REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7457231
Anamaria Pereira Morais Ventura1
Francisco das Chagas Moreira Neto2
Resumo: O presente artigo trata acerca da utilização dos ferramentais da Economia Comportamental para efetivar o controle social exercido pelo Direito por meio das normas jurídicas. Para tanto, analisa-se a possibilidade de utilização da Arquitetura das Escolhas na elaboração e implementação de políticas públicas e visem à efetivação de determinada norma ou de determinado comportamento que contemple o ordenamento jurídico pátrio. Tem-se, ainda, como objetivos específicos compreender como o direito é instrumento controle social, bem como compreender como os ferramentais da Economia Comportamental podem ser utilizados pelo Direito. Seguindo percurso metodológico pautado em pesquisa bibliográfica, depreende-se que o Direito, Sociologia e Economia são interdependentes, necessitando de atuação conjunta a fim de alcançarem seus objetivos específicos.
Palavras-Chave: direito; controle social, economia comportamental, arquitetura das escolhas.
Abstract: This article asserts the use of Behavioral Economics tools to effect social control related to Law through legal norms. Therefore, the possibility of using the Architecture of Choices to effect the elaboration and implementation of policies is analyzed, with a view to the implementation of a specific norm or specific public behavior that contemplates the country’s legal order. There are also specific objectives to understand how the law is an instrument of social control, as well as to understand how the tools of Behavioral Economics can be used by law. Following a methodological path based on bibliographic research, it appears that Law, Sociology and Economics are interdependent, requiring joint action to achieve their goals.
Keywords: right; social control, behavioral economics, architecture of choices.
1 Introdução
Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de aumento de efetivação das normas jurídicas, por meio da observação e do cumprimento social; principalmente em relação àqueles que não possuem uma sanção jurídica, como as normas constitucionais. Dessa forma, é de fundamental importância a criação de políticas públicas que demonstrem à coletividade a necessidade de observação e cumprimento voluntário das normas. Para tanto, no presente artigo analisar-se-á a possibilidade de se utilizar a Teoria do Incentivo nas políticas públicas, como forma de dar mais efetividade a essas ações governamentais, uma vez que a referida teoria faz profunda análise na forma que o ser humano realiza suas escolhas, arquitetando mecanismos que impactam nos elementos utilizados no processo de decisão.
O Direito é fruto de uma dada realidade social, sendo direcionado de acordo com os interesses impostos pela sociedade e se desenvolvendo para consecução de objetivos previamente dispostos. Desse modo, o Direito é uma conformação da realidade que se submete à própria concretude do real de forma não hermética.
Contudo, o Direito não encontra satisfação apenas pela obediência dos indivíduos, de modo que se faz necessário a existência de meios coercitivos que garantam a observação do ordenamento jurídico. A não observância voluntária das normas jurídicas coloca em discussão a efetividade da norma, bem como o fato de Direito atuar como meio de controle social e de mudança social.
Muitos são os exemplos de norma que possuem validade e eficácia jurídica, contudo não se apresentam como instrumento de modificação de uma dada realidade social, colocando em questionamento a sua função de instrumento de controle social. A fim de buscar meios que aumentar a aderência à norma, fazendo valer a força normativa do Direito, analisar-se-á a utilização de ferramentais da Economia Comportamental na gerencia de escolhas.
A Economia Comportamental sugere que os indivíduos tomam decisões baseadas em hábitos, regras práticas e experiências, possuindo dificuldade de equilibrar interesses de curto e longo prazo. A partir desse conceito, Cass Sunstein e Richard Thaler desenvolveram a Teoria do Incentivo por meio da utilização de nudges, que promovem a arquitetura de elementos que impactam na organização das possibilidades de escolha3.
A aludida teoria pode estimular determinado comportamento dentro dos limites de liberdade de decisão de cada individuo. De acordo com idealizadores, a Arquitetura das Escolhas pode ser utilizada tanto na esfera pública como na privada, sem que interfira na liberdade de decisão. Desse modo, sua utilização em políticas públicas poderia incentivar a coletividade a adotar determinado comportamento de acordo com os ditames de uma dada norma.
Desta feita, o presente artigo pretende responder a seguinte pergunta-problema: A Arquitetura das Escolhas serviria como um instrumento de controle social para o Direito? A fim de responder tal questionamento, tem-se como objetivo geral a investigação da possibilidade de aplicação Teoria do Incentivo às políticas públicas em um aspecto abstrato e geral, fim de expor a temática e incentivar a utilização no desenvolvimento de políticas públicas especificas.
Ademais, tem-se como objetivos específicos a analise de como o Direito pode ser instrumento de controle social; a investigação dos motivos que impedem a promoção de controle social por meio de determinadas normas; e a análise de como a Economia Comportamental, por meio da Arquitetura das Escolhas, pode ser utilizada em políticas públicas para incentivar o cumprimento de determinada norma jurídica.
O estudo será realizado através de pesquisas bibliográfica, qualitativa e exploratória, utilizando-se o método dedutivo e sistêmico de investigação direita.
O artigo divide-se em três tópicos, organizados a fim de alcançar os objetivos traçados. O primeiro será elaborado por meio de análise bibliográfica de obras clássicas sobre a sociologia do direito, tendo por finalidade desenvolver o aprofundamento na temática, a qual servirá de base para o desenvolvimento da necessidade de utilização da Teoria do Incentivo para favorecer o controle social para o direito.
O segundo tópico será desenvolvido por meio de levantamento doutrinário, a partir de livros, revistas, artigo e periódicos, de modo que seja explanado como a Economia Comportamental pode ser utilizada pelo Direito. Por fim, no terceiro tópico, analisar-se-á como a Teoria do Incentivo pode contribuir para que o Direito exerça controle social para consecução de um bem social insculpido em uma norma jurídica.
2 Direito como instrumento de controle social
O direito surge e se desenvolve no meio social a fim alcançar objetivos comuns e socialmente bons para manutenção da vida em coletividade. Ele é fruto e, ao mesmo tempo, produtor de relações sociais. Em sendo direcionado de acordo com os interesses da sociedade em que opera, sofre variações no tempo e no espaço em busca de adequar-se à mobilidade social4.
Já é consolidado na doutrina que o direito é um fato social, não podendo existir senão na sociedade. Como afirma Miguel Reale, uma sociedade não pode existir sem mínimo de organização e de ordem5. De acordo com Durkheim, a sociedade é composta por um aglomerado de fatos sociais, divididos em diversas categorias especificas e com finalidades próprias. A coesão entre todos esses fatos sociais, como garantia de integração da sociedade, ocorre por meio da solidariedade que se substancia pelo controle social6. Desse modo, o direito, como mecanismo de controle social, busca assegurar a solidariedade, por meio de normas jurídicas que estabelecem padrões de comportamento e de conduta socialmente aceitos e que favoreçam ao bem comum.
Apesar das diversas diferenças entre os indivíduos, em uma sociedade complexa e organizada, principalmente em ambientes de solidaderiedade orgânica, a norma jurídica deve ser abstrata e geral, a fim de serem aplicadas universalmente. Contudo, o desvio, ou seja, o descumprimento da norma jurídica acarreta a ilicitude e, consequentemente, algum nível de desorganização social, bem como ofensa à organização coletiva7.
Ehrlich, ao retratar o fato social, disciplina que a existência de apenas um fato isolado não pode ser caracterizada como um fato social, mas quando se expande e se generaliza, transformando-se em uma parte do todo social, torna-se permanente na sociedade e integrado a esta. Assim, surge uma nova relação social e uma consequente forma de controle dessa sociabilidade: relação jurídica8.
Assim como entende Gurvitch, o Direito surge da sociedade, devendo-se compreender primeiro os fatos normativos e as fontes secundárias que favorecem o seu surgimento. Desta feita, as normas jurídicas justificam-se nos fatos sociais, não sendo possível compreender a norma sem conhecer os motivos que levaram ao seu surgimento9.
O direito, além de ser um instrumento emanado pelo Estado, deve ser entendido como um instrumento emanado pela sociedade e para sociedade, uma vez que atua disciplinando os fatos considerados relevantes para o convívio social. Por tanto, direito faz parte de um universo social, onde orbitam conjuntamente com outros instrumentos, como os fatores de sociabilidade entre os indivíduos.
O direito é um instrumento de dominação da sociedade, a qual está submetida a um determinado grau de obediência às regras instituídas para organizar a própria sociedade. Assim como os indivíduos abdicam de parte de sua liberdade para estabelecerem um contrato social e formarem o Estado, sociedade deixa-se ser dominada pelas normas jurídicas em nome da sua própria organização e manutenção10.
O papel que o direito desenvolve na sociedade, pela perspectiva do controle social, também pode ser compreendido na perspectiva legitimidade e legalidade de Weber. A legitimidade é o que fundamenta a existência de um poder em uma dada sociedade, levando os indivíduos a se submeterem a determinado comando. A legalidade é justaposição do poder no sistema jurídico de uma sociedade submetida à dominação legal11.
Seguindo nessa perspectiva, o controle exercido pelo direito, por meio do ordenamento jurídico corresponde à própria dominação dos homens sobre os homens- os indivíduos se submetem a normas impostas por outros indivíduos-, o que faz com que as normas sejam de observação obrigatória. A necessidade de obediência obrigatória faz surgir o paradoxo: o direito é ao mesmo tempo instrumento de aplicação de poder e de limitação de poder.
Para Weber, o poder é a probabilidade de impor a própria vontade em uma relação social seja qual for o seu fundamento, fazendo nascer uma assimétrica. Já a dominação é conceituada como a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo. Desse modo, compreende-se que a dominação é uma espécie de poder12.
A dominação, como vista em Weber, torna imprescindível a vontade de obedecer, seja essa obediência proveniente de elementos externos ou internos. A real existência de dominação requer a predisposição à obediência, de modo que aquele que obedece, faz como se fosse o próprio dominador. Desse modo, dominado não pode está apenas imbuído por um sentimento de obrigação, por medo ou por costume, mas exerce o ato em grau como se tivesse emanado a ordem sob a qual está sujeito13.
É a partir do entendimento dos conceitos de poder e dominação que se busca compreender o contexto do controle exercido pelo direito na sociedade, por meio das normas, pois não basta compreender a formação e aplicação do ordenamento apenas no contexto jurídico, seguindo a lógica positivista de Kelsen14, é preciso antes, compreender como os individuos estão dominados e como se submetem a esse ordenamento, bem como os efeitos sociais que as essas normas exercem na efetivação de controle social.
Desse modo, o controle social consubstancia-se na compreensão dos meios que a sociedade aplica e na forma como exerce influencia, para que o indivíduo adote determinado comportamento conforme os valores aceitos socialmente.
Conforme Ramon Soriano, controle social também pode ser tudo aquilo que é capaz de influenciar o comportamento de um individuo, até mesmo uma ação involuntária e sem pretensão de influenciar ou exercer um controle15. Em uma definição mais geral, seria todo meio de fazer um individuo se comportar de uma forma socialmente aceita.
O controle social pode ocorrer como instrumento de orientação e como meio de fiscalização do comportamento. Quanto ao âmbito de atuação, o controle opera sobre os indivíduos ou sobre as instituições sociais. Em relação aos agentes, pode advir de órgãos estatais ou da sociedade16. Este artigo debruça-se sobre o controle exercido pelo Estado, por meio da norma jurídica. Os meios de controle podem ser formais ou informais. O formal é realizado pelos entes estatais, por meio de um processo institucionalizado.
Os meios de controle podem ser positivos ou negativos. O controle positivo incentiva um comportamento considerado bom no contexto de determinada sociedade, podendo ser persuasivo, orientador ou garantidor. O negativo opera por meio da reprovação a determinado comportamento considerado ruim para determinada sociedade17.
Quanto à finalidade, seguindo a perspectiva liberal-funcionalista, adotada por Soriano, o controle social busca impor padrões de comportamento em nome da coesão social, a fim de evitar comportamentos desviantes. Por isso o controle é legítimo e necessário, uma vez que a própria manutenção da sociedade depende desse estado de equilíbrio social, o qual ocorre por meio da observância dos seguintes princípios: bem-estar maior do que existiria se não houvesse controle; proporcionalidade na intervenção; criação democrática dos instrumentos de controle; responsabilidade daqueles que exercem o controle18.
Não há como falar de controle social, por meio do direito, sem falar da coerção, tendo em vista que este é um elemento especifico das normas jurídicas, responsável por garantir o seu cumprimento. Contudo existem normas que não são acompanhadas de coação, como as instituidoras de direitos fundamentais e sociais que possuem apenas sanção de caráter político. Apesar de não serem passíveis de uma penalização mais grave, essas normas também exercem controle social. O que demonstra que a coerção não é uma característica absoluta dos meios de controle social.
Em uma sociedade complexa o comportamento ilícito é algo normal, sendo também fator de geração de outras normas e de mudança social e jurídica quando a transformação gerada passa a ser aceita e institucionalizada. A norma provaca mudanças sociais, do mesmo modo que as mudanças sociais levam à necessidade de produção de novas normas e, assim, às mudanças no direito. Direito é produto e fator de mudança social.
Este artigo parte do entendimento de que o direito apresenta falhas ao executar o controle social, tendo em vista que muitas vezes não consegue executá-lo, principalmente quando não está salvaguardado pela punição jurídica. É em relação a este ponto que se explana acerca da utilização da economia comportamental como meio de trazer maior efetividade ao controle social exercido pelo direito.
Entende-se que a efetividade do controle social pode ser medida pela existência de mudanças sociais positivas relacionadas ao objetivo de determinada norma, ou seja, quando o objetivo social da norma é alcançado. Desse modo, o direito atua tanto como produto, como força de mudança social. Para tanto é necessário analisar tal efetividade a partir da existência ou não de modificações na sociedade.
A norma jurídica, como produto e objeto do direito, é um instrumento de controle e de mudança social. O paradoxo se instala quando se verifica que este meio, apesar de legitimo, não acarreta mudança e tampouco controle social. Portanto, é necessário buscar mecanismos de garantir a eficácia das normas que não seja apenas pela aplicação de sanção pelo não cumprimento de normas, mas por meio de conscientização dos destinatários da norma de que o seu cumprimento trará benefícios sociais.
3 A Economia Comportamental e sua aplicação no Direito
Os estudos interdisciplinares decorrem de um processo de expansão das ciências, de modo que o objeto de estudo de um ramo do conhecimento se revela a chave da resposta de problemas não resolvidos e o instrumento que possibilita a melhor compreensão de fenômenos ou mecanismo de aperfeiçoamento de outro ramo.
A superação da estrita individualidade de uma ciência, permitindo uma fusão em determinada medida com outra, revela-se promissora, de modo que passam, por vezes, a se tornar novos ramos da ciência, com institutos, conceitos, metodologias, pesquisadores e nomes próprios. São exemplos desses ramos a neuroeconomia, neuropsicologia, psicopedagogia, neurofísica, dentre outros, muitos revelando em seus próprios nomes as áreas que foram associadas19.
É nessa toada que a Economia Comportamental surge como um novo ramo da ciência dotada de uma natureza multidisciplinar, pois reúne estudos da psicologia cognitiva, psicologia social e neurociência, tendo por finalidade a compreensão do funcionamento do cérebro humano em relação à análise de fatores psicológicos, emocionais e cognitivos relativos aos limites da racionalidade e como isso impacta a tomadas de decisões20.
A Economia é o estudo do comportamento do ser humano em um ambiente de recursos escassos, por isso que é natural que seus pesquisadores se valam de recursos da psicologia, da neurociência e eventualmente da antropologia para enrobustecer os seus estudos21. É nessa linha de raciocínio que o Direito não pode ter amarras ao seu limite tradicional de estudos, pois, se ele tem como finalidade última a regulação do comportamento humano, necessário se faz voltar-se a pesquisas de natureza interdisciplinar para a melhor compreensão daquilo que ele irá regular, sob pena de se deter a regulação legislativa e a interpretação a partir de conhecimento raso e não científico.
Por esse motivo que os juristas têm demonstrado cada vez mais interesse nas pesquisas relativas ao mecanismo de tomada de decisões apresentadas pela Economia Comportamental, a qual tem como princípio a refutação a teoria tradicional da economia do homo economicus, o qual defende que o homem sempre toma as decisões de maneira racional, tendo sua capacidade cognitiva ilimitada e irrestrita.
Por sua vez, a Economia Comportamental, através de estudos clínicos e de imagem, verifica que a capacidade cognitiva do homem é limitada e grande parte das decisões tomadas é realizada de maneira inconsciente, sem passar por uma análise cognitiva racional.
Esse sistema de tomada de decisão inconsciente é uma adaptação cerebral para que seja possível realizar várias atividades em pequeno espaço de tempo, visto que, acaso todas as decisões do dia a dia fossem racionalizadas, a capacidade produtiva do ser humano seria drasticamente reduzida, além do gasto energético passar a ser consideravelmente maior22. No entanto, a não racionalização das decisões provoca vários erros de julgamento e interferência emocionais e ambientais sem que isso seja percebido pelo consciente do indivíduo.
De acordo com Kahneman, os indivíduos tomam suas decisões empregando heurísticas, que são atalhos mentais que favorecem a formação de uma resposta rápida e automática em uma determinada situação. Ainda de acordo com o economista, no processo decisório o individuo possui duas forma de pensar, o que ele denominou de Sistema 1 e Sistema 2. O primeiro funciona de forma rápida e intuitiva, sendo capaz de realizar varias atividades ao mesmo tempo. O Segundo sistema funciona de forma mais lenta, exigindo uma atenção mais dedicada ao decorrer dos processos23.
Ao deparar-se com determinada situação, o Sistema 1 é o primeiro a ser acionado, oferecendo uma resposta instantânea e muitas vezes adequada. Contudo a celeridade da resposta acarreta o surgimento de vieses, ou seja, erros do próprio sistema.
Parte das decisões não é tomada de forma racional, portanto torna-se suscetível a um estímulo- os nudge-, uma vez que este influencia um comportamento previsível, podendo ajudar os indivíduos a tomarem decisões alinhadas a um determinado interesse24.
Compreendendo que as escolhas dos indivíduos podem ser influenciadas, necessário se faz o conhecimento dos fatores que levam a determinada tomada de decisão, a fim de ofertar responsabilidade e controle a esse processo, tendo em vista que essa influência pode acarretar decisões contrárias ao bem estar do individuo.
4 A aplicação de técnicas de nudges em políticas públicas para a promoção de controle social
Uma vez tendo conhecimento de que o sistema de tomada de decisão dos indivíduos não é integralmente racional e consciente, mas grande parte das decisões é tomada de maneira irracional e inconsciente, de modo que faz parte da cognição de todos os indivíduos a presença de vieses e heurísticas, Richard Thaler e Cass Sunstein publicaram estudo em 2008, no qual constataram que elementos aparentemente insignificantes nos ambientes em que as decisões são tomadas podem ter um impacto significativo no comportamento das pessoas25. Esses elementos foram denominados pelos autores de nudges26 e podem ser utilizados intencionalmente para incentivar alguém a tomar determinada decisão, sem que retire do seu destinatário o seu poder de decisão.
Os nudges são estímulos que interveem na arquitetura de escolha das pessoas de “forma previsível, sem vetar qualquer opção e sem nenhuma mudança significativa em seus incentivos econômicos. Para ser considerado um nudge, a intervenção deve ser barata e fácil de evitar”27. Dessa forma, os nudges, caso sejam utilizados de maneira ética, podem ser úteis na medida em que estimulam os indivíduos a tomarem determinada decisão sem que afete a liberdade de escolha, sempre sendo transparentes e voluntários.
A fim de exemplificar e explicar como os nudges influenciam os indivíduos, Sustein utiliza a ideia de um GPS, pois este apresenta aos seus usuários opções de trajetos mais rápidos, sem forçar ou condicionar a escolha, deixando os indivíduos livres para seguir ou não as opções ofertadas. O GPS apenas apresenta o que é melhor do ponto de vista da celeridade para chegar ao destino, mas quem escolhe o destino é o usuário28.
Verificando a utilização prática em políticas públicas, o governo Barack Obama adotou conceitos econômicos comportamentais recrutando Cass Sustein para criar mecanismos de incentivo nas políticas, bem como o governo do Reino Unido criou uma equipe de trabalho em insights comportamentais para também desenvolver políticas públicas29.
Em razão desse trabalho de criação de políticas públicas por meio de mecanismos de interveem na arquitetura de escolha dos indivíduos no Reino Unido, o governo passou a enviar uma carta à população informando que a maioria dos contribuintes pagava os impostos no prazo de validade, fazendo com que ainda mais contribuintes pagassem seus impostos tempestivamente30.
Ainda no Reino Unido, o governo se preocupou em ter poucas pessoas criando poupança previdenciária entre os trabalhadores da iniciativa privada. Dessa feita, foi criada uma norma em que determinou que os empregadores iriam inscrever seus funcionários na poupança previdenciária de modo que seria deduzido um valor da remuneração mensal, e caso o trabalhador não quisesse a previdência, ele teria que requerer o cancelamento da inscrição. Ou seja, foi modificado o procedimento padrão, no qual antes o trabalhador deveria solicitar a inscrição na previdência e passou a ser uma inscrição automática, devendo ser requerida o cancelamento. Como resultado, a participação de empregados na previdência saltou de 2,7 milhões em 2012 para 7,7 milhões em 2016. E isso sem que o governo gastasse praticamente nenhum valor do erário público para alcançar o seu objetivo, e sem que impusesse qualquer espécie de sanção31.
As políticas públicas podem ser definida como a efetivação de comandos gerais dispostos na legislação, pela Administração Pública, por meio da implementação de ações e programas, bem como garantindo a prestação de determinados serviços. Ademais, é por meio das políticas públicas que o Estado promove os fins previstos na Constituição32. Toda ação estatal envolve dispêndio de recursos públicos. A própria existência da estrutura estatal já demanda custos. Contudo os recursos são finitos e limitados. Seguindo a lógica da economia, a eficiência deve pautar a elaboração e implementação de qualquer programa de governo que envolva orçamento público33.
Desse modo, as políticas públicas devem ser pensadas e desenvolvidas também pelo prisma da eficiência não apenas na relação orçamentária, mas também na própria concretude da norma e do ordenamento, de modo que o programa governamental atinja seu objetivo com a menor quantidade de comandos possíveis.
Os formuladores de políticas públicas devem estar atentos não apenas ao cumprimento dos objetivos traçados, mas também a como os indivíduos, público-alvo, irá atingir essas metas. Para tanto, em nome da eficiência faz-se necessário está atento também à arquitetura das escolhas para influenciar o sucesso de uma política pública para alcançar um bem estar coletivo.
O processo de elaboração de uma política pública envolve várias etapas, quais sejam: a formulação, a implementação e a avaliação. Antes do seu nascimento deve existir um problema, uma demanda e a necessidade de uma solução. Desse modo, entende-se que a política pública já nasce com o objetivo próprio a ser alcançado, o qual seja: provocar a mudança de determinada comportamento social.
Estudar a aplicação dessa arquitetura das escolhas no âmbito das políticas públicas é utilizar os ferramentais da economia comportamental a fim estimular o cumprimento de determinado comportamento insculpido por uma política pública em favor de um bem comum34.
A utilização da arquitetura das escolhas em políticas públicas não inflige parâmetros éticos, pois não intervêm de forma abrupta no processo decisório do individuo, ou seja, o “arquiteto” não modifica a escolha individual, apenas apresenta caminhos que levariam a uma escolha mais compatível com o objetivo de determinada política pública. O individuo continua a liberdade de escolher se quer ou não seguir os caminhos arquitetados, podendo inclusive ter ciência de que estão sendo influenciados.
Dessa forma, a aplicação dos nudges em políticas públicas, tendo por base o estudo teórico, bem como o empirismo cientificamente analisado em outros países, demonstra ser uma boa alternativa como um instrumento de criação de políticas públicas, visto que solicitam pouco do erário público, são fáceis de serem percebidos – o que os tornam protetores da liberdade de escolha – e incentivam o cumprimento da legislação, sendo, pois, um mecanismo de controle social pelo convencimento transparente e não pela manipulação ou pela aplicação de sanção.
5 Considerações Finais
Em uma sociedade complexa e estratificada, compreender a forma como os indivíduos tomam suas decisões e como essas decisões influenciam na escolha de um comportamento compatível com o objetivo de uma determinada norma, traz efetividade ao direito e ao ordenamento jurídico pátrio.
A abertura do direito à interdisciplinaridade é fator preponderante para intensificar a observação de normas jurídicas, pois com a utilização dos ferramentais da Economia Comportamental é possível prever como os indivíduos provavelmente se comportaram diante de determinado comando. Desse modo, torna-se mais fácil incentivar um comportamento que acarretará um benefício social maior.
Por exemplo, uma norma de proteção ambiental, que traz benefícios para toda sociedade durante o decorrer do tempo, poderia ser mais facilmente aceita e obedecida pelos indivíduos se no momento da elaboração de políticas públicas para preservação ambiental fossem aplicados mecanismos que incentivassem os indivíduos a agirem de forma positiva e benéfica ao meio ambiente. Da mesma forma, tais incentivos poderiam ser aplicados em diversas políticas de incentivo à saúde e a educação, que em longo prazo também trazem benefícios para toda população.
Desta feita, não se limitando a uma determinada política pública, este artigo buscou demonstrar que o direito pode exercer o controle social da sociedade a fim obter objetivos positivos para o bem comum, por meio de incentivos de comportamentos que levem a efetivação de determinada norma e do próprio ordenamento jurídico.
Por ser uma ciência é objeto e resultado de relações sociais, o direito e o seu processo de elaboração e efetivação deve está intimamente ligado à sociedade em que atua, de modo que de nada vale a norma se esta não for observada e aplicada. Portanto, entender como o seu público-alvo compreende e pauta suas escolhas é tão importante quanto todo processo jurídico e normativo que envolve a elaboração da norma.
A Sociologia Jurídica, assim como a Economia Comportamental, devem atuar conjuntamente com o Direito como sistemas que se complementam, tendo em vista que possuem atores e objetos em comum. Ademais, considera-se que o Direito, a Sociologia e a Economia são interdependentes.
Referências
BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das Políticas Públicas em Matéria de Direitos Fundamentais: O Controle Político-Social e o Controle Jurídico no Espaço 91 Democrático. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos Fundamentais, Orçamento e “Reserva do Possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
BAUM, William M. Compreender o Behaviorismo: Ciência, Comportamento e Cultura. Tradução de Maria Teresa Araujo Silva et al. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política púbica no direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006.
CHATER, Nick. A Revolução da Ciência Comportamental nas Políticas Públicas e em sua Implementação. In: ÁVILA, Flávia; BIANCHI, Ana Maria. (Orgs.). Guia de Economia Comportamental e Experimental [livro eletrônico]. São Paulo: EconomiaComportamental.Org, 2015.
CHAVES, Rômulo Ventura de Oliveira Lima. As decisões e o inconsciente: uma análise sobre o sistema cognitivo limitado e as técnicas de desenviesamento aplicáveis ao judiciário. in: Vieses cognitivos e decisão judicial. 1. ed. Mucuripe, 2021.
CHU, Ben. What is ‘nudge theory’ and why should we care? Explaining Richard Thaler’s Nobel economics prize-winning concept. Independent, 9 oct. 2017. Disponível em: <https://www.independent.co.uk/news/business/analysis-and-features/nudge-theory-richard-thaler-meaning-explanation-what-is-it-nobel-economics-prize-winner-2017-a7990461.html>.
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Pulo: Companhia Editora Nacional, 7. ed.,1976.
EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Brasília: UnB, 1986.
FRANCO, Claudia Regina Lovato; TABAK, Benjamim Miranda; BIJOS, Leila. A lei no 14.946/2013 (lei bezerra): um nudge para incentivar empresários do setor de confecção da indústria paulista a cumprirem as leis trabalhistas. Revista de Direito Brasileiro, São Paulo, v. 16, n. 7, p. 346-362, jan./abr. 2017.
GURVITCH, Georges. Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Cosmos, 1946.
HOLMES,Stephen; SUSTEIN, Cass R. The coast of rigths: why liberty depends on taxes. New York:W.W.Norton&Company, 1999.
KAHNMEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
KEATING, Sarah. The nation that thrived by nudging its population. BBC, 20 feb. 2018. Disponível em: http://www.bbc. com/future/story/20180220-the-nation-that-thrived-by-nudging-its-population.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
SHAFIR, Eldar (Ed.). The behavioral foundations of public policy. New Jersey: Princeton University Press, 2013.
SABADEL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma leitura externa ao direito. São Paulo: RT, 2000.
SORIANO, Ramón. Sociologia Del Derecho. Barcelona: Ariel, 1997.
SUNSTEIN, Cass R. Nudging: a very short guide. SSRN. Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_ id=2499658>.
THALER, Richard H; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: o empurrão para a escolha certa: aprimore suas decisões sobre saúde, riqueza e felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. Brasília : Ed. Unb, 1994.
3THALER, Richard H; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: o empurrão para a escolha certa: aprimore suas decisões sobre saúde, riqueza e felicidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
4NADER, Paulo. Introdução ao estudo do Direito. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 23.
5REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.2
6DURKHEIM, Emile. As Regras do Método Sociológico. São Pulo: Companhia Editora Nacional, 7. ed.,1976.
7DURKHEIM, Emile. As Regras do Método Sociológico. São Pulo: Companhia Editora Nacional, 7. ed.,1976.
8EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p.95.
9GURVITCH, Georges. Sociologia Jurídica. Rio de Janeiro: Cosmos, 1946.
10WEBER, Marx. Economia e sociedade. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. Brasília : Ed. Unb, 1994.
11WEBER, Marx. Economia e sociedade. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. Brasília : Ed. Unb, 1994.
12WEBER, Marx. Economia e sociedade. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. Brasília : Ed. Unb, 1994.
13WEBER, Marx. Economia e sociedade. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. Brasília : Ed. Unb, 1994.
14KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito.6.ed.São Paulo: Martins Fontes, 1998.
15SORIANO, Ramón. Sociologia Del Derecho. Barcelona: Ariel, 1997.
16SABADEL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma leitura externa ao direito. São Paulo: RT, 2000.
17SABADEL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma leitura externa ao direito. São Paulo: RT, 2000.
18SORIANO, Ramón. Sociologia Del Derecho. Barcelona: Ariel, 1997.
19CHAVES, Rômulo Ventura de Oliveira Lima. As decisões e o inconsciente: uma análise sobre o sistema cognitivo limitado e as técnicas de desenviesamento aplicáveis ao judiciário. In: Vieses cognitivos e decisão judicial. 1. ed. Mucuripe, 2021.
20CAMERER, Colin; LOEWENSTEIN, George; PRELEC, Drazen. Neuroeconomics: How neuroscience can inform economics. Journal of Economic Literature, v. 43, n. 1, mar, 2005, p. 9-64.
21Gico Jr. Ivo T. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. EALR, v, 1, n. 1, jan-jun, 2010, p. 7-33.
22BARGH, John. O Cérebro Intuitivo: Os processos inconscientes que nos levam a fazer o que fazemos. Tradutor: Paulo Geiger. Yale: Objetiva, 2017.
23KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Tradutor: Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
24THALER; Richard H.; SUSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
25THALER; Richard H.; SUSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
26Nudge é uma palavra de língua inglesa que significa “dar um empurrãozinho”, cutucar. Na utilização corriqueira, a palavra é usada como o ato de alertar ou avisar gentilmente alguém. THALER; Richard H.; SUSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
27 THALER; Richard H.; SUSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019
28THALER; Richard H.; SUSTEIN, Cass R. Nudge: como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2019.
29CHU, Ben. What is ‘nudge theory’ and why should we care? Explaining Richard Thaler’s Nobel economics prize-winning concept. Independent, 9 oct. 2017. Disponível em:<https://www.independent.co.uk/news/business/analysis-and-features/nudge-theory-richard-thaler-meaning-explanation-what-is-it-nobel-economics-prize-winner-2017-a7990461.html>.
30KEATING, Sarah. The nation that thrived by nudging its population. BBC, 20 feb. 2018. Disponível em: http://www.bbc. com/future/story/20180220-the-nation-that-thrived-by-nudging-its-population.
31CHU, Ben. What is ‘nudge theory’ and why should we care? Explaining Richard Thaler’s Nobel economics prize-winning concept. Independent, 9 oct. 2017. Disponível em: <https://www.independent.co.uk/news/business/analysis-and-features/nudge-theory-richard-thaler-meaning-explanation-what-is-it-nobel-economics-prize-winner-2017-a7990461.html>.
32BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais da Unirasil. Jan/Dez. 2005.
33HOLMES,Stephen; SUSTEIN, Cass R. The coast of rigths: why liberty depends on taxes. New York:W.W.Norton&Company, 1999.
34SHAFIR, Eldar. The behavioral foundations of public policy. New Jersey: Princeton University Press, 2013.
1Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará- UFC, vinculada à linha de pesquisa “Direitos Fundamentais e Políticas Públicas”, Mestra em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará- UFC, especialista em Direito Constitucional, bacharel em Direito pelo Centro Universitário Christus- UNICHRISTUS, Advogada
2Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará.