LABOR LAW AND THE ‘UBERIZATION’ OF WORK: THE CONSEQUENCES FOR LABOR LAW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202509101349
Estela Bortolozzo Drigo2
RESUMO
A uberização tem gerado controvérsias dentro do Direito do Trabalho devido às suas características inovadoras e disruptivas. Historicamente, as transformações produtivas, desde a Revolução Industrial, têm moldado o Direito do Trabalho, adaptando-o às novas formas de exploração. A uberização, surgida com a popularização das plataformas digitais, representa uma ruptura com os modelos tradicionais, oferecendo flexibilidade, mas também contribuindo para a precarização dos direitos trabalhistas. O presente trabalho tem como objetivo analisar o fenômeno da uberização, uma nova forma de exploração do trabalho no mercado digital moderno. A metodologia aplicada foi a análise bibliográfica em análise dos principais artigos científicos, legislação, doutrina, jurisprudência que esta realizada a temática. A Lei Federal 13.640/2018 foi um passo inicial para regulamentar o transporte remunerado privado de passageiros, mas deixou muitas responsabilidades de regulamentação para os municípios. A ausência de regulamentação específica, embora permita inovação e flexibilidade, também pode levar a desafios como a precarização do trabalho e insegurança jurídica. A Reforma Trabalhista de 2017, com a Lei nº 13.467, visou modernizar as relações de trabalho, buscando maior flexibilidade e adaptação à Indústria 4.0. No entanto, essa flexibilização pode afetar negativamente os direitos dos trabalhadores.
Palavras-Chave: Uberização, uber, reflexos no trabalho, reforma trabalhista.
ABSTRACT
Uberization has generated controversy in Labor Law due to its innovative and disruptive characteristics. Historically, productive transformations since the Industrial Revolution have shaped Labor Law, adapting it to new forms of exploitation. Uberization, which emerged with the popularization of digital platforms, represents a break with traditional models, offering flexibility but also contributing to the precariousness of labor rights. This paper aims to analyze the phenomenon of uberization, a new form of labor exploitation in the modern digital market. The methodology applied was bibliographic analysis in analysis of the main scientific articles, legislation, doctrine, and case law that are carried out on the subject. Federal Law 13.640/2018 was an initial step towards regulating private paid passenger transportation, but left many regulatory responsibilities to municipalities. The lack of specific regulation, although it allows for innovation and flexibility, can also lead to challenges such as precarious work and legal uncertainty. The 2017 Labor Reform, with Law No. 13,467, aimed to modernize labor relations, seeking greater flexibility and adaptation to Industry 4.0. However, this flexibility can negatively affect workers’ rights.
Keywords: Uberization, uber, impacts on work, labor reform.
1 INTRODUÇÃO
O fenômeno da Uberização surge como uma nova forma de exploração do trabalho, adaptada aos recursos tecnológicos modernos presentes no mercado digital, que impactam diretamente o mercado laboral.
Assim, a problemática em torno dessa relação de trabalho intensifica-se na sociedade pós-moderna, gerando controvérsias sobre sua natureza dentro do Direito do Trabalho, o que evidencia a relevância da discussão abordada nessa dissertação.
O trabalho é uma atividade intrínseca à condição humana e, portanto, deve acompanhar as mudanças e transformações que ocorrem na sociedade. Dessa forma, o dinamismo nas formas de exploração produtivas é evidente, podendo ser observado conforme o contexto histórico, econômico e tecnológico vigente.
O presente trabalho acadêmico foi subdividido em três capítulos, o primeiro capítulo trata da evolução das relações de trabalho passou por grandes transformações desde a Revolução Industrial, substituindo a servidão feudal pela exploração da mão de obra assalariada, o que levou ao surgimento do Direito do Trabalho. Com o avanço tecnológico, novas formas de prestação de serviços surgiram, como a chamada “uberização”, caracterizada pela flexibilização do trabalho por meio de plataformas digitais.
A Uber se destaca como um exemplo desse fenômeno, conectando motoristas e passageiros por meio de um aplicativo. Embora ofereça autonomia e flexibilidade aos motoristas, essa relação de trabalho não é regulamentada pela legislação trabalhista tradicional, resultando na precarização das condições de trabalho. A empresa se beneficia economicamente sem oferecer direitos como seguro, férias e aposentadoria.
Logo em seguida, no segundo tópico explicado sobre a ausência de regulamentação legal específica pode trazer vantagens e desvantagens para o mercado. No caso da Uber e outros aplicativos, essa falta de regras permitiu crescimento rápido e menos burocracia, mas também gerou precarização do trabalho e insegurança jurídica.
A Lei 13.640/18 trouxe uma regulamentação mínima para serviços como Uber, deixando aos municípios a responsabilidade de estabelecer regras mais detalhadas. Enquanto a Uber se beneficia da flexibilidade, os taxistas argumentam que há uma concorrência desigual.
A Reforma Trabalhista de 2017 aumentou essa flexibilização, permitindo maior autonomia para empresas e trabalhadores, mas também resultando na precarização de empregos. O Judiciário tem um papel importante em equilibrar essas mudanças e garantir que direitos trabalhistas não sejam violados.
O terceiro e último tópico trata-se sobre debates sobre a relação entre empresas de aplicativos e trabalhadores. No Brasil, há decisões judiciais que tanto reconhecem quanto negam o vínculo empregatício entre motoristas e plataformas como a Uber. Na Europa, a Uber enfrentou proibições e processos regulatórios, especialmente em Londres, por questões de segurança e concorrência com taxistas.
A empresa também foi alvo de processos nos Estados Unidos por suposta manipulação de preços através de seu algoritmo de precificação. Esse modelo de negócios desafia as leis trabalhistas tradicionais, trazendo incertezas sobre a regulamentação e os direitos dos trabalhadores.
No Direito do Trabalho, distingue-se a relação de emprego da relação de trabalho mais ampla. Enquanto a primeira envolve subordinação e garantias trabalhistas, a segunda pode incluir formas mais flexíveis, como trabalho autônomo. Existem diferentes visões sobre a natureza desse vínculo: alguns o consideram um contrato legítimo, enquanto outros argumentam que ele é imposto pelo sistema capitalista, sem real liberdade de escolha.
A evolução do mercado exige constantes ajustes na legislação para equilibrar inovação tecnológica e direitos trabalhistas, garantindo segurança e dignidade aos trabalhadores.
O presente trabalho tem como objetivo analisar o fenômeno da uberização, uma nova forma de exploração do trabalho no mercado digital moderno. A metodologia aplicada foi a análise bibliográfica em análise dos principais artigos científicos, legislação, doutrina, jurisprudência que esta realizada a temática.
2 DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E DO PROCESSO DE UBERIZAÇÃO
As formas de exploração do trabalho têm passado por grandes transformações desde o início da estruturação do capitalismo, especialmente com a Revolução Industrial. A partir de meados do século XVIII, tornou-se evidente como a produção se modificou para atender às novas exigências do mercado e do capital, em consonância com os recursos produtivos emergentes.
Segundo DELGADO (2019, p. 98), a servidão clássica do regime feudal deixou de ser a forma de trabalho dominante, sendo substituída pela força de trabalho livre, que passaria a ser explorada pelo capital produtivo, dando origem à classe operária. Dessa forma, o trabalho livre serviu como um pressuposto histórico para o surgimento do trabalho subordinado, o que permitiu que o Direito do Trabalho começasse a ser observado em seus primórdios, uma vez que as relações escravistas e servis até então eram incompatíveis com a tutela dos direitos trabalhistas.
Durante esse período na Europa Industrial, as péssimas condições de trabalho e a exploração desumana dos operários fomentaram um cenário de insatisfação social. Isso deu início a reivindicações por melhores condições de trabalho e proteção aos trabalhadores, impulsionando a formação do Direito do Trabalho. Esse movimento fez surgir diversos questionamentos sobre a natureza do direito trabalhista, seus sujeitos de direito e a extensão de sua tutela.
Após discutir a prestação de serviços por meio da plataforma, será apresentado o conceito de uberização e o modelo operacional da empresa. Aqueles que defendem o envolvimento da Uber na economia compartilhada argumentam que os críticos da empresa não entendem sua dinâmica. Eles sustentam que a plataforma digital da Uber é semelhante ao funcionamento do eBay ou Etsy, empresas que correspondem ao Mercado Livre no Brasil, tratando-se, portanto, de marketplaces.
Estes apenas viabilizam a conexão entre empreendedores independentes e consumidores, cobrando um percentual de comissão sobre as transações realizadas (Carelli, 2017). Entretanto, o funcionamento da Uber é mais complexo do que um mero facilitador de trocas, conforme será discutido adiante.
Segundo Cassar (2017, p.12):
O direito comum (civil), com suas regras privadas de mercado, não mais atendia aos anseios da classe trabalhadora, oprimida e explorada pela explosão do mercado de trabalho ocorrida em virtude da invenção da máquina a vapor, de tear, da luz e da consequente revolução industrial
Assim, o cenário social e econômico demandava um Direito que atendesse às necessidades dos trabalhadores. Até então, o trabalho era considerado apenas sob a perspectiva de um contrato envolvendo a prestação de serviços e o pagamento de salários. Embora essa concepção tenha sido amplamente aceita, ela também recebeu muitas críticas por não reconhecer a importância e a fragilidade do corpo humano como objeto do trabalho, o que resultava em uma proteção inadequada para a pessoa física que, através de seu esforço, realiza o trabalho.
Conforme observado, essa inovadora forma de prestação de serviços oferece uma plataforma digital onde diversos motoristas autônomos se cadastram. No entanto, essas relações não são monitoradas nem regulamentadas pelas legislações trabalhistas vigentes no Brasil, resultando em instabilidade nas relações e serviços.
De acordo com GOMES (2018), a uberização é um modelo de organização laboral caracterizado pela flexibilização do trabalho por meio de inovações disruptivas. Por ser um fenômeno recente, ainda representa um ponto cego para o Direito do Trabalho, uma vez que a proteção oferecida pela legislação trabalhista e consolidada pelos tribunais ocorre, em grande parte, no contexto das formas tradicionais de trabalho.
Nota-se, portanto, a essencialidade da evolução da legislação trabalhista em paralelo às novas formas de prestação de serviços. O Direito Trabalhista não pode permanecer inerte às inovações tecnológicas, pois, se isso ocorrer, as garantias arduamente conquistadas pelos trabalhadores ao longo da história estarão em risco.
2.1 A empresa uber como paradigma do fenômeno da uberização
A Uber se destaca como um paradigma do fenômeno da uberização, representando uma nova forma de organização do trabalho que tem transformado profundamente o setor de serviços. Fundada em 2009, a Uber revolucionou o transporte urbano ao introduzir um modelo de negócios baseado em plataformas digitais que conecta motoristas e passageiros de forma rápida e eficiente. Esse modelo não apenas redefiniu a forma como os serviços de transporte são prestados, mas também exemplifica as características e os impactos da uberização no mundo do trabalho.
A Uber opera como uma plataforma digital que facilita a conexão entre motoristas autônomos e passageiros. Utilizando um aplicativo móvel, a empresa gerencia a coordenação das viagens, o processamento dos pagamentos e o fornecimento de feedback, eliminando a necessidade de intermediários tradicionais.
Para os motoristas, a Uber oferece a possibilidade de trabalhar de maneira autônoma, com flexibilidade para escolher horários e locais de trabalho. Essa autonomia é frequentemente destacada como um atrativo do modelo, permitindo que os motoristas ajustem seu trabalho às suas necessidades pessoais.
Apesar dos benefícios de flexibilidade, a uberização tem sido associada à precarização do trabalho. Os motoristas da Uber, classificados como autônomos, frequentemente enfrentam a falta de benefícios trabalhistas tradicionais, como seguro de saúde, férias remuneradas e aposentadoria.
Além disso, são responsáveis por custos operacionais, como manutenção de veículos e combustível, o que pode reduzir seus ganhos líquidos.
A entrada de muitos motoristas na plataforma pode aumentar a concorrência, pressionando os rendimentos para baixo. Além disso, a renda dos motoristas pode ser variável, dependendo da demanda e da competição local.
Masson et al (2021) ressaltam que a empresa-plataforma Uber se distancia da realidade vivida pelos trabalhadores, ignora suas condições de vida e tem um custo quase zero com a maquinaria, a matéria-prima (combustíveis, reparos, renovação de frota) e a força de trabalho. O emprego do termo parceiro que utiliza para se referir ao motorista em sua autodescrição acoberta uma relação de trabalho de suposta autonomia e flexibilidade usada para o não reconhecimento da responsabilidade com deveres trabalhistas, a partir da ideia de horizontalidade entre o motorista e a empresa. O discurso de liberdade que vende se alia a um alto nível de controle da conduta dos trabalhadores por meio de programação, ou como SUPIOT, (2015) denomina, por meio da liberdade programada ou da autonomia na subordinação.
A Uber serve como um paradigma do fenômeno da uberização, ilustrando tanto as vantagens quanto os desafios desse modelo de negócios. Enquanto oferece flexibilidade e inovação na prestação de serviços, também levanta questões importantes sobre a precarização do trabalho, a adequação das regulamentações trabalhistas e a transformação das relações de trabalho.
O estudo da Uber e de modelos semelhantes é essencial para entender as implicações da uberização e para buscar soluções que promovam um equilíbrio entre inovação e proteção para os trabalhadores.
3 A AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO LEGAL ESPECÍFICA: VANTAGENS E DESVANTAGENS PARA O DOMÍNIO DO MERCADO.
A ausência de regulamentação legal específica em diversos setores econômicos pode ter um impacto significativo no domínio do mercado, criando tanto vantagens quanto desvantagens para as empresas e para a economia como um todo. Essa falta de regulamentação, comum em áreas emergentes e em rápida evolução, como as tecnologias digitais e as plataformas de economia compartilhada, apresenta um cenário complexo que afeta todos os envolvidos.
Devido à ausência de regulamentação e à resistência dos motoristas de táxis, que operam de acordo com regulamentações legais e pagam tributos para obter o licenciamento da atividade, foi sancionada em 26 de março de 2018 a Lei Federal 13.640. Essa lei alterou a regulamentação sobre o transporte remunerado privado individual de passageiros.
O referido diploma legal em seu artigo 2º, alterou a definição deste transporte, conceituando da seguinte forma:
Transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede.
Com a nova conceituação estabelecida, o serviço de transporte oferecido por empresas como a Uber recebeu respaldo legal, rejeitando o pedido dos taxistas para tornar o funcionamento desse serviço irregular. Embora tenha sido um marco inicial para a regulamentação mínima da uberização do trabalho, a Lei 13.640/18, por ser uma norma geral e abstrata, deixou a responsabilidade de regulamentação e fiscalização do serviço de transporte para os municípios e o Distrito Federal dentro de seus respectivos territórios.
A regulamentação por parte dos municípios e do Distrito Federal deve seguir as diretrizes estabelecidas pela Lei 13.640/18, que define critérios e exigências mínimas para a realização dessa atividade remunerada, visando garantir eficiência, eficácia, segurança e qualidade na prestação do serviço, conforme o parágrafo único do art. 11-A da mesma lei.
De acordo com FORTINI (2018), além das exigências já estabelecidas, cabe ao legislador municipal definir novos critérios que considere necessários para atingir os objetivos da lei. Assim, devido às lacunas deixadas pelo legislador federal, é evidente que as novas legislações ainda serão alvo de debates e conflitos entre as partes envolvidas.
Por outro lado, o objetivo de empresas como a Uber é justamente aproveitar a falta de regulamentação em seu benefício. Ao contrário dos táxis, elas buscam evitar o excesso de burocracias e formalidades que aumentam os custos de operação, tornando suas atividades mais lucrativas para todos os participantes.
No entanto, essas formalidades e regulamentações são, em muitos casos, essenciais para garantir o equilíbrio econômico nas operações de transporte nas cidades, especialmente em capitais e grandes centros urbanos, onde o setor de transporte particular de passageiros movimenta um volume significativo de capital.
A ausência de regulamentação legal específica oferece tanto oportunidades quanto desafios para o domínio do mercado. Enquanto pode fomentar a inovação, reduzir custos e permitir agilidade, também pode resultar em precarização do trabalho, insegurança jurídica e impactos negativos sobre o meio ambiente e a sociedade.
A criação de um equilíbrio entre regulamentação e liberdade de mercado é crucial para garantir um ambiente de negócios saudável e sustentável, onde tanto empresas quanto trabalhadoras e consumidores possam prosperar de maneira justa e equitativa.
Slee (2019) destaca que a regulamentação apresenta tanto benefícios quanto desafios. Nesse sentido, a regulação da oferta de táxis nem sempre representa a solução ideal, pois, frequentemente, a limitação do número de taxistas para equilibrar a oferta econômica resulta na criação de uma indústria de alvarás. Esses alvarás, utilizados pelas prefeituras de grandes cidades como um recurso econômico valioso, geram altos custos para os motoristas, sem necessariamente contribuir para a melhoria dos serviços.
Ao analisar o fenômeno da “uberização”, percebe-se que ele é resultado das demandas do capitalismo em contraste com as necessidades de uma sociedade fragilizada. Com o avanço das redes sociais e dos dispositivos móveis, praticamente todos os espaços se tornam potenciais fontes de lucro.
Enquanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o contrato de trabalho tradicional com uma jornada de horas fixas, na “uberização”, onde o vínculo empregatício entre os envolvidos é amplamente discutido, não há uma jornada máxima estabelecida. O trabalhador fica à disposição do aplicativo, aguardando chamadas de acordo com a demanda dos usuários.
A empresa sustenta a ideia de que o colaborador decide quanto quer ganhar e quantas horas pretende trabalhar. No entanto, na busca por uma renda mínima para sobreviver, os motoristas muitas vezes se veem forçados a aceitar condições de trabalho degradantes, com longas e exaustivas jornadas.
Como destaca Ricardo Antunes (2018, p. 39), é evidente que os trabalhadores submetidos a esse tipo de atividade muitas vezes não têm outras opções, sendo essa a única alternativa diante do desemprego:
Assim, de um lado deve existir a disponibilidade perpétua para o labor, facilitada pela expansão do trabalho on-line e dos “aplicativos”, que tornam invisíveis as grandes corporações globais que comandam o mundo financeiro e dos negócios. De outro, expande-se a praga da precariedade total, que surrupia ainda mais os direitos vigentes. Se essa lógica não for radicalmente confrontada e obstada, os novos proletários dos serviços se encontrarão entre uma realidade triste e outra trágica: oscilarão entre o desemprego completo e, na melhor das hipóteses, a disponibilidade para tentar obter o privilégio da servidão.
Nesse contexto, a Uber tem demonstrado, de forma progressiva, que seu objetivo não é apenas ser mais uma empresa de transporte, mas dominar o mercado em que atua. Para isso, busca expandir suas atividades e combater regulamentações que possam limitar suas operações ou representar custos aparentemente desnecessários. Assim, a empresa garante que suas operações continuem rentáveis, destacando-se em relação às demais concorrentes.
3.1 Os impactos da reforma trabalhista na uberização
A reforma trabalhista, implementada no Brasil pela Lei nº 13.467 de 2017, trouxe mudanças significativas na legislação trabalhista com o objetivo de modernizar as relações de trabalho e aumentar a flexibilidade do mercado. Com o avanço da Indústria 4.0, torna-se cada vez mais necessário realocar postos de trabalho para setores onde seja possível a integração com as tecnologias emergentes. Além disso, surgem novas questões devido às transformações provocadas por essas novas formas de exploração produtiva.
A Indústria 4.0 pode ser considerada uma quarta Revolução Industrial concebida pelas profundas mudanças nos modos de produção e de realização de negócios fomentada pelo
fenômeno de transformação digital aplicado na indústria de produção, na qual a digitalização
nos processos produtivos visa sua maior eficiência e lucratividade (ROCHA, 2018).
Para adaptar a sociedade ao novo modelo pós-capitalista, muitos países têm adotado a flexibilização dos direitos trabalhistas como uma solução, com o objetivo de manter o maior número possível de empregos.
Além disso, um argumento significativo é que as empresas, especialmente os pequenos empresários, enfrentam um ônus excessivo devido às legislações trabalhistas. Esse custo elevado não só impacta as finanças das empresas, mas também afeta diretamente os empregados, que podem ter salários reduzidos devido aos altos gastos do empregador com os riscos da atividade.
Nesse contexto, a Reforma Trabalhista, especialmente com a aprovação da Lei 13.467/2017, tem como um de seus principais objetivos proporcionar condições para que empregadores e empregados utilizem sua autonomia individual e coletiva para gerar mais empregos e preservar os já existentes.
O Direito do Trabalho visa regular os limites da atuação do empregador sobre o empregado e as restrições à discricionariedade nas negociações. No entanto, essas limitações devem ser consideradas conforme o contexto de cada sociedade para identificar o grau de vulnerabilidade das partes envolvidas na relação trabalhista, assegurando uma melhor proteção dos direitos.
Ao analisar a Reforma Trabalhista à luz das disposições constitucionais, grande parte da doutrina do Direito do Trabalho tem argumentado que a flexibilização dos direitos promovida por essa Reforma é inconstitucional. De acordo com Maurício Godinho e Gabriela Delgado (2017, p. 40):
A reforma trabalhista implementada no Brasil por meio da Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, desponta por seu direcionamento claro em busca do retorno ao antigo papel do Direito na História como instrumento de exclusão, segregação e sedimentação da desigualdade entre as pessoas humanas e grupos sociais. Profundamente dissociada das ideias matrizes da Constituição de 1988, como a concepção de Estado Democrático de Direito, a principiologia humanística e social constitucional_ o conceito constitucional de direitos fundamentais da pessoa humana no campo justrabalhista e da compreensão constitucional do Direito como instrumento de civilização, a Lei n . 1 3.467/2017 tenta instituir múltiplos mecanismos em direção gravemente contrária e regressiva.
De acordo com os críticos, a Lei 13.467/17 configura um retrocesso nos direitos sociais e trabalhistas, além de possíveis violações constitucionais. Entre os impactos negativos, destaca-se a afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois a descentralização do Direito do Trabalho enfraquece a proteção ao trabalhador, afastando-o do centro das garantias jurídicas estabelecidas (DELGADO, 2017, p. 41).
As mudanças recentes nas leis trabalhistas vão acelerar o que chamamos de “uberização” do mercado de trabalho. Isso significa que mais pessoas vão trabalhar de forma autônoma, sem muitos direitos sociais garantidos. Essa é a opinião da pesquisadora Ludmila Costhek Abílio, do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp.
Ela explica que a precarização do trabalho ficou mais visível com o crescimento da Uber, que recentemente informou ter 500 mil motoristas no Brasil. No entanto, Ludmila ressalta que esse processo de precarização já existia antes das plataformas digitais.
3.2 As consequências da reforma trabalhista e o papel do judiciário
Para muitos, a “uberização” está associada à flexibilização dos direitos trabalhistas ou até mesmo à criação de subempregos. Nesse contexto, a Reforma Trabalhista também é vista como uma forma de “uberização”, pois, segundo seus críticos mais ferrenhos, ela promove justamente isso: a “uberização” dos contratos de trabalho, com todas as implicações que isso traz.
Em um país com uma taxa de desemprego próxima de 12%, atingindo cerca de 12,5 milhões de brasileiros, segundo dados do IBGE (2019), é inegável que a uberização tem se mostrado uma alternativa viável ao desemprego, sendo muitas vezes a única fonte de renda para famílias que dependem dos motoristas ou entregadores.
Isso alimenta o debate sobre se, de fato, a Reforma Trabalhista e a uberização do trabalho são as únicas soluções para o desemprego, diante de uma transformação industrial crescente e uma crise econômica que afeta toda a sociedade.
Apesar das divergências de opinião sobre a necessidade da Reforma Trabalhista, Leonardo Dias Borges (2017), ao iniciar sua obra, levanta uma reflexão importante sobre o papel do judiciário na concretização dos direitos sociais e na aplicação das mudanças trazidas pela reforma. O autor ressalta que, embora as decisões judiciais devam se basear na lei, as consequências sociais não podem ser ignoradas diante de reformas inconsistentes e irresponsáveis, pois o Direito é um conceito flexível e deve ser compatibilizado com a realidade por meio de uma abordagem filosófica.
A importância da atuação do judiciário na defesa dos direitos sociais individuais e coletivos, tanto no Direito do Trabalho quanto em outras áreas, é inegável. Mesmo com a tendência de flexibilizar certos direitos na legislação infraconstitucional, é fundamental garantir a observância dos princípios constitucionais e da hierarquia das normas. Muitas vezes, cabe ao juiz avaliar, no caso concreto, se uma norma pode ser aplicada sem violar direitos constitucionais.
A hermenêutica jurídica permite interpretar as normas de maneira que se alinhem à ordem constitucional vigente, mesmo que seja necessário ajustar o sentido da norma. Dessa forma, garante-se a proteção dos direitos constitucionais e evita-se o retrocesso na legislação ordinária.
Em relação à Uberização, conforme será discutido nos capítulos posteriores, verifica-se que a intervenção do Judiciário é especialmente fundamental devido às significativas lacunas na legislação. Em várias situações, essa intervenção se torna o único meio de proteger os direitos dos trabalhadores que atuam em atividades não regulamentadas e sem garantias de estabilidade no emprego.
Assim, é evidente que a aprovação da Lei 13.467/17 trouxe diversas influências, pois a consagração da flexibilidade nos direitos trabalhistas, especialmente em relação à carga horária, impactará diretamente os postos de trabalho originados pela Uberização.
4 A RELAÇÃO DE TRABALHO E A PRECARIZAÇÃO PELO MODELO DE UBERIZAÇÃO
No Brasil, a Uber está envolvida em debates acerca da essência de sua ligação com os motoristas que empregam o aplicativo. Já existem decisões favoráveis a ambos os lados. Algumas delas afirmam a existência de uma relação de trabalho, enquanto outras concluem que a ausência de subordinação dos motoristas em relação à empresa impede a caracterização de um vínculo de emprego.
Na Europa, antes de o aplicativo ser definido como um serviço de transporte, o Uber foi proibido de operar em Londres pela Transport for London (TfL). A agência reguladora do setor na capital inglesa anunciou em setembro passado que não renovou a licença concedida ao aplicativo em 2012 devido à sua inadequação para o transporte privado de passageiros e ao seu comportamento irresponsável no enfrentamento de muitos problemas relacionados à segurança das pessoas. usar transporte.
Entre os motivos que resultaram na revogação do registro, destacam-se as denúncias de crimes feitas pela empresa, as explicações sobre a obtenção de certificados médicos para seus motoristas e as justificativas a respeito do uso do Greyball — um software que impede que órgãos reguladores tenham acesso completo ao aplicativo.
Adicionalmente, o modelo de negócios da companhia foi alvo de um processo judicial no Reino Unido em 2015. A contestação dizia respeito à forma como as corridas são tarifadas, sendo calculadas com base na distância e no tempo do trajeto. A ação, promovida pela própria TfL, questionava a utilização do GPS do celular do motorista para essa cobrança, uma vez que uma legislação britânica permite que apenas taxistas registrados utilizem taxímetros.
Embora tenha sido apresentado esse argumento, a Corte Superior de Justiça decidiu que os motoristas da Uber têm permissão para utilizar o GPS de seus celulares para determinar o custo da corrida. O tribunal avaliou que o taxímetro foi projetado especificamente para esse propósito, enquanto o celular, apesar de ser capaz de realizar essa função, não pode ser considerado um substituto do aparelho.
Ainda no ano de 2015, a Uber lançou uma campanha entre seus usuários para impactar uma pesquisa conduzida pela TfL. O órgão questionou a população sobre a necessidade de impor mais exigências aos motoristas da Uber, a fim de equilibrar as responsabilidades dessa atividade com as exigências estabelecidas para os taxistas que atuam em Londres.
Aqueles que desejam trabalhar como taxistas em Londres enfrentam um rigoroso exame prático que comprova seu domínio sobre todas as ruas da cidade e as melhores rotas para acessá-las, tudo isso sem o auxílio de GPS. Quanto aos motoristas da Uber, a proposta é que eles realizem um teste de proficiência em inglês para demonstrar seu conhecimento do idioma, além de uma avaliação sobre a geografia da cidade, de forma semelhante ao que é exigido dos taxistas.
A TfL também considerou a possibilidade de estabelecer um intervalo mínimo entre o momento em que um cliente solicita um Uber e a chegada do veículo. Esse tempo seria de cinco minutos; portanto, mesmo que o motorista possa chegar mais rápido, ele teria que respeitar essa espera, de acordo com as regulamentações.
Na época, a Uber defendeu que o equilíbrio entre os dois tipos de serviços dependeria de uma reavaliação das normas aplicadas aos taxistas, sem que isso dificultasse a operação do serviço disponibilizado pelo aplicativo. Mas a empresa perdeu essa queda de braço e a TfL determinou que os motoristas que atuam por meio da plataforma no Reino Unido e não sejam britânicos façam um teste de inglês.
A norma também se aplica aos motoristas que desejam renovar sua licença; eles precisarão realizar um exame que avaliará seu domínio da língua falada e escrita. Para obter a carteira de motorista no Reino Unido, é necessário que o candidato consiga se comunicar, pelo menos em inglês, de forma escrita para ser aprovado no teste teórico. Entretanto, até abril de 2014, o governo permitia que estrangeiros contassem com tradutores ou realizassem o teste em sua língua nativa.
Em 2016, a Uber enfrentou um processo nos Estados Unidos por supostamente manipular o preço das corridas. Inicialmente uma ação individual, o juiz federal de Manhattan, Jed Rakoff, converteu o caso em uma ação coletiva, rejeitando a solicitação do cofundador da Uber Technologies, Travis Kalanick, para que um processo iniciado por um passageiro de Connecticut fosse encerrado.
No pedido para extinguir a ação, Kalanick argumentou que seria fisicamente inviável conspirar com centenas de milhares de motoristas em todo o país para alterar os preços cobrados dos passageiros. Mas Rakoff discordou afirmando que aí é que está o “genius” da Uber Technologies.
Um algoritmo de precificação, disponível no aplicativo da Uber, possibilita à empresa implementar aumentos significativos nas tarifas, levando em consideração várias variáveis, como uma demanda repentina, condições climáticas, tráfego intenso e feriados específicos. O juiz observou que essa tecnologia realiza a “mágica” de sincronizar aumentos ou diminuições nas tarifas entre milhares de motoristas, conforme as flutuações do mercado.
Além disso, o algoritmo pode promover uma redução temporária nos preços para eliminar concorrentes do setor. Esse é o caso da empresa Sidecar, que em determinados momentos encontra dificuldades para competir com a Uber. O advogado dos reclamantes, Andrew Schmidt, afirmou que o juiz compreendeu que a Uber, que afirma fomentar a concorrência (com os táxis), deveria estender essa concorrência também entre seus motoristas.
“A Uber se declara uma empresa de tecnologia, não de transporte, para escapar de certas responsabilidades. Mas a decisão do tribunal federal confirma que aplicativos não estão isentos do cumprimento da legislação antitruste”, afirmou a empresa à época.
4.1 A natureza jurídica da relação de emprego: análise dos elementos caracterizadores
A fim de aprofundar o estudo do Contrato de Trabalho, faz-se necessário destacar as peculiaridades da Relação de Emprego, diferenciando-a da genérica Relação de Trabalho.
Em sentido amplo, o conceito de trabalho compreende toda atividade humana dirigida a uma finalidade produtiva, sem que a caracterização dessa relação dependa do vínculo jurídico existente entre os sujeitos envolvidos. Assim, a presença de uma atividade laborativa, seja de natureza física ou intelectual, é suficiente para configurar uma relação de trabalho (DELGADO, 2019).
A relação de trabalho, como fato social com implicações jurídicas, envolve diversos sujeitos de direito. Essa relação, que pode assumir diversas formas, como a de emprego, avulso, eventual e autônoma, entre outras, sempre se estrutura em torno de elementos como sujeitos, objeto, causa e garantia, conforme a doutrina. A relação de emprego, especificamente, é uma das modalidades dessa relação jurídica mais ampla.
A sistematização das relações de trabalho em espécies e gêneros é essencial para a compreensão do Direito do Trabalho. A relação de emprego, como espécie, apresenta características próprias que a diferenciam de outras modalidades, como o trabalho autônomo e o trabalho eventual.
Para Delgado (2019, p. 334), é evidente a importância da relação de emprego em detrimento das demais relações de trabalho, nesse sentido aponta:
Não obstante esse caráter de mera espécie do gênero a que se filia, a relação de emprego tem a particularidade de também se constituir, do ponto de vista econômicosocial, na modalidade mais relevante de pactuação de prestação de trabalho existente nos últimos duzentos anos, desde a instauração do sistema econômico contemporâneo, o capitalismo. Essa relevância socioeconômica e a singularidade de sua dinâmica jurídica conduziram a que se estruturasse em torno da relação de emprego um dos segmentos mais significativos do universo jurídico atual — o Direito do Trabalho.
Considerando a aceleração do mercado de trabalho e as novas formas de produção e exploração que emergiram ao longo do último século, a Relação de Emprego passou a ser um elemento central tanto no âmbito socioeconômico quanto jurídico, uma vez que permitiu a contenção do poder do capital, visando oferecer maiores garantias à classe trabalhadora. Assim, é fundamental examinar esse tema sob uma perspectiva específica, tendo em mente sua importância para a solidificação do Direito do Trabalho.
Para compreender a natureza da Relação de Emprego, é necessário, em primeiro lugar, analisar a natureza jurídica do vínculo que a compõe. A vasta maioria dos estudiosos, incluindo Alice Monteiro de Barros, Maurício Godinho Delgado e Carlos Henrique Bezerra Leite, entre outros, concorda que a Relação de Emprego possui um caráter contratual, caracterizando-se como um vínculo jurídico entre duas ou mais partes, resultante da livre manifestação de vontade, que envolve um contrato jurídico sinalagmático, incluindo direitos e deveres para as partes envolvidas.
A segunda corrente, conhecida como anticontratualista, sustenta que a Relação de Emprego não se configura como um contrato de trabalho, pois falta o elemento da livre manifestação da vontade. Os proponentes dessa teoria argumentam que o trabalhador não possui liberdade para escolher ao ingressar no mercado de trabalho; ele apenas se submete às condições impostas pela sociedade capitalista, aceitando as regras que regulam essa relação.
Conforme Leite (2019, p. 234), “os anticontratualistas procuram fundamentar a relação empregatícia fora dos limites do direito civil de caráter liberal”. Dessa forma, o que realmente existe é um vínculo jurídico originado da condição fática de subordinação do trabalhador ao empregador, que, mesmo diante da falta de liberdade na manifestação da vontade, se submete à prestação de serviços sob a influência de um sistema jurídico que define os contornos dessa relação.
Em suma, a relação de emprego, embora seja uma das diversas modalidades de relação de trabalho, apresenta peculiaridades que a tornam um objeto de estudo fundamental para o Direito do Trabalho.
A complexidade da discussão sobre sua natureza jurídica, aliada à sua importância socioeconômica, exige uma análise aprofundada das diferentes teorias que buscam explicar o vínculo empregatício.
A evolução do mundo do trabalho e o surgimento de novas formas de organização produtiva demandam uma constante atualização do debate sobre a relação de emprego, com o objetivo de garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores e a adequação das normas jurídicas às novas realidades.
CONCLUSÃO
O presente estudo analisou o impacto da “uberização” do trabalho no contexto das relações laborais e suas implicações para o Direito do Trabalho, abordando as transformações que esse fenômeno trouxe ao mercado de trabalho contemporâneo.
A “uberização”, representada pela ascensão de plataformas digitais como a Uber, simboliza uma mudança significativa no modo como o trabalho é organizado e realizado. Essa nova forma de exploração, oferecem flexibilidade para trabalhadores autônomos, também levanta questões cruciais sobre a precarização das condições de trabalho e a fragilidade dos direitos trabalhistas em um cenário cada vez mais digital e desregulamentado.
Ao longo da análise histórica, verificou-se que o trabalho sempre foi moldado pelas transformações tecnológicas e econômicas. Desde a Revolução Industrial até a Indústria 4.0, o trabalho passou por contínuas adaptações para atender às necessidades do capital. A “uberização”, como mais um estágio dessa evolução, redefine a relação entre empregadores e trabalhadores, questionando os conceitos tradicionais de subordinação, habitualidade e remuneração que caracterizam a relação de emprego. Ao tratar os trabalhadores como parceiros ou prestadores de serviços autônomos, empresas como a Uber conseguem se esquivar de obrigações trabalhistas tradicionais, o que agrava a precarização do trabalho.
Nesse cenário, a falta de uma regulamentação específica para esse novo modelo de negócios cria uma lacuna no Direito do Trabalho. A Lei Federal 13.640/2018, que regulamenta o transporte privado de passageiros, foi um passo importante, mas insuficiente, deixando a cargo dos municípios grande parte da responsabilidade pela regulamentação. A Reforma Trabalhista de 2017 também tentou trazer maior flexibilidade às relações de trabalho, mas, ao fazê-lo, abriu espaço para práticas que podem comprometer a proteção dos trabalhadores.
Essa flexibilização exacerbada traz sérias consequências. Os trabalhadores submetidos à “uberização” enfrentam uma realidade de insegurança jurídica, falta de benefícios sociais e altos custos operacionais que precisam arcar por conta própria, como manutenção de veículos e combustível, além de estarem sujeitos a jornadas longas e exaustivas para garantir um rendimento minimamente satisfatório. A instabilidade econômica e a ausência de direitos básicos, como férias remuneradas, descanso semanal e previdência, são exemplos claros de como essa forma de trabalho pode resultar em uma perda significativa de direitos trabalhistas conquistados ao longo da história.
Por outro lado, a “uberização” também gera desafios para o sistema jurídico e as instituições. O Judiciário tem sido constantemente provocado a decidir se motoristas e outros trabalhadores de plataformas digitais devem ou não ser considerados empregados formais, com todas as garantias que isso acarreta. As decisões, contudo, têm sido variadas e, muitas vezes, contraditórias, o que reforça a necessidade de uma legislação clara e específica que trate das peculiaridades desse modelo de trabalho.
Diante dessas considerações, é possível concluir que a “uberização” do trabalho representa um dos maiores desafios para o Direito do Trabalho na era digital. Enquanto oferece novas oportunidades de trabalho e flexibilidade, impõe ao trabalhador uma série de vulnerabilidades e incertezas. O avanço tecnológico, quando não acompanhado de uma evolução legislativa e regulamentar, pode resultar em uma regressão nas condições de trabalho, colocando em risco os direitos arduamente conquistados.
Portanto, é essencial que o legislador, o Judiciário e as instituições laborais busquem formas de atualizar o Direito do Trabalho, a fim de garantir um equilíbrio entre a inovação e a proteção dos trabalhadores.
A adaptação do arcabouço jurídico às novas formas de trabalho é urgente e necessária para que a evolução tecnológica não seja sinônimo de retrocesso social. Somente com um olhar atento para a realidade dos trabalhadores e suas necessidades será possível construir um modelo de “uberização” que seja justo, inclusivo e sustentável a longo prazo, respeitando os princípios da dignidade humana e da justiça social.
REFERÊNCIAS
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1Trabalho Bimestral apresentado a matéria de Direito do trabalho, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Bacharel em Direito, 2024.
2Graduanda em Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP, UNIFUNEC, esteladrigo@gmail.com