REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10409639
Carlos Henrique Eduardo1
RESUMO
O artigo científico aborda os desafios enfrentados na educação dentro do sistema prisional. Destaca a complexidade do ambiente carcerário e seus impactos no acesso à educação. Discute barreiras como a falta de recursos, infraestrutura precária e questões de segurança que limitam a efetividade dos programas educacionais. O estudo ressalta a importância da educação como ferramenta de ressocialização, propondo estratégias para superar os desafios e promover a reinserção bem-sucedida dos detentos na sociedade.
Palavras-chave: Educação. Sistema prisional. Desafios. Lei.
ABSTRACT
The scientific article addresses the challenges faced in education within the prison system. It emphasizes the complexity of the prison environment and its impacts on access to education. It discusses barriers such as lack of resources, inadequate infrastructure, and security issues that limit the effectiveness of educational programs. The study underscores the importance of education as a tool for rehabilitation, proposing strategies to overcome challenges and promote the successful reintegration of inmates into society.
Keywords: Education. Prison system. Challenges. Law.
1. Introdução
A questão da educação no sistema prisional tem sido objeto de considerável atenção acadêmica e política devido à sua relevância na busca por soluções eficazes para os desafios enfrentados por indivíduos privados de liberdade. Este artigo propõe explorar a complexidade desse cenário, examinando os múltiplos aspectos que influenciam e são influenciados pela educação dentro das instituições penitenciárias. O contexto prisional apresenta desafios únicos que vão desde a segurança até a escassez de recursos, afetando diretamente o acesso à educação e sua efetividade na promoção da ressocialização.
A educação no sistema prisional transcende a mera transmissão de conhecimentos, desempenhando um papel crucial na transformação de vidas e na mitigação do ciclo de reincidência criminal. Este estudo visa examinar não apenas os obstáculos enfrentados, como a falta de infraestrutura e recursos limitados, mas também identificar as potenciais oportunidades e estratégias inovadoras que possam ser implementadas para superar tais desafios.
Ao abordar as interseções entre educação, sistema prisional e legislação, busca-se não apenas compreender as lacunas existentes, mas também promover discussões que levem a políticas mais eficazes e inclusivas. A análise crítica deste tema sensível pretende contribuir para o desenvolvimento de abordagens mais holísticas, reconhecendo a educação como um instrumento fundamental na busca por uma reintegração bem-sucedida dos detentos na sociedade.
Dessa forma, este artigo propõe uma exploração aprofundada dos desafios e oportunidades inerentes à educação no sistema prisional, incentivando uma reflexão sobre como a implementação de programas educacionais pode moldar positivamente o futuro de indivíduos encarcerados, ao mesmo tempo em que promove uma sociedade mais justa e inclusiva.
2. Desenvolvimento
Classificada por Goffman (1978) como uma “instituição total”, a prisão se estabelece na sociedade moderna, especialmente após o século XIX, como o principal mecanismo de punição do sistema de execução penal. A privação de direitos e liberdade delineia o grau de punibilidade da nova abordagem jurídica das penas e sua efetividade em lidar com os desviantes. Ao longo da história, a evolução das formas de punição, substituindo os suplícios físicos pela disciplina através da privação da liberdade, transforma-se em uma violência simbólica a favor do castigo e correção de presos.
(…) um exército inteiro de técnicos veio substituir o carrasco, anatomista imediato do sofrimento: os guardas, os médicos, os capelães, os psiquiatras s psicólogos, os educadores; por sua simples presença ao lado do condenado, eles cantam à justiça o louvor de que ela precisa: eles lhe garantem que o corpo e a dor não são os objetos últimos de sua ação punitiva (…). (Foucault, 2007a, p. 14)
Conforme mencionado por Foucault (op. cit.), essa transição não representa uma “penalidade indiferenciada, abstrata e confusa”, mas uma mudança de uma “arte de punir” para outra, igualmente científica. A punição agora se estende ao âmago do apenado, por meio de técnicas disciplinares que aplicam o critério de punibilidade, correção e reeducação. Essas técnicas buscam cuidar do preso, orientando-o e treinando-o para atividades que o afastem do crime e o aproximem do trabalho no contexto capitalista.
Ao longo da história, observamos que o tratamento dado aos presos está intrinsecamente ligado ao modelo social predominante. Os suplícios tornaram-se obsoletos quando o infrator passou a ser visto como uma potencial força de trabalho para a emergente sociedade capitalista. A perspectiva burguesa sobre os apenados transformou-se, considerando-os um recurso social útil ao sistema, como mão de obra para a produção de riqueza.
Nesse contexto, a Lei 12.433/2011, que modificou a Lei de Execução Penal 7.210/1984, desempenhou um papel crucial ao regulamentar a remição da pena por meio de estudos, estabelecendo que “o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena” (BRASIL, 2011, p. 1).
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma modalidade da Educação Básica, regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96. O Art. 37 dessa legislação assegura que a EJA é destinada a pessoas que não tiveram oportunidades educacionais adequadas em idade apropriada, muitas vezes devido a determinantes sociais, econômicos e políticos, como é o caso de indivíduos privados de liberdade sob custódia do Estado. Assim, torna-se responsabilidade do Estado proporcionar educação a essas pessoas, visando garantir sua reintegração social ao término do cumprimento da pena.
A mesma Lei ressalta que a EJA deve articular-se com a Educação Profissional (EP), permitindo que jovens e adultos possam ingressar no mercado de trabalho. A Educação Profissional tem como objetivo desenvolver as capacidades e habilidades psicofísicas necessárias para uma determinada atividade laboral, podendo assumir diferentes formas, como qualificação, formação inicial técnica, formação tecnológica, entre outras (BRASIL, 1996).
Nesse contexto, Arroyo (2008) destaca que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) como um direito representa um avanço significativo e uma conquista para a sociedade brasileira. No entanto, ele ressalta que, até o momento, não se concretizou em políticas públicas efetivas, permanecendo como um direito genérico que não leva em consideração as diversas particularidades dos sujeitos, incluindo suas diferenças sociais, culturais, religiosas, produtivas, geracionais, entre outras. Tais nuances demandam políticas focalizadas na EJA como uma abordagem para solucionar ou minimizar seus desafios históricos.
Paiva (2007, p. 521) complementa, afirmando que a EJA, enquanto direito inalienável, representa uma conquista recente. A história dessa modalidade educacional, conforme a autora, é mais marcada por negação e exclusão do que por garantias legais de escolarização para adultos. Essa negação, segundo ela, tem origem no “direito conspurcado muito antes, durante a infância, negada como tempo escolar e como tempo de ser criança a milhões de brasileiros”. É incontestável que a EJA é um direito inerente a todos os jovens e adultos, independentemente de suas condições sociais e pessoais. Contudo, para que esse direito se efetive, é imperativo proporcionar uma escolarização de qualidade, crítica e libertadora. Isso se aplica também às pessoas privadas de liberdade, que têm o direito fundamental à educação. Julião (2011, p. 149) compartilha da visão de que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no ambiente prisional é um direito, não um benefício concedido com base na adaptabilidade à prisão. Ele destaca que o propósito da EJA é viabilizar a reinserção social do apenado e, principalmente, assegurar sua plena cidadania. Para isso, ele enfatiza a importância de uma abordagem ressocializadora, sustentada por educação geral e profissional, distanciando-se da concepção de mero preenchimento do tempo ocioso do preso.
Ainda em citação de Julião (2013, p. 3) também enfatiza que a educação prisional constitui uma forma de socioeducação dentro da instituição, desempenhando um papel ressocializador crucial. Ele argumenta que a educação prisional deve colaborar com a educação escolar e profissional, visando capacitar as pessoas privadas de liberdade e promover uma proposta político-pedagógica orientada para a socioeducação, preparando o apenado para a reintegração social.
O autor destaca que a educação prisional desempenha um papel decisivo na elevação do nível educacional e da consciência crítica do apenado. Isso possibilita a modificação de comportamentos ainda durante o período de detenção e, após a liberdade, busca por melhores condições de vida, uma vez que é um processo transformador do potencial das pessoas em competências, capacidades e habilidades (JULIÃO, 2013, p. 2). Pereira (2012, p. 46) concorda com Julião, destacando que a educação nesse contexto deve também humanizar as relações conflituosas, demandando investimentos na formação dos profissionais do sistema prisional, mudanças na estrutura física e organizacional, além do estímulo a práticas de convivência menos discriminatórias e mais tolerantes.
3. Considerações finais
Em conclusão, este artigo destaca a importância crucial da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no contexto prisional, reconhecendo-a como um direito fundamental para a reinserção social e o empoderamento das pessoas privadas de liberdade. Analisamos os desafios enfrentados pela implementação da EJA nos presídios, ressaltando a necessidade de políticas públicas mais efetivas e abordagens ressocializadoras.
Fica claro que os planos traçados para a efetivação da EJA demandam ajustes, mas oferecem uma promissora perspectiva para proporcionar uma educação de qualidade no interior do sistema prisional. A educação, conforme abordada neste artigo, emerge como uma fonte fundamental de esperança, seguindo a visão ontológica defendida por Freire. Este estudo reforça a ideia de que a esperança se concretiza na práxis, sendo essencial integrar a teoria educacional com a prática no ambiente penitenciário brasileiro.
No âmbito prisional, a educação não apenas desempenha um papel transformador no indivíduo, elevando seu nível educacional e consciência crítica, mas também se revela como um instrumento vital para a humanização das relações conflituosas. Concluímos, portanto, que investir na Educação de Jovens e Adultos nos presídios não apenas atende a uma necessidade ontológica, mas representa um passo significativo na construção de um sistema penitenciário mais justo, inclusivo e orientado para a reintegração social. Em resumo, essa análise indica que os Planos, embora necessitem de ajustes para efetivar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no sistema prisional, representam uma esperança concreta para uma educação de qualidade dentro desse contexto. Afinal, a educação é intrinsecamente ligada à esperança. Se isso não fosse verdade, não a defenderíamos nessa concepção ontológica no sistema penitenciário brasileiro. Contudo, essa esperança se concretiza na prática, como argumenta Freire (1997, p. 5), pois enquanto necessidade ontológica, a esperança precisa da prática para tornar-se concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã”.
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel G. Política de Formação de educadores (as) do campo. Cad. Cedes, Campinas, v. 27, n. 72, p. 157- 176, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/ v27n72/a04v2772.pdf.
BRASIL. Ministério da Justiça. Lei 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 13 de julho de 1984.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996. Institui as Diretrizes Básicas da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996.
BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução 3, de 11 de março de 2009. Dispõe sobre Diretrizes Nacionais para a oferta de Educação nos Estabelecimentos Penais. Diário Oficial da União, Brasília, 12 de março de 2009
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1992.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. Trad. de Raquel Ramalhete. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 20.
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Uma visão socioeducativa da educação como programa de reinserção social na política de execução penal. Anais…Disponível em: http://www.ufsj. edu.br/portal2-repositorio/File/vertentes/Vertentes_35/ resumo-abstract_elionaldo.pdf.
MAEYER, Marc de. A educação na prisão não é uma mera atividade. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 38, n. 1, p. 33-49, 2013. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/ educacaoerealidade/article/view/30702/24322.
PAIVA, Vanilda. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1987.
PEREIRA, Antonio. A formação inicial de educadores sociais no contexto dos cursos tecnológicos e de pedagogia: primeiras aproximações de um debate. Ensino e Pesquisa, UNESPAR, v. 15, n. 2, p. 46-71, 2017. Disponível em: http:// periodicos.unespar.edu.br/index.php/ensinoepesquisa/article/view/1773/pdf3.
1Bacharel em Direito. Mestrando no PPGECH/UFSCar