de perceber se o trabalho docente considera a valorização da cultura local e os contextos singulares dos alunos indígenas, interligando os dados obtidos para chegarmos às respostas das questões de estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A instituição-foco de nossa pesquisa é reconhecida como a primeira escola indígena integrante da rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte. Esse estabelecimento de ensino se destaca como um marco na história da educação potiguar, uma vez que apresenta estruturas amplas e modernas, contendo salas de aula, refeitório, pátio, jardins, cozinha, quadra de esportes, laboratórios de diferentes tipologias, biblioteca, sala de recursos multifuncionais, etc., beneficiando um público de mais de 600 alunos.
Antes da construção da escola, na comunidade indígena denominada Amarelão, situada na zona rural do município de João Câmara, pertencente ao território Mendonça Potiguar, os alunos precisavam se deslocar até a escola mais próxima, localizada na zona urbana, por cerca de 10 km diários, enfrentando, além da distância, o preconceito racial, devido a sua origem.
Localizada no município de João Câmara, a Escola Estadual Indígena Professor Francisco Silva do Nascimento, desenvolve atividades contínuas que vão desde o ensino da língua portuguesa , contextualizada na língua tupi, até a realização de projetos que apresentam por objetivo a preservação das tradições e da cultura dessa comunidade, como : lendas locais, a partir da utilização de peças teatrais; o ensino da matemática por meio da contagem de castanhas , cuja extração é a principal atividade econômica da comunidade e o ensino da geografia , no qual trabalha-se o mapeamento da comunidade.
Além do ensino indígena, a escola, desenvolve o projeto Farmácia Viva, que consiste numa horta comunitária mantida pelos alunos do ensino fundamental.
No tocante ao ensino de história local, a escola vem realizando projetos como o emprego de sequências interdisciplinares cujo tema é “O lugar onde vivo”, adotadas por cada turma da instituição e trabalhadas a partir de cadernos de atividades que contemplam aspectos como: o nome da comunidade; a origem do nome da comunidade indígena Amarelão; a língua materna; locais de história e memória; a arte e as manifestações culturais no território da comunidade.
Diante do exposto, destacamos a importância de pesquisar o ensino de história local na Escola Estadual Indígena Professor Francisco Silva do Nascimento, uma vez que a instituição se constitui como um espaço que favorece e incentiva a realização de práticas educativas, além de possuir professores preocupados em reconstruir as tradições culturais de uma comunidade historicamente reprimida pela cultura europeia colonizadora que permeou o território brasileiro durante o processo de expansão e domínio da coroa portuguesa no período colonial.
O número reduzido de instituições escolares indígenas no Rio Grande do Norte é outro aspecto que fortalece o desenvolvimento da pesquisa ora proposta, uma vez que escolas dessa natureza favorecem a valorização da história local dessas comunidades. Portanto, esse estudo trouxe contribuições para as pesquisas e debates que buscam a compreensão das relações tecidas entre as escolas indígenas e o ensino de história no território norte-rio-grandense.
A pesquisa se relaciona com a linha de pesquisa Ensino de História e Saberes Históricos, a qual buscou, através dos estudos que desenvolver, a garantia de que os alunos, de modo geral, tenham acesso e sejam atendidos quanto aos seus direitos sociais, independentemente das suas características e crenças e dos segmentos sociais a que pertençam, num ensino pautado na preservação de suas memórias e tradições.
A instituição que foi estudada na pesquisa proposta, por sua vez, é caracterizada por ser um espaço social e de diversidade que visa promover a inclusão e a igualdade em sua total pluralidade, através de práticas pedagógicas que podem auxiliar os educadores, de modo geral, a repensarem suas práticas educativas.
Durante a pesquisa por meio de conversas e observações deu para identificar também que os professores sempre estão em busca de se aperfeiçoar e buscando a formação continuada, eles prezam muito pelo conhecimento voltado para a educação indígena.
O trabalho foi desenvolvido no que diz respeito à formação de sujeitos capazes de se apropriarem com mais ênfase do legado imaterial, representado principalmente pela história e pelos fenômenos culturais, da comunidade em que estão inseridos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante o estudo realizado foi possível compreender que a educação indígena é fundamental a todo momento, de forma que a mesma é capaz de resgatar as ideias, experiências dos mais velhos e saber viver mais através dos saberes tradicionais, desde criança, jovens e adultos, porque toda sociedade tem os momentos e as atividades de ensino-aprendizagem.
Assim, ensino de História não é só uma disciplina para cumprimento de carga horária, mas sim um ensino que é considerado a base para formar alunos que se reconheçam como sujeitos históricos se reconheçam no espaço e no tempo compreendendo as influências destes elementos na formação de suas identidades culturais contribuindo para interver na sua sociedade de forma que possam fazer a diferença de maneira positiva no local que estão inseridos.
Desse modo, este trabalho foi importante por nos desafiar a conhecer sobre nosso próprio espaço e tempo histórico, envolver professores e alunos no processo de construção de saberes históricos.
Portanto, por meio do ensino de história é possível se fazer aulas prazerosas e de qualidade levando os alunos a perceberem que sua própria vida é história! Que somos seres históricos ativos, construtores de uma história que continuarão vivas, seja na memória de nossos entes, seja nos nossos feitos e na comunidade ou mesmo nas mudanças que ajudamos desenvolver. Esse legado ninguém pode nos tirar, nem mesmo o tempo!
REFERÊNCIAS
BERGAMASCHI, Maria Aparecida; MEDEIROS, Juliana Schneider. História, memória e tradição na educação escolar indígena: o caso de uma escola kaingang. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 30, n. 60, p. 55-75, 2010.
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1Graduada em Pedagogia e Pós-graduada em Educação Especial – UNIFACEX, E-mail:tfdecabral@gmail.com