O CRIME DE FEMINICÍDIO: UM ESTUDO ACERCA DOS ELEMENTOS QUALIFICADORES 

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11640977


Hilza Cardoso Silva1;
Orientador: Prof. Dário Amauri Lopes de Almeida.


RESUMO 

A pesquisa objetiva analisar o contexto da mulher em situação de perigo em razão da prática do crime de feminicídio e a vulnerabilidade que muitas vítimas se encontram, abrangendo os principais aspectos e divergências encontradas no mundo jurídico como problemática, busca-se responder as seguintes indagações: O que é o feminicídio? De que forma sua prática influencia no meio social? Qual a postura adotada pelos Tribunais diante da complexidade do assunto? Quais os entendimentos jurisprudenciais sobre o tema em questão? Desta feita utilizou-se como metodologia, as pesquisas bibliográficas necessárias, de modo a reunir artigos, livros, pesquisas e outros, com seus respectivos autores a fim de se debater sistematicamente sobre o tema. A abordagem do referido tema tem como justificativa o alto índice da taxa de mortalidade de mulheres vítimas do crime de feminicídio e a luta pelos direitos sociais através de movimentos feministas, muito se sabe que o combate contra toda e qualquer forma de violência de gênero contra a mulher tem sido objeto de diversas discussões por parte de advogados e especialistas no assunto. Contudo, o estudo do reconhecimento das mortes envolvendo preconceitos e discriminações quanto ao gênero feminino é um processo mais recente. No mês de Março do ano de 2015, o feminicídio foi reconhecido e devidamente tipificado como uma conduta contrária aos direitos da mulher pela Lei nº 13.104/2015, na qual o poder judiciário e as demais instituições reconheceram seu relevante impacto e sua consequente gravidade. Desta forma, verifica-se a necessidade de se estudar e contextualizar o tema, debatendo sobre as dificuldades enfrentadas pela doutrina e pelos entendimentos jurisprudenciais a fim de fomentar politicas publicas e mecanismos de proteção as mulheres. 

PALAVRAS-CHAVE: Feminicídio; Direitos da mulher; Código Penal; Violência de Gênero; sociedade. 

ABSTRACT: 

 The research aims to analyze the context of women in a situation of danger due to the practice of the crime of feminicide and the vulnerability that many victims find themselves, covering the main aspects and divergences found in the legal world as problematic, seeking to answer the following questions: What is feminicide? How does your practice influence the social environment? What is the stance adopted by the Courts in view of the complexity of the matter? What are the jurisprudential understandings on the topic in question? This time, the necessary bibliographical research was used as a methodology, in order to bring together articles, books, research and others, with their respective authors in order to systematically debate the topic. The approach to this topic is justified by the high mortality rate of women victims of the crime of feminicide and the fight for social rights through feminist movements, it is well known that the fight against any and all forms of gender-based violence against woman has been the subject of several discussions by lawyers and experts on the subject. However, the study of the recognition of deaths involving prejudice and discrimination regarding the female gender is a more recent process. In March 2015, femicide was recognized and duly classified as a conduct contrary to women’s rights by Law No. 13,104/2015, in which the judiciary and other institutions recognized its relevant impact and its consequent severity. In this way, there is a need to study and contextualize the topic, debating the difficulties faced by doctrine and jurisprudential understandings in order to promote public policies and mechanisms to protect women.   

KEYWORDS: Femicide; Women rights; Penal Code; Gender Violence; society.      

INTRODUÇÃO 

Em março de 2015, a atenção de cientistas jurídicos e advogados criminalistas passou a se debruçar sobre as questões afetas a violência contra a mulher. Até então, se observava o aumento drástico no índice de morte de mulheres no Brasil, e não bastando apenas a mera aplicação do crime de homicídio nas condutas tipificadas, era preciso ir mais além, sendo preciso criar uma qualificadora capaz de atender todos os anseios das lutas pelos movimentos de proteção à mulher. Este fato levou a criação da lei nº 13.104/15 surgindo o crime de feminicídio. Era relativamente lógico considerar que a prática desta conduta não se baseava apenas nas diferenças de gênero até então existentes, mas pela violação e restrição do uso dos direitos humanos e garantias fundamentais que lhe são inerentes. 

Segunda a Constituição, o direito a vida é um objeto jurídico do estudo do crime, onde, no feminicídio, assim como no crime de homicídio, o poder estatal confere uma resposta à violação do direito a vida de toda e qualquer pessoa mediante seu aparato penal, o próprio artigo 5º, em seu inciso XXXVIII da constituição mostra que no caso de prática de crimes dolosos contra a vida, a competência para julgamento é atribuída ao Tribunal do Júri, cujos veredictos são soberanos para a decisão da causa. Com essa resposta, ele cumpre com a finalidade de punir o agente que tirar a vida de outrem com a restrição de sua liberdade. Sobre essa consideração, o homicídio e feminicídio possuem distinções que variam desde seu objeto material até os sujeitos passivos da relação. 

A agressão possui diversas origens que remontam desde a discriminação, como a exclusão e a exploração dos homens sobre as mulheres. A normalização da violência é um dos motivos preocupantes no estudo deste artigo, pois uma vez não remediada, e não havendo a repressão e proteção contra as práticas apresentadas, muitas mulheres podem se tornar vítimas do feminícidio. 

Portanto, muito além de compreender os aspectos que envolvem o homicídio em si, é preciso entender a natureza do feminicídio como qualificadora e seus elementos que determinam sua aplicabilidade. 

1 – A VIOLENCIA CONTRA A MULHER: 

O crime de feminicídio é uma modalidade conferida pela legislação penal para qualificar o crime de homicídio, onde se debruçam o estudo sobre situações que envolvam o prática delituosa contra a mulher. No código ela encontra previsão no artigo 121, §2º, VI.  

Para entender o feminicídio e suas manifestações é necessário compreender primeiramente o conceito de violência e a forma como ela é manifestada no seio da sociedade.  

A violência é um fenômeno que está incutido no seio da sociedade, sendo uma parte integrante de uma luta histórica que desencadeou o surgimento de direitos e leis de proteção. Seu conceito é variado, devido a diversas definições que lhe são conferidas, no entanto, para efeito prático e melhor entendimento da matéria, sua origem decorre do latim violentia, que define toda e qualquer pessoa que faz uso da força para atingir seu fim, além deste termo, temos também outro expressão similar oriunda do latim chamada violare, que significa “tratar alguém com violência” causando-lhe a desonra. No entendimento da cultura e conhecimento ocidental a definição do termo em estudo parte do período grego-romano que trazia o termo violência como sinônimo de transgressão, seja ela pelo uso da força ou potencia atribuída a uma pessoa sobre outra mais vulnerárel ou fraca. O próprio dicionário Michaelis apresenta seu conceito ao defini-lo como como uma atitude de crueldade, na qual se emprega mecanismos de violência através de repentina fúria (MICHAELIS, 2019). 

Portanto, dentre a diversidade de conceitos apresentados todas as definições não são capazes de apresentar o nível de densidade que de seu verdadeiro significado. 

Indo mais além, a OMS (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE), através do Relatório Mundial sobre violência e saúde traz em bojo a definição de violência como ação que resulta em danos, vejamos: 

A violência configura-se como uso intencional da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação. 

De acordo com a definição apresentada pela Organização, a violência não está atrelada apenas ao ato praticado, pois o que importa para sua configuração é a intenção do agente (OMS, 2022). 

Junto com esta definição, a OMS trouxe o conceito de “uso de poder” que está atrelada aos atos de omissão e negligência do sujeito, agora, a expressão “uso da força física” amplia seu significado ao entender que a violência pode ser vista não apenas pelo abuso físico, como também o psicológico e sexual. 

Com esses esclarecimentos a professora Marilene Chauí destaca que para entendermos a violência é preciso também saber sobre a “coisificação do outro”, que em termos mais claros designa a coisificação como um fenômeno onde o agente transforma uma pessoa em objeto, de modo a restringí-lo dos direitos que lhe é visto como essencial. Deste modo: 

Considerando que a humanidade dos humanos reside no fato de serem racionais, dotados de vontade livre, de capacidade para a comunicação e para a vida em sociedade, de capacidade para interagir com a Natureza e com o tempo, nossa cultura e sociedade nos definem como sujeitos do conhecimento e da ação, localizando a violência em tudo aquilo que reduz um sujeito à condição de objeto. Do ponto de vista ético, somos pessoas e não podemos ser tratados como coisas. Os valores éticos se oferecem, portanto, como expressão e garantia de nossa condição de sujeitos, proibindo moralmente o que nos transforme em coisa usada e manipulada por outros (CHAUÍ, 2008. P. 433). 

A ideia de coisificação apresentada é muito encontrada em situações que envolvam mulheres vítimas de violência sexual, onde muitas vezes o sujeito que figura na posição de pai, marido ou responsável abusa sexualmente da vítima sem o consentimento da mesma, de forma a violentá-la e até mesmo tirar-lhe sua vida. 

Na prática desta conduta, o agente faz uso da força contra a vítima e seu ato pode lhe conferir maior liberdade por muitas vezes considerar sua superioridade com relação a mulher. Essa especificidade faz com que o crime de feminicídio seja visto como uma situação específica que denota graves consequências para este grupo dotado de grande vulnerabilidade. Esse pensamento não retardou para que o Código penal reconhecesse o Feminicídio como qualificadora do crime de Homícidio.  

2 – A DESIGUALDADE DE GÊNERO 

A modernidade compreende a desigualdade de gênero em razão da predominância que existe, de forma enraizada, do homem sobre a mulher em sociedade, muito embora se discuta que sua definição tenha sido criada pelo homem, o fenômeno da desigualdade traz um retrato social da luta de muitas mulheres (vítimas) sujeitas à violência física e psicológica em detrimento de sua sujeição perante o homem. Esse fator muitas vezes influencia nas relações de afeto e social de submissão e controle. 

O gênero, em si, segundo Butler, representa o sistema de práticas, costumes e valores na qual a cultura designa entre ambos os sexos, no decorrer da história boa parte das famílias sempre estiveram sujeitas ao controle do Pater, ou seja, essa nomenclatura designava o chefe da família, muitas vezes (ou sempre) exercida pelo homem, a quem detinha o papel de administrar, gerir e prover sustento dos demais integrantes, e nesse contexto, a mulher figurava em segundo plano, pois além de esposa, detinha para si a responsabilidade de administrar o seu lar, atribuindo para si as atividades domésticas, além de cuidar de seus filhos na ausência do marido, (BUTLER, 2023. P. 56). 

Desta forma, a partir das concepções históricas apresentadas, o gênero representa uma “construção social” pautada em critérios biológicos e sexuais, sendo, portanto uma forma de justificar a construção de uma identidade subjetiva com bas nas mais diversas culturas existentes que envolvem homens e mulheres (MASSON, 2015. P. 114). 

Aproveitando esses entendimentos, Jean Jacques Rousseau afirma que:  

A desigualdade se divide em dois tipos quais sejam: A natural sucedendo da ordem da biológica do ser, como por exemplo, a diferença de cor, força e outras da espécie humana. E a desigualdade moral que é um resultado da relação intersocial entre homens que pertencem a divergentes níveis de uma sociedade (ROUSSEAU, 1999. P. 39).  

Com base nesse posicionamento apresentado, duas vertentes podem ser levantadas acerca da desigualdade. A primeira delas diz respeito a “desigualdade natural” que decorre características atinentes a ser humano enquanto espécie. Já a segunda remete a “desigualdade social” que é desenvolvido através dos laços de convivência e afeto construídos no seio da sociedade.  

Embora não haja um conceito que abranja um significado universal e facilmente aceito por todos acerca do que seria gênero, nada impediria que seu conceito fosse simplificado por muitos como a mera distinção de papéis atribuídos a homens e mulheres, essa ideia mostra que o seu conceito vai muito mais além do critério biológico, a desigualdade vem apresentando nos últimos anos a supremacia do sexo masculino muitas vezes imposta as pessoas do sexo feminino. Isto posto, esse ideal de controle por parte do homem sujeita à condição da mulher como sua subordinada mostra claramente para todos onde muitas dessas relações querem chegar (SAFFIOTI, 2021. P.79). 

3 – ENTENDIMENTOS BREVES SOBRE O HOMICÍDIO 

 Primeiramente, antes de falarmos sobre o Feminicídio, é preciso abordar algumas informações acerca do Crime de Homícidio previsto no artigo 121 do Código Penal. 

O homicídio é considerado toda e qualquer forma de eliminação da vida de uma pessoa provocada por ato (ação ou omissão) de outra. Tem por ação nuclear o verbo do tipo “matar”, que significa destruir ou eliminar, no caso a vida humana, utilizando-se de qualquer meio capaz de realizar a sua execução. É um crime comum, pois o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não exigindo a Lei, nenhum requisito especial para a sua realização, sendo excluídos aqueles que atentam contra a própria vida, já que o suicídio, por si mesmo, é considerado um fato atípico.  

A lei admite a coautoria ou participação, seja ela por ação ou omissão. O Sujeito passivo do crime de homicídio é “alguém”, ou seja, qualquer pessoa, independentemente de idade, sexo, condição social e outros, sendo o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado.  

O homicídio, na lei brasileira está inserido no Título Dos Crimes Contra a Pessoa, em seu Capítulo I, dos crimes contra a Vida, e constitui o tipo legal fundamental previsto e punido, nos termos dos artigos 121 ao 128 do Código Penal. 

A Lei distingue diferentes tipos de modalidades, temos: o homicídio simples (artigo 121, caput), o privilegiado (§ 1°), o qualificado (§ 2°) e o culposo (§ 3°). 

Ressalta-se que só os crimes dolosos contra a vida, na sua forma consumada ou tentada, são julgados pelo Tribunal do Júri, já os crimes contra a vida, em sua modalidade culposa é de competência do juiz da vara criminal. 

3.1 O homicídio qualificado 

Segundo o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40), o homicídio qualificado é aquele cometido em circunstâncias que tornam o crime mais grave do que é apresentado, nesta situação, o simples ato de tirar a vida não é o suficiente, pois existem situações específicas que uma vez identificadas irão agravar a pena do agente infrator. 

São dois, basicamente, os motivos que qualificam o crime de homicídio: o primeiro deles é o motivo fútil e o segundo é o motivo torpe: 

O motivo fútil pode ser visto como a conduta que se apresenta, como antecedente psicológico, desproporcionado com a gravidade da reação homicida, tendose em vista a sensibilidade moral média;  

Por outro lado, o motivo torpe é compreendido como o ato de ofender gravemente a moralidade média ou os princípios éticos dominantes em determinado meio social. 

3.2 O crime de feminicídio: 

Em geral, quando a mídia e os veículos comunicação fala sobre o feminicídio, estamos falando não apenas somente da morte de uma mulher, mas sim, da morte de pessoa pelo fato ser alguém do sexo feminino, essa discriminação contra a mulher em si é o que configura o feminicídio, embora essa definição não seja a única que pode ser atribuída a este crime, ela é vista pela doutrina e pelo entendimento de especialistas como a melhor forma de se apresentar o que é o feminícidio. Esta vertente é específica por duas razões, a primeira porque nomeia como feminicídio em si apenas o assassinato de uma mulher e não um conjunto de mortes violentas; e a segunda, porque dentro dos assassinatos de inúmeras mulheres, se reconhece que nem todos são vistos como feminicídios (GRECO, 2011. P. 172). 

Um dos elementos que chamam a atenção no caso que envolvem os crimes contra as mulheres é o caráter desigual deste fenômeno, pois se pararmos para avaliar as condições e as circunstancias em que um crime é praticado, sempre se pode observar que uma mulher é morta em detrimento de preconceitos, de injustiças, e por parte de omissões de familiares e amigos que presenciam tais circunstancias e que muitas vezes se omitem. Diferentemente do homem, pois embora a taxa de mortalidade apresente uma taxa de incidência de mortes por parte de pessoas do sexo masculino, boa parte delas envolvendo casos de homicídio não retratam a homem do homem por preconceito em razão de seu gênero (FARGANIS, 1997, p.48). 

Além do caráter desproporcional apresentado, o que chama atenção no feminicídio é o seu contexto de produção, ou seja, conhecer as circunstâncias nas quais o crime foi produzido. Hoje em dia, grande parte das causas decorrem de relações íntimas com homens com quem mantiveram alguma relação afetiva e/ou sexual, vínculo este que muitas vezes a vítima tentava romper devido o convívio diário extrema violência e desrespeito pelo seu agressor (GOMES, 2020, p. 15). 

Diversos são os outros contextos em que se figura o feminicídio, além da vivenciada em âmbito familiar e doméstico, temos também nas situações que envolvem a exploração sexual e tráfico de drogas, ainda que seja difícil e árdua a tarefa da identificação da violência de gênero como propulsora do crime no meio social, em geral, a forma como é praticado, bem como a pós-vitimização produzida sempre apresentam sinais ou marcas envolvendo tortura e violência sexual, mutilação nos órgãos genitais e a destruição do que simboliza a feminilidade da vítima, essas observações são mais do que suficientes para identificar as causas de sexismo, machismo e misoginia em grande parte dos casos (FROTA, 2016, p. 25). 

Neste sentido, compreender os elementos do feminicídio é tarefa fundamental na análise do fenômeno, considerando seus múltiplos contextos de ocorrência.  

Diante do exposto, Meneghel afirma: 

É evidente que somente uma caracterização precisa do modus operandi, presente em cada tipo particular de crime, e a elaboração de uma tipologia (o mais precisa possível) das diversas modalidades de assassinato de mulheres permitiria chegar à resolução dos casos, à identificação dos agressores e ao tão anelado fim da impunidade. Por isso, esta diferenciação dos casos se torna um imperativo (MENEGHEL, 2023, p. 33). 

Existem distintas maneiras para analisar os feminicídios, definidos a partir dos assassinatos de mulheres. Uma classificação inicial, bastante utilizada, indicava apenas três tipos de feminicídio: o íntimo, não íntimo e por conexão (MOTA, 2020, p. 08). 

O feminicídio em sua natureza íntima está relacionado a questões que envolvem vínculos de afeto (marido, amigo) ou sanguíneo (pai, avô) entre o agente e a vítima. Já o feminicídio por conexão está relacionado ao contexto não a vitima é morta por interferir em uma situação em que supostamente o agente agrediria outra mulher. Por fim, a terceira modalidade é o feminicídio não íntimo, na qual não há qualquer vínculo entre as partes, mesmo embora venha a se caracterizar como um crime por se configurar como feminicídio (ROMERO, 2023. P. 2373-400).  

Posteriormente, alguns criminalistas construíram a noção dos chamados “cenários de feminicídio” definindo-o como os contextos socioeconomicos, políticos e culturais nos quais se produzem ou propiciam relações de poder entre homens e mulheres particularmente desiguais e que geram dinâmicas de controle, violência contra as mulheres e outras séries de crimes que adotam ou incluem características próprias. (GOMES, 2020. p. 17). 

Dando prosseguimento ao estudo do feminicídio, os sujeitos da relação serão devidamente apresentados:      

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (trata-se de crime comum). O sujeito ativo do feminicídio normalmente é um homem, mas nada impede que a conduta venha a ser praticada por outra mulher. Nesse sentido, aliás, decidiu o TJ/MG em aplicar a Lei Maria da Penha não apenas para a mulher, como também transexuais e travestis ampliando sua proteção: 

“Para a configuração da violência doméstica não é necessário que as partes sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido casados, já que a união estável também se encontra sob o manto protetivo da lei. Admite-se que o sujeito ativo seja tanto homem quanto mulher, bastando a existência de relação familiar ou de afetividade, não importando o gênero do agressor, já que a norma visa tão somente à repressão e prevenção da violência doméstica contra a mulher. Quanto ao sujeito passivo abarcado pela lei, exige-se uma qualidade especial: ser mulher, compreendidas como tal as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. Ademais, não só as esposas, companheiras, namoradas ou amantes estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica como sujeitos passivos. Também as filhas e netas do agressor como sua mãe, sogra, avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar com ele podem integrar o polo passivo da ação delituosa” (TJMG, HC 1.0000.09.5131199/000, j.24.02.2010, rel. Júlio Cezar Gutierrez). 

A rede de expansão quanto a proteção desses direitos se faz necessária em razão das diversas formas de interpretação e aplicação desta qualificadora. 

O sujeito passivo da relação necessariamente deve ser uma pessoa do sexo feminino (criança, adulta, idosa, desde que seja do sexo feminino). Explica-se que Mulher que mata sua companheira em relação homoafetiva pode também se aplicar a causa de feminicídio se o crime foi por razões da condição de sexo feminino. Para o Homem que mata seu companheiro homoafetivo, diferentemente, não haverá a incidência de feminicídio, pois como já mencionado. a vítima deve ser do sexo feminino. Esse fato continua sendo configurado como homicídio (MASSON, 2015. P. 82). 

4 – A QUALIFICADORA DO CRIME DE FEMINICÍDIO     

 Em março de 2015, o feminicídio foi tipificado como conduta criminosa pela Lei n°13.104/2015, em que o Estado reconhece o impacto e a gravidade que causa para a sociedade de forma que se a pessoa, a partir desta data, praticou o crime de homicídio contra mulher por razões da condição de sexo feminino responderá por feminicídio, ou seja, homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2º, VI, do CP (MASSON, 2015. P. 47). 

A referida lei pune mais gravemente aquele que mata mulher por “razões da condição de sexo feminino” (por razões de gênero), ou seja, não basta a vítima ser mulher. O rol de qualificadoras do feminicídio encontra-se previsto no inciso VI, § 2º do art. 121 do CP. Vejamos:     

§ 2º Se o homicídio é cometido: (…)  

Feminicídio  

VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: Pena – reclusão, de doze a trinta anos.  

§ 2o – A Considera- se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (In- cluído pela Lei nº 13.104, de 2015) 

I – violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015) 
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (BRASIL, 1940).       

Quando a prática do crime é considerada “por razões da condição de sexo feminino”. Conforme citado, o §2º- A, incisos I e II, do artigo 121, caracteriza a ocorrência do tipo penal quando o crime envolve violência doméstica e familiar (I), ou ainda, em detrimento do menosprezo ou discriminação à condição de mulher (II). 

No âmbito de violência doméstica e familiar, como o próprio nome já sugere, a vítima encontra-se dentro do seu lar, ou em ambiente na qual possua convívio permanente de pessoas. Vale lembrar que nesta categoria, não necessariamente o agressor deve ser parente da vítima, pois a aplicação do feminicídio nesta modalidade também envolve agentes ligados por vínculos não sanguíneos e sujeitos que possam estar esporadicamente agregadas (MATOS, M.; PARADIS, 2016. P. 57-59). 

Com relação a categoria que envolve o menosprezo ou discriminação pela condição da vitima ser mulher, neste último caso muito se analisa os motivos do agente, dado então a qualificadora subjetiva, pois além de reconhecer o feminicídio nesta situação, é preciso entender as condições e as circunstancias que o levaram a prática do ato (MATOS, M.; PARADIS, 2016. P. 57-59). 

A qualificadora do feminicídio assenta-se em circunstâncias que, para ser bem compreendidas, devem ser conjugadas com o artigo 7º da lei 11.340/2006 que enumera as hipóteses e formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Vejamos: 

Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;  
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) 
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; 
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria (BRASIL, 2006).         

Tanto é assim que a situação descrita no inciso II do § 2º-A acima citado é aplicável em assassinatos entre pessoas desconhecidas entre si, isto é, sem qualquer relação interpessoal, diferentemente da hipótese do inciso I do § 2º-A, que cuida dos casos em que autor e vítima têm ou mantiveram alguma relação de proximidade, conforme hipóteses do art. 5º, I, II e III, da referida lei. 

Perceba claramente que o artigo 7º da referida lei mostra que a violência vai muito além do castigo físico, podendo se manifestar de outras formas que venha a prejudicar a vítima, podendo agravar a sua situação. A violência emocional é uma das modalidades que mais ocorrem nessas práticas, tendo em vista que antes mesmo do agressor consumar o ato, ele costuma insultá-la, provocá-la, de maneira a diminuir-lhe o seu valor, essa agressão mesmo que não leve a consumação do ato de retirar-lhe a vida causa profundos danos que muitas vezes se tornam irreversíveis (TELES, 2018. P. 02). 

Além disso, o artigo 5º da Lei complementar nº 150 de 2015 também trás as hipóteses de configuração de violência doméstica contra a mulher, vejamos: 

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015) 

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; 
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; 
III- em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. 
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. 

Essas hipóteses representam claramente a divisão acerca da classificação do feminicídio acima mostradas. 

O devido cuidado com a apresentação das modalidades da referida qualificadora servem com o propósito de nortear e facilitar a aplicação das leis, bem como o reconhecimento da prática de feminicídio, mediante a exposição das situações apresentadas. 

CONCLUSÃO 

A analise feita com relação a violência de gênero e ao estudo do crime de feminicídio em suas mais diversas formas de manifestação levam-nos a encerrar essa avaliação da proteção aos direitos da mulher com uma questão que inevitavelmente se coloca acerca das seguintes dimensões: a violência contra a mulher; a desigualdade de gênero; entendimentos acerca do crime de feminicídio; o homicídio qualificado; o crime de feminicídio e a qualificadora do crime de feminicídio. 

Em suma, a luta pelos direitos da mulher no Brasil foram essenciais para a implementação de politicas públicas capazes de direcionar os olhares para as condições de inúmeras mulheres vítimas de violência, muitas vezes dentro de suas casas, em seus trabalhos, e até mesmo nas ruas.  

O feminicídio surgiu para combater toda de opressão sofrida pela vítima em razão do seu agressor, e como formas de aplicação, o código penal trouxe ferramentas capazes de mostrar em quais casos poderiam ser aplicada a qualificadora.  

Desta forma, pode-se concluir que sua aplicação está relacionada a critérios subjetivos do agente, levando ao entendimento dos motivos que o levaram a pratica do ato, logo, não poderíamos considerar essa qualificadora de forma objetiva, pois não está atrelada com o meio ou o modo de sua execução. 

Sendo assim, o contexto que envolve o feminídio deve atentar-se aos estudos que levaram o agente a prática deste, necessitando de uma avaliação de corpo multidisciplinar e de especialistas como psicólogos para avaliar a circunstancia do caso e aplicar a referida penalidade. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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1Hilza Cardoso Silva, Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.