O DIREITO AO ESQUECIMENTO E A RELAÇÃO COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS FRENTE AOS DESAFIOS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8015136


Matheus Da Cunha Sousa Silva;
Tomaz De Sousa Veras Neto.


RESUMO

O presente trabalho intitulado como “O Direito ao Esquecimento e a relação com os direitos fundamentais frente aos desafios na sociedade de informação” objetiva demonstrar os desafios que o Direito ao Esquecimento tem de superar para mostrar que não é um instrumento de censura às mídias sociais, mas um limitador de abusos cometidos com o excesso de informação e seu uso de forma inconsciente. Para tanto, o referido faz a seguinte indagação: quais os desafios existentes para efetivar o Direito ao Esquecimento como limitador necessário às atividades abusivas das mídias sociais? Este estudo pretende servir de instrumento para os estudantes de direito, profissionais e indivíduos envolvidos no Direito ao Esquecimento. Para o seu desenvolvimento, foi realizado uma pesquisa bibliográfica onde serão utilizados teóricos, legislação e entendimento jurisprudencial. Ademais, postula-se por meios dos procedimentos chegar aos objetivos preteridos, abordando a conceituação do Direito ao Esquecimento, sua relação com os direitos fundamentais e como ordenamento jurídico entende esse preceito fundamental.

Palavras-Chave: Direito ao Esquecimento; Direito fundamental; Informação.

ABSTRACT

The present work entitled “The Right to be Forgotten and the relationship with fundamental rights in the face of challenges in the information society” aims to demonstrate the challenges that the Right to be Forgotten has to overcome to show that it is not an instrument of censorship of social media, but a limiter of abuses committed with the excess of information and its unconscious use. To this end, the above makes the following question: what are the challenges to implement the Right to be Forgotten as a necessary limiter to abusive activities in social media? This study intends to serve as a tool for law students, professionals and individuals involved in the Right to be Forgotten. For its development, a bibliographical research was carried out where theorists, legislation and jurisprudential understanding will be used. In addition, it is postulated through procedures to reach the deprecated objectives, addressing the concept of the Right to be Forgotten, its relationship with fundamental rights and how the legal system understands this fundamental precept.

Keywords: Right to be forgotten; Fundamental right; Information.

1 INTRODUÇÃO

A sociedade contemporânea trouxe consigo mudanças em seu convívio social por meio dos avanços da tecnologia, como por exemplo, a comunicação instantânea e de forma globalizada. São vistos com uma maior frequência a inserção tecnológica nas relações interpessoais, atrelado ao advento das redes sociais, é certo que o avanço tecnológico permitiu que a humanidade tenha diversos benefícios, no entanto, é possível observar que a propagação de informações em massa pode ocasionar transtornos aos indivíduos que são expostos de forma pública, principalmente pela rapidez do compartilhamento de informações (NUNES; SANTOS; MARTINI, 2019).

Acrescenta-se que frente ao levantamento dos benefícios que a sociedade supracitada acarretou, em especial, as mídias sociais, como também, os desafios dessa transformação se correlacionado ao Direito ao Esquecimento. Visto esse cenário, são analisados os direitos à informação, liberdade de imprensa e expressão, em detrimento dos direitos à imagem, privacidade, honra e intimidade. É hodierno que a internet surgiu como um dos frutos da evolução tecnológica que promove a virtualização das relações pessoais cuja permite que haja conexão em todo o mundo, as informações são repassadas de forma ágil (SILVA; CARVALHO, 2017).

Como resposta a esse avanço, surge o Direito ao Esquecimento. É mister abordar sua conceituação, sendo definido como a possibilidade que o sujeito possui para pleitear a retirada de informações pessoais nas mídias sociais, ademais, busca-se o prosseguimento da vida digna sem que haja informações que remetem ao passado, em miúdos, refere-se ao direito de ser deixado em paz, esquecido e estar só, esse direito é inerente ao ser humano, estando este intimamente ligado à princípios consagrados na Carta Magna de 88, uma vez que o Direito ao Esquecimento coaduna com a vertente da dignidade da pessoa humana, direito a honra, imagem e intimidade (BRASIL, 1988).

A partir dessa exposição, o presente trabalho questiona: Quais os desafios existentes para efetivar o Direito ao Esquecimento como limitador necessário às atividades abusivas das mídias sociais? A realização deste trabalho justifica-se a partir da necessidade, observada pelos autores, de disseminar e trazer à tona o Direito ao Esquecimento como objeto de limitação nas divulgações de informações excedidas por meio das mídias sociais. Importante salientar, que o poder de alcance das redes sociais é abrupto, podendo chegar a uma imensurável quantidade de pessoas em um curto intervalo de tempo.

Nesse sentido, com tantas ferramentas disponíveis para fazer uso das redes sociais e com isso, ter acesso à informação, faz-se necessário ter uma precaução redobrada por parte dos agentes ao disseminarem notícias, imagens e dados, os quais podem trazer consequências ao indivíduo em alta escala, algumas das vezes até mesmo irreversíveis. Dessa maneira, caso não haja cautela no tratamento dessas informações de uma maneira geral, pode-se criar um fantasma de condenação perpétua na vida de um indivíduo.

O Direito ao Esquecimento nasce com o papel de limitador dos abusos cometidos pela divulgação de informações infundadas e descontextualizadas, e por mais que relacionado a eventos passados, visto o seu exaurimento, podem se transformar em uma condenação perpétua. Assim, faz necessário o reconhecimento do Direito ao Esquecimento como Direito Fundamental com tipificação expressa, estruturado de regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro.

Ao que concerne os objetivos do intento, têm-se como objetivo geral: Demonstrar os desafios que o Direito ao Esquecimento tem de superar para mostrar que não é um instrumento de censura às mídias sociais, mas um limitador de abusos cometidos com o excesso de informação e seu uso de forma inconsequente. Quanto aos objetivos específicos buscou-se conceituar e analisar o Direito ao Esquecimento, discorrer a respeito do conflito aparente entre a liberdade de expressão da imprensa e o direito da personalidade no direito privado ao esquecimento, além de analisar a insuficiência legal a respeito da perpetuidade das informações de cunho pessoal.

Essa pesquisa foi realizada através de uma abordagem dedutiva, pretende discorrer sobre os desafios enfrentados por essas dogmáticas jurídicas na era da informação abrupta e massiva, perspectiva na qual se insere o Direito ao Esquecimento. Destarte, nesse contexto, levanta-se o conflito, visto a oposição entre Direitos Fundamentais, sendo eles: Direito da Personalidade x Direito à Liberdade de Expressão e Acesso à Informação. É importante destacar, que para fundamento deste artigo, fez-se o uso de documentos bibliográficos, tais como livros, revistas e sites, como o Google Acadêmico, Scielo, além da doutrina especializada, assim, o trabalho fora realizado por meio de uma pesquisa bibliográfica, ademais fora estruturada na temática da sociedade da informação atrelado às mídias sociais e os imbróglios que envolvem o Direito ao Esquecimento.

  1. O DIREITO AO ESQUECIMENTO

De antemão, é necessário abordar o significado da palavra “comunicação” o qual tem se tornado significado de evolução, pois o avanço do modo de se comunicar, informar e repassar mensagens é uma constante evolução, passando por simbolismos na idade antiga, pombos correios, até a criação da Pony Express, uma empresa criada com o intuito de agilizar a entrega de correspondências entre as cidades de St. Joseph, no Missouri, e Sacramento, na Califórnia. O percurso atravessa oito estados, seguindo um impressionante sistema de revezamento criado em 1860 para entregar correspondências em apenas 10 dias, algo sem precedentes na época. Com isso, pode-se concluir como a população é sedenta por informações, nos dias atuais não é preciso mandar cartas por pombos ou a cavalo, sendo o bastante uma boa conexão Wi-Fi ou um serviço de dados móveis, um clique, e pronto, o ser humano está diante de uma infinidade de notícias, informações, alguém relatando algo em um story e tudo isso conectado simultaneamente a uma rede de bilhões de pessoas.

Faz-se importante analisar a origem do Direito ao Esquecimento ou o direito a ser esquecido. Esse instituto não é novo, pois conforme o Enunciado 531 do Conselho de Justiça Federal, sua origem decorre do direito penal onde o sujeito que cometeu um crime, após um tempo, pode ter seus atos acessados livremente, fazendo com que as consequências de seus atos não sejam cessadas, ocorre que para Camila Augusto (2020), esse instituto passou a ganhar destaque a partir da globalização mundial e o avanço da informação. Deve-se acrescentar que o Direito ao Esquecimento é previsto na legislação, tem assento constitucional e legal, ocorre que por ser um tema que tem sido debatido demasiadamente em instâncias superiores, ainda não se pode afirmar qual a dimensão constitucional que esse direito se enquadra (XIMENES, 2021).

Com o acesso cada vez maior a informação e dados no mundo digital, a sociedade parece ter migrado parte de suas relações para o meio virtual, é comum ter pessoas que acompanham a vida uma das outras a quilômetros de distância, ou então na mesma cidade, mesmo bairro, até na mesma rua, e nunca trocaram uma palavra pessoalmente. A sociedade passou a receber e ficar imersa por uma quantidade quase infinita de fatos e dados, dando origem ao fenômeno da superinformação, expostos a todo momento a informações relevantes e até mesmo irrelevante, porém, toda essa facilidade a um infinito de informações, dados e fatos, trouxe consigo a facilidade de informações infundadas e sem contextualizações serem disseminadas em milésimos de segundos e com potencial de chegar ao conhecimento de milhares de pessoas.

A partir disso, é de suma importância conceituar o que é o Direito ao Esquecimento. Esse direito é considerado por muitos como um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, trata da possibilidade de desconsideração e abstração de fatos vexatórios ocorridos no passado, entendidos como danosos à índole e à privacidade do indivíduo. Para Fonteles (2016) o Direito ao Esquecimento se refere a uma garantia de que os fatos hostis não devem ser eternizados na memória coletiva, em suma, deve-se esquecer escândalos, humilhações, escolhas erradas, entre outras. Dessa forma, entende esse direito como a possibilidade de deletar ou impedir o acumulo de informações após um lapso temporal o qual não possui mais utilidade pública.

Conforme Martinez (2014), o Direito ao Esquecimento refere-se a um direito fundamental onde o titular consegue se resguardar do que não deseja rememorar. O autor ainda acrescenta que esse preceito fundamental não se relaciona unicamente com a possibilidade de estar só, mas para vedar um indivíduo do convívio com parte do passado. A partir disso, não se pode abandonar os valores inerentes e fundamentais que preservam a dignidade humana.

No Brasil esse tema ganhou notoriedade a partir do Enunciado 531 do Conselho de Justiça Federal identificou o Direito ao Esquecimento, ademais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) utilizou esse termo em dois julgados, ganhando evidencia. Conforme leciona o professor João dos Passos Martins Neto (2014), esse preceito é concebido como o direito de não ser citado em um corpo, a 2ª Turma Recursal de Belo Horizonte, afirmou em 2009 que essa pauta nada mais era do que uma verdade que mantida por muito tempo passaria a ser ilícita, sendo o primeiro passado para a conceituação desse direito, ainda que estivesse caminhando em passos lentos.

Para a conceituação do Enunciado, teve berço o esquecimento de condenações criminais. Diante disso, busca-se defender a intimidade do sujeito, dando-lhe autonomia para que escolha o que é desejável que as pessoas saibam, ocorre que conforme o desembargador Moreira (2013), isso não impede que haja a exclusão da imprensa em divulgar de forma contextualizada fatos relevantes e com interesse público, pois se houver interesse público não se deve falar em Direito ao Esquecimento, conforma Jornada de Direito Civil de 2013. Diante disso, deve-se entender que as pessoas não devem ter sua vida exposta de forma pública a mercê das tecnologias de informação e nem trazer à tona fatos ocorridos no passado, assim, é notório a importância de tutelar a privacidade.

  1. CONFLITO DE NORMAS E CONFLITO APARENTE DE NORMAS

Primeiramente, deve-se conceituar o que é os direitos fundamentais, sendo compreendidos como aqueles inerentes à própria condição humana dentro do ordenamento jurídico (ARAGÃO, 2011). Os direitos fundamentais são direito mínimos os quais são essenciais à vida individual e em sua coletividade sendo considerada o viga-mestre para que seja mantido o Estado Democrático de Direito (BRASIL et al., 2017). Para Paulo Bonavides (1993), existem os direitos de primeira dimensão os quais representam direitos de caráter civil e político, já os direitos de segunda geração versam sobre liberdade negativas, isso é, direito sociais, culturais, econômicos, entre outros, e os da terceira geração preservam direitos coletivos e difusos. Diante disso, entende-se que os direitos fundamentais são inerentes ao ser humano.

Conforme Luiz Flávio Gomes (2014), o conflito de normas refere-se há duas ou mais normas que disputam a regência de um fato típico, antijurídico e que seja punível. Já o conflito aparente de normas conforme Rogério Greco (2015), se refere quando duas normas aparentam incidir sobre um mesmo fato, é chamado de aparente por não haver um conflito de forma verídica, isso é, de forma efetiva não existe conflito na aplicação de norma ao caso concreto.

É importante compreender a tipologia de Robert Alexy, o alemão elaborou a teoria dos direitos fundamentais em conformidade com a tipologia das “normas jurídicas”, onde são espécies: regras e princípios. Ao que concerne o direito fundamental ele dividiu em dois grupos, sendo: normas diretamente estatuídas por meio da Constituição e normas a elas adscritas, no primeiro grupo refere-se às normas textualmente colocadas na constituição, já o segundo trata do resultado de uma interpretação que deixa claro o dispositivo constitucional, para ele, a tese de que princípios e regras se referem a normas com base no argumento de que ambas expressam um dever ser, onde a diferença é qualitativa.

A diferença da teoria de Alexy está na distinção entre princípios e regras. O princípio se refere a uma norma que ordena que algo seja realizado na maior forma possível, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas, já as regras abordam que as normas que devem ser cumpridas de forma exata, ou seja, seu cumprimento só pode ser feito de forma integral. A partir disso, quando existe um conflito de regras, deve haver dois caminhos, onde pelo menos uma das regras é declarada inválida ou é introduzida por uma cláusula de exceção em uma ou seja, um dos princípios deve ceder frente ao outro, onde a dimensão ocorre quando um cede a frente a outro.

  1. Liberdade de expressão da imprensa e o direito da personalidade do direito privado ao esquecimento

A sociedade da informação está atrelada a um novo paradigma social, visto o poder que têm as redes sociais usando a internet como uma importante fonte de informação, dada a velocidade em emitir e espalhar mensagens de forma instantânea e por vezes, perpétua. Análogo a isso, o entendimento de Manuel Castells (A Sociedade em Rede, p. 327), corrobora com o que foi exposto frente as ferramentas da era informacional, o qual durante várias gerações, os investigadores tentam construir um perfil que seja capaz de explicar como os cidadãos obtêm informações.

A partir disso, o autor acrescenta que nos Estados Unidos, as organizações, como a Gallup e Roper conseguem identificar de onde os americanos obtinham informações e como esse comportamento é alterado ao longo dos anos, pois como se sabe a internet transforma os meios de comunicação, sendo passíveis de acesso por parte do público nas décadas de 90, principalmente após o desenvolvimento browsers, o qual é permitido que os utilizadores acessem a World Wide Web (WWW), em busca de informação, além disso, busca-se a importância da internet como fonte de informação e entretenimento. Diante disso, percebe-se que a internet se refere a uma fonte de informação.

Com base nisso, pode-se afirmar que essas citadas ferramentas passaram a fazer parte da rotina das pessoas em diferentes aspectos. Entretanto, as consequências da inserção dessa nova maneira de se informar e/ou comunicar não foram somente positivas, pois com o advento da internet, em especial, a implementação das redes sociais, também surgiram imbróglios frente à população.

A sociedade contemporânea, a partir do incremento das redes sociais, ficou cada vez mais suscetível a propagação e a reviverem fatos ocorridos no passado. Com isso, afere-se que os responsáveis destes fatos, mesmo que errôneos, acabam se vendo em situações não confortáveis, o que, consequentemente, lhe causa danos, em razão da violação dos direitos ao esquecimento, personalidade, intimidade e entre outros. Aqui, pode-se de imediato invocar a Constituição Federal Brasileira de 1988, sendo ela suficiente para a efetivação destes direitos, uma vez que os mesmos são princípios da dignidade da pessoa humana. No tocante a essa seara, enfoca-se o Direito ao Esquecimento se comunicando com a ressocialização do indivíduo e o exaurimento dos fatos/atos passados, passando assim, a ser julgado, tanto judicialmente, como socialmente e moralmente, somente por fatos novos e contemporâneos.

A liberdade da imprensa é considerada um direito fundamental garantido na Constituição Federal de 1988 cuja decorre do direito de informação. A liberdade de expressão está conectada ao direito de manifestar o pensamento, emitir opiniões e ideias, conectada a isso, nasce o direito de liberdade da imprensa que decorre do direito de informação e refere-se à possibilidade de o sujeito criar ou ter acesso a fonte de dados, sendo uma atividade profissional jornalística. Ocorre que essa liberdade não deve ser confundida com a liberdade para fazer o mal, pois nenhum direito é absoluto,

A partir do que foi exposto, surge-se uma problemática a respeito do Direito ao Esquecimento, pois é o oposto da liberdade de expressão, onde ambos são direitos fundamentais. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º reconhece o direito a liberdade de informação e expressão (BRASIL, 1988), a liberdade de expressão refere-se ao direito de manifestar o pensamento (BARROSO, 2014), já a liberdade de informação diz respeito ao direito de se comunicar de forma livre (BARROSO, 2014). Nesse toar, esses dois direitos interligam-se entre si e propagam se pelos meios de comunicação.

É certo que esses dois preceitos fundamentais unidos e com a força da informação no mundo globalizado, existe um aumento de lesões ao sujeito que podem se prolongar no contexto cibernético (SILVA; DETONI, 2016). Assim, para neutralizar isso, surge-se o Direito ao Esquecimento visando resguardar o sujeito.

A partir do advento da globalização, os meios de comunicação são os grandes responsáveis por transmitir informações e acontecimentos fazendo com que a população usuária construa sua opinião sobre diversos assuntos. No entanto, a mídia se torna uma formadora de controle social ditando comportamentos, modismos, costumes, entre outros (ROCHA, 2017), casos relacionados a crimes sempre causam impacto socialmente, a partir disso, a mídia pode influenciar a opinião pública a partir da forma que divulga os crimes, fazendo com que a sociedade adote juízo de valor. Com isso, questiona-se qual o real interesse midiático em trazer crimes ocorridos há muito tempos, os quais possivelmente estão prescritos, para Caroline Wang (2015) os meios de comunicação estão se preocupando unicamente com índices de audiência do que noticiar de forma imparcial, influenciando a mentalidade dos indivíduos.

Atualmente, crimes que geram repulsa na sociedade fazem com que haja uma grande repercussão, além de ferir o Direito ao Esquecimento, fere também o direito que os envolvidos possuem em ir e vir, uma vez que geram ataques não só ao criminoso, mas também a sua família, além de prejudicar o direito à ressocialização.

  1. Casos correlacionados ao Direito ao Esquecimento

Como já fora exposto, o Direito ao Esquecimento se refere à um direito inerente ao ser humano, o qual determina que não haja autorização que determinado acontecimento, ainda que seja verdadeiro, seja divulgado a população por causar sofrimento e transtorno (LOPES; LOPES, 2020). A partir disso é interessante observar casos em que o direito de ser esquecido foi aplicado.

  1. Chacina da Candelária

Esse caso foi abordado no REsp 1.334.097 o qual foi reconhecido pela turma o Direito ao Esquecimento a um homem que fora inocentado de uma acusação que o envolvia na chacina e posteriormente fora abordado em um programa da Rede Globo, o linha direta, anos depois de ter sido inocentado. A Turma condenou a emissora ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) de indenização por ter violado o Direito ao Esquecimento, a decisão foi recorrida, mas foi mantida em grau de recurso. O homem foi apontado como coautor do crime, mas foi absolvido de forma unanime.

No recurso foi sustentado sob o argumento de que ocorreu divulgação de seu nome no programa de TV. Isso fez com que o fato ganhasse grande notoriedade pública, fazendo com que o homem relembrasse de episódios que já haviam sido superados, ferindo o anonimato e privacidade pessoal, ademais, teve que se retirar do local em que vivia para que pudesse preservar sua segurança. Conforme os ministros da Quarta Turma, tal história poderia ter sido contada sem que expusesse a imagem do envolvido em rede nacional, ademais, a Turma entendeu que o réu seja ele, absolvido ou condenado, possui o direito de ser esquecido.

  1. Caso Aída Curi

No Resp 1.335.153, a Quarta Turma não deferiu o direito a indenização aos familiares de Aída Curi cuja foi sexualmente abusada e morta no ano de 1958 no Rio de Janeiro. Esse crime foi um dos crimes mais famosos dos noticiários brasileiros. No Programa Linha Direta foi divulgado o nome da vítima e fotos reais, a família alegou que trouxe lembranças do ocorrido e o sofrimento da época foi relembrado.

A ação fora proposta pelos irmãos da vítima contra a Rede Globo afim de receberem indenização por danos morais, materiais e à imagem. O STJ por maioria dos votos entendeu que nessa situação, o fato não poderia ser noticiado sem revelar a imagem da vítima, ainda que tivesse ficado claro que a reportagem acarretou em sentimentos de angustia, revolta e dor, ademais, o crime havia ocorrido a cerca de sessenta anos atrás, a partir disso, a os Julgadores entenderam que o tempo foi responsável por tirar o caso da memória popular, servindo pra atenuar os dados.

O ministro Alexandre de Moraes entendeu que o Direito ao Esquecimento, no Brasil, não existe, mas que eventuais riscos na divulgação de notícias devem ser avaliados caso a caso, pois não há como limitar de forma prévia o conteúdo de debate público, pois pode ficar caracterizado como censura. Já a ministra Cármen Lúcia afirmou que esquecer não implica em desfazer, nem apagar, mas suprime e acoberta os fatos, acrescentou também que pode ser uma forma de superação de dores, mas também serve para politicamente ser instrumento de mentiras e falsificar os fatos verdadeiros. Por fim, ficou entendido que um crime como qualquer fato social pode servir como arquivos pra história e ser frutos de debates.

  1. Caso Cuca

Recentemente, o ex-jogador de futebol, Cuca, assinou contrato para ser o novo técnico de um dos maiores times de futebol do Brasil, o Corinthians, no entanto, não aguentou a pressão popular e da mídia em razão de ter sido acusado e condenado em um estupro que ocorreu na Suíça acerca da de trinta e cinco anos atrás, no ano de 1987. Ao longo dos anos, o profissional de futebol continuou jogando normalmente, em seguida, iniciou a carreira como técnico, mas quando fora noticiado como técnico do já citado time de futebol, a imprensa e torcida exigiram a saída do treinador.

Em um viés jurídico, conforme o código penal brasileiro, o crime já prescreveu, tanto na esfera criminal, quanto na esfera cível. Conforme preceitua (SILVA, 2023) a prescrição serve para estabilizar as relações na sociedade, ou seja, não quer dizer que o acusado seja inocente, mas refere-se a uma nova em prol da segurança jurídica. A partir disso é válido analisar o Direito ao Esquecimento o qual permitiria que o treinador tivesse o direito de impedir ou cessar a veiculação, bem como a divulgação de fatos ocorridos pelo transcurso do tempo, no entanto, conforme entendimentos recentes, isso prejudicaria o direito de expressão e informação.

Em um primeiro momento o STJ reconheceu o Direito ao Esquecimento, entendo que é necessário proteger os direitos personalíssimos, no entanto, o Superior Tribunal Federal (STF), como órgão máximo do sistema jurídico brasileiro, entendeu que esse direito é incompatível com a Constituição Federal, uma vez que é necessário que haja a proteção do direito à liberdade de expressão e informação, o órgão entendeu que o tempo não pode apagar por si só o direito a divulgar fatos verdadeiros ainda que sejam desabonadores. Nesse sentido, chama atenção um fato ter ocorrido a quase quarenta anos e não há como impedir sua divulgação ou atenuar as problemáticas que esse fato proporciona para o sujeito.

Para Miguel Reale Junior (2023) a divulgação de um crime que ocorreu há muitos anos atrás pode ser admitida, desde que os fatos veiculados sejam verdadeiros, havendo interesse público nessa difusão, assim, não consiste em um conteúdo eminentemente privado. O Ministro acrescenta que no caso do Cuca contribui para relembrar a condenação e aplicar pena de reprovação social em fatos dessa natureza, no entanto, ataques ao ex-jogador e sua família devem ser reprimidos. Contudo, a partir do avanço da tecnologia e mídias sociais é difícil reprimir comentários ofensivos, tornando-se um problema “ressuscitar” um processo atingido pela prescrição.

  1. A INSUFICIÊNCIA LEGAL A RESPEITO DA PERPETUIDADE DAS INFORMAÇÕES DE CUNHO PESSOAL

Para melhor entendimento do Direito ao Esquecimento é necessário adentrar em discussões de suma importância, como por exemplo, a má regulamentação do que está sendo veiculado nas redes sociais. Em que à sociedade, por vezes, usam as redes sociais como uma espécie de terra sem lei e sem imposição de limites, o que ocasiona o conflito de até onde pode ir a liberdade de informação e expressão em detrimento do direito à personalidade e esquecimento.

Análogo a isso, faz-se importante evidenciar o poder da comunicação, especialmente quando se é feito pelas redes sociais, analisando o fato de que até onde pode ir a liberdade de informação e imprensa em detrimento do direito à personalidade. Como citado a pouco. Corroborando com o que foi dito, no capítulo 1 do livro: O poder da comunicação; Manuel Castells discute sobre a Teoria do Poder da comunicação buscando entender a realidade social, relacionando os conceitos de redes e sociedade em rede, anteriormente trabalhados pelo autor na trilogia A Era da Informação.

Ao caracterizar a sociedade contemporânea como sociedade em rede, Castells estabelece as redes como estruturas comunicativas programadas por atores sociais de suma importância e cada vez mais presente, que evolui de acordo com a capacidade e a necessidade permanente de uma busca por combinações de redes mais eficientes e instantâneas, tornando-se global devido a sua escalabilidade que ultrapassa fronteiras geográficas e institucionais. (CASTELLS, 1996)

Com isso, afere-se a importância de uma maior eficiência na proteção e vulnerabilidade de dados nesse meio, como a imagem e informações dos indivíduos na sociedade da informação, visto que não há como medir a escala de proporção de uma informação depois de publicada, podendo assim perpetuar o indivíduo de forma demasiada e prolongada, perdendo, a função social.

  1. JURISPRUDÊNCIAS E CASOS JULGADOS RECENTES NO CENÁRIO NACIONAL E INTERNACIONAL.

E é nesse cenário de informações superficiais e prejudiciais que o Direito ao Esquecimento se faz necessário para garantir a manutenção da intimidade e vida privada dos sujeitos, como bem menciona o art. 21 do Código Civil: “Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”. O Direito ao Esquecimento é uma ferramenta útil e necessária para impedir os excessos cometidos com veiculação de informações que possam prejudicar e macular a honra de um sujeito que tenha se envolvido em algum fato vexatório no passado, ninguém deveria viver em uma eterna pena e ser alvo de ataques constantes por algo que já passou, e que muitas vezes não é mais de interesse público, bem como exposto no Acórdão 1132174, 20161610095015APC da 1ª Turma Cível, data de julgamento: 10/10/2018, publicado no DJe: 24/10/2018:

Direito ao esquecimento – verificação do interesse público atual na divulgação da informação

2. O direito ao esquecimento é o direito conferido a uma pessoa de não permitir que uma notícia, mesmo que verídica, ocorrida em um dado momento de sua vida, seja exposta ao público geral perpetuamente, causando-lhe desconfortos, transtornos e sofrimentos. 3. O direito à informação não é absoluto, deve estar em harmonia com os outros princípios constitucionais, quais sejam, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. 3.1. Ao magistrado cabe utilizar o princípio da proporcionalidade e ponderar os interesses em conflito e fazer prevalecer aquele que for mais justo ao caso. 4. Ao deparar-se com o caso concreto, o magistrado deve analisar se existe o interesse público atual na divulgação daquela informação. 4.1. Persistindo o interesse público, não há que se falar em direito ao esquecimento. 4.2. Por outro lado, caso não haja interesse público atual, a pessoa poderá exercer o seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas as notícias sobre o fato que ficou no passado. 5. O direito ao esquecimento atinge a memória de fatos passados que não estiverem fundados nas necessidades históricas, visto que o direito ao esquecimento se impõe a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela. 6. O direito ao esquecimento alcança a determinação de inativação dos links referentes à notícia, não sendo possível determinar a retirada da informação da internet por configurar obrigação impossível. (grifamos)

(Acórdão 1132174, 20161610095015APC, Relator: ROMULO DE ARAUJO MENDES, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 10/10/2018, publicado no DJe: 24/10/2018)

Diante disso, fica evidente que o Direito ao Esquecimento é necessário para controlar os excessos cometidos, e controlar não significa impedir a livre circulação de informações, pois impedir ou censurar seria inconstitucional, o Direito ao Esquecimento atuaria apenas como ferramenta em prol da qualidade e veracidade da informação, assim preservando os direitos a dignidade, individualidade e proteção à vida privada.

Demonstrando em casos reais a importância da responsabilidade com a informação que vai ser transmitida, o advogado e professor titular de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Ingo Wolfgang Sarlet faz uma explanação sobre o caso Hurbain v. Bélgica, de 22 de junho de 2021 no artigo “Ainda o direito ao esquecimento: STF e CEDH trilhando caminhos opostos?” para o site ConJur:

Já no Caso Hurbain v. Bélgica, de 22 de junho de 2021, estava em questão o arquivamento digital de um artigo sobre um acidente rodoviário fatal em 1994, causado por “G.”, realizado pelo editor do jornal belga Le Soir, um dos principais jornais francófonos da Bélgica. Cabe ressaltar que o artigo mencionava o nome completo de “G”. Em 2000, “G.”, o causador do acidente, foi condenado e em 2006 recebeu um indulto (décision de réhabilitation). A partir de 2008, as edições anteriores dos jornais até 1989 foram digitalizadas mediante acesso gratuito. Em razão disso, em 2010, “G.” requereu extrajudicialmente à empresa à qual pertence o jornal (Rossel e Compagnie) para a que fosse realizada a remoção do artigo que o mencionava ou, ao menos, a sua anonimização, reforçando que exercia a profissão de médico e que o artigo em questão aparecia em diversos provedores de pesquisa. O jornal se recusou a realizar as alterações solicitadas.

Na jurisdição belga, a Corte de Apelação (Cour d’Appel de Liège), em 2014, confirmou a condenação anterior de instância anterior, considerando que o caso está no âmbito do assim chamado direito ao esquecimento digital, reconhecendo que a publicação original foi lícita e legítima, enquanto a redivulgação digital não mais possuía atualidade e relevância, afinal, “G.” já havia sido condenado e cumprido pena. Sendo assim, segundo a Corte de Apelação, para não afetar de maneira desproporcional a liberdade de expressão do jornal, o nome e sobrenome de “G.” deveriam ser substituídos pela letra “X”. Em 2016, a Corte de Cassação (Cour de cassation) belga rejeitou o pedido do jornal para a revisão das decisões anteriores. Sendo assim, o jornal posteriormente ingressou com uma reclamação junto à CEDH.

O jornal, ao ingressar perante a CEDH, visava demonstrar que a jurisdição interna belga, ao condená-lo à anonimizar a reportagem digital, violou o seu direito à liberdade de expressão, previsto no art. 10 da Convenção. Para o requerente, são os provedores de pesquisa que dão destaque a páginas da internet e que a atividade de arquivamento digital de matérias jornalísticas poderia ser posta em risco pelas demandas de anonimização (§§ 59 e 60 da decisão). Para o requerente, inclusive, há outros meios menos invasivos para sopesar os direitos em questão, como a menção do cumprimento de pena pelo ofendido ou a desindexação dos motores de busca, a exemplo do Google (§ 62). Contudo, por maioria de seis votos contra um, a CEDH definiu que a jurisdição belga não violou o artigo 10 da Convenção, confirmando a condenação do jornal e a respectiva obrigação de anonimizar o artigo sobre o acidente de carro causado por “G.” (§ 132 da decisão).

Em síntese, é de suma importância considerar as implicações geradas aos sujeitos a partir da divulgação de informações infundadas e sem uma garantia de veracidade das fontes, pois a prática desse ato pode fazer com que pessoas vivam uma pena perpétua por atos cometidos no passado, necessário o reconhecimento do Direito ao Esquecimento como ferramenta de garantia à privacidade.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o que fora exposto, entende-se que o Direito ao Esquecimento se refere a um instrumento para garantir a proteção dos direitos de personalidade frente a difusão em massa de notícias. Atualmente, a vida pessoal pode ser divulgada de forma impressionante em uma escala global, sendo capaz de prejudicar a vida privada ainda que sejam divulgadas inverdades.

A partir disso, entende-se que o Direito ao Esquecimento se refere a um direito constitucional atrelado ao direito da dignidade da pessoa humana, além do princípio da privacidade e intimidade, assim, pleiteia-se a possibilidade de retirar informações dos meios de propagação em massa.

No entanto, em decisão majoritária do STF foi concluído que o Direito ao Esquecimento é incompatível com a Constituição Federal. Contudo, é necessário que excessos ou abusos que possam existir na liberdade de expressão e informação devem ser analisados caso a caso desde que esteja em conformidade com os parâmetros constitucional levando em consideração a dimensão que a exposição de dados trás para os particulares e seus familiares.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o que fora exposto, entende-se que o Direito ao Esquecimento se refere a um instrumento para garantir a proteção dos direitos de personalidade frente a difusão em massa de notícias. Atualmente, a vida pessoal pode ser divulgada de forma impressionante em uma escala global, sendo capaz de prejudicar a vida privada ainda que sejam divulgadas inverdades.

A partir disso, entende-se que o Direito ao Esquecimento se refere a um direito constitucional atrelado ao direito da dignidade da pessoa humana, além do princípio da privacidade e intimidade, assim, pleiteia-se a possibilidade de retirar informações dos meios de propagação em massa.

No entanto, em decisão majoritária do STF foi concluído que o Direito ao Esquecimento é incompatível com a Constituição Federal. Contudo, é necessário que excessos ou abusos que possam existir na liberdade de expressão e informação devem ser analisados caso a caso desde que esteja em conformidade com os parâmetros constitucional levando em consideração a dimensão que a exposição de dados trás para os particulares e seus familiares. Portanto, o direito de ser esquecido não busca limitar a liberdade de informação, mas tem como ênfase proteger o indivíduo acometido por fatos ocorridos no passado, ainda que sejam verdadeiros, com o intuito de não prejudicar o direito a ressocialização e impedir a exposição de fatos vexatórios que causam dano a índole e privacidade do indivíduo.

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