REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12516502
João Negrini Neto
Palavras-chave: Aplicação do direito; justiça; atividade jurisdicional; sistema normativo
1. Introdução
Aplicar o direito é uma das tarefas cercadas das maiores complexidades numa vida em sociedade. Discutiu-se, por muito tempo, os desafios e dilemas do exercício de uma função jurisdicional que tem como característica elementar conferir a alguém um poder decisório e definitivo sobre acontecimentos que dizem respeito a relações humanas.
Nesse contexto, é inevitável que haja a interferência de valores subjetivos de ordens morais, sociais, políticos e éticos por parte do seu aplicador.
Com efeito, o modo de construção das decisões de um juiz, aplicador último da norma jurídica, historicamente, revelou-se como uma das questões mais debatidas nos fóruns de discussão que tratam de relacionar Direito e Justiça: afinal, julgar e fazer justiça caminham lado a lado?
2. O Direito enquanto sistema
Nos últimos tempos, a tarefa do julgador se tornou ainda mais complexa. Não só as relações entre os indivíduos ganharam novas variáveis relacionadas à constante alteração do arcabouço jurídico e da própria tecnologia, como se fez cada vez mais presente e precisa a interferência de outras áreas técnicas do conhecimento em torno da discussão jurídica do caso concreto.
Destarte, para uma correta aplicação do direito exige-se do aplicador da norma uma capacidade cada vez mais ampla de compreensão sobre uma diversidade de assuntos e temas, inclusive de índole meta jurídicas, sob uma perspectiva de sistema em constante evolução em que coexistem todas essas especificidades.
É curioso observar, nesse sentido, que, no caminhar da história, por diversas razões, mas, sobretudo, por uma suposta tentativa de se conferir às decisões judiciais um aspecto mais pragmático, inibidor de convicções meramente pessoais dos julgadores, ocorreu – ainda que em um processo de marchas e contramarchas – um nítido afastamento entre o ato de se julgar e a perspectiva de Justiça (em sentido amplo).
Mas, mesmo nos dias de hoje, após tantos acontecimentos que demonstrariam a necessidade de contestação dessa lógica, extrai-se que o justo deve ser a aplicação da norma jurídica independentemente de paixões e de convicções pessoais de qualquer índole.
3. Aplicação sistêmica do direito
O processo de construção do ato de decidir, em grande medida, tende a afastar a decisão de um senso de justiça comum.
Sem embargo, a argumentação se torna mera técnica. É como sintetiza Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “(…) a mera aplicação de métodos argumentativos expõe o fenômeno do juiz burocratizado, quase máquina, ou a sentença reduzida a modelos computadorizados que se repetem. Daí o pressentimento, no mundo contemporâneo, de que sentenças são produtos submetidos à avaliação por sua utilidade econômica, isto é, pelas vantagens ou desvantagens que proporciona”¹.
A atividade jurisdicional demanda uma necessidade de resposta de modo que se impõe uma decisão cogente independentemente de incompletudes no sistema sob a forma de lacunas e antinomias (non liquet). O aplicador da norma deve uma decisão com base na norma.
Nesse sentido, ainda, haverá grande risco de insegurança jurídica na mera utilização de valores subjetivos abertos, não normatizados ou excessivamente subjetivos, não obstante decisão seja adotada a partir de um processo de interpretação, que sempre evolve algum aspecto subjetivo.
No final do século XIX com a teoria do legislador racional, tem-se uma hipótese de acabamento do ordenamento jurídico como um sistema. A ideia de sistema jurídico, contudo, considerando ser o ordenamento jurídico uma espécie de violência à liberdade dos cidadãos que, como bem advertia Walter Benjamin², presta-se para duas finalidades essenciais: a manutenção do direito posto e a instauração de um novo direito.
Nesse sentido é necessário identificar a existência de limites extraíveis do próprio ordenamento jurídico analisado, com a finalidade de se obter uma resposta verdadeira a partir dele.
Essa perspectiva, veja-se, não é antípoda, a priori, à proposta de “tolerância constitucional”. Pelo contrário: a perspectiva da “tolerância constitucional” não advém de normas de valor abstrato, que, eventualmente, conduzem a uma insegurança jurídica em nível internacional ou, ainda, levam a conflitos normativos entre normas supranacionais e nacionais.
4. Conclusão
A noção de sistema jurídico impõe o reconhecimento de que o ordenamento jurídico propicia uma resposta de maneira a impedir o non liquet e a insegurança jurídica, de acordo com valores morais; valores e postulados todos eles juridicizados e organicamente coexistentes.
¹FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: Reflexões sobre o Poder, a Liberdade, a Justiça e o Direito. 3ª. Rio de Janeiro: Atlas, 2009p. 292.
²In Escritos sobre mito e linguagem. Para uma crítica da violência. (1915-1921) p. 132/133.