O DIREITO À HABITAÇÃO: UMA ANÁLISE DOS PROGRAMAS “PMCMV” E “PCVA” 

THE RIGHT TO HOUSING: AN ANALYSIS OF THE “PMCMV” AND “PCVA” PROGRAMS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10946569


Leonardo do Carmo Lemos1,
Patrick Martins Santos2


RESUMO

O presente artigo visa apresentar algumas reflexões por intermédio de uma análise comparativa entre os Programas Habitacionais “Minha Casa Minha Vida” e “Casa Verde e Amarela”. Apresenta uma análise detalhada das duas principais iniciativas habitacionais implementadas no Brasil. Examina-se as diferenças nas abordagens adotadas por esses programas, desse modo, fizeram-se uma análise documental tendo como fontes a Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009 que institui o Programa Minha Casa Minha Vida e a Lei nº 14.118, de 12 de janeiro de 2021 que institui o Programa Casa Verde e Amarela. Conclui-se que o PMCMV foi um marco para o enfrentamento da questão habitacional no Brasil, e que o PCVA não trouxe novidades, tão pouco foi comprometido em proporcionar o acesso a moradia para famílias de baixa renda.  

Palavras Chave:  Políticas sociais; direito à moradia; habitabilidade. 

ABSTRACT

This article aims to present some reflections through a comparative analysis between the Housing Programs “Minha Casa Minha Vida” and “Casa Verde e Amarela”. It presents a detailed analysis of the two main housing initiatives implemented in Brazil. Differences in the approaches adopted by these programs are examined, thus, a documental analysis was carried out using Law nº 11,977, of July 7, 2009, which establishes the Minha Casa Minha Vida Program and Law nº 14,118, of January 12, 2021 that establishes the Casa Verde e Amarela Program. t is concluded that the PMCMV was a milestone for facing the housing issue in Brazil, and that the PCVA did not bring news, nor was it committed to providing access to housing for low-income families.

Keywords: Social politics; Right to housing; habitability.

INTRODUÇÃO 

O Brasil e o mundo enfrentam na atualidade desafios para solucionar vários problemas, seja de cunho social, econômico e/ou ambiental. Para isso, acordos, pactos, tratados e agendas de cooperações, são firmados na tentativa de elaborar e executar ações de enfrentamento a esses problemas.

A agenda 2030 é um exemplo, está dispõe de 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, onde vários países do mundo se comprometem a desenvolverem ações de acordo com cada objetivo, para enfrentar a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima, visando garantir saúde, bem-estar, dignidade e paz as pessoas. 

Essa agenda trás no 11º objetivo, o compromisso de tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; e com isso, garantir o acesso de todos à moradia segura, adequada e a preço acessível. Entretanto, a realidade brasileira e o mundo de forma geral, expressam suas contradições, onde aparentam estar distantes de alcançar esse objetivo.  

No modo de produção capitalista, a classe trabalhadora negocia sua força de trabalho em troca do salário, este, que deveria minimamente suprir as necessidades básicas à sobrevivência, porém, não é essa a realidade, principalmente dos brasileiros. A habitação nunca entrou no cálculo, e isto é refletido na dificuldade em resolver a problemática do déficit habitacional.

A dificuldade estrutural no acesso a moradia no Brasil, traz consigo uma serie de implicações, entre elas, a instabilidade social, que impossibilita de pessoas constituírem suas relações sociais e afetivas em espaços dignos, seguros, e de qualidade. O ambiente da moradia, é fator integrante da identidade do indivíduo, e à medida que esse direito é violado, impactos são causados na esfera social, ambiental e econômica. Ademais, a necessidade por abrigo, teto, aconchego, lar, ou seja lá qual outro termo pode-se usar, faz parte da existência humana. 

Assim, entende-se que o processo de produção e reprodução de moradias em situações precárias, irregulares e inseguras; como também, de domicílios improvisados, novas favelas e/ou cortiços, são reflexos do déficit habitacional no Brasil.

Diante do exposto, este estudo teve por finalidade, realizar uma comparação entre o Programa Minha Casa Minha Vida e o Casa Verde e Amarela, destacando as principais diferenças entre esses dois programas de habitação. 

Sua relevância social consiste na observação das Políticas Públicas que visam o enfrentamento das problemáticas de ordem habitacional, que impactam no processo de formação das cidades e esbarra com os interesses da sociedade brasileira, no acesso a moradia digna e de qualidade. Os resultados deste trabalho podem contribuir para o aprofundamento da discussão e avanços em torno deste tema emergente no país.

A então pesquisa, foi desenvolvida a luz da pesquisa bibliográfica e documental, que possibilitou encontrar informações dos programas habitacionais brasileiros, afim de resultar na análise comparativa que, de acordo com Fachin, 2006, consiste em investigar coisas ou fatos e explicá-los segundo suas semelhanças e suas diferenças.  

As sessões a seguir estrutura o desenvolvimento deste artigo, sendo abordado no primeiro tópico o processo de efetivação legislativa do direito à moradia; com as seções 2(dois) e 3(três), são contextualizados o Programa Minha Casa Minha Vida e o Programa Casa Verde e Amarela; em seguida, na seção 4(quatro) é de fato discutido as características comuns e divergente entre esses dois programas; e por fim, as conclusões com a realização da pesquisa.

1- PROCESSO DE EFETIVAÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO À MORADIA

A moradia enquanto um direito fundamental, surge com Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948, esta reconhece a moradia enquanto um direito humano universal, apresentando um conceito amplo do que seria moradia, eliminando a ideia de que esta é equivalente a um teto e quatro paredes, mas sim, um local seguro, para viver com o mínimo de dignidade humana o que conhecemos hoje enquanto moradia adequada. 

Destarte, sem uma casa não há como descansar, alimentar-se, fazer higiene pessoal, confraternizar, receber correspondência, conseguir um trabalho formal, enfim, satisfazer as necessidades mais básicas de forma digna. (SANTOS; MEDEIROS; LUFT, 2016, p. 220).  A partir disso, a  Organização das Nações Unidas (ONU), em relatório pela  Moradia Adequada, afirma que uma habitação adequada deve conter: 

[…]segurança da posse; disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos; custo acessível; habitabilidade; não discriminação e priorização de grupos vulneráveis; localização adequada; e adequação cultural. Dessa forma, o ser humano pode se desenvolver por completo, provendo a si e à sua família a capacidade de viver de forma plena.  (SANTOS; MEDEIROS; LUFT, 2016, p. 220) 

Assim, no que tange o direito internacional a moradia é efetivado enquanto um direito humano fundamental em diversos acordos e tratados que o Brasil é signatário, como por exemplo o Protocolo de San Salvador (Sistema Interamericano de Proteção Internacional dos Direitos Humanos) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU). 

Todavia, tratando-se especificamente do Brasil e seu processo de efetivação do direito à moradia e da política habitacional, é imperioso um resgate histórico, a fim de entender a participação do estado enquanto “garantidor” neste processo. E como marco temporal, utilizaremos o ano de 1964, período marcado pelo governo militar, que após o golpe, de forma instantânea, implementou o Banco Nacional da Habitação (BNH), uma autarquia federal instituída pela lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Segundo Rolnik (2019), o lançamento do BNH seria o resultado de uma junção de interesses empresariais, de forma especial à indústria da construção civil.

 Além disso, em igual período, ocorreu a criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Maricato (1995) afirma que, tanto o BNH quanto o SFH, foram estratégicos para estruturar e consolidar o mercado imobiliário urbano capitalista. Uma vez que, a implementação desses “[…] mudou a face das cidades brasileiras, financiando a verticalização das áreas residenciais mais centrais; contribuindo para o aumento especulativo do solo; dinamizando a promoção e a construção de imóveis”. (MARICATO, 1995, p. 22) 

 A década de 1980 é marcada pela efervescência dos movimentos sociais urbanos, os movimentos eram pautados por propostas baseadas em uma reforma urbana que visasse a equidade na distribuição dos espaços, “[…] ocupações de casas e prédios abandonados; articulação dos movimentos dos transportes; surgimentos de organizações macro entre as associações de moradores; movimentos de favelados […]” (Côrrea e Catete, 2011, apud Gohn, 2007).  

Uma forte aliada dos movimentos foi a Igreja Católica, que lançava documentos em defesa da função social da propriedade urbana. Como por exemplo a “Ação Pastoral e o Solo Urbano”, utilizando a metodologia largamente utilizada na América Latina: ver, julgar e agir. Esse importante documento, elaborado em fevereiro de 1982, entende a realidade do país, bem como a gravidade e urgência de se debater os rumos do uso do solo: 

14. A afluência das migrações para os centros urbanos coincide com um processo que exacerba a situação: à rápida valorização do solo urbano, objeto de intensa especulação imobiliária. Atinge hoje proporções graves o expediente da estocagem de terrenos para fins especulativos. Glebas ou lotes vazios guardados para estes fins ocupam, em média, a terça parte dos espaços edificáveis das cidades brasileiras. (Ação Pastoral e o Solo Urbano, CNBB, 1982, p. 2) 

Assim, após diversas mobilizações dos movimentos, especialistas e pastorais, em 1986 é lançado o Movimento Nacional pela Constituinte, marcado por diversas plenárias e reuniões de trabalho com a finalidade de elaborar a emenda de iniciativa popular. “A primeira grande conquista popular foi a inclusão de política urbana na Constituição de 1988, conquistado com a Emenda pela Reforma Urbana que criou o capítulo da Política Urbana” (CÔRREA; CATETE, 2011, p. 3), que é encontrada nos artigos 182 e 183 da CRFB/88. 

A Constituição Republicana Federal de 1988, que é efetivada como Constituição Social, por taxar em seus artigos garantias sociais fundamentais, de pronto não reconhecia o direito à moradia de forma explícita enquanto um direito social fundamental, apenas no ano de 2000, a Emenda Constitucional nº 26 incluiu a habitação no rol dos direitos sociais definidos no Artigo 6º , sendo seu componente principal o princípio da dignidade da pessoa humana, disciplinado no Artigo 1º , inciso III.

O Artigo 23, inciso IX da CRFB/88, gera a competência comum entre a união, os estados, o Distrito Federal e os municípios para “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”, bem como, no inciso seguinte, para “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos” (Brasil, 1988). Assim, cabe ao então estado de forma genérica, garantir habitações sociais dignas, a toda população de baixa renda, com o intuito de garantir o extermínio de desigualdades e a garantia da dignidade da pessoa humana.  

Por fim, além da previsão constitucional, encontramos o Estatuto da Cidade (Lei federal no 10.257/2001), esta lei infraconstitucional tem um papel fundamental na efetivação da cidade enquanto um direito coletivo e não apenas individual. Uma vez que, na urbe “nunca se está só, mesmo que o próximo ser humano esteja para além da parede do apartamento vizinho ou no veículo no trânsito. O homem […] é um fragmento de um conjunto, parte de um coletivo” (ROLNIK, 2012, p. 20).

2-O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: a construção de uma política habitacional social no brasil 

Com a eleição do presidente Lula no ano de 2002, o Brasil tem início a um ciclo de desenvolvimento social e político, e dentre estes encontra-se a política urbana, que já era um anseio da campanha do então candidato, intitulado de “Projeto Moradia”3. SANTOS JÚNIOR (2020), afirma que entre os anos de 2003 e 2005, o novo Ministério das Cidades, sob a então chefia de Olívio Dutra, elaborou documentos temáticos com conteúdo das possíveis políticas habitacionais, de saneamento e mobilidade. Segundo KLINTOWITZ (2015), o Ministério surge com a missão de levar a cabo a formulação e implementação de políticas urbanas que atendessem as reivindicações específicas de um grupo de interesse: os ativistas da reforma urbana. 

Contudo, o governo do PT na figura do presidente Lula, chega ao poder com a proposta de agradar tanto os movimentos sociais pela reforma urbana quanto o segmento empresarial para da construção civil, é o que KLINTOWITZ (2015) chama de dupla agenda do setor habitacional, na primeira concentra-se a reforma urbana e descentralização de responsabilidades entre os entes, como prevê o Estatuto da Cidade, a fim de promover, assim, uma gestão participativa e democrática nos rumos que da habitação no Brasil. A segunda, tem por base a reestruturação do setor imobiliário e da construção civil.  Isso incluía a promoção de soluções habitacionais privadas, com financiamento público, como forma de atender a demanda por habitação no país. (MACEDO JÚNIOR, 2023, p. 116)   

Nota-se, portanto, que ambas as agendas tramitaram de forma paralela, muitas vezes conflitantes, porém coexistentes e se beneficiam uma da outra, afinal, mesmo com interesses distintos, uma supria a necessidade da outra. E a consolidação destas, se deu inicialmente pela MPV nº 459/2009, transformada na Lei nº 11.977/2009, que instituiu o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que é considerado o marco da política habitacional social no Brasil.  

Durante a sua primeira década, o programa apresenta três versões, denominadas fases. Segundo MAIA; MARAFON (2020), desde a sua concepção inicial, o PMCMV, destinava-se a diferentes faixas de renda, tendo como o máximo dez salários mínimos. Portanto, apresentava na sua concepção três faixas de financiamento, e a participação do Estado variava conforme as faixas de renda das famílias. Na tabela abaixo, podemos identificar a divisão das faixas de acordo com o tempo do PMCMV:  

Tabela 1 – Distribuição das faixas de renda do PMCMV

FASEFAIXAS DE RENDA 
 1: 2009 a 2011A faixa de renda era estabelecida de acordo com o número de salários mínimos.
2: 2001 a 2014Faixa 1 – famílias com renda de até R$1.600 reais; Faixa 2 – famílias com renda de até R$3.275 reais;  Faixa 3 – famílias com renda entre R$3.275 até R$5 mil reais.
3: 2016 a 2019Faixa 1 – famílias com renda de até R$1.800 reais;  Faixa 1,5 – famílias com renda de até R$2.600 reais;  Faixa 2 – famílias com renda de até R$4.000 reais;  Faixa 3 – famílias com renda de até R$7.000 reais.

Fonte: elaborado pelos autores

Estes valores foram definidos com base no propósito do PMCMV, que prevê, no artigo 1º da lei 11.977 de 2009:

Art. 1º- O Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais) e compreende os seguintes subprogramas:  I – o Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU)

II – o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR)  

Ademais, a lei assegura a necessidade e observar a disponibilidade orçamentária do país, assim, a partir do perfil socioeconômico, conforme as faixas de renda da tabela acima, o “PMCMV apresenta duas matrizes de financiamento para a habitação: um voltado para o que é chamado de Habitação de Interesse Social, e o outro destinado à Habitação de Mercado”. (MAIA; MARAFON, 2020, p. 12). Sendo que o primeiro corresponde a faixa 1, 2 e 3.

É importante frisar, que no decurso de 2009 a 2019, o salário mínimo sofreu uma relevante alteração. Enquanto em 2009 o valor era de 465,00(quatrocentos e sessenta e cinco reais), em 2019 encontrávamos o valor de 998,00 (novecentos e noventa e oito reais). Enquanto a segunda matriz, estava destinada à habitação de mercado, que tinha por propósito estimular a economia brasileira, durante um período (2008) marcado por uma crise mundial ligada ao ramo da construção civil. 

           Por fim, Meirelles (2016) afirma que a implementação do PMCMV deveria seguir os princípios do Plano Nacional de Habitação, e as diretrizes do Ministério das Cidades, porém, isso não foi realizado por completo, segundo o mesmo, é possível verificar falhas na fiscalização exercida pelas administradoras públicas locais dos instrumentos de planejamento e gestão urbana. Passados então onze anos de sua implementação, o PMCMV começou o seu processo de descontinuidade com a chegada ao poder do governo Temer. 

3-O PROGRAMA CASA VERDE E AMARELA: um novo programa habitacional?

No governo de Jair Bolsonaro, observou-se várias transformações em relação às políticas públicas já existentes, que foram implementadas em governos anteriores, sobretudo, nos governos do atual presidente, Lula. A título de exemplo, pode ser considerado o Programa Bolsa Família, instituído em 2004, no governo do Partido dos Trabalhadores (PT), e que durante o governo de Bolsonaro, foi substituído pelo programa Auxílio Brasil. A gestão de Bolsonaro, utilizou-se desta estratégia de “rebatizar” programas sociais na tentativa de tirar o foco das ações das gestões petistas.  

Com o programa Minha Casa Minha Vida, não foi diferente. Através da Lei nº 14.118, de 12 de janeiro de 2021, foi instituído o Programa Casa Verde e Amarela, para substituir o PMCMV, mantendo a Caixa Econômica Federal como agente operacionalizador.  Este tinha por finalidade,

[…] promover o acesso à moradia a famílias residentes em áreas urbanas com renda mensal de até R$ 7.000,00 (sete mil reais) e a famílias residentes em áreas rurais com renda anual de até R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais) associado ao desenvolvimento econômico, à geração de trabalho e renda e à elevação dos padrões de habitabilidades e de qualidade de vida da população urbana e rural. (BRASIL, 2021). 

O PCVA foi conduzido baseado nas regras da Lei nº 11.977 de 7 de julho de 2009, que dispunha da regularização fundiária de assentamentos urbanos e o PMCMV. Dito isso, não foi possível notar novidades com a finalidade de reduzir a demanda habitacional no país, o que se difere do PMCMV, pois o referido foi considerado um marco revolucionário na política habitacional brasileira. Além do mais, o PCVA reordenou a configuração da renda, rebatizados então por grupos de renda, conforme tabela abaixo:

Tabela 1 – Distribuição dos grupos de renda e subsídios do PCVA

GRUPORENDA FAMILIAR SUBSÍDIOS 
 1famílias com renda bruta de até R$ 2 mil mensaisde até R$ 47.000,00 (de acordo com a renda e a região em que morava)
2famílias com renda bruta até R$ 4 mil mensaisde até R$ 29.000,00 (a depender da renda mensal e da localização do imóvel)
3famílias com renda até R$ 7 milnão era disponibilizado
Fonte: elaborado pelos autores

Contudo, a tentativa do ex-presidente Bolsonaro, de apelar para a apropriação de programas anteriores com a utilização de novos nomes, não perdurou por muito tempo. Com a derrota nas urnas no ano de 2022 e o retorno do então presidente, Lula, acumulou-se junto às várias ações nos primeiros meses do governo petista, a volta do PMCMV no ano de 2023 (Lei nº 14. 620, de 13 de julho de 2023).

4-O CAMINHAR PARA O ENFRENTAMENTO DO DÉFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO

Ao passo acelerado e descontrolado de migração do homem do campo para a área urbana, é que se evidencia a problemática do déficit habitacional no Brasil. Nesse percurso,

A exclusão social e a inclusão precária no setor habitacional têm sido uma das marcas no processo de urbanização contemporânea, ampliando-se significativamente nas últimas décadas, quando a falta de alternativas habitacionais para os segmentos sociais de menor renda resultaram na expansão das cidades para as áreas mais periféricas. (MONTEIRO; VERAS, 2017, p.5)

Os programas habitacionais criados nos governos de Lula e Bolsonaro, teve por finalidade a proposta do enfrentamento da questão, focando em erradicar o déficit habitacional, que segundo o relatório da Fundação João Pinheiro, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Cotínua (PnadC), que foi realizada utilizando-se do recorte temporal de 2016 a 2019, observou uma taxa de crescimento médio de 1,1% ao ano. Os dados deste relatório registraram que os maiores valores de déficit absoluto estão concentrados nas regiões Sudeste, no Nordeste e no Norte; e déficits habitacionais relativos estão no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste.  

Entretanto, a instituição e operacionalização dos programas ocorreu de forma descontinuada e com objetivos diferentes. Através do PMCMV, forem entregues de 2009 a 2020, 1.507.365 unidades habitacionais de faixa 1, contabilizando as unidades contratadas no âmbito rural; 156.626 unidades de faixa 1,5; 3.130.805 unidades de faixa 2; e 367.611 unidades de faixa 3. Referente as entregas do PCVA, não foi possível levantar os números em nível nacional, diante da inexistência ou não publicação de documentos que registraram esses dados. 

Em 2009, tinha-se vários mecanismos de participação social, que contribuíram para a transparência, participação e cooperação, por meio do Ministério das Cidades e do Conselho Nacional das Cidades (ConCidades).

No caso do CVA, sua instituição se dá em um momento em que a lógica e os instrumentos que orientavam a política de desenvolvimento urbano entorno de um planejamento e uma execução organizados em níveis da Federação, com participação e controle social – incluindo aí o sistema dos Conselhos de Cidades –, já haviam sido absolutamente revistas, esvaziadas e revogadas pelo Executivo.  (BALBIM, 2022, p. 30)

Dando continuidade, em 2019, o governo publica

[…] o Decreto no 9.759, que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal” (Brasil, 2019a) e revoga o Decreto no 8.243, de 23 de maio de 2014, que “instituiu a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS)” (Brasil, 2014). Com isso, o governo extinguiu mais de setecentos colegiados, incluindo o ConCidades, e impactou outros 2.500 colegiados no plano federal. (BALBIM, 2022, p. 29)

Essas ações tinham como objetivo impor barreiras face à participação social, obscurecer a transparência e restringir o controle social. Tais medidas são características do governo Bolsonaro, não estando condicionada apenas a política de habitação e sim, a toda gestão do executivo. 

Em síntese, esses dois programas habitacionais que foram objetos dessa pesquisa, não expressa diferenças consideráveis em relação as características legais e especificações técnicas de construção. As principais diferenças estão relacionadas aos valores de renda mensal familiar, duração dos programas e consequentemente, a quantidade de entregas. 

CONCLUSÕES 

O Brasil adotou várias estratégias na tentativa de solucionar ou diminuir este fenômeno do déficit habitacional, no entanto, relativamente houve pequenos avanços no enfrentamento da questão. O PMCMV, foi sim, um marco na história brasileira, mas também foi alvo de várias críticas, como por exemplo, sua contribuição na manutenção histórica da segregação socioespacial da população de baixa renda. 

De acordo com Balbim, 2022, o PCVA corroborou com a produção urbana de/e para o mercado, […]seguindo a lógica da urbanização brasileira, segregadora, excludente e corporativa […]. A ausência de destinação de recursos para subsidiar a construção e/ou regularização de moradias para famílias de baixa renda, é outra característica deste programa, alinhado totalmente, com as intenções do governo Bolsonaro, que consiste na depredação e desmontes das políticas públicas sociais. 

Desta forma, conclui-se que não houve muitas diferenças entre os programas. Além da alteração da nomenclatura, o PCVA alterou os critérios em relação aos valores de renda mensal familiar e organizou a taxa de juros de forma diferente nas regiões do país. 

Com a volta do presidente Lula à frente do governo federal, em 2023, e respectivamente, do PMCMV, o Brasil pode esboçar novos rumos no enfrentamento do déficit habitacional e nas políticas públicas de forma geral. Espera-se a retomada e/ou implementação de mais investimentos, principalmente para famílias de baixa renda, e além disso, o compromisso no enfrentamento e não reprodução da segregação socioespacial no Brasil. 


3O documento continha uma proposta para “reconstruir as cidades” e viabilizar a habitação social para a baixa renda em larga escala, por meio de um projeto construído e pactuado entre diferentes setores, como políticos, empresários da construção civil, profissionais, sindicalistas e movimentos sociais (INSTITUTO CIDADANIA, 2000)


REFERÊNCIAS   

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. 

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. Institui o Programa Minha Casa Minha Vida. 

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MAIA, D. S., and MARAFON, G. J., eds. O programa Minha Casa Minha Vida: habitação e produção do espaço urbano em diferentes escalas e perspectivas [online]. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2020.

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MEIRELES, Eduardo.  Provisão do Programa “Minha Casa Minha Vida” em São José do Rio Preto – SP : inserção, adequação urbana e socioeconômica de empreendimentos habitacionais. São Carlos : UFSCar, 2016.

ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares. A colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo: Boitempo, 2019.  

SANTOS, A. M. S. P; MEDEIROS, M. G. P., e LUFT, R. M. Direito à Moradia: Um Direito Social Em Construção No Brasil – A Experiência Do Aluguel Social No Rio De Janeiro. Rio de Janeiro -RJ, 2016. 

SOUZA, Maria Carolina da Silva. A QUESTÃO HABITACIONAL NO BRASIL E O PROGRAMA CASA VERDE E AMARELA. X Jornada Internacional de Políticas Públicas. Trabalho Alienado, destruição da Natureza e crise de hegemonia: consciência de classe e lutas sociais na superação da barbárie. 2021. Disponível em: http://www.joinp.ufma.br/jornadas/joinpp2021/images/trabalhos/trabalho_submissaoId_109 2_1092612ee1fb35016.pdf. Acesso em: 01 de setembro de 2023.


1Assistente Social. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (UEMG), especialista em Serviço Social e Gestão de Projetos Sociais (FAVENI). E-mail: leonardocarmolemos@gmail.com 

2Advogado. Mestrando do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (UEMG), Pós-Graduando em Direito e Processo Civil (PROMINAS). E-mail: martinspatrick333@gmail.com