O DEVER DE PROVAR O FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO E  A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10056417


Thaís de Souza Lima Oliveira1


RESUMO  

O presente trabalho, a partir do construtivismo lógico-semântico, busca responder à seguinte  problemática: se e em que medida a inversão do ônus da prova, em direito tributário,  desincumbe o agente público de promover a adequada subsunção do fato à norma? Desenvolve, para tanto, três capítulos e, por fim uma conclusão. Para tanto, preocupa-se com  a construção da norma de competência para incidir a norma tributária para então propor uma  resposta ao papel da inversão do ônus da prova em direito tributário.  

PALAVRAS-CHAVE: Inversão do ônus da prova. Presunção de validade. Construtivismo  lógico-semântico. 

ABSTRACT 

This paper, it comes from Logical-Semantic Constructism, search to answer the following  problematic: whether and to what extent the shifting the burden of proof, in tax law, the  public official discharging to promote proper subjecting the fact to the rule?

KEYWORDS: Shifting the burden of proof. Presumption of validity. Logical-Semantic Constructism. 

1. INTRODUÇÃO 

É noção corrente, na doutrina, o entendimento segundo o qual os atos administrativos  gozam de presunção de legitimidade, o que implica a inversão do ônus da prova (DI PIETRO,  2010, p. 197-200). 

No direito tributário, valendo-se de tal presunção, não é sem vez que ocorre a edição  de norma tributária individual e concreta sem qualquer lastro probatório e, consequentemente,  a transferência para o contribuinte do ônus de provar a inocorrência do fato jurídico. 

Diante de tal cenário, surge o seguinte questionamento: se e em que medida a inversão  do ônus da prova, em direito tributário, desincumbe o agente público de promover a adequada  subsunção do fato à norma? A fim de responder à problemática proposta, utilizam-se os  pressupostos e categorias do Construtivismo Lógico-Semântico. 

2. DESENVOLVIMENTO 

O Direito Tributário pátrio encontra-se jungido por máximas constitucionais (CARVALHO, 2009, p.73-74), entre as quais o princípio da tipicidade tributária, previsto no  artigo 150, I, da Constituição Federal. 

Da instituição do tributo, com a delimitação da regra-matriz de incidência tributária  (RMIT), à aplicação desta ao caso concreto tal princípio encontra-se presente adquirindo  contornos distintos. Na delimitação da RMIT quer ele significar que a lei exacional deve  abarcar elementos descritores do fato jurídico e os elementos prescritores da relação  obrigacional. Na aplicação da RMIT ao caso concreto, por sua vez, compreende a exigência  da estrita correspondência do fato à norma tributária (RMIT). A estas duas dimensões do  principio da tipicidade tributária Paulo de Barros Carvalho chamou, respectivamente, de plano  legislativo e de plano da facticidade (1998, p. 105). 

Corolário inevitável do plano da facticidade do principio da tipicidade tributária é a  necessidade de os agentes públicos demonstrarem os elementos probatórios que apontam a  ocorrência do fato jurídico. A norma de competência para promover a incidência da norma  tributária, não se esquiva dessa exigência; cabe ao agente público, no exercício da atividade  enunciativa, provar os fatos alegados.  

Tácio Lacerda Gama (2002, p. 43) afirma que competência como norma delimita a  pessoa ou o órgão de direito público, bem como o procedimento e os limites materiais que  serão observados na criação de normas jurídicas. No caso da norma de competência para  promover a incidência da norma tributária, delimitam-se os agentes públicos autorizados a  relatar a ocorrência de um fato jurídico tributário imputando-lhe a consequência prevista, qual  seja, produzir normas tributárias individuais e concretas.  

Em termos estruturais, a aqui chamada norma de lançamento contempla no  antecedente a descrição do processo de enunciação necessário à criação da norma tributária individual, identificando, no antecedente, pelo: i) critério pessoal, que diz respeito ao sujeito  autorizado a editar a norma tributária individual e concreta; ii) critério procedimental, que se  refere ao conjunto de enunciados que prescrevem o procedimento administrativo necessário à  criação da norma tributária individual; iii) critério espacial que remete ao lugar em que se  deve dar a enunciação e iv) critério temporal referente ao momento da aplicação da norma. E,  no consequente, uma relação jurídica que se instala com a concreção, no tempo e no espaço,  do fato descrito na hipótese cujo objeto é o dever de criar a norma tributária individual e  concreta (GAMA, 2009, p. 75). 

Transportando o dever de provar o fato jurídico e o ilícito tributário para a estrutura  compositiva da norma de lançamento, apura-se que o mesmo integra o critério procedimental.  Com efeito, o critério procedimental comporta o conjunto de enunciados relativos ao modo de  realizar a enunciação, os quais compreendem: o início do procedimento (p1), a depuração dos  fatos que envolvem a obrigação tributária e eventual ilícito (p2), e a respectiva colheita de  diligências e de provas (p3). 

No ato nomogenético de normas individuais e concretas, pois, é vedado ao sujeito competente “o emprego de recursos imaginativos, por mais evidente que pareça ser o  comportamento delituoso do sujeito passivo” (CARVALHO, 1998, p. 34). Todos os  elementos do tipo normativo existentes no fato que se pretende tributar devem ser  pormenorizadamente indicados. Afinal, como assevera Eurico Marco Diniz de Santi, “fato  jurídico é fato juridicamente provado” (SANTI, 2001, p. 43). É por meio das provas colhidas  que o sujeito ativo – agente público – atestará a ocorrência no mundo fenomênico do fato  alegado e que os fatos jurídicos são constituídos e inseridos no sistema (TOMÉ, 2008, p. 320). 

Em que pese o dever de a Administração Pública provar os fatos alegados, parcela da  doutrina e da jurisprudência pátrias posicionam-se no sentido de que uma vez inserida norma  tributária individual e concreta, ainda que com violação aos critérios da norma de  competência, a mesma presume-se válida cabendo ao contribuinte o ônus de provar o  contrário. Nos termos da doutrina e das decisões judiciais, a norma individual e concreta, lá  chamada simplesmente de lançamento, goza de presunção de legitimidade, somente elida por  prova inequívoca por parte do contribuinte (CARVALHO, 2009b, p. 229).  

Tal entendimento, no entanto, não se coaduna com o princípio da estrita legalidade  (artigo 150, I, da Constituição Federal), tampouco com o artigo 9º, caput, do Decreto  70.235/1972. Isto porque, de acordo com o marco teórico eleito, é sem sentido o topos da presunção de validade como justificativa para a inversão do ônus da prova no direito  tributário.  

Validade é a relação de pertinencialidade da norma a um determinado sistema, de tal  sorte que ao dizer que u’a norma ‘N’ é válida, estar-se a expressar que ela pertence a um  sistema ‘S’” (CARVALHO, 2009a, p. 82). Uma norma é válida na medida em que foi  produzida segundo as regras traçadas pela norma superior (fundamento de validade do veículo  introdutor) (KELSEN, 2006, p. 256-277). 

A presunção de validade é, pois, traço característico de todas as normas jurídicas.  Trata-se de pressuposto gnoseológico do direito positivo para que a norma adquira o status de  jurídica. Destarte, afigura-se sem sentido, tendo por fundamento a presunção de validade,  inverter-se o ônus da prova em Direito Tributário. O relevante para fins de distribuição do  ônus da prova são as regras probatórias previstas no sistema de direito positivo, e não  simplesmente a presunção de validade. Este é o entendimento de Florence Haret para quem “a  legitimidade presumida do ato administrativo não exime o Fisco de comprovar a ocorrência  do fato jurídico na forma da lei” (2010, p. 752). Para Paulo de Barros Carvalho, com a  evolução da doutrina, “não se acredita mais na inversão da prova por força da presunção de  legitimidade dos atos administrativos” (1998, p. 108). 

No Direito Tributário tais regras probatórias encontram-se expressas, como já  afirmado, no princípio da tipicidade tributária (dimensão fatual) e no Decreto 70.235/72, os  quais estabelecem o dever de os agentes públicos, na positivação das normas tributárias,  provarem os fatos que alegam existir.  

Em virtude desse “dever de provar”, a presunção de validade da norma tributária  individual e concreta persiste tão-somente até a mesma ser questionada, momento a partir do  qual é devolvida para a Administração Pública o dever de provar a veracidade do fato que  originou a obrigação tributária. Paulo de Barros Carvalho leciona que “vindo o sujeito passivo  a contestar a fundamentação do ato aplicativo lavrado pelo Fisco, o ônus de exibir a  improcedência dessa iniciativa impugnatória volta a ser, novamente, da Fazenda, a quem  quadrará provar o descabimento jurídico da impugnação, fazendo remanescer a exigência” (CARVALHO, 1998, p. 108). 

O questionamento acerca da validade da norma tributária individual e concreta opera  um “efeito ricochete” no ônus da prova, que retorna para a Administração Pública

3. CONCLUSÃO 

Assim, com base no referencial teórico sustentou-se que a norma de competência para  fazer incidir norma tributária comporta, na hipótese, juntamente com o aspecto pessoal,  temporal e espacial, o procedimento, assim entendido como conjunto de enunciados que  prescrevem o procedimento administrativo necessário à criação da norma tributária  individual. No procedimento está contido o dever de os agentes públicos provarem os fatos  alegados, em atenção ao princípio da tipologia tributária e do artigo 9º do Decreto 70.235. 

Com base em tal premissa, defendeu-se que é sem sentido inverter o ônus da prova  tendo por fundamento a presunção de validade (ou de “legitimidade”, para falar com a  doutrina corrente), para, ao final, concluir que a devolução do ônus da prova para a  Administração Pública quando o sujeito passivo demonstrar que a Administração Pública  ouvidou-se de provar os fatos alegados.  

4. REFERÊNCIAS 

CARVALHO, Paulo de Barros. A prova no procedimento administrativo tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, 34, p. 104-116, 1998.  

______.Curso de direito tributário. 21. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009a. ______.Fundamentos jurídicos de incidência. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009b. DI PIETRO, Maria Zanella. Direito Administrativo. 23.ed. São Paulo, Atlas, 2010. 

GAMA, Tácio Lacerda. A norma de competência tributária para instituição de  contribuições interventivas. 2002. 235 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifica  Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2002. 

______. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo:  Noeses, 2009. 

HARET. Florence. Teoria e prática das presunções em direito tributário. São Paulo:  Noeses. 2010. 

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 7. ed. São  Paulo: Martins Fontes, 2006.  

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Prescrição e Decadência no Direito Tributário. São  Paulo: Max Limonad, 2001. 

TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2008.


1Mestre em Direito Processual pelo Programa Stritu Sensu de Pós-Graduação da Universidade Federal do  Espírito Santo. Pós-Graduada em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Advogada.  Endereço eletrônico: thais.sloliveira@gmail.com.