REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202504080951
Gyzele Cristina Xavier Santos1
Eduardo Ramos de Freitas2
Livia Sabino Cardoso3
João da Cruz Gonçalves Neto4
RESUMO
O presente artigo discute o processo pelo qual as mulheres têm reivindicado o direito aos seus direitos humanos, analisando-se, para tanto, as bases históricas e contemporâneas das lutas feministas e o arcabouço legal que embasa a proteção contra a violência de gênero. Discorre-se, primeiramente, sobre como os direitos humanos das mulheres vêm sendo invocados contemporaneamente, evidenciando-se a persistência de discursos hegemônicos que, muitas vezes, legitimam ou naturalizam a violência. Em seguida, apresenta-se uma análise teórica fundamentada em autoras e autores que refletem criticamente sobre as estruturas de poder – a exemplo de Foucault, Judith Butler, Gramsci e Supiot – para, então, abordar aspectos específicos da violência contra as mulheres e dos dispositivos nacionais e internacionais de reconhecimento de seus direitos humanos. Argumenta-se que, apesar de a legislação internacional e os tratados de proteção (como a Convenção de Belém do Pará e a CEDAW) terem impulsionado significativos avanços formais, ainda há expressivos desafios para sua efetivação prática e para a transformação dos mecanismos socioculturais que perpetuam tais violências. Em síntese, o artigo propõe uma reflexão sobre a necessidade de reforçar políticas públicas e ações de conscientização que reconheçam o direito das mulheres a terem direitos, articulando teoria e prática na intersecção entre gênero, poder e hegemonia.
Palavras-chave: direitos humanos das mulheres; violência de gênero; violência contra as mulheres; dominação e hegemonia.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo analisar o processo histórico, político e cultural pelo qual as mulheres vêm reivindicando não apenas o reconhecimento formal, mas também a efetivação de seus direitos humanos. A proposta inclui discorrer sobre a forma contemporânea de invocação dos direitos humanos das mulheres, sobre os diversos aspectos do discurso hegemônico dominante e, por fim, sobre as implicações desse cenário para a construção da cidadania feminina na perspectiva dos direitos humanos. Busca-se, portanto, compreender as dimensões estruturais e simbólicas dessa reivindicação, bem como seus reflexos nas políticas públicas e na legislação nacional e internacional.
Ao longo dos séculos, a desigualdade de gênero e a violência contra as mulheres se consolidaram como expressões de dominação patriarcal, muitas vezes legitimadas por discursos jurídicos, religiosos e científicos. Ainda que se observe um conjunto relevante de conquistas legais, com destaque para a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979) e a Convenção de Belém do Pará (1994), as mulheres seguem enfrentando diversos entraves ao pleno exercício de suas prerrogativas civis, políticas e sociais. Assim, este estudo propõe uma abordagem teórico-reflexiva que articule as contribuições de autoras e autores como Foucault (2014), Butler (2016), Zizek (2010) e Gramsci (2000), para evidenciar como as relações de poder operam na legitimação e na contestação da violência de gênero.
2. AS INVOCAÇÕES CONTEMPORÂNEAS AOS DIREITOS HUMANOS (DAS MULHERES)
A consolidação de um ideário de direitos humanos na modernidade ocidental está profundamente ligada às revoluções iluministas e às declarações de direitos que, embora trouxessem princípios universais, deixavam à margem as mulheres e outros grupos minoritários. Desde então, as lutas feministas procuraram evidenciar as limitações de uma retórica universalista que não contemplava a pluralidade das experiências de gênero. Contemporaneamente, em nossas sociedades liberal-capitalistas, os direitos humanos das mulheres são invocados principalmente em oposição a fundamentalismos (SUPIOT, 2007), em defesa da liberdade de escolha e de busca da felicidade/prazer (ZIZEK, 2010) e enquanto base de contenção de excessos de poder (FOUCAULT, 2014).
Todavia, esse arcabouço jurídico encontra resistências e contradições ao operar em contextos marcados por relações patriarcais, racistas e classistas. As “invocações contemporâneas” revelam-se heterogêneas: enquanto há grupos que reivindicam a ampliação dos direitos reprodutivos e a proteção contra a violência de gênero, outros reivindicam uma ideia de “igualdade literal” entre homens e mulheres que, paradoxalmente, nega a necessidade de políticas de ação afirmativa ou de proteção específica para as mulheres. Desse modo, o reconhecimento formal dos direitos humanos ainda exige uma efetiva internalização dessas normas pelos Estados e uma mudança cultural que questione a lógica patriarcal e a subordinação feminina.
Em relação às invocações dos direitos humanos em combate ao fundamentalismo, valer-nos-emos de Supiot (2007). Trazendo para as questões que envolvem gênero, temos que grupos fundamentalistas utilizam argumentos da identidade biológica (sociobiológico) de todos os seres humanos para justificar a universalidade jurídica. O que seria postular os mesmos fundamentos que deram causa ao holocausto e outros massacres fundamentados em questões raciais e étnicas. Os partidários da igualdade de gênero que militavam com base em argumentos científicos (e não dogmáticos) se veem constantemente diante de enfrentamentos de descobertas científicas que reconhecem diferenças biológicas (cérebro, principalmente) entre homens e mulheres. Se a igualdade jurídica é conquistada com base em semelhanças biológicas, logo que houver indícios de diferenças biológicas é necessário renunciar ao princípio da igualdade.
Os políticos militantes fundamentalistas messiânicos defendem, por exemplo, uma igualdade literal entre homens e mulheres, julgando dispensáveis os dispositivos legais de proteção, equiparação e equidade.
“A questão da igualdade dos sexos oferece uma boa ilustração disso: às interpretações malucas do princípio de igualdade, que negam a diferença dos sexos, respondem interpretações não menos malucas, que pretendem encerrar as mulheres num papel definido para sempre”. (Supiot, 2007, p. 244).
O segundo aspecto diz respeito à defesa do direito à liberdade de escolha e à busca da felicidade/prazer. Zizek (2010) discorre sobre a pseudo-escolha, sendo este um lugar onde aparentemente dá-se ao indivíduo a liberdade de escolher o que lhe aprouver, entretanto, à este mesmo indivíduo foi dada uma quantidade limitada de informações e as opções são limitantes. Caberia aqui o ditado brasileiro “sai do espeto e cai na brasa”. Assim, a ideologia dominante ao mesmo tempo em que afirma-se apoiadora das causas das mulheres (como a liberdade sexual, por exemplo), estabelece um número limitados de opções, de modo que, ao assumir determinada liberdade, as mulheres podem se ver diante de violências legitimadas, e apoiadas socialmente, às quais culpabilizam-na pela violência que possa vir a sofrer.
“Em suma, o outro é acolhido na medida em que sua presença não é intrusiva, na medida em que não seja, na verdade, o outro. A tolerância, portanto, coincide com o seu oposto. Meu dever de ser tolerante para com os outros significa, na verdade que não devo chegar muito próximo a ele ou ela, não introduzir em seu espaço – em suma, que devo respeitar sua intolerância em relação ao meu excesso de proximidade” (Zizek, 2010, p. 04).
O terceiro aspecto da invocação dos direitos humanos é concebe-lo enquanto base para uma defesa contra o excesso de poder. O corpo feminino está sujeito ao controle estatal e à violências legitimadas, as quais podem ser explicada por Foucault (2014), que utiliza a expressão “corpos dóceis”, para definir os produtos de uma política de coerções “que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos” (p. 135), onde há uma hierarquização dos corpos e um direcionamento disciplinar à ele de acordo com os termos de utilidade e obediência, servindo-se dele como objeto e alvo de poder.
Seguindo esta sistemática das relações de poder, Butler (2016) aponta para a produção de mecanismos de dominação, onde há grupos de pessoas cujas vidas são consideradas “destrutíveis”, “perdíveis” e não lamentáveis. Isso porque não são vidas propriamente ditas e são consideradas como já destruídas ou sacrificadas em detrimento da manutenção do sistema vigente. Poupar estas vidas “perdíveis” consiste em uma ameaça a manutenção da “vida humana como a conhecemos”. Consequentemente a tudo isso, estas vidas estão consideravelmente mais sujeitas à violência impune, sendo este o caso em questão, o qual, a violência contra a mulher.
Butler visitou o Brasil em 2015, quando fez uma crítica aos altos índices de violência fatal direcionada a grupos vulneráveis. A filósofa cita as mulheres5 como “vulneráveis à morte violenta” por fazerem parte de um grupo que é socialmente designado como dispensáveis ou disponíveis para serem mortas com impunidade, não tendo, portanto, a mesma condição para exercer a liberdade de ir e vir, devido à possibilidade de violência (Prado, 2015).
3. HEGEMONIA E DOMINAÇÃO
É instigante imaginar como os seres humanos ainda hoje, em pleno ápice da globalização e consequentemente de acesso, quase que irrestrito, às mais diversas informações, se encontram em estado de sujeição (consciente ou inconsciente) e/ou de dominação, seja enquanto sujeitos ativos ou passivos destas categorias dentro do sistema, vendo-se impotentes diante de pseudo-escolhas e da inevitabilidade do auto-sacrifício em detrimento de um sistema, como se este fosse um ideal de felicidade.
Para compreender os fatores que sustentam a violência de gênero, é preciso recorrer a conceitos como hegemonia e dominação (GRAMSCI, 2000). Por meio da dominação, o poder manifesta-se na coerção direta, seja física ou simbólica, impondo a ordem em situações pontuais de conflito. Já a hegemonia, por sua vez, consolida-se pelo consenso, pela legitimação de valores que se tornam aparentemente “naturais”. Nesse sentido, a desigualdade de gênero pode ser perpetuada pela internalização, por parte das mulheres, de papéis sociais e estereótipos que lhes são impostos, bem como pela aceitação, por grande parte da sociedade, de um ideal patriarcal.
Michel Foucault (2014) contribui para esse debate ao associar as dinâmicas de poder à formação de “corpos dóceis”, controlados e disciplinados. Judith Butler (2016) segue o raciocínio ao notar que certos grupos – dentre eles, as mulheres – têm a existência social precarizada, pois suas vidas podem ser consideradas “destrutíveis” ou “perdíveis”. Esses mecanismos de poder tornam-se evidentes quando se observa o aumento da violência física, sexual e psicológica contra as mulheres, legitimada por discursos que naturalizam a hierarquização de gênero. O patriarcado articula-se, assim, a outras formas de dominação, a exemplo do racismo e da homofobia, resultando em múltiplas camadas de vulnerabilização.
Remetendo à interpretação marxista, os direitos humanos universais, segundo a ideologia burguesa, são “os direitos dos homens brancos proprietários a trocar livremente no mercado, explorar trabalhadores e mulheres, e exercer dominação política” (Zizek, 2010, p. 125). Isso acontece, segundo Gramsci (2000) por meio de uma hegemonia cultural, educando os dominados para que concebam a forma de ver o mundo construída pela classe dominante como algo naturalizado.
Walzer (2003) idealiza uma sociedade livre de dominação, procura harmonizar liberdade com igualdade, almejando uma sociedade livre de dominação, uma sociedade na qual nenhum bem social sirva ou possa servir como meio de dominação. Pretende ser um igualitarismo congruente com a liberdade.
4. AS MULHERES E OS DIREITOS HUMANOS
Ao longo das últimas décadas após a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Organização das Nações Unidas (ONU) e outras entidades internacionais têm publicado inúmeros documentos, tratados e protocolos, a exemplo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW, 1979) e da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (1995), reafirmando a necessidade de proteção abrangente dos direitos humanos das mulheres. A Convenção de Belém do Pará (1994), por sua vez, estabelece o compromisso dos Estados em prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, sendo um marco na região das Américas.
Não obstante esses avanços normativos, constata-se que muitas mulheres seguem sujeitas à violência doméstica e à restrição de seus direitos civis e políticos, padecendo de violações sistemáticas que põem em risco o seu direito fundamental à vida e à dignidade (BARSTED, 2001). Os obstáculos não se resumem à esfera legal, mas estendem-se às dimensões cultural e social, uma vez que os papéis de gênero e as assimetrias de poder dificultam o acesso efetivo aos direitos. Nesse sentido, a interseccionalidade (CRENSHAW, 1991) emerge como ferramenta analítica indispensável para compreender a multiplicidade de opressões enfrentadas por mulheres negras, indígenas, pobres, migrantes e LGBTQIA+.
As mulheres, em particular, têm traçado um percurso próprio nesta busca. Suponhamos que estamos diante de uma estrada, em que todos estão em seu ponto de início. Esta é via dos direitos humanos lato sensu. Aparentemente, homens e mulheres estão na mesma via, e iniciam seu percurso juntos. Entretanto, em determinados pontos desta via as mulheres não podem trafegar, e para que continuem acompanhando os demais, elas precisam criar uma bifurcação, e seguem construindo uma estrada nova paralela à primeira, tendo que, para tanto, desmatar, aplainar o terreno, e realizar todas as etapas de uma nova estrada. E seguem, no intuito de alcançar os demais que puderam prosseguir pela estrada que elas mesmas haviam ajudado a construir. Em determinados momentos as estradas se confluem, e as mulheres podem voltar a trafegar pela via principal. Entretanto, novas bifurcações e entroncamentos serão inevitáveis, novas vias paralelas construídas, sempre na intenção da almejada confluência. Ainda, dentro destas vias paralelas abertas e desbravadas, podem surgir pontos em que algumas mulheres não consigam prosseguir juntamente com as outras, sendo necessárias sub-entroncamentos. Assim, algumas mulheres, esforçam-se para retornar à sua via secundária, a fim de chegar à via principal. Certamente, quanto mais distantes da via principal, mais esforços serão empenhados para que estas consigam retornar a ela, de modo a adentrar na via dos direitos humanos lato sensu. Para além das questões de gênero, as mulheres tem seu potencial de agir e gozar de direitos, afetados de formas diversas, pelas variadas sujeições impostas pelas estruturas dominantes.
Resumindo, o gênero atuaria como um vértice a partir do qual umas e outras premissas são colocadas em perspectiva” (Strathern in Piscitelli, 1998, p. 146), daí se desdobrariam as questões relacionadas às interseccionalidades (Kimberlé Crenshaw, 2002) e às categorias de articulação às quais referem-se à múltiplas diferenciações que, inter-relacionando-se ao gênero, permeiam o social (Piscitelli, 2008).
A promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem foi o momento no percurso histórico normativo dos direitos humanos em que a houve a referência explícita à igualdade de direitos do homem e da mulher, quando em seu preâmbulo:
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla (ONU, 1948).
Barsted (2001) discorre que apesar de tal referência aos direitos do homem e da mulher, a ideia de direitos humanos não abarcou a rejeição às violações que vitimavam as mulheres. Tal constatação reforça a afirmativa de Gonçalves (2013) de que as mulheres não foram consideradas seres humanos como os homens por longo tempo nas esferas social, política e jurídica mesmo que estas estivessem alavancando importantes movimentos revolucionários, pois vigorou o posicionamento de que a mulher é um ser inferior ao homem. Citamos aqui o caso de Olympe de Gouges, que lutou juntamente com homens pelos ideais burgueses da Revolução Francesa. Após toda a luta, Olympe se deparou com a não representação da mulher na Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão (1789) oriunda da Revolução Francesa. Em consonância com essa declaração, Olympe apresentou em 1791 a Declaração dos Direitos da Mulher e Cidadã. Em consequência Olympe foi executada em 1793 por dois atos, os quais: “querer ser um homem de Estado e ter esquecido as virtudes próprias a seu sexo” (Anjos e Sierra, 1999, pag.48).
Gonçalves (op cit) autora diz ainda que as mulheres seguem vivendo uma forma única de violação a direitos humanos, por serem vítimas de várias formas de violência dentro de suas casas, no ambiente de trabalho e em espaços públicos, tudo isso devido à construção social e cultural em torno de sua condição biológica. A mulher sofre formas peculiares de violação a direitos humanos, e muitas vezes são privadas da autonomia sobre seu corpo e sexualidade, e vítimas de violência doméstica e opressões em seus locais de trabalho, violações estas, não reconhecidas enquanto ofensas aos direitos humanos (Binion, G., 1995, apud Gonçalves, 2013).
Diante desta situação, a ONU, durante as seis décadas que sucederam à promulgação da DUDH, publicou inúmeros documentos, tratados e protocolos, realizou várias convenções, pactos e intervenções, demonstrando sua preocupação com os direitos humanos das mulheres em diversas esferas, e o resultado foram documentos de fundamental importância no que se refere a violência contra a mulher.
Citamos documentos que tiveram grande repercussão e influência na atual conjuntura normativa brasileira em relação ao combate à violência contra a mulher, os quais: 1979 – Convenção sobre a eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW);1994- Relatório da Conferência Internacional sobre população e desenvolvimento (Plataforma de Cairo);-1994- Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará, 9/jun/1994);1995- Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (Pequim).A violência contra as mulheres por questões de gênero é uma realidade que aflige mulheres e meninas em todos os lugares e que vem se arrastando por séculos, misturada ao “bolo” da violência criminosa ou com outras justificativas que tornam latentes os reais motivos pelos quais são praticadas, dentre os quais, a misoginia e a manutenção da moral machista, que garantem o poder patriarcal. Segundo Bandeira (prefaciando de Blay, 2008), a violência contra as mulheres tem sua raiz na relação existente entre poder e uma noção de masculinidade, por meio da qual um delito ou um crime pode ser entendido como uma virtude.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final, ressalta-se que, embora se observe a evolução formal dos direitos humanos em tratados internacionais e na legislação interna, inúmeras mulheres ainda permanecem afastadas do pleno exercício de suas garantias fundamentais, sofrendo com restrições a direitos civis, políticos e sociais, bem como à liberdade e autonomia sobre o próprio corpo e sexualidade. Desse modo, faz-se imperativo aprofundar as políticas públicas voltadas à prevenção e ao enfrentamento da violência, além de fortalecer as instâncias de participação democrática que viabilizam a voz e a atuação política das mulheres em diversos contextos sociais.
Assim, o direito a ter direitos, expressão que remete ao reconhecimento pleno da humanidade das mulheres, exige não apenas dispositivos legais formais, mas também mudanças culturais capazes de erradicar discursos e práticas que banalizam a violência de gênero. A plena realização dos direitos humanos das mulheres passa pela articulação de atores governamentais e não governamentais, pela educação em direitos desde a infância, pelo investimento em serviços de acolhimento e pela garantia de recursos orçamentários para a efetivação de políticas de igualdade de gênero. Em última instância, reconhece-se que a luta por tais direitos não é estática, mas contínua, demandando resistência, solidariedade e ação transformadora.
Eis aqui um desafio tanto para a esfera normativa quanto fatídica. Efetivar os direitos das mulheres é, de fato, fazer valer os direitos humanos da humanidade. Trazer à luz da razão o discurso hegemônico de dominação patriarcal, dentro do qual estamos tão entranhados e perceber-nos enquanto peões deste jogo de poder, é um primeiro e importante passo para fazer valer os nossos direitos humanos.
5Judith Butler cita como grupos vulneráveis, além das mulheres, jovens negros, pessoas trans e queer.
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1Perita Criminal SPTC GO. Doutoranda e Mestra em Direitos Humanos (PPGIDH UFG). Especialista em Gestão Organizacional. https://lattes.cnpq.br/9906972852332166. E-mail: gyzele@gmail.com
2Perito Criminal SPTC GO. Pós-Graduado em: CSI- Crime Scene Investigation; em Investigação Criminal e Neuropsicologia Forense; e em Ciência Forense e Perícia Criminal. E-mail: eduardofreitasramos@hotmail.com.
3Perita Criminal SPTC GO. Discente da Pós-Graduação em Investigação Criminal e Neuropsicologia Forense. E-mail: liviasabinocardoso@gmail.com.
4Doutor em Filosofia (PUG GO). Docente Faculdade de Direito da UFG e do PPGIDH UFG. Coordenador do NIPEE-DH/UFG. http://lattes.cnpq.br/6257334752072083.