O DECRETO DE INDULTO DAS PENAS DE MULTA, SEU CABIMENTO, FORMAS DE RECONHECIMENTO E FERRAMENTAS PARA APRIMORAR A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.12521650


Dr. Marcelo Matias Pereira1


Resumo:

Na condição de titular da 1ª Vara de Execuções Criminais da Comarca de São Paulo, tenho contato com inúmeras questões relacionadas com o Decreto de indulto, vale dizer o Decreto nº 11.846/23, o que me motivou a escrever este singelo artigo, no qual apontamos as principais questões controvertidas a respeito deste tema, discorrendo sobre os seu cabimento, formas de reconhecimento, ferramentas utilizadas para aprimorar a prestação jurisdicional e resultados alcançados:

Palavras Chaves: Indulto, Causa Extintiva da Punibilidade, Multa, Pena de Multa. Execução de Pena de Multa.

I) INTRODUÇÃO 

O Egrégio Tribunal de Justiça, por meio da Resolução nº 852/2021, criou a 1ª Vara de Execuções Criminais, para processamento das execuções criminais das penas de multa originárias, vale dizer as principais ou cumulativas, bem como as aplicadas em substituição às penas privativas de liberdade da Comarca da Capital.

Tal iniciativa teve por finalidade separar a cobrança da multa da execução da pena privativa de liberdade, resultando em especialização das Varas de Execução Criminal da Capital, de modo a trazer maior celeridade, eficiência e acerto no cumprimento das sanções pecuniárias.   

Assim, a 1ª VEC passou a operar em novembro de 2021 com média de feitos em andamento, incluídos processos redistribuídos e novos, de aproximadamente, 40 mil.

Ao longo desses dois anos de atividade, a 1ª VEC, a despeito de dar vazão a um número considerável de decisões, ainda mantinha significativa quantidade de processos em trâmite, muito embora o resultado, em muitos casos, era a extinção em razão da hipossuficiência do executado, por absoluta falta de capacidade econômica da parte. 

Diante desse cenário, este magistrado houve por bem formular proposta para que no indulto presidencial fossem contempladas também as penas de multa, as quais não constavam como destinatárias dessa “benesse” em decretos anteriores. A proposta, deste magistrado, foi bem singela de modo a contemplar execuções criminais de até ½ salário-mínimo. Esta proposta foi aceita, mas o valor, evidentemente, os senhores sabem foi outro, ou seja cerca de R$ 20.000,00.

Com efeito, no contexto do indulto natalino, observa-se que ele pode abranger tanto a pena corpórea quanto à pena de multa criminal e seu objetivo é oferecer oportunidade de perdão e reinserção social aos condenados; no que concerne à pena de multa, visa oferecer oportunidade de regularização da situação financeira e política dos executados, com o restabelecimento dos direitos políticos, facilitando, assim, a reintegração à vida em sociedade. 

Dessa forma, a presente exposição tem por escopo abordar o tema de maneira mais clara possível e pontuar as questões mais importantes do aludido ato Decreto Presidencial, considerando aspectos jurídicos e normativos, de modo a trazer melhor esclarecimento, facilidade, aplicabilidade e presteza para a célere prestação jurisdicional.  

II) CONCEITO

O indulto é um benefício concedido pelo Presidente da República, consistente no perdão da pena, vale dizer, ato de clemência do Chefe do Poder Executivo, mediante decreto, o qual fundamenta a extinção, diminuição ou substituição da pena. 

A concessão do indulto é uma competência privativa do Presidente da República, conforme previsto no artigo 84, XII da Constituição Federal. O Decreto é elaborado com o aval do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, bem como acolhido pelo Ministério da Justiça, nos termos dos artigos 70, inciso I e 189 da Lei de Execuções Penais, sendo editado anualmente.

Nota-se que o decreto presidencial indica as condições para a concessão do indulto, estabelecendo critérios para que os condenados possam ser beneficiados, inclusive, afastando a sua aplicação para quem cumpre pena por crimes hediondos, por exemplo. 

Destaca-se, ainda, que a decisão que reconhece o indulto possui natureza meramente declaratória, além de ser uma causa da extinção da pena (artigo 107, II, do Código Penal). Assim, cabe ao juízo da execução, verificando a presença dos requisitos legais, decretar a extinção ou diminuição da pena. 

Em outras palavras, o decreto concede o indulto, cabendo ao juiz apenas declarar a extinção da pena ou sua diminuição. Em se tratando de extinção da pena, por força de uma causa de extinção da punibilidade, assim prevista no Código Penal, no artigo já mencionado, sua declaração deve ocorrer de ofício, na forma do artigo 61 do Código de Processo Penal.

III) REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DO INDULTO 

O Decreto nº 11.846/23, no artigo 2º, X, concedeu indulto natalino coletivo às pessoas condenadas à pena de multa, ainda não quitada, desde que o importe executado não supere o valor mínimo para ajuizamento das execuções fiscais de débitos pela Fazenda Pública, in verbis: 

Art. 2º  Concede-se o indulto coletivo às pessoas, nacionais e migrantes:

(…)

X – condenadas a pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou do juízo em que se encontre, aplicada isolada ou cumulativamente com pena privativa de liberdade, desde que não supere o valor mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional (vide artigo 1º, inciso II, da Portaria MF número 75 de 22 de Março de 2012), estabelecido em ato do Ministro de Estado da Fazenda, ou que não tenham capacidade econômica de quitá-la, ainda que supere o referido valor;(g.n.).

Neste sentido, a Portaria nº 75/12 do Ministério da Fazenda, que dispõe sobre a inscrição de débitos na Dívida Ativa da União e o ajuizamento de execuções fiscais pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, c/c a Portaria 130/12, determina o não ajuizamento das execuções fiscais, cujo valor seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 mil reais, a saber: 

Art. 1º Determinar:

(…)

II – o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

Outrossim, há que se observar o Tema 157 do Superior Tribunal de Justiça, que reviu o assunto, aumentando de R$ 10.000,00 para R$ 20.000,00, o valor limite para aplicação de princípio da insignificância aos crimes de descaminho e contrabando.

A propósito: 

RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS PARA FINS DE REVISÃO DO TEMA N. 157. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS FEDERAIS E DE DESCAMINHO, CUJO DÉBITO NÃO EXCEDA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002.

ENTENDIMENTO QUE DESTOA DA ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF, QUE TEM RECONHECIDO A ATIPICIDADE MATERIAL COM BASE NO PARÂMETRO FIXADO NAS PORTARIAS N. 75 E 130/MF – R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS).

ADEQUAÇÃO.

1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.112.748/TO – Tema 157, de forma a adequá-lo ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias n. 75 e 130/MF – R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho.

2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n.

10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.

3. Recurso especial improvido. Tema 157 modificado nos termos da tese ora fixada. (REsp 1688878/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/02/2018, DJe 04/04/2018).(g.n.).

Desta forma, a 3ª seção decidiu revisar o tema 157, que passa a ter a seguinte redação:

“Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00, a teor do disposto no artigo 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.”

Insta salientar que para fins de aplicação do indulto, além do limite monetário acima indicado, deve ser observada a vedação para aplicação às pessoas que tenham sido condenadas pelos crimes indicados abaixo, conforme previsto no artigo 1º do Decreto nº 11.846/2023: 

Art. 1º  O indulto coletivo e a comutação de penas concedidos às pessoas nacionais e migrantes não alcançam as que tenham sido condenadas:

I – por crime hediondo ou equiparado, nos termos do disposto na Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990;

II – por crime de tortura, nos termos do disposto na Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997;

III – por crime previsto na Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, exceto quando a pena aplicada não for superior a quatro anos;

IV – por crime previsto na Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016;

V – pelos crimes previstos nos art. 312 a art. 319 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, exceto quando a pena aplicada não for superior a quatro anos;

VI – por crime previsto na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989;

VII – pelos crimes previstos nos art. 149 e art. 149-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 – Código Penal;

VIII – por crime previsto na Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;

IX – por crime previsto na Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, exceto quando a pena aplicada não for superior a quatro anos;

X – por crime previsto na Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, exceto quando a pena aplicada não for superior a quatro anos;

XI – por crimes definidos no Decreto-Lei nº 1.001, 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar, que correspondam aos delitos previstos nos incisos I a X e XII a XVII;

XII – por crime previsto na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, atribuído a pessoa jurídica;

XIII – por crime contra o Estado Democrático de Direito de que tratam os art. 359-I a art. 359-R do Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 – Código Penal;

XIV – por crimes de violência contra a mulher constantes na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, na Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, na Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021, na Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021, e na Lei nº 13.641, de 3 de abril de 2018;

XV – por crime previsto na Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, e no art. 288-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 1940 – Código Penal;

XVI – pelos crimes previstos nos art. 239 a art. 244-B da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente; e

XVII – por crime de tráfico ilícito de drogas, nos termos do disposto no caput e no § 1º do art. 33, nos art. 34 a art. 37 e no art. 39 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

Neste cenário, verificando-se que a pena de multa executada não é alcançada pelo aludido indulto, já que superior a R$ 20.000,00, não quer dizer que, de forma absoluta, não seja possível a concessão dessa benesse. Isto porque o Decreto nº 11.846/23, em seu artigo 2º, inciso X, indica a possibilidade de se conceder o indulto para os casos em que o executado não tenha capacidade econômica de quitar a pena de multa, ainda que supere o referido valor. 

Quando o impedimento é a tipificação legal não importa o valor da multa.

Em suma, portanto, para aplicação do indulto natalino, é necessário observar se há alguma vedação expressa no texto do Decreto nº 11.846/23 para aplicação do indulto, em relação ao delito pelo qual o executado foi condenado, bem como verificar se a pena de multa é inferior ao valor de R$ 20.000,00.  

Ademais, há ainda a possibilidade de reconhecer o indulto para casos em que a pena supere o valor citado, independentemente da tipificação, desde que comprovada a hipossuficiência do executado, a qual passou a ser presumida, pelo Tem 931, do S.T.J. ponto que iremos abordar mais detalhadamente no correr de nossa exposição. 

IV) QUESTÕES PRÁTICAS

a) Concurso de crimes (delitos sem pena de multa e indulto parcial)

Em muitos casos, verifica-se a condenação do executado por mais de um tipo penal. Com isso, superado o obstáculo monetário, a saber, sendo a pena inferior a R$ 20.000,00, devemos analisar isoladamente cada delito, diante das vedações contidas no Decreto. 

Tal medida se justifica ao observamos que o indulto é uma forma de extinção da punibilidade e, por consequência, da pena, consistente em ato de clemência do Poder Público, concedido privativamente pelo Presidente da República, conforme dispõe o artigo 107, inciso II, do Código Penal e artigo 192 da Lei de Execução Penal. Portanto, o reconhecimento do indulto, deve ser feito considerando, isoladamente, cada delito, na forma do artigo 119 do Código Penal, o qual indica que em caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade deve ser considerada em relação a cada delito, de forma isolada.

A título de ilustração, no caso de o executado ter sido condenado por infração ao artigo 33, caput, da Lei de Drogas em concurso com o artigo 180 do Código Penal, a pena de multa correspondente ao delito de receptação é passível de indulto. Com isso, se faz necessário consultar o processo de conhecimento, a fim de identificar o valor da pena de multa correspondente ao delito de receptação e, apenas, em relação a esta, conceder o indulto, prosseguindo a execução em relação à pena de multa decorrente da condenação por tráfico. Em outras palavras, a execução da pena de multa seguiria apenas em relação à pena decorrente do tráfico de drogas, ocorrendo o que seria um “indulto parcial”. 

Destaca-se, ainda, que neste caso, este magistrado determina que a Serventia elabore um novo cálculo da pena de multa, com base no saldo remanescente desta, ou seja, considerando a pena de multa que não foi indultada e será executada. 

Outra situação se dá quando o indivíduo é condenado por um delito com pena de multa, passível de ser indultado, e outro sem pena de multa, mas com vedação na aplicação do indulto, como por exemplo, corrupção de menores (artigo 244-B do ECA). Com isso, no caso, por exemplo, de um caso de receptação em concurso com corrupção de menores, o indulto poderia ser aplicado em sua integralidade, já que, como dito, a pena de multa é decorrente apenas do delito de receptação, nesta hipótese, de modo que não há execução de pena pecuniária relacionada com delito previsto como impeditivo da concessão do indulto, muito embora e, em muitos casos, ele conste equivocadamente da certidão de multa. 

b) Devolução de valores – sentença declaratória

A multa constitui sanção penal, portanto, o fato de ser considerada dívida de valor, após o trânsito em julgado, não transforma essa em sanção civil, tampouco em dívida. Desta forma, o valor pago antes do decreto que concedeu o indulto, dever ser considerado como pena criminal cumprida, portanto, não há que se falar em restituição futura. Em outras palavras, a concessão do indulto não desonera o executado daquilo que já cumpriu, mas, tão somente, do que lhe resta cumprir da pena. A natureza é declaratória, que produz efeitos ex nunc, ou seja, não retroagem, mas são considerados a partir da ocorrência da causa que extinguiu a punibilidade, ou seja a publicação do Decreto de Indulto.

Insta salientar que a sentença que reconhece o indulto possui natureza meramente declaratória, razão pela qual o indulto opera os seus efeitos quando da publicação do decreto, assim como ocorre com o perdão judicial, nos termos da Súmula nº 18 do STJ, in verbis, “A sentença concessiva de perdão judicial terá natureza declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”.

Com isso, infere-se que o valor pago em data posterior a publicação do Decreto que concedeu o indulto, deverá ser devolvido para a parte, se houver pedido neste sentido. Tal conclusão não poderia ser outra, pois como dito, a sentença que concede o indulto tem a natureza declaratória. Já que se não houver pedido expresso entendemos que é mera liberalidade da parte, que optou por não formular pedido nesse sentido.

Em contrapartida, o valor pago pela parte ou que teve o seu perdimento decretado em data anterior ao Decreto em questão, não deverá ser devolvido, já que se trata de pena cumprida. Assim, aplica-se a pena de multa o mesmo raciocínio nos casos de extinção da punibilidade pela via do indulto nas penas privativas de liberdade, ou seja, o benefício alcança apenas o quantum de pena que ainda falta ser cumprida.

c) Concessão do indulto pelo juízo de conhecimento – sem expedição de certidão de sentença – 

  É de se observar que, em se tratando de causa extintiva da punibilidade, como se viu, a qual pode e deve ser declarada de ofício pelo juiz, não há qualquer razão para que, em se tratando de condenação indutável, seja expedida certidão de pena de multa e encaminhada para o Ministério Público, o qual não poderá ajuizar a execução pelo simples fato de não existir mais o direito de punir e logicamente nada a se executar.

  Nestes casos, a serventia deveria certificar nos autos e promover a conclusão, para que o magistrado decretasse a extinção da pena de multa, evitando a prática de ato desnecessário, vale dizer a expedição de uma certidão de pena de multa. No que concerne a pena privativa de liberdade deveria, se não indultável, ser expedida, normalmente, a guia de execução.

Observe-se que o artigo 2º, inciso X, é taxativo ao afirmar que: “condenadas a pena de multa, ainda que não quitada, independentemente da fase executória ou do juízo em que se encontre”.

V) DICAS 

a) Discussão sobre o tráfico privilegiado (frequentemente não consta)

Ao analisar o cabimento ou não do indulto, em especial, para verificar o crime pelo qual o executado foi condenado e que ensejou a pena de multa, a praxe cartorária é verificar a certidão de sentença, até mesmo porque, essa é a única peça extraída do processo de conhecimento, que consta na execução da pena de multa. 

Ocorre que, frequentemente, nos casos envolvendo a condenação pelo tráfico privilegiado, o redutor do §4º do artigo 33 da Lei de Drogas não consta no referido documento, havendo o registro apenas da condenação pelo artigo 33 “caput” da Lei de Drogas. A problemática desta questão é que o tráfico privilegiado não é hediondo, portanto, diferentemente da conduta prevista no “caput”, é passível de indulto. 

Atentando-se a este fato, para fins de minimizar eventuais indeferimentos indevidos sobre a concessão do indulto, a solução empregada na 01ª Vara de Execuções Criminais de São Paulo é verificar também a pena imposta ao executado. Assim, nos casos em que na certidão de sentença constar a condenação pelo tráfico com a pena inferior a 5 anos, ou seja, menor que a pena mínima da figura do artigo 33 da Lei de Drogas, o processo de conhecimento é consultado. 

Com isso, ao verificar a sentença, acordão ou até mesmo a guia de recolhimento definitiva, é possível concluir se o executado foi condenado pela figura do tráfico privilegiado ou não. Ademais, na experiência vivida neste primeiro trimestre, na referida Vara, mais de 95% dos casos em que a pena era inferior a 5 anos, o executado havia sido condenado pelo tráfico privilegiado, apesar do redutor não estar registrado na certidão de sentença. 

b) Artigo 273 do CP

Em relação a este delito, o STF, em atenção aos princípios da proporcionalidade e individualização da pena, apontou ser inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão de 10 a 15 anos, e multa), firmando se tese de repercussão geral sobre o tema, a saber:

“É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do artigo 273 do Código Penal, com a redação dada pela Lei 9.677/1998 – reclusão de 10 a 15 anos – à hipótese prevista no seu parágrafo 1º-B, inciso I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do artigo 273, na redação originária – reclusão de um a três anos e multa” (RE 979.962/RS, j. 24/03/21).  

Neste ensejo, é comum nos depararmos com casos em que o juiz de conhecimento, ao condenar o executado pelo delito previsto no artigo 273 do Código Penal, opte pela pena do preceito secundário deste artigo, na sua redação originária, por força da repristinação (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa). 

Desta forma, em que pese o executado tenha sido condenado pelo delito previsto no artigo 273 do Código Penal, ele recebe a pena originária deste, a qual não seria proporcional à pena de um delito hediondo. 

Ademais, é de se observar que o crime do artigo 273 do Código Penal só passou a ser hediondo com a edição da Lei nº 9.695/98, ou seja, em data posterior a publicação da Lei nº 9.677/98, a qual majorou a pena deste substancialmente, bem como, segundo o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, é inconstitucional, conforme indicado acima. 

Nesta mesma linha, há casos em que o juiz de conhecimento aplica a pena do tráfico para o delito previsto no artigo 273 do Código Penal, inclusive, reconhecendo o redutor previsto no artigo 33, §4º da Lei de Drogas. Neste cenário, quando reconhecido o benefício cabível ao tráfico privilegiado, o executado receberia a pena de um delito que não é hediondo, o qual é passível de ser indultado, já que não está previsto nas exceções do Decreto nº 11.846/23.

Com isso, infere-se que quando o juiz de conhecimento aplica a pena da redação originária do artigo 273 do Código Penal ou do tráfico privilegiado, é possível o reconhecimento do indulto, sob pena de violar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

c) Delito de violência doméstica 

Ao verificar o rol de vedações na aplicação do indulto, no artigo 1º, inciso VIX, do Decreto 11.346/2023, temos os delitos que envolvem violência doméstica constantes na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, na Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, na Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021, na Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021, e na Lei nº 13.641, de 3 de abril de 2018.

Em termos práticos, é comum que as referidas leis que indicam a violência doméstica não constem na certidão de sentença, a qual, como dito, é o único documento juntado pelo exequente na execução da pena de multa. Em outras palavras, é a única fonte de consulta disponível nos autos sobre a origem da condenação do executado. 

Assim, como ocorre nos casos de tráfico privilegiado, recomenda-se observar a certidão de sentença como um todo, buscando indicativos que apontem a eventual ligação da condenação do executado com crimes envolvendo violência doméstica, além da indicação das leis citadas. Dois fatores que podem indicar esse envolvimento é a condenação pelo artigo 129, §9º do Código Penal, bem como o processo ser decorrente de Vara Especializada em Violência Doméstica. 

Desta forma, caso haja algum indício que aponte uma ligação com crime envolvendo violência doméstica, na 01ª Vara de Execuções Criminais de São Paulo, a recomendação é consultar o processo de conhecimento.

d) Análise do roubo

Uma grande discussão acerca do cabimento ou não do indulto, em casos de roubo, por ser ou não este delito hediondo. Tal discussão surgiu em razão das mudanças trazidas pelo Pacote Anticrime. 

Como indicado acima, esta discussão parte da premissa de que, para fins da concessão do indulto, deve ser considerado se o delito é hediondo, na data em que foi cometido, diante da sucessão de leis penais no tempo, e, em atenção aos princípios da irretroatividade da lei penal e da ultratividade da lei mais benéfica.

Assim, sobre o assunto, observa-se que a Lei 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, foi publicada em 24/12/2019, oportunidade em que alterou a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8072/90), ao inserir nesta o roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I do Código Penal) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B), pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V),   e qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º). 

De acordo com o artigo 20 da Lei nº. 13.964/2019, todo o Pacote Anticrime entra em vigor depois de decorridos 30 dias de sua publicação oficial. Dessa forma, ele começou a vigorar a partir de 23 de Janeiro de 2020, logo, apenas a partir deste marco, inclusive, é que o delito de roubo pode ser considerado hediondo, e, ainda, quando envolver o emprego de arma de fogo, restrição da vítima, lesão corporal grave. No caso do roubo com resultado morte, especificamente o latrocínio, o mesmo já constava do rol dos crimes hediondos desde a edição da Lei 8.072/90. 

Assim sendo, apenas no caso de latrocínio, não é necessário observar o Pacote Anticrime (Lei nº 13.964, de 2019), já que o mesmo já era considerado crime hediondo.

e) Extorsão na modalidade de “sequestro relâmpago”

Assim como no roubo, o pacote Anticrime qualificou como hediondo o artigo 158, §3º do Código Penal. Com isso, no que diz respeito ao indulto natalino de 2023, apenas os casos cometidos após a Lei 13.964/2019 são excluídos desta “benesse”.

f) Lei de Armas

Após a Lei nº 13.964/19 (pacote anticrime) ter alterado a Lei nº 8.072/90, somente é considerado crime hediondo a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido prevista no artigo 16, §2º, do Estatuto do Desarmamento (Decreto nº 9.844/19).

Com isso, no âmbito do artigo 16 da Lei de Armas, apenas haveria exclusão da concessão do benefício para a figura do seu parágrafo 2º, ou seja, somente é crime hediondo a posse/porte de arma de fogo de uso proibido

A propósito, neste sentido, já se decidiu: 

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI N.º 10.826/2003. CONDUTA PRATICADA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.497/2017 E ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.964/2019. PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. NATUREZA HEDIONDA AFASTADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Os Legisladores, ao elaborarem a Lei n. 13.497/2017 – que alterou a Lei de Crimes Hediondos – quiseram conferir tratamento mais gravoso apenas ao crime de posse ou porte de arma de fogo, de acessório ou de munição de uso proibido ou restrito, não abrangendo o crime de posse ou porte de arma de fogo, de acessório ou de munição de uso permitido. 2. Ao pleitear a exclusão do projeto de lei dos crimes de comércio ilegal e de tráfico internacional de armas de fogo, o Relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, então Senador Edison Lobão, propôs “que apenas os crimes que envolvam a utilização de armas de fogo de uso restrito, ou seja, aquelas de uso reservado pelos agentes de segurança pública e Forças Armadas, sejam incluídos no rol dos crimes hediondos”. O Relator na Câmara dos Deputados, Deputado Lincoln Portela, destacou que “aquele que adquire ou possui, clandestinamente, um fuzil, que pode chegar a custar R$ 50.000, (cinquenta mil reais), o equivalente a uns dez quilos de cocaína, tem perfil diferenciado daquele que, nas mesmas condições, tem arma de comércio permitido”. 3. É certo que a Lei n. 13.964/2019 alterou a redação da Lei de Crimes Hediondos, de modo que, atualmente, se considera equiparado a hediondo o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei n.º 10.826/2003. 4. Embora o crime ora em análise tenha sido praticado antes da vigência da Lei n.º 13.964/2019, cabe destacar que a alteração na redação da Lei de Crimes Hediondos apenas reforça o entendimento ora afirmado, no sentido da natureza não hedionda do porte ou posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. 5. No Relatório apresentado pelo Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater as mudanças promovidas na Legislação Penal e Processual Penal pelos Projetos de Lei n.º 10.372/2018, n.º 10.373/2018, e n.º 882/2019 – GTPENAL, da Câmara dos Deputados, coordenado pela Deputada Federal Margarete Coelho, foi afirmada a especial gravidade da conduta de posse ou porte de arma de fogo de uso restrito ou proibido, de modo que se deve “coibir mais severamente os criminosos que adquirem ou “alugam” armamento pesado […], ampliando consideravelmente o mercado do tráfico de armas”. Outrossim, ao alterar a redação do art. 16 da Lei n.º 10.826/2003, com a imposição de penas diferenciadas para o posse ou porte de arma de fogo de uso restrito e de uso proibido, a Lei n. 13.964/2019 atribuiu reprovação criminal diversa a depender da classificação do armamento. 6. Esta Corte Superior, até o momento, afirmava que os Legisladores atribuíram reprovação criminal equivalente às condutas descritas no caput do art. 16 da Lei n.º 10.826/2003 e ao porte ou posse de arma de fogo de uso permitido com numeração suprimida, equiparando a gravidade da ação e do resultado. Todavia, diante dos fundamentos ora apresentados, tal entendimento deve ser superado (overruling). 7. Corrobora a necessidade de superação a constatação de que, diante de texto legal obscuro – como é o parágrafo único do art. 1.º da Lei de Crimes Hediondos, na parte em que dispõe sobre a hediondez do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo – e de temas com repercussões relevantes, na execução penal, cabe ao Julgador adotar postura redutora de danos, em consonância com o princípio da humanidade. 8. Ordem de habeas corpus concedida para afastar a natureza hedionda do crime de porte ou posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado. (STJ – HC 525249/RS – Ministra Laurita Vaz – 6ª Turma – Data do Julgado: 15/12/20; DJe: 18/12/20) (g.n). 

Recentemente foi publicada a Súmula 668, do S.T.J. com o seguinte teor: “ Não é hediondo o delito de porte ou posse de arma de fogo de uso permitido, ainda que com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado”.

VI) CONSIDERAÇÕES FINAIS COM EXPOSIÇÃO DA SITUAÇÃO DA NOSSA VARA 

Em dezembro de 2023 a 1ª Vara de Execuções possuía um acervo de 64.842 execuções em andamento. 

Entre janeiro e abril de 2024, foram elaboradas 53.061 sentenças de extinção da punibilidade, em sua maioria pela concessão de indulto. Nesse mesmo período, o cartório cumpriu e arquivou definitivamente 48.433 execuções, restando um acervo atual de  26.196 processos em andamento, em maio de 2.024, na medida que nesse mesmo período entraram 8.851 autos.

Já no que concerne ao auxílio de Robôs, a Vara conta com os seguintes sistemas: 

Robô auxilia na inicial: junta a F.A. atualizada, insere no cadastro os dados faltantes, como filiação, nascimento e dados do processo de origem.  

Robô sisbajud: Há dois robôs atuantes nessa fase. Um deles protocola a minuta de bloqueio e o outro que entra no sisbajud e junta nos autos o relatório com bloqueios efetivados, anotando na fila qual o valor total bloqueado. 

Robô renajud: entra neste sistema, faz a pesquisa e junta nos autos o relatório.

Robô emissão de documentos: normalmente utilizado após publicação de editais. Ao invés de juntar a folha do DJ e comprovando a publicação, o robô emite certidão de cartório onde consta os dados da publicação, como folhas e dia.

Robô juntada: utilizado normalmente para juntar a certidão e contrafé dos oficiais de justiça.

Robô cadastro da DPE: insere no cadastro a Defensoria Pública.

Robôs impressão ofícios de extinção + envio automatizado: São duas automações. Uma delas entra no gerenciador de arquivos, imprime o ofício e salva com o número do processo de conhecimento. Depois há outra automação criada no automate que funciona como pastas. Uma pasta para cada vara criminal. Assim que um documento em PDF cai em determinada pasta de certo ofício criminal, isso gera um e-mail automático à vara, com cópia ao IIRGD + TRE, permitindo oficiar rapidamente em centenas de processos com poucos cliques.  

Robô de extração de informações: extraí informações da petição inicial/cadastro e insere numa planilha excel. Posteriormente, essa planilha é utilizada no robô da inicial/DIPOL.

Robô do DIPOL: Pesquisa a FA do executado e faz a leitura das informações da SAP para identificar quando o réu está PRESO ou SOLTO. No mais, junta a FA no processo (quando é o caso), preenche no cadastro de partes a penitenciária que o réu está preso (quando é o caso), lê o endereço cadastrado no SAJ (quando é o caso) e, em todos os casos, anota observação nas filas para facilitar a triagem de processos e trabalho em lote.  

Dados sobre a receita do Fundo Penitenciário do Estado de São Paulo, a título de comparação após a cobrança da pena de multa na esfera penal: 


1Juiz titular da 1ª Vara de Execuções Criminais de São Paulo