REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.6725861
Autor:
Edison Lima Da Silva1
RESUMO
O presente artigo visa discorrer sobre a violência contra a mulher, inclusive sob a ótica criminal, com abordagens humanistas e tipificadas dentro da legislação. Baseado na Lei Maria da Penha, em súmulas recorrentes ao tema, sob a luz constitucional. O recorte temático abordado está voltado para o aspecto psicológico das ações, tipificadamente criminalizadas, que afetem a qualidade de vida da mulher. É presente uma revisão bibliográfica sobre o tema. Aprofunda-se sobre a relevante discussão aqui desenvolvida. Sendo essa, de importância social imprescindível. Nesse sentido, uma lógica ética e moral deverá guiar as bases norteadoras dos princípios que anseiem proteger a figura da mulher em determinados relacionamentos ou fora desses.
Palavras-chave: Mulher. Psicológica. Violência.
ABSTRACT
This article aims to discuss violence against women, including from a criminal perspective, with humanistic approaches and typified within the legislation. Based on the Maria da Penha Law, on recurring precedents on the subject, under the constitutional light. The thematic approach is focused on the psychological aspect of actions, typically criminalized, that affect women’s quality of life. A bibliographic review on the subject is present. It delves into the relevant discussion developed here. This being of essential social importance. In this sense, an ethical and moral logic should guide the guiding principles of the principles that aim to protect the figure of the woman in certain relationships or outside of them.
Keywords: Women. Psychological. Violence.
1. INTRODUÇÃO
A violência na realidade atual apresenta diversos aspectos pragmáticos e subjetivos. Nesse sentido, por um recorte temático – a agressão contra a mulher – esquematiza-se os fatos que constituem uma violência voltada para os seres que se consideram do gênero feminino.
Não existem discrepâncias social entre os casos de agressão às mulheres. Pois, é uma realidade que transcende o permeio social e econômico. E essa violação de humanidade, é subdividida sob o aspecto físico e psicológico, levando em consideração a provável intercessão desses dois aspectos em um caso comum.
Como a diferença socioeconômica entre as vítimas desse desrespeito praticamente não interfere nas possibilidades de sofrerem agressão, a variabilidade sobre o contexto de cada caso é imensurável. Medindo, assim, pouquíssimos padrões regulares.
Essas repetições mais comuns são exibidas nos meios televisivos, justamente o que comprova a importância de se discutir o assunto. Porque, além de se tratar de assuntos éticos e morais para a mulher, assume-se também nesse tipo de crime graves consequências para o estado, seja pela segurança ou pelo tratamento de saúde posterior aplicado à vítima.
Dessa forma, não apenas invalida-se, no ato agressivo, os principais direitos da mulher, como também afeta diretamente aspectos da saúde pública. Pois, julgada a paciente com necessidade de cuidados hospitalares passa a exercer uma maior pressão para a formação de novas políticas públicas que trabalhem na prevenção do problema, e não somente no seu tratamento posterior (SACRAMENTO; REZENDE, 2006) & (LIMA; BÜCHELE; CLÌMACO, 2008).
Sustenta-se a ideia de que os casos de agressão contra a mulher devem transcender a esfera privada. Conforme, nos indica a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAN) (2002) apresentando tal realidade anômica como uma espécie de endemia dentro da escala social de interação entre homens e mulheres. Nessa ótica, os impactos para as mulheres, posteriormente e durante o sofrimento da violência é desrespeitoso quanto ao sentimento de humanidade do ser, afetando negativa e diretamente a vida da mulher brasileira.
Mediante a realidade desgastante vivida por algumas mulheres, as principais sequelas não são vistas com muita clareza, conforme nos afirma Machado & Dezanoski (2014), que a agressão psicológica é o princípio de um conjunto de agressões físicas que estão por vir.
Assim, busca-se valorizar a importância do tema para a atualidade. A fim de reduzir a invisibilidade dos casos que arremetem violência psicológica. Nesse sentido, corrobora tal ação afirmativa, a lei n. 11.340/2006 – a Lei Maria da Penha – que busca ampliar o meio generalista aos casos específicos, estabelecendo um conjunto de medidas para reduzir em quantitativo os casos de agressão.
Entretanto, mesmo com a aplicação da lei os casos permanecem constantes. Pois, é existente um machismo estrutural que desencadeia movimentos e investidas de violência contra a mulher. Já que o embasamento está nessa anomia social, essa problemática social leva à permanência dos casos de opressão ao gênero feminino.
As ações contra o gênero feminino, como já foi dito, também é visto na escala subjetiva. Sendo essa, portanto, a mais escala mais desvalorizada e reconhecida, tendo em vista a sua invisibilidade a olho nu.
Até uma problemática, que pode ser apontada dentro do conjunto de leis que anseiam proteger a mulher, é o favorecimento de combates somente ao aspecto físico da agressão. Dessa forma, amplia-se ainda mais a impossibilidade de valorizar o combate à violência no aspecto psicológico.
Nesse aspecto, ampliar a visibilidade sobre o tema, com uma fundamentação jurídica pautado no social é interessante para permitir uma maior revisão sobre o tema.
2. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A sociedade desenvolveu-se distribuindo funções sociais aos seres sob o molde do machismo estrutural presente, tornando-se assim um meio para a dominância e controle das variáveis sociais. Nessa visão, é estabelecida que a ordem e a organização estão centradas no gênero masculino, responsáveis esses pelo cuidado e sustento de suas casas, usando assim dessa organização como um produto de seu poder (GUTMANN, 2014). Para o autor, o termo utilizado em sua pesquisa é “macho”, centrando-se no México, e busca entender o grau de disseminação desse pensamento na vida masculina dos mais jovens daquele número amostral:
Os jovens ficam remexendo num saco de restos identitários, tirando de lá tudo que conseguem apanhar como culturalmente distinto. Durante um minuto esses muchachos se identificam como machos que se divertem ao se vangloriar de controlar as mulheres e os homens moral e fisicamente mais fracos, claramente em sincronia com valores sociais mais amplos. (GUTMANN, 2014, p.84)
Em um contexto brasileiro, ideias e ideologias que estavam presentes nos ambientes sociais e conjugais ganhou força e se espalhou. A ideia dominadora do gênero que provia as regras e a organização, “disseminando entre os homens um sentimento de posse sobre o corpo feminino e atrelando a honra masculina ao comportamento das mulheres sob sua tutela” (LAGE; NADER, 2012).
A inferiorização da mulher dentro de meios sociais que garantem atualmente a dignidade – direito ao voto, atuação feminina na educação e no mercado de trabalho – é um produto direto do ideal de superioridade masculina, pautado unicamente no preconceito. Dessa forma, estando o gênero masculino como o líder central do lar, cuja responsabilidade é manter a ordem sob quase qualquer justificativa, participa e gerencia com mais empenho e facilidade a violência exercida contra a mulher. Reafirmada pela construção de um molde familiar que traduz uma função preestabelecida sob a linguagem machista para a mulher, a de companheira que preza pela fidelidade, obediência, e dedicação à maternidade e ao ambiente doméstico.
Pelo fato social, somos moldados mediante as instituições já criadas, com as regras preestabelecidas. Desse modo, os meninos são criados para serem os chefes de família. Os meninos moldam-se sob uma personalidade forte com comportamentos viris e de menosprezo a opinião feminina sobre aspectos basilares da família. Já a garota, se desenvolve com um plano de fundo da auto estética, desenvolvendo habilidades mais finas e de cuidado.
As crianças que aprendem com os pressupostos sociais anteriores serão os homens e mulheres do futuro. E o questionamento desses estamentos sociais é negativa para a sua manutenção. Diante desse sentido, a justificação, totalmente desumana, é que impedir que esses estamentos preestabelecidos se mantenham em um ambiente domiciliar será um “pré-requisito” para o uso da violência contra a mulher para a manutenção dessas funções sociais.
Dentro dos relacionamentos conjugais, no Brasil, tem-se uma cultura de não intervenção. Ignorar essa realidade na quais mulheres sofrem violência, é de certa forma um reflexo da naturalização encarnada que esse processo tem na cultura social. Pois, nesse sentido a violência contra a mulher somente pode ser combatida mediante uma coerente intervenção externa.
Vale lembrar também que essa ideologia de não intervenção não é uma característica unicamente masculina, aliás as mulheres também podem reproduzir preconceitos contra o próprio gênero, já que são, de certa forma, um produto do meio. Estando essas dentro do próprio sistema social que compartilham da mesma base de formação de cultura.
Atualmente, o movimento feminista tem buscado o fortalecimento das ações para o combate à violência contra a mulher. É importante ressaltar, que movimento sociais que levem isso em consideração, são revoluções que perceberam não somente o óbvio, mas também a violência psicológica e subjetiva, atrelada ao sofrimento constante da mulher. A quebra dessa cadeia de agressões deve ser feita. Pois os desdobramentos atingem direta e indiretamente todo o Brasil. O gênero feminino não deve ser menosprezado pela falsa idealização masculina, de posse desregrada e desumana.
3. VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA A MULHER
A etimologia da palavra violência vem do latim violentia, traduzida como aplicação de uma força contra outra qualquer coisa. Além disso, pode ser interpretada sob o plano de fundo da violação. Assim, ao aplicar força física, ou ações psicológicas danosas com a genuína intenção de maltratar ou intimidar configura-se como violência (Rodrigues, 2007 apud Psicologia social – Comportamentos Violentos, Violência Doméstica, 2012).
O tipo de violência, costuma variar. Entretanto o enfoque ofertado aqui se limita a violência psicológica contra a mulher. Observando os aspectos permeados constituídos pelo gênero.
A interação polar entre os gêneros voltada para a discussão pode incitar o uso da violência, pois olhando para a dualidade vítima e agressor e os seus desdobramentos, enxerga-se uma grotesca representação do machismo estrutural, o que quer impedir a transcendência da mulher de certos padrões sociais.
Um menino se constrói a partir das experiências sociais anteriores que teve, segundo a psicologia social, como é posicionado por Leyens (1994, apud Bandura, apud Psicologia social – Comportamentos Violentos, Violência Doméstica, 2012). Assim, a absorção das relações vistas dentro de casa, que reproduziam uma firme coerção aos direitos da mulher, tende a se repetir, conforme se fortalece tais preceitos, formando um adulto que é firme perante os aspectos basilares do machismo.
A análise dos casos de agressão, pode ser dividida sob duas óticas. A primeira leva em consideração os aspectos internos do ser agressor, que são características do próprio sujeito, sendo essas causas internas. Já a segunda visão é a que leva em consideração as características e moléstias externas ao ser, sendo essas impessoais, vistas como fatos sociais, que se sobrepõem ao ser. Exemplos sobre as causas internas variam entre anomalias do desequilíbrio psicológico, consumo de drogas, ou até mesmo despreparo emocional para lidar com determinadas situações. Já sobre os fatores externos, no caso exterior ao ser agressor, determinas condições econômicas, de educação e culturais favorecem à continuação do surgimento desses casos.
Outra ótica interessante para a investigação conceitual sobre a agressão contra o gênero feminino está centrada na sociologia. A observação sociológica permite analisar as cimas que diferem os diferentes papéis sociais dentro dos gêneros considerados, exatamente em um momento conflitante, em que um gênero violenta física ou psicologicamente o outro.
Nesse sentido, busca-se entender a violação como um produto das compreensões das posições de gênero dentro da sociedade. A consciência de gênero se constrói na medida que as experiências do ambiente social se desenrolam no ser. Pois, a direta e constante relação, em diferentes espaços, com os costumes familiares, culturais e políticos, irá constituir um produto que mais tarde será vinculado ao modo de viver do ser.
Dessa forma, é possível conceituar o que seria identidade, dentro do aspecto de gênero. Ou melhor o que seria a identidade de um homem, e a identidade de uma mulher, dentro de uma polaridade artificial produzida nessa análise, segundo Bourdieu:
O produto de um trabalho social de nominação e de inculcação ao término do qual uma identidade social instituída por uma dessas ‘linhas de demarcação mística’, conhecidas e reconhecidas por todos, que o mundo social desenha, inscreve-se em uma natureza biológica e se torna um habitus, lei social incorporada”. (BOURDIEU, 2003, p.64)
A diferença entre os gêneros, estabeleceu-se assim na sua gênese. Pois, justamente, a ideia de diferença entre homem e mulher, construiu na mentalidade social masculina uma desigualdade simbólica que justificava e permitia a dominação social dos homens. Além disso, também são notificadas as diferenças biológicas e fisiológicas entre os gêneros, que mais uma vez reforça a diferença simbólica de percepção de gênero.
Dessa maneira, constitui-se uma hierarquização dos gêneros dentro do contexto social, sendo esses produtos de um meio social constituído. E é nessa produção aliada à estamentos que a força social do masculino se sobrepõe ao feminino, sob a justificativa da superioridade (SANTOS, 2007).
Assim, um desdobramento social evidente, posicionado por essa teoria que vem sendo desenvolvida aqui no trabalho, é a caracterização do uso da violência como uma reafirmação dessa concepção estamental de gênero. Naturalizando-a, e considerando esse conjunto de atitudes violentas comuns ao funcionamento familiar entre essa polaridade.
Ainda trabalhando sobre a contribuição realizada por Bourdieu para essa ciência, apresenta-se o conceito e violência simbólica. De forma prática, essa violação acontece no momento da diminuição, realizada pelo grupo dominador, de determinadas crendices e regulamentos, valorizadas pelo grupo dominado. E mais uma vez ocorre uma naturalização, tanto por parte dos opressores, quanto pelos oprimidos. Nesse ponto, é possível tecer uma crítica ao grupo dominado. E Bourdieu apresenta tal problemática, pela limitação do grupo dominado de reconhecer imediatamente essa violação simbólica, sendo essa agressão o primeiro passo para as demais atitudes presentes no feminicídio.
A dominação simbólica aqui discutida não é somente a respeito das teorias de convívio social baseadas em algumas inferiorizações. Mas, trata-se também de coerção física, que historicamente foi naturalizada. E nesse aspecto, a sociedade como um todo, considera parcialmente que dentro de uma relação domiciliar entre marido e esposa são naturais agressões ou dominações coercitivas sobre a mulher. O apoio social a esse tipo de atitude, não se constrói pelo fato total de apoiar, porque raramente isso ocorre. Mas, pauta-se na não intervenção externa que o social não exerce para inibir esses tipos de caso dentro dos domicílios brasileiros. Esse social aqui tratado, sendo mais realista, são os vizinhos ou parentes da vítima, que sabem de seu sofrimento, e mesmo assim não tomam atitudes para impedir situações análogas.
A dominação por parte do homem, dentro de sua família, atualmente é um processo natural e inerente a essa instituição. Ou seja, a participação familiar do masculino dentro de casa pauta-se no gerenciamento do lar, pelo controle sobre sua esposa e filhas. E o uso de violência em determinados casos é aceitável socialmente, pois já foi naturalizado, para manter a coesão familiar.
Dentro do aspecto da violência provocada pela coerção. Temos os efeitos danosos ao psicológico da vítima. Pois tipificadamente como crime, temos as ações do agressor que causem perturbação ou atrapalhem o desenvolvimento do gênero feminino enquanto mulher. Um exemplo interessante que pode ser apresentado é a liberdade censurada de uma mulher trabalhar, sob o julgo forte de seu companheiro, que instituí limites e regras fora do ambiente doméstico. Essa limitação injustamente imposta pelo companheiro, configurada como danosa, poderá impor uma limitação ao desenvolvimento acadêmico ou profissional, afetando as condições de crescimento da independência feminina pela paranoia.
Pode-se ampliar o grau de coerção acometida pela vítima. Pois, esse domínio agressivo, por vezes ou completamente, impõe vontades sobre as decisões da parceira. O que destitui uma autoconfiança, reforçando uma insegurança. Medo esse que impede o crescimento e o aprendizado social.
São muitas as formas de coerção social aplicadas à mulher, cujo o agente é o parceiro. Podendo ser física ou emocional. Nesse sentido, pode-se falar sobre os casos de ameaça, que afetam diretamente questões psíquicas da vítima. Assim, constrói-se uma importante pontuação. A diferença, dentro do direito, do crime de perseguição e violência psicológica contra a mulher, sendo esses produzidos na ameaça. O crime de perseguição, cuja vítima seja uma mulher, e que ocorre justamente pelo fato da vítima ser uma mulher, tende a ser mais grave, pois a pena é maior. Entretanto, também é possível que haja o concurso do cometimento dos dois crimes em uma penalidade aplicada ao agressor. Assim, como também, pelo princípio da subsidiariedade, que a violência psicológica terá prioridade.
Outra ação agressiva de efeitos danosos à saúde psicológica da mulher, por que é uma situação degradante, é a desqualificação da mulher por suas atitudes inerentes ao gênero. Ou seja, humilhar ou posicionar termos pejorativos relativos à características físicas e intelectuais da mulher, não somente no isolamento de testemunhas, mas no meio público é uma fortíssima agressão psicológica à vítima. Em continuidade, é visível a ridicularização, como uma forma de escarnecer da mulher. Em um prazo maior, cuja agressão de tal exemplo tornou-se comum, o abalo psíquico será bem maior e profundo. Impondo, assim, dificuldades de tratar esses abalos, conforme o tempo passa e as agressões persistem.
Outra exemplificação de censura a liberdade da mulher, configurando-se como agressão psicológica de consequências graves, é a limitação do direito de ir e vir. Em situações mais graves a agressão poderá se configurar em crime cárcere privado. A proibição da mulher por seu companheiro de frequentar determinados lugares ou de sair desacompanhada de casa, por razões injustas ou mesmo não apoiadas pela vítima, apresentam sequelas bem mais graves. Aumenta-se assim o sofrimento da vítima, pela ausência de sua independência.
Desse modo, a violência psicológica apresenta-se como um tipo de agressão que afeta subjetivamente a qualidade de vida da mulher. E que essa produzirá sequelas em um longo prazo sobre a vida psicológica da vítima, afetando todo o seu desenvolvimento de vida.
4. ASPECTOS LEGAIS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A LEI MARIA DA PENHA
A participação de movimentos e grupos, como as feministas e poderes estatais de nível federativo, permitiu a elaboração e desenvolvimento da Lei Maria da Penha (FERNANDES, 2012). Desse modo, a evolução social da luta pelos direitos das mulheres, vem se fortalecendo. E os casos de violência, que antes eram banalizados, atualmente recebem maior atenção, justamente por causa dessas revoluções.
Posteriormente, visualizaram-se as modificações estatais nos mecanismos de segurança pública voltados para esses casos específicos de violência contra a mulher, como é o caso das delegacias de proteção à mulher (BARSTED, 2011). E levando em consideração a condição uniforme da realidade, quanto à violência, que desconsidera classe social ou étnica (TAVARES, 2000), a problemática foi considerada como uma anomalia presente dentro do aspecto da saúde pública.
A valorização das consequências físicas da vítima é fundamental para determinar o grau da desumanidade a que essa estava acometida. Nesse sentido, tal problemática deve ser vista como já dito, como um problema de saúde pública. Pois, as agressões produzem como resultado no aspecto físico lesões e hematomas, se não casos mais graves, que serão levados para os hospitais, sendo, portanto tratadas ali.
A importância dessa evidenciação é de tal modo importante, que o corpo de delito é realizado dentro de um ambiente hospitalar. E o corpo de delito é uma peça fundamental dentro do procedimento promovido contra o agressor. Além disso, existem custos inerentes ao tratamento. E com um sistema de saúde que falta corriqueiramente recursos, trabalhar para evitar um problema grave sobre a condição de vida das mulheres é um dos primeiros passos para reduzir a emergência e a necessidade desses casos, casos esses que passarão a não mais existir pela coerção da segurança.
A respectiva lei aqui tratada, a lei Maria da Penha, teve inspiração em um caso real. Um relato assustador de um caso de violência, que durante 20 anos foram seguidos e mantidos, culminando em duas tentativas de feminicídio, que causaram sequelas na vítima – Maria da Penha Maia Fernandes – deixando-a em uma cadeira de rodas (RODRIGUES, 2014).
Na Lei Maria da Penha não existe uma tipificação clara sobre a pontuação de crimes de violência psicológica sem sanção de punição, existindo somente condutas exemplificativas que atribuem suas consequências à esfera psicológica (MACHADO, 2013). Assim a conceituação do crime de violência psicológica não sendo claramente exposta dificulta a coerente intervenção por parte da lei. Levando em consideração as condutas que são levadas como agressões psíquicas. Ademais, as vítimas ficam englobadas somente no aspecto mais geral, que está dentro do Código Penal. Essas tipificações são: ameaça (art. 147), constrangimento ilegal (art. 146) e injúria (art. 140).
Considerando as ponderações anteriores, na Lei nº 11.340/2006, existe uma seção voltada para o contexto da violência psicológica. É o artigo 7°, inciso II. Considera-se, portanto, a violência psicológica como uma agressão subjetiva e que muitas vezes é mascarada pela afetividade e preocupação. Desse modo, a delimitação das circunstâncias é dificultada. Por conceito, delimita-se que quaisquer ações que produzam uma afetação negativa da qualidade de vida da mulher, no aspecto emocional ou psíquico, sejam consideradas violações psicológicas.
Nos casos de agressão subjetiva, a estabilidade emocional da vítima é afetada. Momentos os quais a autoconfiança, dessa, é reduzida, e nos casos mais graves as ameaças produzem uma afetação muito grave sobre a autoestima da mulher. Infelizmente, a permanência desse tipo de humilhação rompe com os preceitos fundamentais da dignidade da mulher, assim como também, um consistente colapso das partículas identitárias da vítima (HERMANN, 2022). E como já dito, a violência psicológica não é muito bem esclarecida na respectiva lei, porém essa tipificação “foi incluída no conceito de violência contra a mulher na Convenção Interamericana para a Prevenção, Punição e Erradicação da Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Belém do Pará” (DIAS, 2017, p. 78).
Dentro desse aspecto, a difícil percepção dessa moléstia, na escala subjetiva, é dificultada justamente pela sua facilidade de ocultação. Como não apresenta sintomas físicos a priori. E justamente demora um tempo para ser permanentemente instalada na vida da vítima. As mulheres que sofrem com determinadas situações do gênero, demoram a perceber, ou negam a crer que possam ser manipuladas de tal forma por seus parceiros. Uma das formas de observar casos velados de violência psicológica é a delimitação de ameaças. Nesse aspecto, existe uma mudança repentina no comportamento feminino, por se sentir assustada ou insegura, como um produto de ameaças e agressões verbais (SILVA; COELHO; CAPONI, 2017, p. 102).
Frente a isso, são imprescindíveis as entidades públicas especializadas em casos de violência contra a mulher. Porque a sua atuação conseguirá comprovar as agressões físicas e verbais com maior facilidade e abrangência, estando voltada unicamente para essa área especifica. É uma necessidade clara a coerente especialização por parte do agente da ponta da segurança pública, assim como também, do juiz, em tribunais especiais para esses contextos de violação, que podem trazer um maior esclarecimento quanto à punição e medidas de proteção à mulher (DAVID, 2020).
Mesmo com os avanços da Lei Maria da Penha, os casos de violência contra a mulher ocorrem com intensidade até os dias de hoje. Sendo a violência psicológica, em muitos casos, considerada a pior, pois a vítima cai em uma inércia, que a tornará mais vulnerável a diversos outras agressões (FIORELLI; MANGINI, 2020).
Justamente essa subjetividade das agressões psicológicas que dificulta a sua identificação, pois estará dissolvida dentro de outras atitudes que carreguem em seu plano de fundo uma tentativa de violentar. Nesse aspecto, apela-se para a vítima, no anseio de ferir sua segurança e bem estar psíquico. O agressor mantém assim sua vítima presa ao ciclo tóxico de opressão, sem permitir espaço para que essa identifique e questione tal realidade.
Com o passar dos anos, a Lei Maria da Penha precisou se adaptar aos diversos aspectos que a violência alcançou dentro dos lares brasileiros. Desse modo, a respectiva lei precisou ser modificada para cobrir o lado subjetivo da agressão contra a mulher. A Lei 13.772 de 2018 em seu artigo 7°, inciso II, inseriu na Lei n. 11.340/2006 uma conceituação da violência psicológica:
Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Nessa ótica, uma multidisciplinariedade é fundamental para trabalhar com o problema da violência psicológica contra a mulher. O recorte social para definir as condições mais propícias para essa triste realidade se diluem dentro de um fato social, o machismo estrutural.
5. DESDOBRAMENTOS DA PROTEÇÃO A MULHER DENTRO DA LEI MARIA DA PENHA
O entendimento da violência doméstica e familiar deve ser feita de forma metódica, considerando todo o sistema regulamentar de proteção à mulher, dando enfoque à Lei Maria da Penha. Essa lei traz, no artigo 5º, as características das circunstâncias que são consideradas violência doméstica e familiar, o que atrai a ocorrência dos seus regimentos:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de co. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Já a possibilidade de homicídio por razões atreladas ao gênero, ligam-se profundamente ao menosprezo/discriminação desconsiderando a dignidade da vítima enquanto mulher. Menosprezo tem como significado a desvalorização da qualidade, da importância e depreciação de um indivíduo. Esse ato relacionado a discriminação por sua condição de mulher é buscar diminuir o seu valor enquanto ser humano e depreciar tal condição.
Crimes como este não eram previstos na Lei Maria da Penha, a Lei n.º 11.340/2006 trouxe regras processuais para proteger vítimas de violência doméstica, mas sem tipificar novas condutas. Assim eles eram punidos como homicídios de forma genérica, ou ainda como homicídio por motivo torpe ou fútil. A Lei n.º 13.104/2015, trouxe mudanças, punindo mais gravemente como homicídio qualificado.
A Lei Maria da Penha é uma lei federal. Sendo essa considerada umas três principais de todo o mundo. Pois essa permitiu a descrição da tipificação legal de casos que envolvam violência doméstica, ao mesmo tempo em que determina os principais entes que exercerão as atividades diretas de coerção para ações de violência contra a mulher. Além disso, também permitiu a possibilidade de flagrante delito prosseguido de prisão caso a ofensa seja refletida no gênero feminino. E também permitiu que houvessem medidas aplicadas pelo juiz ao potencial agressor antes que as agressões de fato se consumam, trabalhando assim no lado preventivo da causa.
6. CONCLUSÃO
A presente discussão fundamenta-se no seu grau de importância e relevância social. Pois, a violência contra a figura feminina, por diversas razões, configura-se como um desrespeito à dignidade humana. Nesse aspecto, o ordenamento jurídico vem estabelecendo medidas coercitivas de direta ação que priorizem a redução dos níveis de agressão contra o gênero feminino.
Mesmo que sejam tratados com recorrências os termos voltados para enfatizar a violência psicológica, é evidente a dificuldade em combater os atos de agressão. Porque, muitos atos de agressão psicológica são velados e subjetivos, até mesmo naturalizados.
Nessa medida, precisa-se de mais profissionais especializados na área para a delimitação da execução da legislação que protege a mulher. Além disso, a ineficácia da atuação da lei, pauta-se na continuidade do sofrimento de diversas mulheres cidadãs. Sendo que o impacto disso é socialmente grande. Pois, afeta os mecanismos sociais de saúde públicos, e piora a qualidade de vida das mulheres brasileiras em geral. Privando-as das possibilidades justas de ascensão acadêmica e profissional.
A desigualdade entre gêneros é reforçada pela inferiorização estrutural do gênero feminino, reafirmado pelo aspecto das agressões dentro dos relacionamentos. Porque, já não se tinha igualdade anteriormente nas relações polares entre homem e mulher. E atualmente, essa desigualdade se mantem de formas distintas, sendo essas barreiras fortemente combatidas pelos movimentos feministas e sufragistas.
A importância da atuação social das ativistas que lutam pelos direitos das mulheres é incomensurável. A julgar pelo caso que levou a formatação da Lei Maria da Penha e de sua inspiração, nos faz pensar sobre a importante decisão de se posicionar contra todo e qualquer tipo de violência que as mulheres venham a sofrer sob a ideia de sua condição de gênero.
Por fim, garantir a constitucionalidade e execução das medidas coercitivas de impedir a violência psicológica em padrões efetivos é uma necessidade, é uma missão de humanidade. As barreiras não devem justificar a permanência do sofrimento das mulheres por questões de gênero.
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1Graduando em Direito pelo Centro Universitário Tocantinense Presidente Antônio Carlos.