O CURRÍCULO E AS PRÁTICAS DOCENTES: UMA RELAÇÃO COMPLEXA E DINÂMICA

THE CURRICULUM AND TEACHING PRACTICES: A COMPLEX AND DYNAMIC RELATIONSHIP

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202408161628


Francisco Alexandre Coelho1; Monique Marambaia dos Santos Souza2; Alan Bruno Lopes Barbosa3; Rodrigo Percevalli Pires da Silva4; Lucilene Gomes de Oliveira5; Francisco Diego Moreira Oliveira6; Regina Maria Lima Rocha7; Raimunda Margareth de Oliveira8


RESUMO

O presente artigo discute a relação entre currículo e prática docente, destacando a importância de uma abordagem flexível e interpretativa do currículo, que permita aos professores adaptarem os conteúdos e objetivos às necessidades e interesses dos alunos. Abordagens tradicionais de currículo entendem o currículo como um conjunto de conteúdos e objetivos a serem transmitidos aos alunos, sem considerar as necessidades e interesses dos alunos. Nessa perspectiva, o currículo é visto como algo construído socialmente, que reflete os valores e interesses da sociedade. A prática docente é essencial para que o currículo seja concretizado de forma significativa. O professor é responsável por interpretar o currículo, adaptar seus elementos às necessidades dos alunos e criar uma experiência de aprendizagem que seja relevante e transformadora. Os professores enfrentam diversos desafios no processo de implementação do currículo, como a diversidade estudantil, o contexto escolar e a formação docente. Para superar esses desafios, é importante que os professores sejam flexíveis e sensíveis às necessidades dos alunos. Quanto a metodologia, utilizamos a revisão bibliográfica que consiste, segundo Gil (2007), na análise de fontes bibliográficas, como artigos científicos, livros, teses e dissertações. É uma ferramenta importante para a pesquisa científica, pois permite ao pesquisador obter uma visão geral do estado da arte de um determinado tema.

Palavras Chaves: Currículos, Práticas docentes, saberes.

ABSTRACT

This article discusses the relationship between curriculum and teaching practice, highlighting the importance of a flexible and interpretative approach to the curriculum, which allows teachers to adapt content and objectives to students’ needs and interests. Traditional curriculum approaches understand the curriculum as a set of content and objectives to be transmitted to students, without considering students’ needs and interests. From this perspective, the curriculum is seen as something socially constructed, which reflects the values and interests of society. Teaching practice is essential for the curriculum to be implemented in a meaningful way. The teacher is responsible for interpreting the curriculum, adapting its elements to students’ needs, and creating a learning experience that is relevant and transformative. Teachers face several challenges in the curriculum implementation process, such as student diversity, school context and teacher training. To overcome these challenges, it is important for teachers to be flexible and sensitive to students’ needs. As for methodology, we used the bibliographic review which consists, according to Gil (2007), in the analysis of bibliographic sources, such as scientific articles, books, theses and dissertations. It is an important tool for scientific research, as it allows the researcher to obtain an overview of the state of the art on a given topic.

Resume: Currículum, Teaching Pratice, to Know

Introdução

A relação intrínseca entre currículo e prática docente é determinante para a promoção de uma aprendizagem significativa no contexto educacional. O currículo, ao estabelecer objetivos, conteúdos, metodologias e avaliação, fornece uma estrutura orientadora para o ensino. Paralelamente, a prática docente representa a concretização desses elementos em sala de aula, através das ações e estratégias empregadas pelo professor.

No cenário contemporâneo, caracterizado pela pós-modernidade, essa interação se torna ainda mais complexa e desafiadora. A perspectiva tradicional, que percebe o currículo como prescritivo e a prática docente como a simples aplicação dessas diretrizes, mostra-se insuficiente diante da diversidade multifacetada dos alunos e das nuances do contexto escolar.

Uma visão crítica aparece como uma alternativa mais adequada, reconhecendo o currículo como um documento suscetível à interpretação e adaptação pelos professores. Essa abordagem alinhada à pós-modernidade abraça a diversidade e valoriza a prática docente como um processo criativo, onde a construção do conhecimento ocorre em colaboração com os alunos. Essa flexibilidade vai além da aplicação de conteúdos predefinidos, elevando a prática docente a um papel central na construção de experiências educacionais mais significativas.

Ao considerarmos os desafios específicos enfrentados nessa interação, destacam-se a heterogeneidade dos alunos, o contexto escolar e a formação do professor. As diferenças demandam que currículo e prática docente sejam capazes de atender às diversas necessidades, interesses e capacidades dos estudantes. O contexto escolar, influenciado por fatores como a disponibilidade de recursos, o clima escolar e a estrutura organizacional, impacta diretamente a prática docente. Além disso, a formação do professor se apresenta como um elemento inapelável para o desenvolvimento de uma prática docente eficaz.

Apesar desses desafios, a relação entre currículo e prática docente oferece possibilidades significativas. Ambos podem contribuir para a formação de cidadãos críticos e reflexivos, capazes de compreender o mundo de maneira crítica e tomar decisões conscientes. Visto isso, essa relação pode ser um agente de transformação social, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.

Nesse viés, a integração entre currículo e prática docente é um processo dinâmico e reflexivo, no qual os professores são desafiados a interpretar as diretrizes curriculares com sensibilidade à diversidade de suas turmas. Uma prática docente flexível e participativa não apenas atende às demandas da pós-modernidade, mas também eleva o papel do professor na construção de experiências educacionais significativas, capazes de promover uma aprendizagem significativa.

O panorama curricular crítico apresentada por Lopes e Macedo (2008) destaca a visão do currículo como um documento dinâmico, suscetível à interpretação e adaptação pelos professores. Este é concebido como um produto social, reflexo das concepções de educação, sociedade e conhecimento de uma determinada comunidade, sendo influenciado por políticas educacionais, tendências pedagógicas e a cultura local, o currículo é compreendido como um conjunto de objetivos, conteúdos, metodologias e avaliação, orientando, mas não limitando a prática docente como aborda Ball (2012).

Na perspectiva pós-crítica, o currículo não é encarado como uma prescrição rígida a ser seguida à risca pelos professores. Pelo contrário, destaca-se a importância da interpretação e adaptação, levando em consideração as necessidades, interesses dos alunos, o contexto escolar e as próprias concepções de educação dos educadores (LOPES, 2015) submetido aos vários contextos descritos por Ball (2012)9 e Mainardes (2022). A prática docente para Tardif e Lesssard (2011), definida como o conjunto de ações realizadas em sala de aula, é influenciada por diversos fatores, entre eles o currículo. Ainda nesta visão, a prática docente é considerada um processo criativo, implicando a construção ativa do conhecimento em sala de aula. Nesse contexto, os professores são chamados a adaptar o currículo de acordo com as necessidades específicas dos alunos, utilizando estratégias de ensino que sejam apropriadas para cada estudante.

Essa abordagem enfatiza a autonomia e o papel ativo do professor na construção do conhecimento, sublinhando a importância de uma prática docente flexível e sensível ao contexto. Ao interpretar e adaptar o currículo, os professores se tornam agentes ativos na promoção de aprendizagens significativas e no atendimento às necessidades diversificadas dos alunos, alinhando-se assim à complexidade e diversidade presentes na pós-modernidade.

O currículo, com suas relações de poder segundo Foucault (2009), destaca-se como um instrumento que influencia não apenas o que é ensinado, mas também como o conhecimento é construído e disseminado, destacando a necessidade de uma abordagem crítica para transformar a educação em um agente eficaz de mudança social como aponta Silva (2011).

Para a construção deste artigo, optamos por uma revisão de literatura, um processo fundamental para mapear, analisar e sintetizar as contribuições existentes em uma determinada área de estudo.

O propósito deste artigo é investigar a relação intrínseca entre currículo e prática docente, reconhecendo sua importância categórica na promoção de uma aprendizagem significativa no contexto educacional. A relação entre currículo e prática docente é essencial para a promoção de uma aprendizagem significativa.

2. O PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SUAS CONEXÕES COM CURRÍCULO.

Antes de adentrarmos na análise da formação do professor propriamente dita, é essencial voltarmos nossa atenção para questões fundamentais que a sustentam, destacando, por exemplo, o ambiente escolar. O espaço escolar, além de ser um ambiente físico, é profundamente enraizado em complexas dinâmicas sociais e organizacionais que influenciam significativamente o trabalho dos membros do corpo docente. Dentro desse contexto, Foucault (2009) revela uma estrutura que se alinha à lógica da codificação, burocratização e exercício de poder característicos das instituições sociais.

Sendo assim, Foucault (2009), notório por suas reflexões críticas sobre o poder, destaca que as instituições sociais, incluindo a escola, atuam como agentes disciplinares que moldam comportamentos, conhecimentos e relações. Essa disciplina se manifesta na imposição de normas, regras e estruturas hierárquicas presentes na instituição educacional.

Nesse contexto, Silva (2023) oferece interpretações do currículo que transcendem a concepção tradicional de um mero documento, posicionando-o como uma construção impregnada pelas complexas dinâmicas das relações de poder. Sob essa perspectiva, o currículo se transforma em algo mais abrangente: é o locus onde convergem diversos elementos, tornando-se o espaço que delineia as interações, o território onde se estabelecem as relações de poder, a trilha que orienta a trajetória educacional, a jornada que se percorre ao longo do aprendizado, o documento que formaliza princípios pedagógicos e, por fim, o texto que regula e dá forma às interações no ambiente educacional.

Os códigos e signos, um elemento central nas análises foucaultianas, encontra-se expressão na escola através de sistemas de avaliação, registros e currículos padronizados. Essa busca por cifragem visa não apenas à organização eficiente, mas também à regulamentação dos corpos e mentes dos envolvidos no ambiente educacional.

A burocratização, como uma ferramenta de controle, é evidente nos procedimentos administrativos, na documentação extensiva e nas práticas que visam padronizar e otimizar processos no interior da escola. Contudo, é importante reconhecer que, para Foucault (2009), a burocracia não é apenas uma questão de eficiência, mas um mecanismo de exercício de poder.

A vigilância, presente na observação constante, não apenas dos alunos, mas também dos professores, se alinha à ideia de controle social. O estabelecimento de padrões normativos e a busca pela normalização dos comportamentos e conhecimentos contribuem para a manutenção do poder nas instituições educacionais.

Além disso, as relações de poder na escola, muitas vezes hierárquicas, moldam as interações entre professores, alunos e administradores. Essas relações influenciam as decisões administrativas, as práticas pedagógicas e a própria dinâmica do ambiente de aprendizagem.

Embora Foucault  (2009) tenha enfatizado o exercício de poder e controle, ele também reconheceu a capacidade de resistência e agenciamento por parte dos indivíduos. Na escola, essa resistência pode se manifestar quando professores e alunos questionam normas, propõem práticas alternativas e buscam formas de subverter as imposições disciplinares.

Assim, ao analisar a escola sob a perspectiva foucaultiana, percebe-se que as características organizacionais, como codificação, burocratização e disciplina, refletem e reproduzem as dinâmicas de poder inerentes às instituições sociais, fornecendo uma lente crítica para compreender as complexidades do ambiente escolar como propõe Silva (2023).

Segundo Tardif e Lessard (2011), o processo de formação de professores se configura como um processo complexo e multifacetado, permeado pela aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes essenciais para o desempenho eficaz na profissão docente. Nessa trajetória, Tardif e Lessard (2011) identificam três categorias fundamentais de saberes: os disciplinares, os pedagógicos e os experienciais.

Os saberes disciplinares referem-se aos conhecimentos específicos de determinada área de ensino, desempenhando um papel concludente na construção de uma base sólida para a transmissão efetiva do conhecimento. Já os saberes pedagógicos são direcionados para a compreensão do processo de ensino e aprendizagem, sendo indispensáveis para o planejamento, organização e avaliação eficazes do ensino, garantindo uma abordagem pedagógica consistente.

Por sua vez, os saberes experienciais são adquiridos na prática docente, revelando-se essenciais para a adaptação do ensino às necessidades específicas dos alunos, reconhecendo e incorporando a diversidade presente nas salas de aula. Tardif e Lessard (2011) destaca também a importância da formação continuada para os professores, permitindo a atualização constante de conhecimentos e o aprimoramento das habilidades, o que se reflete diretamente na qualidade da prática docente.

Na perspectiva holística de Tardif e Lessard (2011), a formação de professores vem como uma visão abrangente e multidimensional do processo formativo, capaz de contribuir significativamente para o desenvolvimento de uma formação mais eficaz e alinhada às dinâmicas necessidades da profissão.

Diante desse cenário, sugere-se a implementação da perspectiva de Tardif e Lessard (2011) na formação de professores por meio da integração de disciplinas teóricas e práticas durante a formação inicial. Proporcionar oportunidades para que os professores experimentem diversas metodologias de ensino e fomentar a reflexão constante sobre a prática docente são práticas fundamentais. Essas estratégias não apenas fortalecem a formação inicial, mas também instigam a construção de profissionais mais qualificados, capazes de promover uma aprendizagem significativa para todos os alunos, independentemente de suas características e necessidades.

Em suma, ao incorporar os princípios propostos por Tardif e Lessard (2011), a formação de professores se torna não apenas um processo educativo, mas um alicerce robusto para a construção de práticas docentes eficazes e adaptáveis, alinhadas à complexidade e diversidade inerentes ao ambiente escolar.

Na convergência entre as perspectivas pós-moderna de Foucault (2009) e as abordagens de Tardif e Lessard (2011)e Lopes e Macedo (2011) sobre a formação de professores, emergem reflexões valiosas que permeiam a complexidade desse processo multifacetado. Para Tardif e Lessard (2011), a formação de professores é um emaranhado de saberes disciplinares, pedagógicos e experienciais, essenciais para a eficácia na prática docente. Lopes e Macedo (2011), por sua vez, destacam a visão do currículo como um documento dinâmico, suscetível à interpretação e adaptação pelos professores.

A perspectiva pós-moderna de Foucault (2009), ao adentrar o cenário educacional, propõe uma abordagem crítica e emancipatória, fundamentada na problematização dos discursos e práticas que compõem o currículo. Nesse diálogo, é possível identificar convergências e divergências entre as visões.

Tardif e Lessard (2011) destacam a importância dos saberes disciplinares na formação docente, enquanto Foucault (2009) ressalta que o currículo é um produto de relações de poder. Aqui, a interseção reside na necessidade de os professores compreenderem não apenas o conteúdo que ensinam, mas também as dinâmicas de poder subjacentes no processo educativo. A perspectiva crítica de Foucault (2009), portanto, instiga os professores a questionarem os discursos e as práticas presentes no currículo, alinhando-se à proposta de reflexividade sugerida por Tardif e Lessard (2011).

No âmbito da formação, Tardif e Lessard (2011) e Foucault (2009) concordam sobre a relevância da formação continuada. Para Tardif e Lessard, a formação continuada é importante para atualizar os conhecimentos e habilidades dos professores. Já para Lopes e Macedo (2011), a formação continuada é fundamental para que os professores possam atuar como agentes de transformação do currículo. Essa convergência ressalta a importância de a formação continuada não se limitar à absorção de conhecimentos, mas também ao empoderamento dos professores para questionar, resistir e transformar as estruturas de poder.

Lopes e Macedo (2011) consideram o currículo como dinâmico, aberto à flexibilidade e à adaptação. Essa visão se aproxima com a de Foucault (2009), que demonstra, o processo do poder, entendendo o currículo como um processo dinâmico engessado nas relações de poder. Ambas as perspectivas enfatizam a necessidade de os professores serem agentes ativos na construção do conhecimento, adaptando o currículo às necessidades específicas dos alunos.

No entanto, divergências também se apresentam. Tardif e Lessard (2011) ao categorizar os saberes necessários para a formação, pode parecer mais alinhado a uma visão estruturada, enquanto Foucault (2009) e Lopes e Macedo (2011) propõem uma abordagem mais fluida, com ênfase no entendimento das estruturas de poder.

Em síntese, o diálogo entre Foucault (2009), Tardif e Lessard (2011) e Lopes e Macedo  (2015) revela um campo fértil para a construção de uma formação de professores que vai além da mera transmissão de conhecimentos, incorporando uma abordagem crítica, reflexiva e transformadora. Essa integração de perspectivas oferece subsídios para a promoção de uma educação mais justa, emancipatória e alinhada às complexidades da sociedade contemporânea.

Além disso, para promover a reflexão na formação de professores, diversas estratégias podem ser adotadas como aborda Alarcão (2009). Experiências de prática reflexiva, como a observação de aulas e a análise de vídeos, se apresentam como ferramentas valiosas. A formação continuada, enquanto oportunidade para refletir sobre a prática e assimilar novas abordagens pedagógicas, é outra via relevante. A colaboração entre professores, ao fomentar a troca de ideias e experiências, destaca-se como uma estratégia propícia para fortalecer a reflexividade.

2.1 A CONSTRUÇÃO DA TEORIA CURRICULAR E AS PRÁTICAS DOCENTES

As teorias tradicionais do currículo, que emergiram no século XIX na Inglaterra e nos Estados Unidos, refletem uma abordagem educacional que se concentra na preparação dos alunos para os desafios do mercado de trabalho e para a transição para a vida adulta (LOPES E MACEDO, 2011 e SILVA, 2023). Essas teorias, fundamentadas em princípios que buscavam atender às demandas industriais e sociais da época, são representadas por três principais correntes: a teoria da transmissão, a teoria da reconstrução social e a teoria da educação geral como apresenta Silva (2023).

A teoria da transmissão concebe o currículo como um conjunto de conhecimentos e habilidades a serem transmitidos aos alunos. Nessa perspectiva, a ênfase recai na entrega eficiente de conteúdo, considerando a educação como um processo unidirecional, no qual o professor desempenha o papel central de transmissor de saberes (GADOTTI, 1998)

Na teoria da reconstrução social, Silva (2023) expõe o currículo como um instrumento para promover a transformação social. Aqui, a educação é vista como uma ferramenta que pode moldar atitudes, crenças e valores, visando à construção de uma sociedade mais justa e equitativa. Essa abordagem reconhece o potencial do currículo como agente de mudança social porém não não demostra de forma clara como pode fazer isso (GIROUX,1992).

Na teoria da reconstrução social do currículo, o professor é percebido como um agente fundamental no processo de transformação social. Nessa abordagem, o educador desempenha um papel ativo na promoção de mudanças nas atitudes, crenças e valores dos alunos, buscando contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa ( LOPES E MACEDO, 2015).

O professor é visto como um facilitador do desenvolvimento crítico e reflexivo dos estudantes, proporcionando experiências educacionais que estimulem a análise e a compreensão das questões sociais. Em lugar de apenas ser um transmissor de conhecimento, o educador assume de destaque e responsabilidade de estabelecer um ambiente educacional que estimule a participação ativa dos alunos na discussão e reflexão de questões sociais pertinentes. No entanto, é importante ressaltar que essa abordagem ainda pode refletir a concepção tradicional do professor como detentor exclusivo do saber, limitando, em certa medida, o protagonismo do discente (FREIRE, 1996).

Outrossim, o professor, nessa perspectiva, é visto como um modelador de comportamentos e valores. Sua postura em sala de aula, suas práticas pedagógicas e suas escolhas curriculares são consideradas meios pelos quais ele pode influenciar positivamente a formação ética e cidadã dos alunos. Acredita-se que, ao adotar abordagens pedagógicas que promovam a crítica, a empatia e o respeito à diversidade, o professor contribui para a construção de uma consciência social mais apurada nos estudantes.

É importante destacar que, embora a teoria da reconstrução social reconheça o potencial do currículo como agente de mudança social, a efetividade desse processo depende não apenas das práticas do professor, mas também das condições estruturais da instituição educacional, das políticas educacionais e do contexto social mais amplo. Portanto, o papel do professor, nesse contexto, é entender sua influência e responsabilidade na formação de cidadãos críticos e participativos, buscando integrar a transformação social como um componente essencial de sua prática pedagógica.

Entretanto, a teoria da reconstrução social do currículo, apesar de sua intenção de promover transformação social, enfrenta críticas. A falta de clareza prática sobre como os educadores devem implementar essa abordagem, desafios na mensuração de seu impacto efetivo, possíveis viéses ideológicos, obstáculos institucionais, a necessidade de equilíbrio com outras abordagens educacionais, a adaptação cultural e a simplificação de questões complexas são algumas das críticas comuns apontas por Freire (1996), Apple (1982) e Giroux (1992). Embora busque moldar atitudes e valores para construir uma sociedade mais justa, a teoria enfrenta desafios na tradução de sua intenção em práticas concretas e mensuráveis, levantando questões sobre sua aplicabilidade e eficácia em diferentes contextos educacionais e culturais (LOPES E MACEDO, 2011).

Por sua vez, a teoria da educação geral encara o currículo como um conjunto mais amplo de saberes e experiências que contribuem para o desenvolvimento holístico do indivíduo. Essa visão busca ir além da mera preparação técnica, valorizando a formação integral do aluno e seu crescimento pessoal e social (SILVA, 2023).

No cerne dessas teorias tradicionais está uma visão instrumental do currículo. O currículo é percebido como um meio, um instrumento que deve ser eficaz na consecução de objetivos específicos, frequentemente relacionados à inserção produtiva no mercado de trabalho ou à adequada adaptação à vida adulta.

No que diz respeito às práticas docentes, destaca-se a ênfase na abordagem educacional dos profissionais técnicos que atuam como professores. Nesse contexto, observa-se uma valorização do conhecimento, no qual o professor desempenha o papel central de transmissor do saber, conforme discutido por Freire (1996). Essa abordagem contrasta com a concepção de uma educação voltada para a emancipação proposta por Freire (1996) e Giroux (1992).

Além disso, essas teorias são marcadas por uma abordagem positivista da educação, onde o processo educacional é entendido como a transmissão lógica e eficiente de conhecimentos e habilidades (SILVA, 2023). A educação é vista como um processo objetivo, mensurável e racional, destinado a alcançar resultados predefinidos de maneira eficaz (APPLE, 1982).

Em síntese, as teorias tradicionais do currículo, ao enfatizarem a preparação para o mercado de trabalho e para a vida adulta, além de adotarem uma visão instrumental e positivista da educação, refletem os valores e as demandas do contexto histórico em que foram concebidas, como abordar Lopes e Macedo (2011) onde a prática docente se via reduzida a uma mera reprodução do saberes. No entanto, é essencial considerar essas abordagens através das transformações sociais, das culturais e das tecnológicas contemporâneas, buscando caminhos mais flexíveis e abrangentes para atender às complexidades da educação atual.

As teorias críticas do currículo, surgem no século XX como resposta às abordagens tradicionais, desvelam críticas contundentes ao modelo convencional. Essas correntes teóricas apontam para a natureza elitista do currículo e sua propensão a perpetuar as desigualdades sociais ( APPLE, 1982; GIROUX, 1992; SILVA, 2023; GADOTTI, 1998).

Nesse sentido, a Teoria Crítica do Currículo representa uma abordagem que vai além de uma visão meramente reflexiva do currículo, como afirma Silva (2023), propondo uma análise aprofundada de como esse componente educacional não apenas espelha, mas desempenha um papel ativo na reprodução das disparidades sociais presentes na sociedade segundo Gadotti (1998).

Nessa perspectiva, o currículo é considerado mais do que um mero conjunto de conhecimentos a ser transmitido; ele é percebido como um instrumento complexo que molda e sustenta as desigualdades sociais. A Teoria Crítica do Currículo questiona as estruturas subjacentes que perpetuam injustiças e diferenças, examinando como determinados conhecimentos são selecionados, privilegiados e incorporados no processo educacional (FREIRE, 1996).

SILVA (2023) e APPLE (2006) sugere que o currículo não é neutro, mas sim influenciado por ideologias, valores e relações de poder presentes na sociedade. Dessa forma, ele pode contribuir para a manutenção de hierarquias sociais ao promover certos tipos de conhecimentos em detrimento de outros. Essa análise crítica busca desvelar as estruturas invisíveis que perpetuam a desigualdade, dando espaço para uma reflexão profunda sobre como o currículo pode ser transformado para promover uma educação mais equitativa e inclusiva.

A prática docente contemporânea se fundamenta em uma lógica que atribui ao professor o papel de transformador social. Contudo, é cabal ressaltar que essa transformação somente ocorre quando o educador está consciente de seu papel como intelectual orgânico. De acordo com Freire (1996), essa consciência implica a compreensão de que o conhecimento é construído por meio da interligação entre teoria e prática. Assim, a efetividade da prática docente como instrumento de transformação social está intrinsecamente vinculada à consciência e integração reflexiva do educador como aponta Alarcão (2009).

A Teoria Pós-Crítica do Currículo representa uma abordagem que vai além das visões tradicionais e críticas, propondo uma compreensão mais fluida e dinâmica do currículo. Nessa perspectiva, o currículo não é mais considerado simplesmente como um veículo de transmissão de conhecimento ou uma ferramenta de reprodução de desigualdades sociais, como em teorias anteriores (SILVA, 2023).

Ademais, a Teoria Pós-Crítica reconhece o currículo como um espaço complexo e multifacetado, onde diferentes grupos e indivíduos estão envolvidos em disputas ativas de significados e identidades (ALICE E MACEDO, 2011; HALL, 2006). Isso implica que o processo educacional não é fixo nem determinado, mas sim um terreno fértil para a negociação constante de interpretações e valores.

Nesse quadro, os diversos atores no ambiente educacional, incluindo professores, alunos, e comunidade, participam ativamente na construção de significados e na formação de identidades (SILVA, 2023). A Teoria Pós-Crítica sugere que o currículo é moldado por uma interação dinâmica entre diferentes visões de mundo, valores culturais e experiências individuais.

Silva (2023) reforça que essa abordagem pós-crítica destaca a importância de reconhecer a diversidade e a multiplicidade de vozes no contexto educacional, promovendo um entendimento mais inclusivo e flexível do currículo como um espaço de constante negociação e construção de significados.

Vale ainda ressaltar que na perspectiva pós-crítica do currículo, a prática docente assume uma abordagem mais flexível e crítica em relação aos processos educacionais. Nesse contexto, os professores não apenas transmitem conhecimentos, como aborda Freire (1999), mas também buscam criar um ambiente de aprendizado que promova a desconstrução de significados tradicionais e estimule a participação ativa dos alunos na construção do conhecimento como propõe Hall (2006).

Destaca-se ainda, na prática docente pós-crítica a ênfase no diálogo e na interação entre professores e alunos. Em vez de uma abordagem unidirecional como propõe as esferas mais tradicionais descritas por Giroux (1992), há um esforço para estabelecer um processo educativo colaborativo, no qual as vozes dos alunos são valorizadas e consideradas na construção conjunta do saber, lembrando ainda que esse mesmo saber estabelece uma conexão do poder.

Outro aspecto importante dessa perspectiva é a inclusão de diversidade abordado por Silva(2023). Os professores reconhecem a importância de incorporar diferentes perspectivas, experiências e identidades no currículo, levando em consideração fatores como cultura, gênero, raça e orientação sexual (HALL, 2006). Além disso, a prática docente pós-crítica contextualiza o currículo no ambiente social mais amplo. Os professores exploram as relações de poder presentes no conhecimento, buscando conscientizar os alunos sobre as estruturas sociais que moldam o processo educativo.

Dessa maneira a promoção da reflexividade é uma característica marcante, com os professores incentivando os alunos a questionar, analisar e interpretar informações de maneira independente. A aprendizagem é concebida como um processo dinâmico, interativo e reflexivo como propõe Gadotti (1998).

A flexibilidade é valorizada na prática docente pós-crítica, com os professores abertos à adaptação contínua de suas abordagens como afirma Lopes e Macedo (2011). Isso implica considerar o feedback dos alunos e responder às mudanças no ambiente educacional, reconhecendo que a educação é um empreendimento em constante evolução. Em suma, a prática docente nessa perspectiva visa não apenas transmitir conhecimento, mas também cultivar uma educação crítica, reflexiva e sensível às complexidades sociais.

No cenário educacional contemporâneo, temos a teorias modernas, que consistem diversas abordagens e tendências têm influenciado a concepção do currículo, refletindo a busca por práticas mais alinhadas às demandas da sociedade atual (SILVA, 2023). Entre as perspectivas modernas, destaca-se a abordagem centrada no aluno, que coloca a personalização do ensino como foco, reconhecendo as distintas necessidades e estilos de aprendizagem dos estudantes. Essa visão promove a autonomia do aluno e enfatiza a participação ativa no processo educacional.

Outra tendência significativa é o currículo baseado em competências, que direciona a atenção para o desenvolvimento de habilidades práticas e conhecimentos aplicáveis no cotidiano. Essa abordagem visa preparar os alunos não apenas com teorias, mas com as competências necessárias para enfrentar desafios do mundo real, adotando métodos de avaliação centrados na demonstração efetiva de habilidades.

Além disso, a integração estratégica da tecnologia no currículo é uma característica marcante das abordagens modernas. O uso de recursos tecnológicos busca potencializar a entrega de conteúdo, proporcionar ambientes de aprendizagem inovadores e desenvolver habilidades digitais nos alunos, reconhecendo a importância da fluência tecnológica no século XXI.

Logo aprendizagem experiencial também ganha destaque, priorizando a vivência prática e a aplicação do conhecimento em situações do mundo real. Estágios, projetos práticos e abordagens baseadas em problemas são elementos-chave dessa perspectiva, visando uma aprendizagem mais significativa e contextualizada.

Além disso, as teorias modernas do currículo enfatizam a importância da aprendizagem ao longo da vida, reconhecendo que a educação deve ser um processo contínuo e adaptativo, alinhado às mudanças rápidas na sociedade e no mercado de trabalho.

Por fim, a educação socioemocional também se destaca, incorporando o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais no currículo. Aspectos como inteligência emocional, empatia e colaboração são integrados para preparar os alunos não apenas academicamente, mas também para enfrentar os desafios emocionais e sociais da vida.

Essas tendências, como aponta Silva (2023) refletem a busca por abordagens mais flexíveis, adaptáveis e alinhadas às demandas contemporâneas, destacando a necessidade de uma educação que vá além do tradicional, preparando os alunos de maneira abrangente para os desafios do século XXI.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A interdependência entre currículo e prática docente é um ponto fundamental na construção de experiências educacionais significativas. Essa interdependência é ainda mais evidente na perspectiva crítica e pós-crítica, que reconhece a complexidade do processo educacional, especialmente diante da diversidade e das transformações sociais contemporâneas.

A visão tradicional do currículo, que o enxerga como um documento prescritivo a ser aplicado pelos professores, é inadequada às demandas da pós-modernidade. A heterogeneidade dos alunos, as nuances do contexto escolar e a formação do professor exigem uma abordagem mais flexível, interpretativa e adaptativa.

Essa abordagem, que reconhece a autonomia e o papel ativo do professor na construção do conhecimento, é essencial para promover experiências educacionais relevantes e inclusivas. Ao interpretar e adaptar o currículo, os professores assumem um papel central na construção de uma educação mais justa e equitativa.

A formação de professores é um processo complexo e multifacetado, que deve preparar os profissionais para atuarem nessa perspectiva. As perspectivas pós-modernas de Foucault (2009) e as abordagens estruturais propostas por Tardif e Lessard (2011) e Lopes e Macedo (2015) oferecem contribuições importantes para essa formação.

A compreensão do ambiente escolar como um espaço impregnado por dinâmicas de poder, codificação, burocratização e vigilância, conforme delineado por Foucault (2009), fornece uma lente crítica para analisar as estruturas que permeiam a educação. Essa perspectiva sugere que os agentes educativos podem resistir a essas estruturas por meio da ação e da agência.    

A formação de professores, conforme delineada por Tardif e Lessard (2011), deve preparar os profissionais para atuarem nesse contexto. A convergência entre a visão estruturada desses saberes e a perspectiva mais fluida de Foucault (2009) ressalta a necessidade de uma abordagem holística, que vá além da mera transmissão de conhecimentos para incorporar a reflexão, a adaptabilidade e a resistência ativa dos professores.

A compreensão do currículo como um documento dinâmico, suscetível à interpretação e adaptação pelos professores, conforme proposto por Lopes e Macedo (2015), alinha-se à visão pós-moderna de Foucault (2009), enfatizando a importância de os educadores serem agentes ativos na construção do conhecimento. Essa convergência destaca a necessidade de uma formação que capacite os professores a questionarem, resistirem e transformarem, contribuindo para uma educação mais justa e emancipatória.

Em última análise, a promoção de aprendizagem transformadora e a contribuição para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa são objetivos alcançáveis por meio da integração reflexiva entre currículo e prática docente. O reconhecimento da influência mútua entre esses elementos destaca a importância de um enfoque crítico e contextualizado na educação, capacitando os professores a desempenhar um papel essencial na formação de cidadãos críticos, reflexivos e conscientes.

REFERÊNCIAS

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SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2023.


9Ball (2012) ressalta a presença de quatro contextos que exercem influência na construção do currículo. O primeiro, o Contexto de Influência, abrange fatores políticos, econômicos e sociais que impactam o cenário educacional, contribuindo para a formação das diretrizes curriculares. No segundo, o Contexto de Produção de Texto, encontram-se os processos e as pessoas responsáveis pela elaboração do currículo, destacando a relevância de diferentes agentes nesse processo criativo. O terceiro contexto, o da Prática, abarca as ações e interações ocorridas no ambiente da sala de aula, representando a implementação prática do currículo. Por fim, o Contexto de Recepção engloba as interpretações e apropriações realizadas pelos alunos em relação ao currículo, evidenciando como essas direções são recebidas e internalizadas pelos estudantes.


1Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Ceará
2Mestranda em Ensino pela Pós Ensino da UERNE.
3Mestre em Matemática pela Universidade Federal do Semiárido
4Mestre em Ensino de Biologia pela Universidade Estadual do Ceará
5Especialista Coordenação e Gestão Escolar pela Universidade Estadual do Ceará
6Mestre no Ensino de Matemática Universidade Federal do Semiárido
7Mestra pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
8Especialista em Gestão Escolar pela UDESC