O DIREITO DA MÃE SOLO EM SER INDENIZADA CONFORME A TEORIA DO DANO AO PROJETO DE VIDA PELO PAI DA CRIANÇA AUSENTE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202412251525


Lucas Pereira Ireno1


Resumo :  A  presente  pesquisa  busca  demonstrar  o  Direito  à  indenização  das  mulheres  que  criam  os  filhos  sem  qualquer  auxílio  do  pai  da  criança  (mãe  solo).  Por  aplicação  da  teoria  do  dano  ao  projeto  de  vida,  espécie  de  dano  existencial  autônoma  do  dano  moral.  É  entendido  pelo  Superior  Tribunal  de  Justiça  do  Brasil  a  aplicação  da  responsabilidade  civil  nas  relações  de  família,  de  modo  que  o  abandono  afetivo  configura  ilícito  indenizável.  Com  isso,  este  trabalho  busca  demonstrar  por  meio  da  literatura  jurídica  que  a  ausência  do  pai  da  criança  atinge  a  esfera  jurídica  da  mãe  solo  por  via  reflexa  ou  ricochete,  afetando  áreas  como  trabalho,  educação  e  relações  pessoais,  sofrendo  a  mãe  solo  redução  em  seus  direitos fundamentais, ensejando o dever em indenizar do pai da criança ausente.

 Palavras-chave:  Responsabilidade  civil;  Dano  ao  Projeto  de  Vida;  Dano  reflexo;  Mãe  solo.

 INTRODUÇÃO:

 De  acordo  com  pesquisa  publicada  no  Instituto  Brasileiro  de  Economia  da  Fundação  Getúlio  Vargas,  por  Janaina  Feijó [2]   ,  entre  o  período  de  2012 a   2022  o  Brasil  registrou  o patamar   de 11   milhões  de  mães  solo, assim   chamadas  as  mulheres  que  criam seus   filhos sem   o  auxílio  do  pai  das  crianças  e  em  muitos  casos, sem  rede de apoio familiar.

 A  situação  é  gravíssima,  requerendo  um  esforço  conjunto  do  poder  público,  seja  a  nível  de  políticas  públicas  de  Estado  ou  por  meio  da  legislação,  revendo  formas  que  protejam  os  direitos  das  mulheres  e  que  melhore  a  prestação  jurisdicional à população

 Pois  na  citada  pesquisa,  constatou-se  um  aumento  exponencial nos  últimos  10  anos  de  mães  que  criam  seus  filhos  sem  qualquer  auxílio  do  pai  da  criança,  podendo  ser  esperado  nos  próximos  anos  um  aumento  neste  quadro  social,  no  caso do poder público não vir a  intervir.

 Entre  as  análises  da  pesquisa  acerca  das  mães  solo,  observa-se  questões  como:  submissão  das  mulheres  a  trabalhos  informais  que  possibilite  cuidar  dos  filhos;  renda  financeira  precária  em  decorrência  da  má  qualificação;  racismos  estrutural  sendo  mulheres  pretas  e  pardas  as  principais  vítimas;  precarização  da  educação,  por  abandonarem  a  qualificação  estudantil  e  técnica  para  cuidar  dos  filhos, isto em fase crucial da vida, entre 15 a 26 anos de idade [3] 

 Diante  de  tal  quadro  social,  volta-se  o  olhar  para  a  Justiça,  investigando  institutos  jurídicos  do  Direito  material  com  capacidade  para  tutelar  os  direitos  das  mulheres.  É  neste  sentido  a  proposta  do  presente  artigo  científico,  levando  em  conta  que  é  pacificado  no  Superior  Tribunal  de  Justiça  do  Brasil  a  possibilidade  da  aplicação da responsabilidade civil nas relações familiares.

 A  responsabilidade  civil  é  o  instituto  jurídico  aplicado  nos  casos  de  violação  de  direito  alheio,  diferente  de  crime,  ou  seja,  quando  o  titular  de  um  direito  ao  manifestar  tal  faculdade  ou  na  omissão  de  um  dever,  causa  lesão  ou  ameaça  de  lesão  a  direito  alheio.  O  instituto  busca  minimizar  as  perdas  suportadas  pela  vítima,  podendo  ser  imposta  pelo  poder  judiciário  pena  pecuniária,  na  tentativa  de  reparar  o ofendido.

 Nesse  diapasão  encontra-se  a  questão  das  mães  solo,  mulheres  que  diariamente  têm  seus  direitos  constitucionais  e  a  sua  dignidade  violada  pelo  o  ex-companheiro,  pai  de  seus  filhos,  que  possui  os  fatores  sociais  estruturantes  da  sociedade ao seu favor.

 Considerando  as  circunstâncias  sociais  incidentes  sobre  a  mãe  solo,  podemos  constatar  um  sobrecarregamento  involuntário  do  seu  dever  de  cuidado  com  o  filho(a),  restando  a  dúvida  de  qual  seria  o  papel  do  genitor  da criança  nas  circunstâncias  que  afetam  as  mães  solos,  diga-se,  a  responsabilidade  civil  do  pai  quando  obrigado  pela  Constituição  da  República  Federativa  do  Brasil  de  1988  em  ter  compromissos  de  agir  e  de  cuidado  para  com  a  prole,  mantém-se  inerte  e  negligentemente.

 A  presente  pesquisa,  destina-se  a  problematização  da  possibilidade  de  reparação  civil  às  mães  solo,  pelo  reconhecimento  do  dano  existencial,  na  espécie  dano  ao  projeto  de  vida.  Pois  a  ausência  paterna  as  sobrecarrega,  afetando  todo  os  setores  de  suas  vidas  e  diminuindo  a  qualidade  de  vida,  possibilitando  serem  indenizadas pelo genitor ausente dos filhos. No que passa a demonstrar a seguir.

 1.  A  OBRIGAÇÃO  CONSTITUCIONAL  E  INFRACONSTITUCIONAL  DOS  PAIS  EM PRESTAR APOIO FINANCEIRO  E CONVIVÊNCIA  COM OS FILHOS.

 A  Constituição  da  República  Federativa  do  Brasil  de  1988  não  restringe  a  liberdade  das  pessoas  em  gerar  ou  adotar  filhos,  porém,  esta  liberdade  é  condicionada  pelo  dever  de  cuidado,  assistência  e  convivência  familiar  na  forma  do  parágrafo sete do  artigo 226  [4]  e caput dos artigos  .227 [5]   e 229  [6]  , daquela constituição.

 Deste  modo,  ao  conceber  os  filhos  biológicos  e  também  os adotivos,   equiparados  àqueles,  os  pais  contraem  o  dever  constitucional  e  infraconstitucional  de  cuidado,  assistência  material  e  psicológica,  além  da  convivência  familiar  para  com os filhos.

 O  dever  de  cuidado  com  os  filhos  está  previsto  no  ordenamento  pátrio  em  várias  outras  expressões  linguísticas,  sendo  direito  fundamental  dos  filhos  crescerem  em  ambiente  seguro,  amparados  em  seio  familiar  que  respeite  a  condição  de  criança,  adolescente  e  jovem,  conforme  o  primado  do princípio  da  dignidade  da  pessoa  humana  artigo.  1ª,  inciso  III  da  Carta  Magna  de  1988,  interpretado  em  conjunto  com  o  princípio  da  proteção  integral  que  rege  o  direito  das  crianças e adolescentes conforme o artigos.1º e 3ª [7]   ,  ambos da Lei n. 8.069/90.

Ensina   Kátia  Regina  Ferreira  Lobo  Andrade  [8]  ,  que  a  expressão  cuidado  envolve  proteger  os  filhos,  podendo  ser  percebida  por  meio  do  instituto  jurídico  da  guarda,  sendo  a  convivência  e  poder  exercido  por  ambos  os  pais  sobre  os  filhos,  conforme  determina  o  caput  e  parágrafo  único  do  artigo.22  do  ECA9  e  no  mesmo  sentido o artigo.1634, inciso II do código civil [9]   .  Nas palavras da autora:

 A  cada  genitor  incumbe,  portanto,  exercer  esse  modo  de  ser  do  cuidado:  ter  o  filho  ao  seu  lado,  protegendo-o,  demonstrando  amor,  zelo  e  atenção  na  guarda  e  companhia  diárias;  o  dever  de  saber  onde,  com  quem  e  por  que  o  filho  menor  de  idade  está  longe  de  suas  vistas.  Devem  os  pais  assegurar-se  de  que,  distante  dos  seus  olhos,  o  filho  estará  em  segurança  porque algum adulto o assistirá [10] 

 Embora  o  termo  (cuidado)  seja  vago  e  possível  de  inúmeras  interpretações,  é  possível  constatar  na  legislação  brasileira  e  na  jurisprudência  do  Superior  Tribunal  de  Justiça  do  Brasil,  responsável  por  uniformizar  o  entendimento  sobre  a  legislação  infraconstitucional,  possíveis  balizas  para  seu  reconhecimento,  em  outros  subjetivos,  adjetivos,  verbos  e  locuções  sendo  exemplo  o  art.  244  do  Código  Penal  do Brasil  [11]  in verbis

 Art.  244.  Deixar, sem   justa  causa,  de  prover  a subsistência   do cônjuge,   ou  de  filho  menor  de  18  (dezoito)  anos  ou  inapto para   o trabalho,   ou  de  ascendente inválido   ou  maior de   60  (sessenta)  anos,  não  lhes  proporcionando os  recursos   necessários  ou faltando   ao pagamento   de  pensão  alimentícia  judicialmente  acordada,  fixada  ou  majorada;  deixar,  sem  justa  causa,  de  socorrer  descendente  ou  ascendente,  gravemente  enfermo: […](       Brasil, 1942)

 Percebe-se  que  o  legislador  criminal  ao  instituir  o  tipo  do  abandono  material  no  dispositivo  anteriormente  analisado,  quis  assegurar  a  assistência  em  âmbito  familiar,  entre  cônjuges,  filhos  menores  de  idade  e  ascendentes  debilitados  ou  com  mais  de  sessenta  anos  de  idade  contida  na  oração  “deixar  de  prover  a  subsistência”.

 Explica  Cezar  Roberto  Bitencourt  sobre  a  figura  típica  que  “O  abandono  material  somente  se  tipifica  quando  o  réu,  possuindo  recursos  para  prover  ao  sustento  da  família,  deixa  de  fazê-lo  propositadamente  [12]  ” Tal   entendimento alinha-se   à  determinação  do  artigo  23  da Lei   8.069/90,  pois  não  sofrerá  a  perda,  nem  será  suspenso  o  poder  familiar  de  pais  carentes de   recursos, medida   que  respeita  o  princípio da dignidade humana.

 Como  é  percebido,  o  dever  de  cuidado  é  obrigação  constitucional  e  legalmente  prevista  a  ambos  os  pais,  sendo  constatado  em  processo  judicial  em  contraditório,  que  alguns  deles  não  praticou  aquele  dever  a  consequência  será  a  suspensão  do  poder  familiar  conforme  o  artigo.129,  inciso  X  do  ECA  ou  a  perda  do  poder  familiar  nos  termos  do  artigo.1634  inciso.  II  do  Código  Civil,  podendo  vir  a  responder por ato ilícito indenizável.

 Pois  a  conduta  do  genitor  que  abandona  ou  negligência  o  filho(a),  deixando  de  prover  assistência  familiar  e  convivência  com  aquele,  gera  experienciais  e pensamentos  angustiantes  de  rejeição,  solidão  e  desamparo  econômico,  pois  as  crianças,  adolescentes  e  os  jovens  não  possuindo  economia  própria  ou  no  caso  dos  jovens,  possuem  dificuldades  para  encontrar  uma  colocação  profissional  de  início  na  vida  laboral.  Dependendo  de  seus  pais  ou  pessoas  que  lhe  façam  as  vezes,  para  garantir  suas  sobrevivências  e  acesso  ao  mínimo  que  possibilite  buscarem  a  felicidade e a auto realização, objetivos comum  dos integrantes de uma  família.

 2.  A  INCIDÊNCIA  DO  DANO  REFLEXO  OU  RICOCHETE  NA  ESFERA  JURÍDICA  DA MÃE SOLO

 A  Conduta  paterna  acaba  por  sobrecarregar  os  deveres  da  mãe  solo,  que  terá  que  prover  integralmente  o  sustento  do  filho(a),  tendo  que administrar   frustrações  e  traumas  experimentados  pelo  filho(a), abdicar  do   tempo  livre  e  momentos  de  intimidade  e  amores  para  se dedicar   ao  cuidado  e  convivência  com  aquele,  tendo  que  condicionar  todo  seu  projeto  de  vida  as  variáveis  que  a  maternidade sozinha lhe cobram.

 Não  por  escolha  própria,  mas  por  imposição  da  situação,  observa  a  pesquisa  de  Janaina  Feijo [13]   ,  por exemplo,  a   tendência  das  mães  solo  em  se  submeterem  a trabalhos   informais para   poderem  lidar  com  a  maternidade  solo,  nas  palavras da  pesquisadora: 

A  mãe  solo,  ao  buscar  conciliar  responsabilidades  familiares  e  trabalho,  tende  a  procurar  por  ocupações  que  ofereçam  jornadas  mais  flexíveis.  Para  algumas  mães,  a  única  saída  para  ter  flexibilidade,  trabalho  e  rendimento  é  ir  para  a  informalidade.  Contudo  os  postos  informais  são  caracterizados  por  oferecerem  remunerações  mais  baixas  e  desprovidos  de  proteção  social.

 Em  2022,  cerca  de  45%  das  mães  solo  empregadas  estavam  na  informalidade .15        

 A  jurisprudência  do  Superior  Tribunal  de  Justiça  do  Brasil,  reconhece  a  ilicitude  da  conduta  paterna  que  deixa  de  prover  o  mínimo  existencial  à  prole,  atraindo  a  incidência  da  reparação  civil  por  violação  aos  artigos  186  em  conjunto  com os artigos 11  [14] e 21   [15]  todos do Código Civil brasileiro.

 A  genitora  suporta  sozinha  a  falta  de  assistência  do  outro  genitor  no  sustento  e  convivência  com  o  filho(a)  condicionando  todo  sua  rotina  a  maternidade  sem  assistência  do  pai  da  criança.  Reconhecido  o  direito  à  reparação  civil  ao  filho(a)  não  seria  razoável  nem  proporcional  não  chegar  à  conclusão  de  que  a  ilicitude  da  conduta paterna  respingou ou ricocheteou na esfera jurídica da mãe solo.

 Pois  na  normalidade  da  situação,  ou  seja,  quando  os  pais  permanecem  juntos,  ambos  suportam  em  comum  o  ônus  e  alegrias  da  criação  dos  filhos,  repartindo  gastos  com  vestuário,  calçados,  medicamentos,  educação,  lazer,  alimentos  e  tempo  de  convivência,  direitos  tutelados  pelos  filhos,  na  forma  dos  artigos  227  e  229  da  Constituição  do  Brasil  de  1988,  e  artigo  22  da  Lei  8.069/90. ( ECA).

A   conduta paterna   ricocheteia  [16]  na  esfera  jurídica  da  mãe  solo,  pois  embora  a  conduta  ilícita  não  tenha  se  chocado  frontalmente  com  aquela,  interfere  na  forma  pela  qual  buscará  se  colocar  no  mercado  de  trabalho,  a  permanência  na  formação  educacional entre outras.

 Pois  a  ausência  de  um,  significará  a  presença  em  dobro  de  outro,  afetando  em  demasia  o  projeto  de  vida  da  mãe  solo,  em  questões  tanto  econômicas  quanto  a  própria  administração  do  tempo.  A  vítima  reflexa  acaba  por  experimentar  os  mesmo  males  que  a  vítima  principal,  senão  piores,  por  ser  adulta  e  ter  consciência  que  é  a  única  responsável  por  si  e  seu  filho(a).  Nas  palavras  de  Cristiano  Chaves  e  Nelson  Rosenvald  e  Felipe  Peixoto  Braga  Netto  o  dano  reflexo  ou  ricochete  é  conceituado  desta forma:

 No  dano  reflexo,  ou  em  ricochete,  ocorre  um  prejuízo  em  virtude  de  um  dano  sofrido  por  outrem.  O  evento  não  apenas  atinge  a  vítima  direta,  mas  reflexamente,  os  interesses  de  outras  pessoas.  Daí  a  expressão  ‘ricochete’,  que  significa  que  o  dano  sofrido  inicialmente  por  um,  que  acaba  por  repercutir em outro, pelo fato de haver alguma ligação entre este e aquele [17]  .  

 incidindo  a  hipótese  do  dano  suportado  pela  mãe  solo  por  via  reflexa  ou  em ricochete,  é  necessário  averiguar  qual  espécie  de  dano  estaríamos  diante,  isto  é,  o  dano  moral  propriamente  dito?  diga-se  de  passagem,  tem-se  observado  na  doutrina  jurídica  brasileira  e  em  particular  na  jurisdição  Trabalhista,  constante  menção  ao  dano existencial.

 Esse  gênero  de  dano  se  desdobra  em:  dano  ao  projeto  de  vida  e  dano  à  vida  em  relações.  Na  doutrina  jurídica  pretendem  ser  autônomas  do  dano  moral,  isso  porque  o  dano  puramente  moral,  limitaria  o  quantum  indenizatório  ao  abalo  sofrido,  enquanto  a  figura  nova  de  dano  pretende analisar  a  situação  como  um  todo,  não  só  a  experimentada  pelo  indivíduo,  pois  o  dano  ao  projeto  de  vida,  desdobra  em  várias  decisões  e  comprometimentos  que  afetam  o  indivíduo  por  períodos  de  tempo  elevado, quando não, até a morte. Se não, vejamos.

3 . O  DANO AO PROJETO DE VIDA  SOFRIDO PELA  MÃE SOLO.

 Primeiramente  cabe  explicar  que  o  dano  existencial,  na  espécie  dano  ao  projeto  de  vida  tem  origem  na  doutrina  jurídica  e  jurisprudencial  italiana,  precisamente  nas  pesquisas  de  Patrizia  Ziviz  precursora  do  debate  sobre  o  dano  existencial  naquele país.

Em   solo  nacional  pesquisas  como  a  de  Flaviana  Rampazzo  Soares  [17]  foram  precursoras  do  debate  acerca  do  tema,  que  passou  a  ter  previsão  normativa  conforme o artigo 223-B [18]   da Consolidação das Leis do Trabalho.

 Mas  o  que  se  entende  por  dano  existencial?  observa-se  na  doutrina  certos  conceitos  na  definição  do  objeto,  para  Flaviana  Rampazzo  Soares  [20]  seria  “a  lesão  ao  complexo  de  relações  que  auxiliam  no  desenvolvimento  normal  da personalidade   do sujeito”.  Por  sua   vez, Flávio  Tartuce  [21]  fala  “um  sacrifício  nas   atividades  realizadoras  da  pessoa,  ocasionando  uma  mudança  na relação   da  pessoa  com o   que a circunda”

 Ao  que  parece  se  tratar  de  espécie  de  dano  imaterial,  que  embora  não  seja  patrimonial,  se  distancia  do  dano  puramente  moral.  Pois  a  lesão  passa  da  pessoa  da  vítima  alcançando  suas  relações  pessoais  e  as  circunstâncias  sociais  a  sua  volta,  entravando  a  liberdade  do  sujeito  em  buscar  a  felicidade,  ou  ter  acesso  de  maneira  simples,  que  em  situação  de  normalidade  teria  decidido  ou  se  comportado  diferentemente.

 Nesse diapasão  parece  claro  que as  decisões  da  mãe  solo  são  enviesadas  pelo  estado  de  abandono  do  filho(a)  pelo  genitor,  afetando  mais  do  que  a  normalidade  razoável,  por  exemplo,  considerando  a  hipótese  de  uma  mãe  e  seu  filho  de  pouca  idade  que  é  negligenciado  pelo  pai  e  não  tendo  aquela  assistência  de  sua família.

 Não  terá  escolha  a  não  ser  submeter  se  a  informalidade  ou  trabalhos  cuja  pouca  possibilidade  de  crescimento  de  carreira  e  ganho  econômico  compactuam  com  o  horário  em  deixar  e  apanhar  o  filho  na  creche  ou  mesmo  impossibilitando  de  concluir  a  educação  regular,  técnico  e  superior,  o  que  impactará  de  modo  substancial sua qualidade de vida.

 Fica  evidente  na  pesquisa  de  Janaina  Feijó  [22] que   as  mães sem  auxílio  familiar   na  criação  dos  filhos, principalmente  sem  a  presença  do   genitor,  necessariamente  encontram  dificuldade para   alcançarem  o  mercado  formal  de  trabalho  e  de  concluírem  a  formação  escolar,  ao  passo  que  o  genitor  não  experimenta as mesmas dificuldades, pois as transfere ilicitamente a mãe solo.

 A  culpa  stricto  sensu  do  genitor  nas  dificuldades  suportadas  pela  mãe  solo  é  verificada  na  constatação  de  que  aquela  teve  que  abandonar  os  estudos  para  se  dedicar  a  subsistência  do  filho(a)  que  teve  que  submeter  a  trabalhos  informais  para  poder encaixar sua rotina ao do filho, ao ponto de verificar-se um dano  in re ipsa  [23]

 A  culpa  em  sentido  stricto  é  cláusula  geral  no  ordenamento  brasileiro,  que  cobra  certa  diligência  ou  melhor  cuidado  no  agir  em  coletividade,  justamente  por  não  ser  possível  a  lei  estipular  cada  conduta  humana  e  culminar  a  correspondência sancionatória. Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho  [24]

 o  conteúdo  do  dever  objetivo de   cuidado  só  pode ser   determinado por   intermédio  de  um  princípio  metodológico  –  comparação do  fato   concreto com   o comportamento   que  teria  adotado, no   lugar do   agente,  um  homem  comum,  capaz  e  prudente,  pois  o núcleo   da conduta   culposa,  repita-se,  consiste  na  divergência  entre a   ação efetivamente   praticada  é  aquela  no  qual o “desrespeito a um dever preexistente[…]

 Não  é necessário  provar  que  que o  genitor  desejou  ou  pretendeu  causar  danos  a  mãe  solo,  é  decorrência  lógica  da  assistência  do  genitor  o  praestare [25]   da  obrigação ( parentalidade  responsável) se   desdobra em   benéficos  naturais,  sendo  a  ausência  a  anomalia  social  passível  de  censura  pelo poder  judiciário   na forma   do  artigo 186 e artigo 927  ambos do Código Civil brasileiro.

 Dessa  forma,  o  direito  fundamental  de  igualdade  material  da  mãe  solo  é  desrespeitado,  por  suportar  integralmente  a  criação  do  filho(a),  submetendo  durante  muito  tempo  sua  busca  pela  felicidade  as  condições  que  melhor  concilie  o  cuidado  com o filho.

 Sendo  claro  que  o  filho(a)  não  é  fardo  suportado  ou  mercantilizado,  se  não  outra  vítima  do  algoz  genitor  que  acredita  que  a  compatibilidade  de  sangue  é  sinônimo  de  paternidade,  para  Rui  Portanova28  ,  a  paternidade  é  cultural,  não  se  garantindo pelo sangue e sim pelo agir como genitor.

 A  ausência  afetiva  implica  em  várias  anomalias  sociais,  inclusive  a  que  testemunhamos,  o  aumento  de  mulheres  nos  postos  de  trabalho  informal,  com  poucos  recursos  para  sobreviverem,  sequer  uma  máquina  de  lavar  muitas  vezes  possuem, é necessário responsabilizar ou culpados.

 4.  CONSIDERAÇÕES FINAIS:

 A  presente  pesquisa  buscou  demonstrar,  por  meio  da  doutrina  jurídica,  que  é  possível  responsabilizar  o  genitor  ausente  a  indenizar  a  mulher  que  cria  sozinha  o  filho, após o término da relação amorosa, chamadas de mãe solo.

 A  responsabilização  civil  incide  de  maneira  reflexa  ou  ricochete  na  esfera  jurídica  da  mãe  solo,  quando  configurado  que  o  genitor  praticou  omissão  em  seu  dever  de  cuidado  com  a  prole,  não  sendo  necessário  demonstrar  o  fato  danoso  propriamente dito  nem  a  culpa,  pois  ao  descumprir  o  dever  legalmente  imposto,  acaba  por  violar  os  direitos  da  mãe  solo,  ou  seja,  culpa  stricto  sensu,  por  sobrecarregar  e  deturpando sua realidade social mais que o anormal.

 Porém,  enquanto  a  responsabilização  incide  de  maneira  reflexa  ou  ricochete,  constata-se  que  o  gênero  de  dano  suportado  pela  mãe  solo  é  diferente,  pois  se  o  filho(a)  sofre  dano  puramente  moral,  dado  o  vínculo  familiar  especial  com o   agressor,  certo  que  o  dano  da mãe   solo  é  de outra  categoria,  pois   afeta  mais  que a   essência humana, desdobrando em consequências para todo o contexto social.

 Sendo  assim,  não  seria  razoável  condenar  o  genitor  a  pena  pecuniária  que  repare  o  dano  moral  do  filho(a)  abandonado,  sem  chegar  na  conclusão  que  a  mãe  solo  suportou  o  dano  também,  porém,  de  maneira  mais  ampla  atingindo  seu  projeto  de vida, em escolhas que surtam efeitos ao longo de sua vida.

 O  dano  existencial  na  espécie  dano  ao  projeto  de  vida  surge  justamente  para  preencher  a  lacuna  que  o  dano  moral  deixa,  possibilitando  que  injustiças  sejam  reparadas  e  a  rigidez  do  ordenamento  pátrio  respeitada.  Se  por  um  lado  parece  forçoso  querer  responsabilizar  o  genitor  pelos  infortúnios  da  mãe  solo,  com  a  mesma  razão,  seria  possível  concluir  que  a  falta  de  assistência  do  genitor  na  criação  do  filho(a)  por  anos,  não  trouxe  consequências  para  a  vida  da  mulher,  mão  solo.

 A  pesquisa  reconhece  sua  ousadia  em  propor  tal  debate,  suas  limitações,  como,  a  dificuldade  de  caracterizar  a  culpa  e  o  nexo  causal  no  caso  concreto,  quando  não  sendo  reconhecido  o  dano  reflexo  a  partir  do  dano  do  filho(a).  É  necessário  pensar  e  debater  os  direitos  das  mulheres,  afinal,  as  estatísticas  demonstram a vulnerabilidade enraizada desse grupo social no Brasil.

 Também,  é  conhecido  que  as  relações  familiares  guardam  implicações  maiores,  como  violência  de  género  e  patrimonial,  alienação  parental  entre  outras,  que  não  cabem  serem  discutidas  aqui,  em  decorrência  da  limitação  do  objeto  pesquisado, no que dá por concluída a pesquisa.


2 FEIJÓ, Janaína. Mães solo no mercado de trabalho crescem 1, 7 milhão em dez anos. Portal FGV, São Paulo, v. 18, 2023.
3 FEIJÓ, Janaína, op.cit.
4 CRFB/88 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
5 id.. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
6 id. Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
7 ECA. Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente; e Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
8 MACIE, Katia Regina Ferreira Lobo A. Curso de Direito da Criança e do Adolescente – 16ª Edição 2024 . 16. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. E-book. pág.202. ISBN 9788553621286. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788553621286/. Acesso em: 16 dez. 2024.
9 ECA. Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
10 Código Cível. Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I – dirigir-lhes a criação e a educação; II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha […]
11 MACIE, K.R.A.F.L.A. Op.cit., 2024, pg.203.
12 BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940, institui o Código Penal do Brasil.
13 BITENCOURT, Cezar R. Código penal comentado . 10. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2019. p1151. ISBN 9788553615704.
14 FEIJÓ, janaina. Op, cit,.2023
15 Idem.
16 Brasil, Código Civil. Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
17 Idem. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma
18 Segundo o informativo nº 560 da VI jornada de Direito Civil, as hipóteses na qual o dano ricochete, vão além das descritas no artigo 948 do Código Civil brasileiro, ou seja, de morte da vítima.
19 FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil, Responsabilidade civil, 2. p. 240-241.
20 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial . Livraria do Advogado Editora, 2009.
21 CLT. Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.
22 SOARES, op. cit. 2009.
23 TARTUCE, Flávio, Op, cit, p.46
24 FEIJÓ, Janaína, op, cit. 2023
25 Termo em latim que para o Direito é sinônimo de dano presumido pelas circunstâncias do fato danoso.
26 FILHO, Sergio C. Programa de Responsabilidade Civil – 16ª Edição 2023 . 16. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2023. pág.47. ISBN 9786559775217.
27 Termo em latim que no Direito Romano indica culpa ou dolo acessório a um dever privado.
28 PORTANOVA, Rui. Ações de filiação e paternidade socioafetiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora , p. 21-23, 2018.

REFERÊNCIAS

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil – 16ª Edição 2023 . 16. ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2023.

BRASIL. [ Constituição (1988) ]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990a.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil . Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.

BITENCOURT, Cezar R. Código penal comentado . 10. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2019. E-book. p.CAPA. ISBN 9788553615704.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil. Teoria geral . 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

FEIJÓ, Janaína. Mães solo no mercado de trabalho crescem 1, 7 milhão em dez anos . Portal FGV, São Paulo, v. 18, 2023

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo A. Curso de Direito da Criança e do Adolescente – 16ª Edição 2024 . 16. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. ISBN 9788553621286.

PORTANOVA, Rui. Ações de filiação e paternidade socioafetiva . Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2018.

TARTUCE, Flávio. Responsabilidade Civil – 5ª Edição 2023 . 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. pág.211. ISBN 9786559647910.

SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial . Livraria do Advogado Editora, 2009.


1 Pós-graduando pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) , Ponta Grossa, PR.   e-mail: advogadolucasireno@gmail.com