O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE APÓS A LEI N° 14.344/2022 (LEI HENRY BOREL)

THE FIGHT AGAINST VIOLENCE TOWARD CHILDREN AND ADOLESCENTS FOLLOWING LAW NO. 14.344/2022 (HENRY BOREL LAW)

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411150046


Ana Luísa Carvalho de Oliveira1,
Marcos Antônio Seabra2,
Orientador e Coautor: Prof. Eduardo César Russo Leal3


RESUMO

Este artigo aborda a Lei n. º 14.344/2022, conhecida como Lei Henry Borel, sancionada para fortalecer a proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. Inicialmente, discorre sobre o conceito de violência infantil, identificando suas várias formas — física, psicológica, sexual e negligência — e suas implicações no desenvolvimento das vítimas. O trabalho analisa o contexto de criação da lei, motivado pela necessidade de uma resposta legislativa mais eficaz após casos emblemáticos de violência, como o do menino Henry Borel, e detalha as principais disposições da legislação, incluindo medidas protetivas e penalidades para agressores. A pesquisa também explora os impactos da Lei Henry Borel, evidenciando o fortalecimento da rede de proteção e a conscientização social sobre a violência infantil. No entanto, o artigo discute os desafios enfrentados na implementação da lei, como a falta de infraestrutura e recursos, a desarticulação entre os órgãos de proteção e barreiras culturais que dificultam a denúncia e o enfrentamento da violência. Conclui-se que, apesar dos avanços significativos proporcionados pela Lei Henry Borel, sua eficácia depende de um compromisso coletivo entre Estado e sociedade para superar as limitações práticas e culturais que ainda persistem no combate à violência contra crianças e adolescentes. O artigo científico destaca a importância de um esforço contínuo para garantir um ambiente seguro e saudável para o desenvolvimento das futuras gerações.

Palavras-chave: Lei Henry Borel; Violência contra crianças; Proteção infantil.

ABSTRACT

This article addresses Law No. 14.344/2022, known as the Henry Borel Law, enacted to strengthen the protection of children and adolescents who are victims of domestic violence. Initially, it discusses the concept of child violence, identifying its various forms— physical, psychological, sexual, and neglect—and their implications for the victims’ development. The study analyzes the context of the law’s creation, motivated by the need for a more effective legislative response following emblematic cases of violence, such as that of the boy Henry Borel, and details the main provisions of the legislation, including protective measures and penalties for aggressors. The research also explores the impacts of the Henry Borel Law, highlighting the strengthening of the protection network and social awareness about child violence. However, the article discusses the challenges faced in implementing the law, such as the lack of infrastructure and resources, the disarticulation between protective agencies, and cultural barriers that hinder reporting and addressing violence. It concludes that despite the significant advancements provided by the Henry Borel Law, its effectiveness depends on a collective commitment between the state and society to overcome the practical and cultural limitations that still persist in combating violence against children and adolescents. The scientific article emphasizes the importance of a continuous effort to ensure a safe and healthy environment for the development of future generations.

Keywords: Henry Borel Law; Violence against children; Child protection.

1 INTRODUÇÃO

A violência contra crianças e adolescentes é uma grave violação dos direitos humanos, com consequências profundas e duradouras para o desenvolvimento físico, emocional e psicológico das vítimas. No Brasil, a luta por uma proteção mais eficaz e abrangente para este grupo vulnerável ganhou um novo impulso com a sanção da Lei n. º 14.344/2022, também conhecida como Lei Henry Borel. Essa legislação surge em um contexto alarmante, onde casos de violência infantil frequentemente geram repercussão social e demandam respostas legais mais robustas e efetivas.

A Lei Henry Borel é resultado de uma necessidade premente de assegurar que crianças e adolescentes em situações de risco recebam a proteção devida, especialmente em ambientes familiares onde a violência pode se manifestar de maneiras diversas, incluindo a violência física, psicológica, sexual e a negligência. O caso do menino Henry Borel, cuja trágica morte expôs a fragilidade do sistema de proteção à infância, serviu como catalisador para a criação dessa lei, que visa não apenas punir os agressores, mas também prevenir futuras violências através de medidas protetivas mais rigorosas e eficazes.

Este artigo tem como objetivo explorar as principais disposições da Lei Henry Borel, analisando seu impacto na proteção de crianças e adolescentes no Brasil, bem como os desafios que surgem na sua implementação. A pesquisa busca contribuir para o entendimento das implicações dessa legislação no combate à violência infantil e destacar a importância de uma abordagem colaborativa entre o Estado, a sociedade civil e as instituições de proteção, visando criar um ambiente seguro e acolhedor para o desenvolvimento das futuras gerações.

2 A PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A RESPONSABILIDADE CIVIL

Neste capítulo analisa-se a proteção jurídica oferecida à criança e ao adolescente no ordenamento jurídico, assim como a possibilidade de responsabilidade civil na hipótese de prática de bullying. Busca-se por meio deste capítulo averiguar outras soluções para a reparação do dano, diversa da prestação pecuniária.

2.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos

O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais são inalienáveis e, portanto, tem o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pela lei, para que o ser humano não seja compelido à tirania e a opressão, os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla como o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades.

A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tenham sempre em mente esta Declaração para que as pessoas se esforcem, por meio do ensino e da educação, para promover o respeito a esses direitos e liberdades e assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

2.2 Proteção constitucional da criança e do adolescente

Os dispositivos legais sejam no âmbito civil, penal ou de legislação específica acerca dos direitos da criança e do adolescente, protegem o indivíduo contra a prática de abusos sexuais, dada a sua incontestável gama de sequelas.

A Constituição Federal de 1988 refere em seus artigos 227 e 229 que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
[…]
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 1988, grifo nosso)

O texto da Constituição da República Federativa do Brasil, já desde o Preâmbulo, declara que o Estado Brasileiro está destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, reforçando este princípio dedicado aos Direitos Fundamentais.

A proteção da infância e da Juventude são de competência da União, dos Estados e do Distrito Federal, segundo o artigo 24, inciso XV, sendo no título VIII, “da ordem social”, onde se estabelece a normativa específica. Já no Capítulo II, o artigo 203, I, determina que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, mencionando a proteção devida à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice.

No Capítulo VII “Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso”, a Carta Fundamental expressamente sublinha a obrigatoriedade que cabe aos pais, à sociedade e ao Estado a respeito da proteção das crianças. De modo especial, o artigo 227 expressa que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Ainda no mesmo artigo, o Estado compromete-se a promover programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida à participação de entidades não governamentais. O artigo 229 expressa a obrigatoriedade que cabe aos pais de assistir, criar e educar os filhos menores, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (§ 7º do art. 226). Sendo que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram (§ 8º do art. 226). Entendendo como entidade familiar à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (§ 4º do art. 226).

A ênfase da Constituição de 1988, em declarar os Direitos das crianças, não deixa lugar a dúvidas, que se trata de uma garantia que vincula aos Poderes públicos, criando-lhes a obrigatoriedade de atuar de acordo com os princípios estabelecidos.

2.3 Medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) entrou em vigor com o objetivo de trazer para a criança e ao adolescente direitos exigíveis. É direito de toda criança e adolescente ter a proteção integral do Estado e da sociedade civil. A família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público devem assegurar e oferecer oportunidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, moral, mental e espiritual, ou seja, promover a saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade e respeito. Assim, o artigo 98 informa que, quando os direitos da criança e do adolescente forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis ou em razão de sua conduta, as crianças e os adolescentes dispõem das medidas de proteção.

Segundo o artigo 130 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum”. (BRASIL, 1990)

Desde que o Estatuto da Criança e do Adolescente começou a vigorar, houve um aumento significativo no número de notificações aos órgãos competentes relacionadas aos maus tratos infantis, buscando a proteção da criança e do adolescente, junto aos Conselhos Tutelares e a justiça. Apesar das crescentes notificações, estas não representam a totalidade das situações contra as crianças e os adolescentes que ocorrem.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, como diploma legal especificamente destinado a defender os interesses destes, dispondo nos artigos 3º ao 5º que:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. (incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

  1. primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
  2. precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
  3. preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
  4. destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (BRASIL, 1990)

As medidas de prevenção e proteção consistem nos dispositivos insertos no Estatuto da Criança e do Adolescente com o objetivo de prevenir e proteger seus tutelados da ameaça ou violação de seus direitos, assim elas objetivam evitar que os menores sejam postos em situação de ameaça dos direitos a ele inerentes, ou seja, aqueles já insertos no próprio dispositivo Constitucional da prioridade absoluta, ou a doutrina da proteção integral, adotada pelo ECA, com base na Constituição Federal e Normativa Internacional.

3 CONCEITO DE VIOLÊNCIA CONTRA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE

A violência contra crianças e adolescentes constitui uma violação grave dos direitos humanos e provoca consequências profundas e duradouras no desenvolvimento físico, psicológico e social das vítimas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência infantil como qualquer forma de abuso físico, emocional, sexual ou negligência praticada contra pessoas menores de idade, com o potencial de causar dano real ou potencial. Para entender melhor as nuances desse problema, é fundamental classificar os diferentes tipos de violência, cada um com características e implicações distintas no desenvolvimento das vítimas.

A violência contra crianças e adolescentes é um fenômeno complexo que afeta profundamente o desenvolvimento físico, psicológico e social das vítimas. Os tipos de violência infantil podem ser categorizados conforme diferentes formas de agressão e abuso, sendo frequentemente perpetrados em ambientes onde a criança deveria estar protegida.

3.1 Tipos de violência

A violência física envolve agressões corporais intencionais, como socos, tapas, chutes ou qualquer ato que cause dor ou lesões físicas. Esse tipo de abuso pode deixar marcas visíveis, mas também provoca efeitos psicológicos duradouros, como ansiedade e traumas, que interferem no desenvolvimento emocional e nas interações sociais das crianças (OMS, 2021). Estudos indicam que crianças que sofrem violência física tendem a apresentar comportamentos agressivos, dificuldades de concentração e baixa autoestima, o que pode comprometer o desempenho escolar e o bem-estar emocional (MINAYO, 2005).

A violência psicológica, também conhecida como violência emocional, é caracterizada por ações que desqualificam, humilham, ameaçam ou intimidam a criança. Esse tipo de abuso é frequentemente invisível e, por isso, difícil de ser identificado, mas seus efeitos podem ser tão danosos quanto os da violência física. Crianças submetidas à violência emocional costumam desenvolver sentimentos  de inferioridade e      ansiedade crônica,  podendo desenvolver depressão e outros transtornos mentais ao longo do tempo. Estudos da UNICEF indicam que a violência psicológica também pode comprometer a capacidade da criança de estabelecer relacionamentos saudáveis e construir uma autoimagem positiva (UNICEF, 2019).

A violência sexual é uma das formas mais traumáticas de abuso infantil, envolvendo atos de natureza sexual impostos a crianças e adolescentes, seja por contato físico ou exposição a conteúdos impróprios. As consequências do abuso sexual são devastadoras, incluindo transtornos de estresse pós-traumático, fobias, isolamento social e, em muitos casos, o desenvolvimento de distúrbios alimentares e de personalidade. De acordo com a Rede Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (RENACRIAD, 2020), crianças vítimas de violência sexual enfrentam dificuldades na construção de relacionamentos de confiança, o que compromete sua saúde mental a longo prazo.

Diferente dos abusos ativos, a negligência é uma forma de violência passiva que se caracteriza pela ausência de cuidados essenciais, como alimentação adequada, supervisão, higiene e acesso à educação. Crianças negligenciadas enfrentam sérias dificuldades de desenvolvimento, apresentando frequentemente atrasos cognitivos, problemas de saúde e dificuldades no relacionamento social (MINAYO, 2005). A negligência é, em muitos casos, a forma mais frequente de violência infantil, mas, devido à sua natureza silenciosa, é também a mais subnotificada.

3.2  Implicações no Desenvolvimento das Vítimas

Cada tipo de violência mencionado apresenta implicações específicas, mas todas impactam diretamente o desenvolvimento integral das crianças e adolescentes. A experiência de abuso, seja ele físico, emocional, sexual ou negligência, afeta o cérebro em desenvolvimento, podendo alterar a estrutura e o funcionamento do sistema nervoso. Segundo estudos da American Psychological Association (APA, 2021), a violência vivida na infância eleva as chances de comportamentos de risco e de problemas de saúde mental na vida adulta, como depressão, ansiedade, vícios e dificuldades de relacionamento.

Assim sendo, embora os tipos de violência contra crianças e adolescentes sejam distintos, eles compartilham um impacto severo e duradouro no desenvolvimento das vítimas. A conscientização sobre esses tipos de violência e a formação de redes de proteção são passos essenciais para prevenir novos casos e proporcionar apoio às crianças e adolescentes afetados. O fortalecimento de políticas públicas, capacitação de profissionais e sensibilização social são ações fundamentais para reduzir esses índices e garantir que crianças e adolescentes cresçam em ambientes seguros e saudáveis.

4 A LEI N° 14.344/2022 (LEI HENRY BOREL)
4.1 Contexto de Criação

No Brasil, a violência contra crianças é um problema antigo e alarmante, apesar de avanços significativos na legislação de proteção à infância. No entanto, o trágico caso de Henry Borel, um menino de quatro anos brutalmente agredido e morto em março de 2021, trouxe à tona uma discussão crucial sobre a insuficiência das medidas protetivas e punitivas do sistema jurídico brasileiro no que diz respeito à proteção de crianças e adolescentes. Esse caso, amplamente noticiado e acompanhado de grande comoção social, motivou a criação de uma legislação mais rigorosa e específica, resultando na promulgação da Lei n° 14.344, popularmente conhecida como Lei Henry Borel.

Henry Borel Medeiros morreu no dia 8 de março de 2021, após sofrer múltiplas agressões em seu apartamento no Rio de Janeiro, onde morava com a mãe e o padrasto. Laudos periciais indicaram sinais de violência severa, incluindo lesões internas e externas, incompatíveis com a explicação inicial apresentada pelo casal de que Henry teria sofrido uma queda. A gravidade do caso evidenciou a vulnerabilidade das crianças em situações de violência doméstica, especialmente em contextos de convívio familiar próximo. A falta de proteção e de intervenções rápidas demonstrou a necessidade de uma legislação que fosse mais específica para o combate a esse tipo de crime, complementando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e outras normas existentes.

A pressão social e a atenção midiática ao caso resultaram em debates legislativos urgentes para evitar que situações semelhantes continuassem sem respostas eficazes do ponto de vista penal e protetivo. Nas palavras de Moraes (2022), “a legislação vigente falhava em fornecer medidas específicas e ágeis para garantir a segurança de crianças vítimas de violência intrafamiliar, o que demandava a criação de dispositivos legais exclusivos para situações de violência doméstica contra crianças.”

A Lei Henry Borel foi promulgada em 24 de maio de 2022, com o objetivo central de estabelecer mecanismos legais específicos para proteger crianças em situações de violência doméstica e familiar, assim como fortalecer as penas para agressores. Inspirada na Lei Maria da Penha, que se mostrou eficaz em casos de violência contra a mulher, a Lei Henry Borel criou instrumentos legais que garantem a segurança de crianças em situação de risco e determinam a aplicação de medidas de afastamento do agressor, prisões preventivas e acompanhamento psicossocial.

De acordo com Silva e Almeida (2022), a criação dessa lei representa “um marco no ordenamento jurídico de proteção à infância, ampliando os dispositivos do ECA e tornando mais ágeis e específicos os processos de proteção e punição”. A Lei também incorpora medidas preventivas, como o incentivo a campanhas educativas e a criação de redes de apoio, que visam aumentar a conscientização social sobre a violência contra crianças e adolescentes.

4.2 Disposições Principais da Lei Henry Borel

Conforme mencionado, a Lei n. º 14.344, conhecida como Lei Henry Borel, foi sancionada em 24 de maio de 2022, marcando um importante avanço no sistema de proteção às crianças e adolescentes no Brasil, especialmente no que diz respeito à violência doméstica e familiar. Inspirada na Lei Maria da Penha, a Lei Henry Borel busca combater e prevenir a violência contra menores de idade no ambiente familiar, criando mecanismos mais rígidos de proteção e estabelecendo penalidades mais severas para agressores (BRASIL, 2022). Esta legislação atende a uma crescente demanda social e jurídica, oferecendo respostas eficazes para um problema alarmante e recorrente no país. Este tópico examina as principais disposições da lei, focando nas medidas protetivas, penas estabelecidas e no aprimoramento do sistema de atendimento e acompanhamento dos casos de violência infantil.

A Lei Henry Borel estabelece medidas protetivas imediatas que visam afastar a criança ou adolescente em situação de risco do convívio com o agressor, minimizando a exposição da vítima à violência. Essa lei se inspira na Lei Maria da Penha ao prever o afastamento obrigatório do agressor do lar e a proibição de que este se aproxime da vítima e de familiares, com o objetivo de evitar a reiteração de atos violentos (SILVA e ALMEIDA, 2022).

Entre as medidas específicas, destacam-se o acolhimento temporário da vítima em um ambiente seguro, o acompanhamento psicológico e a assistência social. Segundo Moraes (2022), essas disposições visam proteger não só a integridade física, mas também a saúde mental das crianças e adolescentes, que muitas vezes enfrentam traumas profundos em decorrência da violência doméstica. Como destaca Moraes, “o acolhimento imediato é crucial para a recuperação da vítima e para interromper o ciclo de violência que muitas vezes perdura por anos dentro do núcleo familiar” (MORAES, 2022, p. 215).

A Lei Henry Borel também define penalidades mais severas para aqueles que praticam violência doméstica e familiar contra crianças e adolescentes, reconhecendo a vulnerabilidade desse grupo e a necessidade de proteção especial. De acordo com a legislação, os crimes cometidos contra menores de idade em contexto doméstico podem levar ao agravamento das penas, com o aumento de um terço à metade da pena, dependendo da gravidade do crime (BRASIL, 2022).

Para Silva e Almeida (2022), o aumento das penas é um mecanismo essencial para coibir crimes dessa natureza, mas também para “enviar uma mensagem clara de que a sociedade e o Estado não toleram qualquer forma de violência contra crianças” (SILVA e ALMEIDA, 2022, p. 127). Essa mudança busca também corrigir uma falha percebida na legislação anterior, que não atribuía maior gravidade aos crimes cometidos em contexto familiar e contra menores de idade.

A Lei Henry Borel também busca atuar na prevenção da violência, não apenas na punição de casos já ocorridos. Nesse sentido, a lei incentiva a criação de programas de prevenção e campanhas de conscientização sobre a violência contra crianças e adolescentes. Segundo a UNICEF (2021), campanhas educativas e programas preventivos são essenciais para reduzir os índices de violência e proteger as vítimas potenciais, agindo na raiz do problema e na educação da população.

Além disso, a lei prevê o fortalecimento de redes de apoio social, como Conselhos Tutelares, organizações de assistência social e equipes de psicologia e pedagogia, que atuam diretamente no acolhimento e recuperação de vítimas. De acordo com a Rede Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (RENACRIAD, 2020), o papel dessas instituições é fundamental para que a lei seja eficaz na proteção e na recuperação das vítimas, promovendo um acompanhamento integral e de longo prazo.

Outra inovação trazida pela Lei Henry Borel é a previsão de medidas de acompanhamento dos agressores, buscando garantir que não voltem a colocar as crianças e adolescentes em situação de risco. Esse acompanhamento pode incluir sessões de reeducação e orientações psicossociais para os autores de violência, semelhantes ao que já ocorre na Lei Maria da Penha. Segundo estudo da Rede RENACRIAD (2020), essa abordagem é eficaz para evitar a reincidência e para tratar questões comportamentais dos agressores, que muitas vezes estão envoltos em ciclos de violência que não foram tratados adequadamente.

Além disso, a lei estabelece que os agressores devem ser monitorados para garantir que respeitem as medidas protetivas impostas. Caso essas medidas sejam desrespeitadas, a legislação prevê a prisão preventiva do agressor, medida que tem o objetivo de proteger a vítima e garantir a execução das determinações legais (BRASIL, 2022).

4.3 Índices Atuais de Violência Infantil no Brasil

Os dados sobre violência infantil no Brasil são alarmantes. Segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), o número de casos de violência contra crianças e adolescentes tem crescido de forma preocupante. Em 2022, foram registrados mais de 27 mil casos de violência física, sexual e psicológica contra menores de idade, um aumento de 15% em comparação com os anos anteriores (BRASIL, 2022). Esses dados refletem não apenas a prevalência da violência, mas também a dificuldade em diagnosticar e notificar esses casos, especialmente em contextos familiares onde à violência pode ser oculta.

Estudos realizados pelo UNICEF (2021) revelam que 1 em cada 4 crianças no Brasil já sofreu algum tipo de violência. A maioria dos casos ocorre dentro do ambiente familiar, o que levanta questões sobre a necessidade de proteção legal robusta e de ações preventivas. O relatório também aponta que a violência psicológica e a negligência são as formas mais comuns de agressão, muitas vezes invisibilizadas na esfera pública e, consequentemente, na legislação.

A Lei Henry Borel foi sancionada em 2022 como resposta à crescente preocupação com a violência infantil, especialmente após o caso trágico do menino Henry, que foi vítima de agressão por parte de pessoas que deveriam protegê-lo. A lei introduziu medidas mais rigorosas de proteção, incluindo a possibilidade de afastamento do agressor do lar, e prevê penas mais severas para crimes de violência contra crianças (BRASIL, 2022).

Medidas Protetivas: A lei estabelece a possibilidade de medidas protetivas para garantir a segurança da criança ou adolescente em situação de risco, como o afastamento do agressor e a inclusão em programas de proteção (BRASIL, 2022).

Um dos principais focos da legislação é a implementação de medidas protetivas que visam garantir a segurança e o bem-estar das vítimas, criando um ambiente seguro para o seu desenvolvimento. As medidas protetivas estabelecidas pela lei refletem a urgência e a gravidade da situação enfrentada por muitas crianças no país.

Uma das principais inovações da Lei Henry Borel é a possibilidade de afastamento do agressor do lar, conforme estabelecido no Art. 4º, inciso I. Essa medida tem como objetivo primordial proteger a criança ou adolescente em situação de risco imediato. Ao determinar que o agressor deve deixar o ambiente familiar, a lei busca interromper a continuidade da violência e permitir que a vítima tenha um espaço seguro para viver e se recuperar.

A eficácia dessa medida se revela na prática, pois muitas vezes, o agressor é um familiar próximo, o que dificulta a denúncia e a proteção da vítima. O afastamento não apenas protege a criança fisicamente, mas também pode proporcionar um espaço para que a família busque apoio psicológico e serviços sociais, essenciais para o processo de recuperação.

O Art. 4º, inciso II da Lei Henry Borel, prevê a inclusão da criança ou adolescente em programas de proteção, quando necessário. Essa medida é fundamental para garantir que as vítimas tenham acesso a recursos adequados, como assistência social, apoio psicológico e orientações legais. O acesso a programas de proteção pode ajudar a estabilizar a vida da criança após a experiência de violência, facilitando sua reintegração à sociedade.

Além do afastamento do agressor, a lei estabelece, no Art. 4º, inciso III, a proibição de contato entre o agressor e a vítima. Essa medida é crucial para assegurar que a criança ou adolescente não esteja exposta a novas ameaças ou tentativas de intimidação. A proibição de contato pode incluir não apenas interações diretas, mas também o uso de meios de comunicação, como telefonemas e redes sociais. Essa proteção é vital para a saúde mental da vítima, que muitas vezes pode sentir-se insegura e ameaçada, mesmo após o afastamento do agressor.

A lei também prevê, no Art. 4º, inciso IV, o acompanhamento psicológico da criança ou adolescente e de sua família. O suporte psicológico é essencial para ajudar as vítimas a lidarem com os traumas resultantes da violência. A terapia pode proporcionar um espaço seguro para a criança expressar seus sentimentos e experiências, promovendo um processo de cura e resiliência.

A Lei Henry Borel também assegura o direito à assistência jurídica, conforme estabelecido no Art. 4º, inciso V. O acesso à justiça é fundamental para garantir que as vítimas possam reivindicar seus direitos e buscar reparação pelos danos sofridos. A assistência jurídica pode incluir orientação sobre como registrar uma queixa, representação legal em processos judiciais e informações sobre direitos e recursos disponíveis.

Um aspecto crucial da eficácia das medidas protetivas é a necessidade de integração entre os diversos órgãos responsáveis pela proteção de crianças e adolescentes. A Lei Henry Borel destaca a importância da articulação entre Conselhos Tutelares, Delegacias de Polícia, Varas da Infância e outros serviços sociais. Essa integração é vital para garantir uma resposta rápida e eficaz às situações de violência, permitindo que as medidas protetivas sejam implementadas de maneira ágil e coordenadas.

Aumento das Penas: A legislação prevê penas mais severas para os crimes de violência, buscando desestimular os agressores e aumentar a responsabilidade jurídica em casos de violência infantil.

A Lei Henry Borel modifica e complementa dispositivos do Código Penal e da Lei de Crimes Hediondos, ampliando a tipificação de crimes relacionados à violência contra crianças e adolescentes. O Art. 3º da lei estabelece que a prática de violência física, sexual ou psicológica contra crianças e adolescentes deve ser punida com penas mais severas, reconhecendo a gravidade dessas ofensas e a necessidade de um tratamento legal mais rigoroso.

O aumento das penas para os crimes tipificados está fundamentado na ideia de que a proteção de crianças e adolescentes exige uma resposta penal que não apenas desestimule a violência, mas também reflita a gravidade do ato cometido. Assim, as penas para delitos como abuso sexual, exploração sexual e violência doméstica são elevadas, garantindo que a legislação reflita a importância da proteção integral de crianças e adolescentes.

No Art. 1º da Lei Henry Borel, o texto legal especifica o aumento das penas para certos crimes, incluindo a violência doméstica, os crimes sexuais, a negligência e o abandono, conforme disposto a seguir.

Violência Doméstica: O artigo estabelece que a pena para o crime de violência doméstica, conforme o Art. 7º da Lei Maria da Penha, pode ser aumentada em até um terço se o crime for cometido contra crianças ou adolescentes. Essa mudança visa intensificar a proteção legal para as vítimas mais vulneráveis dentro do ambiente familiar, reconhecendo a necessidade de uma resposta penal mais severa quando a violência é direcionada a menores.

Crimes Sexuais: O Art. 2º da lei estabelece que os crimes previstos nos Artigos 213 (Estupro), 215 (Estupro de vulnerável) e 217-A (Estupro de vulnerável) do Código Penal terão suas penas aumentadas em até um terço quando o crime for praticado contra uma criança ou adolescente. Essa medida é uma resposta clara à alarmante taxa de abusos sexuais cometidos contra menores, refletindo a urgência de ações legislativas que protejam essa faixa etária.

Negligência e Abandono: A Lei Henry Borel também trata de casos de negligência e abandono. O aumento das penas para quem deixar de garantir a proteção necessária a crianças e adolescentes em situação de risco é uma resposta à violência invisibilizada que muitas vezes ocorre em lares. Essa mudança visa responsabilizar aqueles que, pela omissão, contribuem para o sofrimento das vítimas.

Além do aumento das penas, a Lei Henry Borel também prevê circunstâncias agravantes que podem resultar em penas ainda mais severas. Por exemplo, a lei determina que, se o agressor for um familiar ou responsável pela criança, a pena pode ser aumentada, considerando a confiança que deveria existir nesse relacionamento. Essa previsão busca tratar com mais severidade os crimes que ocorrem em ambientes que deveriam ser seguros para as crianças, como suas próprias casas.

O Art. 4º da lei estipula que a reincidência em crimes de violência contra crianças e adolescentes também deve ser considerada como uma circunstância agravante, assegurando que aqueles que persistem na prática de abusos enfrentem consequências legais mais rigorosas.

Embora a Lei Henry Borel tenha introduzido aumentos de penas que refletem uma preocupação crescente com a proteção de crianças e adolescentes, a efetividade dessas disposições legais depende da implementação adequada e do comprometimento dos órgãos responsáveis pela aplicação da lei. É essencial que as autoridades judiciárias e de segurança pública estejam capacitadas e equipadas para garantir que as penas mais severas sejam aplicadas de forma justa e consistente.

Além disso, é importante que haja campanhas de conscientização sobre a legislação e seus objetivos, para que a sociedade compreenda a gravidade da violência contra crianças e adolescentes e se mobilize em apoio à proteção dos direitos infantis.

O aumento das penas na Lei Henry Borel representa uma resposta legislativa importante às alarmantes taxas de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Ao estabelecer penas mais severas para crimes específicos e considerar circunstâncias agravantes, a lei busca desestimular a violência e proteger os direitos das vítimas. No entanto, para que essa legislação cumpra efetivamente seu papel, é crucial que haja um comprometimento conjunto de toda a sociedade, incluindo o Estado, os profissionais de proteção e a comunidade, para assegurar que as crianças e adolescentes possam crescer em ambientes seguros e acolhedores.

Desde a promulgação da Lei Henry Borel, as expectativas eram altas quanto à sua capacidade de reduzir os índices de violência infantil. No entanto, a efetividade da lei ainda é um tema de debate. A implementação efetiva das novas disposições enfrenta vários desafios, incluindo a falta de infraestrutura, recursos limitados e a necessidade de capacitação dos profissionais envolvidos no atendimento a vítimas de violência (MORAES, 2022).

Um estudo realizado por Silva e Almeida (2022) indica que, embora a lei tenha promovido uma maior conscientização sobre a violência infantil e gerado um aumento nas denúncias, a resposta dos sistemas de proteção ainda é inadequada. O estudo aponta que muitos casos continuam a ser subnotificados, e a articulação entre os diferentes órgãos responsáveis pela proteção ainda é falha. A pesquisa sugere que, para que a Lei Henry Borel alcance seu potencial, é crucial que haja um compromisso contínuo do Estado em promover campanhas de conscientização e em investir na capacitação de profissionais.

4.4 Impactos e Desafios da Lei Henry Borel no Combate à Violência

A Lei Henry Borel trouxe uma série de impactos significativos para a proteção das crianças e adolescentes em situação de violência doméstica e familiar. Entre os efeitos mais notáveis, destaca-se o fortalecimento da rede de proteção social. Segundo Silva e Almeida (2022), essa legislação encoraja uma maior articulação entre órgãos de proteção, como os Conselhos Tutelares, e os centros de apoio social, para garantir que as vítimas recebam assistência adequada desde o primeiro atendimento.

Além disso, a lei introduz uma maior responsabilidade para o sistema de justiça na proteção de menores, impondo que medidas protetivas sejam tomadas com urgência sempre que houver indícios de violência. Para Moraes (2022), essa exigência de rapidez e rigor no tratamento de casos de violência contra menores representa uma evolução significativa em relação à legislação anterior, que muitas vezes deixava lacunas e possibilitava demoras no processo de proteção. Como observa o autor, “a Lei Henry Borel confere uma resposta mais célere e severa às agressões cometidas no ambiente familiar, evitando que as vítimas permaneçam em situação de risco por longos períodos” (MORAES, 2022, p. 222).

Outro impacto importante da Lei Henry Borel é a conscientização social que ela proporciona sobre a violência infantil. Com a visibilidade gerada pelo caso Henry Borel e pela criação dessa lei, houve um aumento significativo na discussão pública sobre a proteção infantil. Segundo o relatório da Rede Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (RENACRIAD, 2020), “a implementação da Lei Henry Borel ajuda a desmistificar a violência doméstica, destacando que ela pode ocorrer também contra crianças e adolescentes, e promovendo uma cultura de denúncia e intervenção” (RENACRIAD, 2020, p. 15).

Apesar dos avanços proporcionados pela Lei Henry Borel, sua aplicação enfrenta desafios consideráveis. Um dos maiores obstáculos está na falta de infraestrutura adequada e de recursos humanos para realizar o acompanhamento dos casos de violência infantil. Segundo UNICEF (2021), o número insuficiente de profissionais capacitados, como psicólogos e assistentes sociais, dificulta a implementação eficaz das medidas protetivas e o acompanhamento das vítimas. Esse problema é especialmente grave em regiões de baixa renda e áreas rurais, onde os serviços de proteção social são limitados.

Outro desafio refere-se à integração dos sistemas de proteção e da rede de apoio social. Embora a lei preveja uma maior articulação entre órgãos de proteção, a realidade prática é que muitas vezes há falta de coordenação entre o sistema de justiça, os conselhos tutelares e as redes de atendimento psicológico. Segundo Moraes (2022), essa desarticulação resulta em “falhas no atendimento à vítima e na execução das medidas de proteção”, o que compromete a eficácia da legislação (MORAES, 2022, p. 228).

A formação e capacitação dos agentes envolvidos são também uma barreira significativa. Embora a lei determine que a proteção das crianças e adolescentes seja uma prioridade, muitos profissionais que atuam na área, incluindo policiais, juízes e conselheiros tutelares, ainda carecem de treinamento especializado para lidar com a complexidade dos casos de violência infantil (BRASIL, 2022). Para Silva e Almeida (2022), a falta de capacitação adequada dificulta a identificação de casos de violência e compromete o atendimento inicial, que é fundamental para a segurança das vítimas.

Além dos desafios estruturais e institucionais, a implementação da Lei Henry Borel enfrenta obstáculos culturais. A violência contra crianças e adolescentes no contexto familiar muitas vezes é considerada um “assunto privado”, o que dificulta a denúncia e a intervenção de terceiros. Esse aspecto é apontado pela Rede RENACRIAD (2020) como um fator limitante para o sucesso da lei. “A sociedade precisa perceber que a violência contra crianças e adolescentes é uma questão de saúde pública e que exige intervenção do Estado e da sociedade como um todo” (RENACRIAD, 2020, p. 18).

O combate ao ciclo de violência também é um desafio contínuo. Muitos agressores foram, eles mesmos, vítimas de violência na infância e reproduzem esses comportamentos em suas próprias famílias. Segundo UNICEF (2021), esse ciclo intergeracional de violência é uma das maiores barreiras para erradicar o problema, e exige políticas de educação e conscientização que vão além da punição dos agressores.

5 CONCLUSÃO

Os índices alarmantes de violência infantil no Brasil evidenciam a necessidade urgente de uma abordagem mais eficaz e abrangente para a proteção de crianças e adolescentes. Com mais de 27 mil casos registrados em 2022, incluindo violência física, sexual e psicológica, é evidente que a sociedade ainda enfrenta um grande desafio para reconhecer e combater essas agressões (BRASIL, 2022). A situação é ainda mais preocupante considerando que 1 em cada 4 crianças já sofreu algum tipo de violência, conforme aponta o UNICEF (2021). Esses dados não apenas refletem a alta prevalência da violência, mas também ressaltam a dificuldade de diagnosticar e notificar casos, especialmente em contextos familiares onde à agressão tende a ser escondida.

As consequências da violência contra crianças e adolescentes são profundas e duradouras, impactando gravemente o desenvolvimento físico, emocional e psicológico das vítimas. Estudos mostram que crianças que sofrem violência podem desenvolver problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e transtornos de estresse pós-traumático (TEPT). Além disso, essas experiências podem comprometer o desenvolvimento cognitivo e afetar o desempenho escolar, perpetuando ciclos de violência e vulnerabilidade (SILVA; ALMEIDA, 2022). A violência psicológica e a negligência, muitas vezes invisibilizadas, podem causar danos igualmente severos, levando a um impacto negativo nas relações interpessoais e na autoestima das vítimas.

A promulgação da Lei Henry Borel, em 2022, surgiu como uma resposta necessária à crescente preocupação com a violência infantil, especialmente após o trágico caso do menino Henry, que se tornou um símbolo da luta contra a violência doméstica. Essa legislação introduziu medidas protetivas mais rigorosas e aumentou as penas para crimes cometidos contra crianças, buscando um fortalecimento das redes de proteção (BRASIL, 2022). No entanto, a efetividade da lei ainda enfrenta grandes desafios. A implementação das novas diretrizes é frequentemente prejudicada pela falta de infraestrutura, recursos limitados e a carência de profissionais capacitados para atender as vítimas de violência (MORAES, 2022).

Embora a Lei Henry Borel tenha contribuído para aumentar a conscientização sobre a violência infantil e gerado um crescimento nas denúncias, a resposta das instituições ainda é considerada inadequada. A subnotificação de casos e a falta de articulação entre os órgãos responsáveis pela proteção infantil permanecem como barreiras significativas à efetividade da lei. Assim, para que a Lei Henry Borel cumpra seu potencial, é imperativo que haja um compromisso contínuo do Estado em promover campanhas de conscientização e em investir na capacitação dos profissionais envolvidos no atendimento a vítimas.

Portanto, a luta contra a violência infantil exige não apenas legislação robusta, mas também uma mobilização social que envolva a educação, a saúde e o apoio psicológico. Somente através de um esforço conjunto será possível garantir que crianças e adolescentes tenham seus direitos respeitados e que sejam construídas condições adequadas para um desenvolvimento saudável e seguro. A efetividade da Lei Henry Borel e o enfrentamento da violência contra crianças no Brasil dependem, em última análise, de um engajamento coletivo que reconheça a importância de proteger nossas futuras gerações, garantindo um ambiente seguro e acolhedor para todos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n° 14.344, de 24 de maio de 2022. Dispõe sobre medidas protetivas e penais para a proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e familiar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de maio 2022. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 30 out. 2024.

BRASIL. Ministério da Saúde. Prevenção da violência e promoção da cultura de paz: Relatório Nacional sobre violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde, 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Recurso Especial n. º 1.830.457 – RJ (2019). Disponível em: https://stf.jus.br. Acesso em: 30 out. 2024.

MINAYO, M. C. S. Violência contra crianças e adolescentes: questão social, questão de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n. 5, p. 111-118, 2005.

MORAES, L. R. Legislação e proteção infantil no Brasil: Análise crítica da Lei Henry Borel no contexto de violência doméstica. Revista Brasileira de Estudos Jurídicos, v. 13, n. 3, p. 215-229, 2022.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Global status report on preventing violence against children. Genebra: OMS, 2021. Disponível em: https://www.who.int/publications/. Acesso em: 30 out. 2024.

RENACRIAD – Rede Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Relatório anual sobre casos de violência doméstica e proteção infantil no Brasil. São Paulo: RENACRIAD, 2020.

SILVA, R. L.; ALMEIDA, M. P. A Lei Henry Borel e as novas disposições para a proteção de crianças em situação de violência doméstica. Revista de Direito e Proteção à Infância, v. 5, n. 2, p. 120-138, 2022.

UNICEF. Violência contra crianças e adolescentes no Brasil: Um estudo nacional. Brasília: UNICEF Brasil, 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/. Acesso em: 30 out. 2024.


1Acadêmica do curso de direito da Instituição de Ensino Superior (IES) Faculdade Una de Divinópolis da rede Ânima de Educação. E-mail: analuisaoliveira3000@icloud.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) Faculdade Una de Divinópolis da rede Ânima de Educação. 2024. Orientador e coautor: Prof. Eduardo César Russo Leal.

2Acadêmico do curso de direito da Instituição de Ensino Superior (IES) Faculdade Una de Divinópolis da rede Ânima de Educação. E-mail: marquinhodiv33@gmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Instituição de Ensino Superior (IES) Faculdade Una de Divinópolis da rede Ânima de Educação. 2024. Orientador e coautor: Prof. Eduardo César Russo Leal.

3Orientador e Coautor – Mestre em proteção dos Direitos Fundamentais pela Universidade de Itaúna e professor da Faculdade Una de Divinópolis da rede Ânima de Educação.