REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11518373
Inara Leandro Ribeiro¹;
Dúlcineia Bacinello Ramalho².
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo analisar os desdobramentos da aplicação da Lei Maria da Penha no contexto do divórcio, examinando os desafios e controvérsias jurídicas associadas a esse tema. O divórcio no contexto da Lei Maria da Penha representa uma área complexa do direito brasileiro, refletindo os desafios que surgem na intersecção entre a proteção contra a violência doméstica e as questões matrimoniais. A legislação, instituída em 2006, visa coibir e prevenir a violência doméstica, proporcionando medidas de proteção para as vítimas. Inicialmente, será discutida a natureza e os propósitos da legislação, destacando seu papel na proteção das mulheres em situações de violência doméstica. A metodologia adotada neste estudo é descritiva e bibliográfica, buscando informações em fontes pré-existentes, como pesquisas anteriores, livros, artigos e teses. Finalmente, o artigo conclui com reflexões sobre os desafios e perspectivas futuras relacionados a esse assunto, ressaltando a importância de uma abordagem jurídica equilibrada para lidar adequadamente com as nuances do divórcio na esfera da Lei Maria da Penha.
Palavras-chave: divórcio; lei Maria da Penha; violência doméstica
ABSTRACT
The present study aims to analyze the implications of the application of the Maria da Penha Law in the context of divorce, examining the legal challenges and controversies associated with this issue. Divorce in the context of the Maria da Penha Law represents a complex area of Brazilian law, reflecting the challenges that arise at the intersection of protection against domestic violence and marital issues. The legislation, instituted in 2006, aims to curb and prevent domestic violence by providing protective measures for victims. Initially, the nature and purposes of the legislation will be discussed, highlighting its role in protecting women in situations of domestic violence. The methodology adopted in this study is descriptive and bibliographic, seeking information from pre-existing sources such as previous research, books, articles, and theses. Finally, the article concludes with reflections on the challenges and future perspectives related to this issue, emphasizing the importance of a balanced legal approach to adequately address the nuances of divorce within the scope of the Maria da Penha Law.
Keywords: divorce; Maria da Penha Law; domestic violence.
1. INTRODUÇÃO
Na esfera jurídica brasileira, o Divórcio à luz da Lei Maria da Penha se torna um ponto de análise crucial, delineando uma interseção entre o âmbito familiar e a legislação voltada à proteção das mulheres contra a violência doméstica (Amaral, 2023).
Dessa forma, A Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, representou um marco legislativo na garantia dos direitos das mulheres, estabelecendo medidas protetivas e aprimorando os mecanismos de combate à violência de gênero (Maia, 2023).
No entanto, a complexidade das relações familiares, especialmente no contexto do divórcio, muitas vezes coloca em evidência desafios adicionais para a efetivação dos princípios e dispositivos previstos nessa legislação específica (Maia, 2023).
Nesse sentido, surge a questão: Quais são os impactos da aplicação da Lei Maria da Penha no processo de divórcio, considerando as nuances das relações conjugais e familiares? Este questionamento direciona a análise para a compreensão das implicações jurídicas, sociais e psicológicas envolvidas quando a violência de gênero permeia os processos de dissolução matrimonial.
Assim, o objetivo geral da presente pesquisa é: Analisar os desdobramentos da aplicação da Lei Maria da Penha no contexto do divórcio e os objetivos específicos incluem: Identificar as peculiaridades das situações de violência doméstica em processos de separação conjugal; Compreender a eficácia das medidas protetivas previstas na legislação em casos de divórcio e Analisar os desafios enfrentados pelo sistema jurídico para conciliar a proteção da vítima.
Diante desses objetivos, definiu-se duas hipóteses: A possibilidade de que a aplicação da Lei Maria da Penha no contexto do divórcio possa contribuir para uma maior proteção das vítimas e a judicialização de questões familiares, quando envolve situações de violência doméstica, pode acarretar maior conflito e prolongamento do processo de divórcio.
Nesse contexto, justifica-se a relevância deste estudo pela necessidade de compreender as dinâmicas complexas que permeiam as relações familiares marcadas pela violência de gênero, bem como pela importância de aprimorar as políticas e práticas jurídicas relacionadas ao divórcio, de modo a garantir a proteção das vítimas e a efetivação dos direitos fundamentais de todos os envolvidos. Ademais, este estudo se propõe a contribuir para a reflexão e o aprimoramento das políticas públicas voltadas à prevenção e combate à violência contra as mulheres, especialmente no contexto das relações conjugais em processo de dissolução.
Em relação a metodologia, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, qualitativa, que explora a relação entre o divórcio e a aplicação da Lei Maria da Penha. A metodologia consiste na análise crítica da literatura, por meio de artigos, dissertações e teses que apresentem os desdobramentos jurídicos e sociais do divórcio envolvendo casos de violência doméstica. A pesquisa busca elucidar os desafios enfrentados pelas mulheres na busca por divórcio em situações de violência, assim como as políticas e práticas jurídicas que visam oferecer suporte e proteção às mulheres nesse contexto.
2. A VIOLÊNCIA CONTRA MULHER CONTEXTO HISTÓRICO
Analisando o contexto histórico, observa-se que as mulheres do século XIX enfrentavam uma acentuada submissão, sendo encarregadas principalmente das tarefas domésticas e limitadas aos papéis de esposas e mães. Os fatores culturais e morais da época restringiam sua capacidade de deixar o trabalho doméstico para buscar emprego fora de casa. Aquelas que desafiavam essas normas, optando por trabalhar ou estudar, eram frequentemente desacreditadas e desaprovadas pela sociedade (Duarte, 2003).
Conforme Machado (2004), aquele período era peculiar e desanimador, cheio de aspirações não reconhecidas. Eu sonhava há muito tempo em contribuir para o mundo, mas, como éramos mulheres de poucos recursos e nascidas em determinadas posições sociais, não se considerava necessário que fizéssemos algo além de nos ocuparmos até que surgissem o momento e a oportunidade de nos casarmos.
A partir dos anos 1950, as mulheres começaram a questionar a naturalização da opressão e da discriminação que sofriam, desencadeando uma série de reflexões, movimentos sociais, obras literárias e formas de resistência. Isso incluiu a marcha da panela vazia, participação na luta pela anistia e redemocratização do país, além da formação de grupos feministas para discutir literatura relacionada às mulheres e sua sexualidade (Pinto, 2003).
A condição social das mulheres, moldada ao longo da história pelo patriarcado e pelo capitalismo, já estava sendo contestada desde o início do século XX com o movimento sufragista (Pinto, 2003). Na década de 1950, a discussão teórica de Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo” iniciou uma reflexão teórica sobre as questões específicas das mulheres (Beauvoir, 1967).
Nos anos 1980, Joan Scott introduziu a distinção entre sexo e gênero, afirmando que o “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder” (Scott, 1990, p.14). A partir dessa nova perspectiva analítica, surgiram estudos sobre as mulheres e a violência em suas vidas.
Assim, no Brasil, o movimento feminista trouxe à tona a questão da violência contra a mulher, especialmente no contexto doméstico, antes considerado um assunto privado. Uma das maiores preocupações do movimento foi a vitimização das mulheres dentro de seus lares, levando esse tema para o domínio público.
Em termos legislativos, a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, promulgada em 7 de agosto de 2006, foi um marco importante. Esta lei estabeleceu mecanismos para prevenir e punir a violência doméstica e familiar contra as mulheres. Segundo esta legislação, qualquer caso de violência doméstica contra a mulher é considerado crime, sujeito a investigação policial e encaminhamento ao Ministério Público. A lei prevê a possibilidade de prisão em flagrante do agressor, bem como a decretação de prisão preventiva caso haja ameaça à integridade física da mulher. Além disso, são estabelecidas medidas de proteção para a mulher, incluindo o afastamento do agressor do ambiente familiar (Brasil, 2006).
A Lei Maria da Penha entrou em vigor em 22 de setembro de 2006, representando um importante avanço na proteção das mulheres contra a violência doméstica. Além disso, foram criados serviços especializados, como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), para enfrentar esse problema (Nobre e Barreira, 2008).
Gomes et al., (2007) compreende a violência doméstica contra as mulheres como resultado de uma construção social e histórica que as coloca em uma posição de subordinação, é crucial examinar as representações dos juízes de Direito, levando em consideração seus valores e crenças sobre as mulheres e as situações de violência contra elas. Isso se torna essencial, uma vez que esses juízes serão responsáveis por julgar casos de violência de acordo com a Lei Maria da Penha, que define diversas formas de violência doméstica e familiar no seu Artigo 7º:
- – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
- – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
- – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
- – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
- – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (Brasil, 2006 p.17).
Frente à nova legislação, torna-se imperativo que os profissionais do Poder Judiciário incorporem mudanças em sua abordagem. Nesse sentido, é essencial que esses profissionais reflitam, em algum momento, sobre suas crenças, opiniões e experiências em relação às dinâmicas entre mulheres e homens, especialmente no contexto da violência doméstica (Porto e Costa, 2010).
2.1 O conceito da violência doméstica
Como já apresentado a violência doméstica tem sido uma presença constante ao longo da história e, nos últimos anos, seu aumento significativo a transformou em um problema global, gerando discussões e estudos interdisciplinares.
Conforme os estudos de Cavalcante (2007), esse tipo de violência abrange uma gama de comportamentos que vão desde brutalidade física até violações psicológicas e morais, caracterizando-se por relações marcadas pela intimidação e medo.
Para Teles e Melo (2003), a violência contra a mulher abrange qualquer forma de agressão ou coerção, física, psicológica ou intelectual, que viole seus direitos humanos fundamentais.
Segundo a definição Cunha e Pinto (2007), a violência contra a mulher engloba atos que causem sofrimento físico, sexual ou mental, com o intuito de intimidá-la, punila ou mantê-la em estereótipos de gênero, comprometendo sua dignidade e autonomia.
A Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006) estabelece, em seu artigo 5° que:
Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (BRASIL, 2006).
Contudo, como observa Rocha (2010), o silêncio das vítimas muitas vezes prevalece, seja por medo ou vergonha, evidenciando a complexidade e a invisibilidade desse problema social. Em última análise, a violência contra a mulher reflete uma dinâmica de poder, onde a mulher frequentemente é subjugada em uma sociedade que perpetua a subordinação do sexo feminino ao masculino.
Em última análise, torna-se evidente que a violência contra as mulheres é percebida como uma manifestação de desequilíbrio de poder, resultando na subjugação do sexo feminino em uma sociedade que perpetua a submissão das mulheres aos homens, que exercem domínio sobre elas.
3. DA PROTEÇÃO LEGAL DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A proteção legal contra a violência direcionada às mulheres teve sua origem em 29 de maio de 1983, quando a Sra. Maria da Penha Fernandes foi alvo de uma tentativa de homicídio enquanto dormia, perpetrada por seu marido, o professor universitário Marcos Antônio Heredia (Peralva, 2016).
Como resultado do disparo, Maria da Penha ficou paraplégica. Após várias outras tentativas de assassinato contra ela, seu marido foi denunciado pelo Ministério Público em 28 de setembro de 1984. Em 4 de maio de 1991, ele foi condenado pelo Tribunal do Júri a 15 anos de prisão. No entanto, foi concedido a ele o direito de recorrer em liberdade, e o processo foi anulado (Campos, 2011).
Em 1996, houve um novo julgamento e uma nova condenação de 10 anos, mas diversos recursos foram interpostos a favor do réu. Somente em 2002, quase duas décadas após o crime, ele foi finalmente preso. Maria da Penha levou seu caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, alegando a tolerância do Estado brasileiro em relação à violência doméstica, com base na Convenção de Belém do Pará e nos direitos humanos (Campos, 2011).
Como resultado da grande repercussão do caso, o Brasil foi condenado pela Corte Internacional a pagar indenização a Maria da Penha e foi responsabilizado por omissão e negligência em relação à violência doméstica. Isso levou à recomendação de criação de uma lei no país para punir e prevenir a violência doméstica e familiar contra as mulheres (Medeiros, 2016).
Após extensos debates no Legislativo, Executivo e sociedade, o Projeto de Lei n° 4.559/2004 foi aprovado por unanimidade pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Em agosto de 2006, a Lei n°11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada (Watanabe, et al, 2020). Assim, têm-se também as medidas protetivas que
podem colaborar para construir com a mulher parâmetros a partir dos quais a sua necessidade possa ser mais bem expressada no sistema judicial. A colaboração mencionada pode também ter como resultado o estabelecimento de modos pelos quais a mulher tornaria a concessão das medidas algo com maior probabilidade de ser eficaz e efetivo, permitindo a ela, em tese, evitar, eventualmente, algumas situações de risco. Deve ser recordado que, por diversos motivos, as medidas protetivas sozinhas não garantem a integridade de sua demandante. Não é por outro motivo que crescem no país iniciativas que associam as medidas protetivas a rondas policiais ou ao uso de botões de pânico, com base em diferentes tipos de aplicativo, geralmente usados no aparelho celular (Coimbra; Ricciardi e Levy, 2018, p. 5).
Então importante ressaltar a necessidade dessas medidas protetivas nem sempre são eficazes por isso, o divórcio se torna alternativa.
3.1 A atuação da Delegacia de Polícia na aplicação da Lei Maria da Penha: um breve panorama do atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica
Em um primeiro momento é importante ressaltar que a comunicação de ocorrência de um crime pode ocorrer por diversas formas, como ligação telefônica (anônima ou não), comunicação pessoal, rádio, documento, ou através da Brigada Militar. Após isso, o registro da ocorrência é realizado na delegacia (Peralva, 2016).
Nos casos de violência contra a mulher, esse registro deve incluir a representação da vítima, nos crimes de ação pública condicionada. É importante ressaltar que nos crimes de ação pública incondicionada, não é necessário que a representação da vítima seja registrada, uma vez que a ação penal não depende de sua representação (Corrêa, 2010).
Durante o registro da ocorrência, são colhidos os depoimentos da vítima e das testemunhas, bem como, quando possível, o interrogatório do agressor. Além disso, são incluídos no expediente o boletim de antecedentes do agressor. A vítima também é consultada sobre a necessidade de medidas protetivas de urgência, que, se solicitadas, são encaminhadas ao juiz junto com os depoimentos e o boletim de antecedentes do agressor em até 48 horas (França e Marchiori, 2003).
O juiz, ao analisar o pedido de medidas protetivas, determina o afastamento do agressor do lar, entre outras medidas, se considerar necessário, podendo concedêlas imediatamente. É fundamental que o policial informe à vítima sobre os direitos concedidos pela Lei Maria da Penha, explicando as condutas proibidas ao agressor caso as medidas protetivas sejam concedidas pelo juiz (França e Marchiori, 2003).
As medidas protetivas de urgência são emergenciais, visando retirar o agressor do convívio da vítima e impedir sua aproximação, entre outras medidas. Essas medidas têm o objetivo de acelerar os procedimentos estabelecidos pela Lei Maria da Penha para garantir a segurança da mulher durante a persecução penal, que pode se estender por longos períodos (França e Marchiori, 2003).
Após a concessão das medidas protetivas, o agressor é notificado e fica proibido de realizar as condutas determinadas nas medidas, sob pena de cometer crime de desobediência à decisão judicial. Nesse sentido, o juiz pode decretar a prisão do agressor a qualquer momento, conforme previsto pela Lei Maria da Penha (Corrêa, 2010).
Na fase de apuração do crime na delegacia, o delegado de polícia analisa o caso e decide se instaura um inquérito policial para investigar o crime. Esse inquérito policial é o primeiro passo da ação penal. (Corrêa, 2010).
Depois de realizadas as investigações necessárias, o inquérito policial é encaminhado ao delegado de polícia, que decide se o agressor será indiciado ou não, com base nas provas coletadas durante o procedimento. Em seguida, o inquérito policial é remetido ao Poder Judiciário, onde será transformado em processo (Corrêa, 2010).
Cada caso de violência doméstica é único, com complexidades variadas, e o tempo necessário para sua elucidação não pode ser previsto com precisão. No entanto, a lei estabelece prazos para a conclusão do inquérito policial, que podem ser ajustados dependendo das circunstâncias específicas do caso (Lima e Santos, 2010).
4. DOS ASPECTOS DO DIVÓRCIO NA LEI MARIA DA PENHA
A Lei Maria da Penha, promulgada em 2006 no Brasil, é uma legislação que visa combater a violência doméstica e familiar contra a mulher. Embora seja uma lei voltada principalmente para a prevenção e punição da violência, ela também tem impacto em casos de divórcio envolvendo violência doméstica (Peralva, 2016).
A partir disso, a promulgação da Lei nº 13.894, de 2019 que prever a competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento ou dissolução de união estável nos casos de violência e para tornar obrigatória a informação às vítimas acerca da possibilidade de os serviços de assistência judiciária ajuizarem as ações mencionadas, representa um avanço significativo na proteção das mulheres que são vítimas de violência doméstica (Brasil, 2019). Agora, elas têm a possibilidade de encerrar seus casamentos dolorosos também através do juízo criminal.
Contudo, ao utilizar a expressão propor ação em seu texto, a Lei nº 13.894, de 2019, está claramente proibindo que a vítima apresente um pedido de divórcio diretamente na delegacia, durante o processo de obtenção de medidas protetivas de urgência (Amaral, 2023).
O controverso artigo 11, V, da Lei Maria da Penha, também limita a capacidade da autoridade policial de encaminhar o pedido de divórcio da vítima ao juiz durante o processo de obtenção de medidas protetivas. Em vez disso, a autoridade policial é instruída a informar à vítima sobre os serviços de assistência judiciária disponíveis para auxiliar na apresentação do pedido de divórcio perante o juízo de família. Isso pode implicar em desafios logísticos significativos, como distância, custos de transporte e tempo, especialmente para mulheres de baixa renda que residem em áreas periféricas (Amaral, 2023).
Assim é necessário mencionar que de acordo com Amaral (2023, p. 6):
Nenhum prejuízo processual há de se verificar para o agressor doméstico com a possibilidade de formulação do pedido de divórcio pela vítima, no expediente da autoridade policial que contenha as medidas protetivas de urgência. A par das conhecidas medidas de proibição de contato, aproximação e frequentação dos mesmos lugares, também deverá ser intimado pelo oficial de justiça de seu novo estado civil: divorciado.
O que poderia ser resolvido de maneira simples no momento do registro da ocorrência na delegacia, mediante um pedido simples durante o processo de obtenção de medidas protetivas, agora é adiado em prol de procedimentos burocráticos adicionais (Amaral, 2023).
4.1 As Jurisprudências acerca do tema
A legislação de 2019 (Lei 13.894/2019) modificou o Código de Processo Civil, possibilitando que mulheres que sofrem violência doméstica ingressem com ações de divórcio ou dissolução de união estável no tribunal competente pela sua moradia ou residência (Brasil, 2019).
Assim, segue a decisão do STJ:
EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DISTRIBUÍDA POR DEPENDÊNCIA À MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). 1. COMPETÊNCIA HÍBRIDA E CUMULATIVA (CRIMINAL E CIVIL) DO “JUIZADO” ESPECIALIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. AÇÃO CIVIL ADVINDA DO CONSTRANGIMENTO FÍSICO E MORAL SUPORTADO PELA MULHER NO ÂMBITO FAMILIAR E DOMÉSTICO. 2. POSTERIOR EXTINÇÃO DA MEDIDA PROTETIVA. IRRELEVÂNCIA PARA EFEITO DE MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O art. 14 da Lei n. 11.340/2006 preconiza a competência cumulativa (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para o julgamento e execução das causas advindas do constrangimento físico ou moral suportado pela mulher no âmbito doméstico e familiar. 1.1 A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção. 1.2. Para o estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil (notadamente, as relacionadas ao Direito de Família), imprescindível que a correlata ação decorra (tenha por fundamento) da prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando, por conseguinte, apenas às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22, incisos II, IV e V; 23, incisos III e IV; e 24, que assumem natureza civil. Tem-se, por relevante, ainda, para tal escopo, que, no momento do ajuizamento da ação de natureza cível, seja atual a situação de violência doméstica e familiar a que a demandante se encontre submetida, a ensejar, potencialmente, a adoção das medidas protetivas expressamente previstas na Lei n. 11.340/2006, sob pena de banalizar a competência das Varas Especializadas. 2. Na espécie, a ação de divórcio foi promovida em 16/6/2013, em meio à plena vigência de medida protetiva de urgência destinada a neutralizar a situação de violência a que a demandante encontrava-se submetida, a ensejar a pretensão de dissolução do casamento. Por consectário, a posterior extinção daquela (em 8/10/2013), decorrente de acordo entabulado entre as partes, homologado pelo respectivo Juízo, afigura-se irrelevante para o efeito de se modificar a competência. 3. Recurso Especial provido (Brasil, 2013).
Mediante isso, podemos observar que o prese recurso visa discutir a competência para julgamento de uma ação de divórcio que foi vinculada à medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha. A ementa destaca a competência híbrida e cumulativa do Juizado Especializado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que abrange tanto aspectos criminais quanto civis relacionados à violência doméstica.
A competência ampla atribuída pela Lei Maria da Penha visa permitir que o mesmo juiz que lida com a questão criminal possa também avaliar as implicações jurídicas nas ações civis decorrentes da violência doméstica. Isso visa facilitar o acesso das mulheres vítimas de violência ao judiciário e garantir uma proteção efetiva (CNJ, 2023).
É destacado que, para estabelecer a competência do Juizado Especializado em casos civis, é necessário que a ação decorra da prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando apenas às medidas protetivas de urgência, mas sim abrangendo situações em que a violência seja um elemento central da demanda (CNJ, 2023).
No caso em questão, mesmo após a extinção da medida protetiva por acordo entre as partes, a competência do juizado especializado não é modificada, uma vez que a ação de divórcio foi iniciada enquanto a medida estava em vigor, refletindo a necessidade de proteção da vítima no momento do ajuizamento da ação civil.
Em síntese, o recurso especial foi provido, mantendo a competência do Juizado Especializado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para o julgamento da ação de divórcio vinculada à medida protetiva de urgência (Romano, 2024).
A partir disso, uma corrente doutrinária surgiu, em consonância com a estrita interpretação da lei, que reconhece a competência civil da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para todas as questões civis que tenham como motivo a ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa atribuição confere ao magistrado uma base mais sólida para lidar com o assunto e, por conseguinte, oferece uma proteção ampliada à mulher que é vítima de violência doméstica (Romano, 2024).
A criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFMs) foi designada para permitir que um único juiz tenha competência para processar, julgar e executar tanto ações cíveis quanto criminais decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme estabelecido pelo artigo 14 da lei (Romano, 2024).
Assim, essa centralização de competências reforça o objetivo principal da Lei Maria da Penha de proporcionar uma proteção integral à mulher em situação de violência, facilitando seu acesso à justiça e permitindo que o mesmo juiz esteja ciente de todos os aspectos do conflito, incluindo questões criminais, medidas protetivas, separação judicial, pensão alimentícia, entre outros (Dias, 2013).
Para garantir a eficácia da Lei, no que diz respeito à resolução judicial de conflitos, é necessário abandonar a tradicional abordagem fragmentada do direito, que divide e limita as competências. No mesmo processo, torna-se possível punir o agressor criminalmente e tomar medidas de natureza civil (Dias, 2013).
Além disso, as ações cíveis iniciadas pela vítima ou pelo Ministério Público, com base na ocorrência de violência doméstica, serão julgadas nos JVDFMs. Dependendo da natureza da ação, a autora possui um foro privilegiado. Para que as demandas cíveis sejam apreciadas nos JVDFMs, basta que a causa de pedir seja a prática de um ato que configure violência doméstica, não sendo necessário o registro de ocorrência, o pedido de medidas protetivas, a instauração de inquérito policial ou a abertura de ação penal para garantir a competência desses juizados especializados (Dias, 2013).
Por outro lado, houve outro recurso provido mais recente:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DISTRIBUÍDA POR DEPENDÊNCIA À MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). 1. COMPETÊNCIA HÍBRIDA E CUMULATIVA (CRIMINAL E CIVIL) DO "JUIZADO" ESPECIALIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. AÇÃO CIVIL ADVINDA DO CONSTRANGIMENTO FÍSICO E MORAL SUPORTADO PELA MULHER NO ÂMBITO FAMILIAR E DOMÉSTICO. 2. POSTERIOR EXTINÇÃO DA MEDIDA PROTETIVA. IRRELEVÂNCIA PARA EFEITO DE MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O art. 14 da Lei n. 11.340/2006 preconiza a competência cumulativa (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para o julgamento e execução das causas advindas do constrangimento físico ou moral suportado pela mulher no âmbito doméstico e familiar. 1.1 A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato. Providência que a um só tempo facilita o acesso da mulher, vítima de violência familiar e doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção. 1.2. Para o estabelecimento da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica ou Familiar Contra a Mulher nas ações de natureza civil (notadamente, as relacionadas ao Direito de Família), imprescindível que a correlata ação decorra (tenha por fundamento) da prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando, por conseguinte, apenas às medidas protetivas de urgência previstas nos arts. 22, incisos II, IV e V; 23, incisos III e IV; e 24, que assumem natureza civil. Tem-se, por relevante, ainda, para tal escopo, que, no momento do ajuizamento da ação de natureza cível, seja atual a situação de violência doméstica e familiar a que a demandante se encontre submetida, a ensejar, potencialmente, a adoção das medidas protetivas expressamente previstas na Lei n. 11.340/2006, sob pena de banalizar a competência das Varas Especializadas. 2. Na espécie, a ação de divórcio foi promovida em 16/6/2013, em meio à plena vigência de medida protetiva de urgência destinada a neutralizar a situação de violência a que a demandante encontrava-se submetida, a ensejar a pretensão de dissolução do casamento. Por consectário, a posterior extinção daquela (em 8/10/2013), decorrente de acordo entabulado entre as partes, homologado pelo respectivo Juízo, afigura-se irrelevante para o efeito de se modificar a competência. 3. Recurso Especial provido (Brasil, 2015). (REsp 1496030/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 19/10/2015)
Esse caso aborda a questão da competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para julgar ações de divórcio relacionadas à violência doméstica, especialmente quando ajuizadas por dependência a medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha.
O artigo 14 da Lei nº 11.340/2006 estabelece a competência cumulativa dessa vara para julgar e executar causas decorrentes de constrangimento físico ou moral sofrido pela mulher no ambiente doméstico e familiar. Essa amplitude tem como objetivo permitir ao mesmo magistrado uma visão abrangente das situações de violência contra a mulher, facilitando o acesso delas ao judiciário e proporcionando uma proteção efetiva (Brasil, 2006).
Para que essa competência seja estabelecida em ações civis, é necessário que a causa tenha como base a prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, não se limitando apenas às medidas protetivas de urgência previstas na lei (CNJ, 2023).É importante que, no momento do ajuizamento da ação civil, a situação de violência esteja presente, justificando potencialmente a adoção das medidas protetivas.
No caso em questão, a ação de divórcio foi iniciada enquanto a medida protetiva de urgência ainda estava em vigor, sendo posteriormente extinta por acordo entre as partes. Contudo, a extinção dessa medida não alterou a competência da vara especializada para julgar o caso, uma vez que a ação foi promovida enquanto a medida estava em vigor, justificando a manutenção da competência da vara especializada (CNJ, 2023, p. 11).
Dessa forma, o Recurso Especial foi provido, confirmando a competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para julgar a ação de divórcio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O divórcio com base na Lei Maria da Penha é uma questão complexa e de extrema relevância no contexto jurídico contemporâneo. A Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, representou um marco na proteção das mulheres contra a violência doméstica e familiar, estabelecendo medidas protetivas e criminalizando condutas agressoras.
A possibilidade de requerer o divórcio com base nessa legislação trouxe à tona uma nova dimensão na forma como o direito de família é abordado, especialmente no que diz respeito à proteção das mulheres em situação de violência. Essa medida visa oferecer uma via mais ágil e eficaz para as vítimas romperem com o ciclo de violência, possibilitando o término do vínculo conjugal de forma mais rápida e segura.
No entanto, é importante ressaltar que o divórcio com base na Lei Maria da Penha ainda enfrenta desafios e controvérsias. Questões como a competência do juízo para julgar esses casos, os requisitos para a concessão do divórcio e a articulação entre as esferas cível e criminal ainda suscitam debates e demandam uma interpretação cuidadosa por parte dos operadores do direito.
Além disso, é fundamental que o sistema judiciário esteja preparado para oferecer o suporte necessário às mulheres que optam por se divorciar em razão da violência doméstica, garantindo-lhes acesso à justiça, assistência jurídica e proteção efetiva durante todo o processo.
Em suma, o divórcio com base na Lei Maria da Penha representa um avanço significativo na garantia dos direitos das mulheres em situação de violência, mas é preciso continuar aprimorando as políticas e práticas jurídicas para assegurar uma resposta eficaz e adequada a essa realidade complexa e sensível.
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¹Acadêmica de Direito. Artigo apresentado à Faculdade de Direito de Porto Velho-UNISAPIENS como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024
²Professora Orientadora. Email: dulcinéia.ramalho@unisapiens.com.br