O EXEMPLO DO RACISMO INSTITUCIONAL DAS POLÍCIAS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7274717
Guilherme Alves Milhomem
RESUMO
Com o tema do racismo, esse estudo delimita-se a pensar o racismo estrutural brasileiro e suas manifestações institucionais. Como problema de pesquisa tem-se a seguinte questão: o que é o racismo institucional e como ele se manifesta na prática? Essa questão liga-se a hipótese de que o racismo ainda é uma realidade no Brasil, inclusive dentro de instituições públicas como as polícias. Como objetivo geral buscou-se compreender o que é racismo estrutural e citar exemplos práticos. Já como objetivos específicos buscou-se: descrever o que é racismo, seu conceito, história e legislações de combate no Brasil; descrever o que é racismo estrutural e institucional; compreender como se manifesta o racismo institucional das polícias no Brasil. Esse tema justifica-se pelo fato de que os Estados Democráticos de Direitos, como o Brasil, não podem permitir a presença do racismo em nenhuma de suas esferas, ainda mais advindo de forças estatais, como as polícias. Por fim, como metodologia, esse estudo vale-se de uma revisão bibliográfica em livros físicos e estudos digitais dos últimos 20 anos escritos em língua portuguesa.
Palavras-chave: Racismo. Racismo Estrutural. Racismo Institucional. Racismo nas Polícias.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem como tema a questão do racismo, delimitando-se a analisar o racismo estrutural brasileiro e suas manifestações institucionais. Diante disso, procura responder ao seguinte problema de pesquisa: o que é o racismo institucional e como ele se manifesta na prática?
Essa questão se baseia na hipótese de que o racismo ainda é uma realidade no Brasil, mesmo que no âmbito legal haja uma série de legislações que visam coibir esse mal. O racismo, na prática, não é uma manifestação apenas de pessoas civis que cometem crimes físicos e morais contra negros, mas é também uma prática institucionalizada em algumas organizações estatais, como as polícias.
Assim, como objetivo geral busca-se: compreender o que é racismo estrutural e citar exemplos práticos. Um objetivo que se desdobra em outros três objetivos específicos, a saber: descrever o que é racismo, seu conceito, história e legislações de combate no Brasil; dialogar sobre o que é racismo estrutural e institucional; compreender como se manifesta o racismo institucional das polícias no Brasil.
Um estudo que se justifica pelo fato de que um Estado Democrático de Direito, como o Brasil, não pode permitir a presença do racismo em nenhuma de suas esferas, ainda mais advindo de forças estatais, como as polícias. Assim, não é possível permitir que negros sejam mais abordados pela polícia do que brancos, que essas abordagens sejam mais violentas e muito menos que o número de negros mortos pelas polícias seja muito maior do que o de brancos.
Como metodologia, esse estudo utiliza o modelo de revisão bibliográfica, utilizando livros e estudos acadêmicos das áreas de História, Sociologia, Direito e Segurança Pública, a partir de livros físicos e estudos digirais. A partir de um estudo dedutivo e qualitativo. Como termos de pesquisa foram usados: “A História do Racismo”; “A História do Racismo no Brasil”, “Racismo Estrutural”; “Racismo Institucional” e “Racismo nas Polícias”. Foram aceitos apenas trabalhos publicados em língua portuguesa nos últimos 20 anos.
2. HISTÓRICO DO RACISMO E SUAS MANIFESTAÇÕES SOCIAIS
Para compreender o que é o racismo, e onde ele surgiu, faz-se necessário uma retrospectiva, mais precisamente no século XVI, onde ocorriam as expansões mercantilistas e a “descoberta” do novo mundo, pois, segundo Almeida (2019), o racismo surgiu a partir dos fatos supramencionados, mas não apenas com isso. Para o autor, o racismo surge efetivamente de uma filosofia que pregava que o homem europeu da época era superior a quem não pertencesse ao velho continente.
Ou seja, o racismo, mais do que um momento histórico ou político-social, é uma construção filosófica que sustenta atos de desumanidade contra populações não europeias (brancas). Uma filosofia que entendia os europeus como sendo mais evoluídos do que o resto do mundo conhecido na época, movimento que ficou conhecido como eurocentrismo (ALMEIDA, 2019).
Seguindo a linha do tempo, no século VXIII inicia-se o Iluminismo, onde a sociedade começa a pensar o homem em termos biológicos, econômicos, psicológicos e linguísticos, fatores estes que, aliados à filosofia eurocêntrica e racista, são usados para justificar a exploração dos povos, o racismo e a segregação, a partir de uma distinção entre o homem “civilizado” e o “selvagem”. Algo que mesmo que superado em termos legais, segue até os dias de hoje em termos sociais e culturais (ALMEIDA, 2019).
Segundo Souza (2021), o homem europeu daquela época criou a nossa cultura e, portanto, criou o modelo de homem universal, enxergando todos os demais povos e culturas como raças menos evoluídas, e destinadas a terem menos direitos. Esse homem europeu, com seu ego inflado e com ar de superioridade, começa com o processo de colonização tendo a falsa finalidade de apresentar a modernidade aos que eram colonizados, os que eram vistos como “selvagens”. Em um processo que se espalhou pelo mundo, manifestando-se em atos sanguinários e repugnantes, como a escravidão.
Assim, o racismo surge nesse período do início das navegações e colonizações europeias, porque ele nasce do contraste entre os diferentes povos. Onde os povos europeus viam-se como superiores aos demais, especialmente os negros, assumindo uma suposta superioridade de sua raça, cultura e religião, e, com isso, iniciando um processo de submissão e exploração desses povos (SOUZA, 2021).
Para Arandas (2010), essa da visão racismo iniciante pautava-se na ideia de que não apenas os negros eram pessoas inferiores, mas ainda pior, de que eles nem eram serem humanos:
Durante certo tempo o Brasil importou algumas teorias e hábitos do velho mundo. Já se acreditou que os negros não eram seres humanos, não possuíam alma, eram raças inferiores, entre tantas outras teorias depreciativas. Durante o período escravocrata, os negros eram bens, meios de produção, subjugados pelos senhores de escravos, e essa era a visão compartilhada por boa parte do mundo ocidental (ARANDAS, 2010, p.12).
Nascimento (2016) é outro autor que narra a História do racismo no Brasil, afirmando que por aqui ele surge basicamente no mesmo período em que surge no mundo todo, uma vez que o país estava na rota dessas primeiras colonizações. No entanto com o diferencial de que aqui o racismo durou muito mais, seguindo oficialmente até o século XIX, quando finalmente foi abolida a escravidão. Sendo um dos últimos países a realizarem esse ato de justiça.
Além disso, Nascimento (2016) lembra que o racismo, em verdade, permanece velado até os dias de hoje, com muito ainda precisando ser feito neste sentido para que a igualdade legal do Estado Democrático de Direito contemporâneo seja aplicada na prática, pois não bastam leis que mostrem a igualdade de todas as pessoas, é preciso criarem-se dispositivos legais e sociais para acabar com a cultura estrutural do racismo na sociedade.
A escravidão, forma estatal de racismo, durou três séculos, tendo o seu “fim” devido à revolta dos negros, além de interesses econômicos em amplitude internacional. Porém, devido à falta de indenização ou reparo histórico, vemos que após a abolição da escravatura essas pessoas foram deixadas à própria sorte, criando um ponto de grande desigualdade nas estruturas da sociedade brasileira (NASCIMENTO, 2016).
Após o fim da escravidão, e sem qualquer trabalho do Estado brasileiro para reparar os danos à essas pessoas, os negros se viram obrigados a continuar trabalhando de forma pesada, insalubre e injusta nos mesmos locais onde antes atuavam como escravos. Ou seja, eles tornaram-se legalmente livres, mas não economicamente ou socialmente (NASCIMENTO, 2016).
Isso, de acordo com Freitas (2020), gerou uma herança racista em nossa sociedade contemporânea, estando presente em todas as áreas, tendo em vista que é cristalina a transmissão coletiva dos pensamentos e atitudes do passado aos dias de hoje. Algo que está presente mesmo dentro das instituições, públicas e privadas, permeando relações sociais e econômicas, por ser algo que está em nossa cultura, sendo um racismo estrutural. Algo profundo e de difícil solução.
2.1 Conceito de racismo estrutural e seu contexto no Brasil
Ainda segundo Almeida (2019), o racismo estrutural deriva principalmente de uma cultura racista que se fundamente na noção de superioridade das raças. Algo que está ligado a filosofias biológicas e culturais do passado. Desse modo, racismo é a discriminação baseada nas diferenças de raça, levando a manifestações de violência física, verbal, moral ou psicológica.
Com base no parágrafo anterior, e de acordo com Soares (2005), o racismo estrutural seria uma consequência do próprio alicerce da sociedade, onde é normalizado a superioridade dos brancos sobre os negros, em diversos setores de relação humana do dia-a-dia, nos âmbitos econômico, jurídico e familiar. O que independe de leis que visem combater esse mal, pois ele está além da esfera legal, sendo algo do campo simbólico, cultural e social.
Santos (2005) diz que essa dificuldade pode ser observada pelo fato de que mesmo com leis que criminalizam o racismo, ele segue ocorrendo. Isso mostra a necessidade de que a luta antirracista ocorra não apenas em nível legal, mas em nível social, ampliando cada vez mais essa discussão na sociedade, para que, aos poucos, ele vá deixando de ser normalizado na mente das pessoas.
Ainda de acordo com Santos (2021), em sua tese “Racismo Institucional e Relações de Trabalho no Brasil”, o racismo será sempre estrutural, surgindo a partir de tradições consolidadas, como àquela da época da escravatura. Ou seja, ela deriva de um não enfrentamento do Estado brasileiro, e de sua população, das atrocidades do período da escravidão. Um período que acabou em termos históricos e legais, mas que permaneceu e permanece até os dias de hoje. Inclusive dentro do próprio estado e de suas instituições, como as polícias, no que é chamado de racismo institucional.
2.2 O que é o racismo institucional?
Sobre o racismo institucional, Tavares (2021) diz que ele é fruto de ações discriminatórias ocorridas dentro das instituições públicas ou privadas, ou ainda por agentes públicos no exercício de sua função, sendo uma prática culturalmente arraigada dentro dessas organizações. Algo tão embrenhado em suas estruturas, que, muitas vezes, não é sequer percebido por aqueles que a praticam, pois esses só reproduzem o comportamento padrão da sociedade aos negros no dia-a-dia.
Consequentemente, este tipo de discriminação institucional liga-se ao racismo estrutural (ainda que não sejam a mesma coisa). O racismo estrutural é aquele que se manifesta na cultura e na sociedade, inclusive dentro das instituições. Mas, dentro dessas instituições, ele pode assumir diversas formas e manifestações particulares. No entanto, todas elas são consequência direta do racismo, que é entendido como uma prática ideológica que busca a submissão de algumas raças por outras.
Racismo é entendido aqui como uma prática ideológica que estrutura, projeta e fomenta instituições, valores e atos, coletivos e individuais, públicos ou privados, de caráter explicitamente excludente e violento por parte de um grupo social-racial que se considerou superior, consolidando a posição inferior do negro perante o mundo e nos múltiplos aspectos que formaram diversas sociedades “irradiadas” por esse pensamento, construindo um contexto sociocultural, atemporal e aterritorial, cuja naturalização dessa posição inferiorizada, resultante das relações raciais, tornou-a quase que acrítica (GÓES, 2016, apud TAVARES, 2021, p.31).
Ou seja, o racismo da sociedade se manifesta de muitos modos e em todos os níveis, estando também dento das instituições, tanto públicas quanto privadas. Manifestam-se em conjunto com outras formas de desigualdade e preconceito, como é o caso do evidente machismo que também opera nas instituições, já que é mais difícil para uma mulher chegar a cargos de poder (TAVARES, 2021).
Junior e lima (2018) acreditam que o racismo institucional é resultado de um fracasso coletivo das instituições democráticas que deveriam promover um serviço profissional justo e igualitário. Esse termo, “racismo institucional”, foi utilizado pela primeira vez em 1967, pelos ativistas Stokely Carmichael e Charles Hamilton, integrantes do grupo Panteras Negras, para apontar o racismo estrutural de algumas organizações da sociedade, não somente da polícia.
A partir de então o termo começou a ser usado com mais frequência por estudiosos e ativistas, sendo utilizado mais fortemente em 1993, por instituições de combate ao racismo na Inglaterra, em particular na Comissão para Igualdade Racial do Reino Unido. Dessa forma, ficou claro que o racismo institucional se manifesta por meio de comportamentos, normas e práticas discriminatórias das organizações em seu dia a dia (JÚNIOR; LIMA, 2018).
O racismo institucional não se expressa em atos manifestos, explícitos ou declarados de discriminação, mas atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada, do ponto de vista racial, na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população (JUNIOR e LIMA, 2018, p.22).
Ainda de acordo com Junior e lima (2018), historicamente, a noção de raça tem sido usada para manter símbolos de posição subalterna na sociedade e nas classes hierárquicas do mundo do trabalho, o que fomenta o preconceito da sociedade como um todo e o preconceito institucional de algumas organizações como as polícias.
Esse racismo institucional não é claro e explícito, mas velado e colocado em prática diariamente por meio de mecanismos e estratégias presentes nessas instituições que acabam por dificultar o acesso do negro nestes espaços ou ferem a manutenção dos direitos dos negros, tratando-os, na prática, de forma muito diversa ao tratamento dado para os brancos (JÚNIOR; LIMA, 2018).
Neste sentido, ainda que velado, esse preconceito institucional contra os negros é um ato sempre violento, no sentido em que fere a dignidade humana, retira direitos e aprofunda a desigualdade e as dificuldades que os negros já encontram para terem acesso pleno às demandas sociais. Sendo uma espécie de preconceito difícil de combater, porque difícil de identificar, já que ela é velada, e que causa muito dano social (JÚNIOR; LIMA, 2018).
Porquanto, após análise sobre os primórdios do racismo, faz-se necessário mostrar como ele se manifesta nas instituições, especialmente as estatais, local onde ele jamais poderia se manifestar. Esse é exemplo é dado pela análise do racismo institucional das polícias brasileiras. Um racismo explícito, conhecido e manifestado em números e estatísticas.
3 AS ORIGENS DA POLÍCIA NO BRASIL
Segundo as pesquisas de Terra (2010), em seu artigo “Negro Suspeito, Negro Bandido: Um Estudo Sobre o Discurso Policial”, vê-se que a origem da polícia aqui no Brasil se dá por volta dos princípios da colonização portuguesa no país.
Primeiro se tornaram os chamados Corpos de Ordenança e as Tropas Auxiliares, devido a legislação dos séculos XVI e XVII. Onde lhes eram atribuídos a função militar de proteger todo o litoral brasileiro da época. Com isso, o seu regimento era o Regimento das Ordenanças e dos Capitães-Mores, disposição legislativa elaborada por D. Sebastião por volta de 1570, com a finalidade de colocar a serviço todo homem que estivesse apto a combate, entre dezoito e sessenta anos (TERRA, 2010).
Além da Ordenanças, tinham também as Tropas Auxiliares, estas desempenhavam papéis nas capitanias hereditárias, advindas de uma reorganização do exército do Reino de Portugal, por D. João IV em meados do século XVII (TERRA, 2010).
Terra (2010) afirma ainda que por se tornarem forças militares muito burocratizadas, o ensino militar se tornou exigido, surgindo assim no Rio de Janeiro a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho. Assim, em 1824 surge a Constituição do Brasil, a qual definiu uma força militar análoga à base militar colonial. Nesse processo nascem três categorias militares, que são a Tropa Regular, a Tropa de Primeira Linha e as Guardas Policiais.
Souza (2021) também narra essa história e afirma que após a Guerra do Paraguai essas forças sofreram diversas reorganizações, tendo em vista o envio de tropas para esta guerra, sendo a força militar composta pela guarda municipal permanente, pela guarda policial e pela companhia de pedestres, sendo atuantes principalmente na província de São Paulo.
Após a guerra essas instituições voltaram ajuizados de sua importância e seu poderio bélico, principalmente após uma série de decisões do governo de proibir a expressão políticas dos militares de forma pública, a emissão de alguns comandantes e escândalos de corrupção, fizeram se tornar destaque a briga entre os militares e imperialistas. Os militares não contentes passaram a exigir maior participação política (SOUZA, 2021).
3.1 O racismo institucional das polícias brasileiras
A melhor forma de comprovar o racismo estrutural das polícias brasileiras é a partir de dados estatísticos sobre a abordagem policial de negros e brancos, bem como as taxas de violência e mortalidade desses diferentes públicos. Sobre isso, a Pesquisa Nacional de Vitimização, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2010, mostra que 6,5% dos negros de todo o Brasil relatam ter sofrido ao menos uma agressão por policiais ou seguranças privados, no ano anterior ao da pesquisa, contra apenas 3,7% dos brancos. O que mostra uma diferença de quase 100% (GUIMARÃES, 2003).
Em outra pesquisa, realizada na cidade do Recife, Em Pernambuco, onde policiais foram entrevistados acerca do racismo institucional, os próprios agentes confessaram que ao escolher entre um branco e um negro para abordar primeiro, escolheriam o negro. Resposta dada pela quase totalidade dos entrevistados. A mesma pesquisa constatou que para 21% dos policiais militares entrevistados, a presença de um negro dirigindo um carro de luxo é considerada suspeita e instiga a abordagem do sujeito, enquanto um branco no mesmo carro só pareceria suspeito para 2,6% dos entrevistados (GUIMARÃES, 2003).
Um ponto interessante de salientar, e que revela a força do racismo estrutural da sociedade, e do racismo institucional em fazer a cabeça de seus agentes, é que no Brasil a grande maioria dos policiais militares é negra ou parda, sem que isso suscite qualquer questionamento interno, debates e ponderações acerca do racismo que veladamente esses agentes, muitas vezes negros, ajudam a propagar (GUIMARÃES, 2003).
Segundo o Portal G1 (2014), a taxa de pessoas negras mortas pela polícia no Estado de São Paulo é 3 vezes maior que a de brancos. Os policiais envolvidos nesses óbitos, no entanto, são em sua maioria brancos (79%), sendo que esmagadora maioria é da polícia militar (96%). Os dados revelam ainda que 61% das vítimas da polícia em SP são de pessoas negras, sendo que 97% são homens e 77% têm de entre 15 e 29 anos.
A coordenadora da pesquisa, Jacqueline Sinhoretto, afirma que isso é fruto de um racismo institucional. “Não é que o policial como pessoa tenha preconceito. É o modo como o sistema de segurança pública opera, identificando os jovens negros como perigosos” (PORTAL G1, 2014, online).
Além da alta letalidade da polícia, os negros sofrem maior impacto da violência social, sendo que o homicídio é a primeira causa de morte não natural de negros em SP, sendo que a taxa de negros mortos por 100 mil fica em 1,4, contra 0,5 dos brancos. Segundo os números desse estudo, a população de negros no estado de São Paulo é de 14,3 milhões contra 26,4 milhões de brancos (PORTAL G1, 2014).
A maior dificuldade em combater esse mal e os altos índices de letalidade da policial é a impunidade, algo que se deve também ao racismo institucional dessa organização que não vê maiores problemas nesses números. Sobre isso, a pesquisa mostra que 94% dos inquéritos policiais do período foram concluídos sem indiciar nenhum policial. Em 73% desses casos, a razão apontada pelos delegados para não indiciar o policial foi a de que não houve crime de homicídio por parte dos agentes (PORTAL G1, 2014).
Com relação à Corregedoria, 60% dos processos identificaram que não houve transgressão disciplinar na conduta dos policiais. “Eles fazem isso sem realizar uma investigação mais aprofundada. O que a gente viu nos autos é que a conclusão é feita de maneira sumária. É um pressuposto de que a polícia atirou porque a pessoa era criminosa”, diz a coordenadora do estudo (PORTAL G1, 2014, online).
O Portal das Nações Unidas (2018) também aponta o racismo institucional da polícia, principalmente a militar, mostrando que a violência se distribui de forma desigual. Um dos principais dados desta desigualdade é o perfil racial das vítimas: uma vez que de cada dez pessoas assassinadas, sete são negras. A violência policial segue a mesma tendência: dos 4.222 mortos em decorrência de intervenção policial em 2016, 72% eram negros.
De acordo com um estudo do Datafolha em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o medo da violência policial, de acusações infundadas ou de ter um filho preso injustamente é maior entre a população negra e moradores de favelas do Rio de Janeiro, Estado que melhor representa a questão da violência policial (PORTAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 2018).
Além disso, os dados mais recentes sobre o sistema carcerário brasileiro indicam que 64% das pessoas presas são negras, enquanto a proporção de negros e brancos na população geral é de 54% e 45%, respectivamente. Sendo que grande parte dos próprios policiais e agentes penitenciários é negro e pardo, o que mostra que o racismo institucional é uma questão complexa e de difícil resolução, já que os policiais mesmo, muitas vezes, não percebem o seu próprio racismo (PORTAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 2018).
A cor da pele também influencia na soltura dos presos, já que a análise dos índices de soltura mostra que em 2016, no primeiro bimestre, 33% dos negros foram soltos, contra 38% de brancos; já no segundo bimestre a diferença foi de 32% para 39%; no terceiro de 47% para 54%; e no quarto bimestre de 39% para 46%. Mostrando que em todos os bimestres do ano, os brancos são soltos em um maior número de casos do que os negros (PORTAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 2018).
Outro dado importante é que entre as pessoas que sofreram agressões ou maus-tratos no momento da prisão (35% do total), 80% são negras. Na totalidade dos casos de maus-tratos, sete em cada dez agressões foram praticadas por agentes públicos (PORTAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 2018).
A Figura 1 ilustra o perfil dos mortos pela polícia militar nos últimos anos, no Brasil, mostrando que as taxas vêm aumentando, passando de 56% em 2013 para 62% em 2017 (PORTAL UOL, 2019).
A desigualdade entre as taxas de morte de brancos e negros já são grandes, mas, segundo diversas pesquisas elas vêm se aprofundando ainda mais, porque a taxa de homicídios de negros segue aumentando constantemente, enquanto a taxa de assassinatos de brancos vem diminuindo. O que demonstra que se nada for feito em pouco tempo esses números estarão ainda mais desiguais e injustos, com um aprofundamento do racismo estrutural da sociedade, e, consequentemente, do racismo institucional das polícias. Isso porque, como dito anteriormente, o racismo institucional da polícia é reflexo do racismo social, e é para combater um, deve-se combater o outro.
Trazendo dados mais recentes, que comprovam essa violência das polícias em relação aos negros, o Portal Uol (2021) diz que os negros são 78,9% das mortes cometidas por policiais no país.
Esses dados mostram a importância do assunto e a necessidade de que algo seja feito o quanto antes para vencer esse mal que é o racismo, social e institucional. Para isso, novos estudos, como este, devem ser elaborados de forma a denunciar essa problemática e ampliar a consciência da sociedade sobre ela.
4 EDUCANDO CONTRA O RACISMO
É importante compreendermos que educação não se faz apenas nas escolas. Educação é um processo que também está em ambientes não educacionais, está nas empresas e nos grupos diversos da sociedade. Assim, ela também precisa estar nas instituições governamentais tais como as polícias. Ainda mais dada a importância desses órgãos para todos os cidadãos.
Essa educação passa, segundo Guimarães (2003), pela necessidade de se repensar a própria noção de raça. Uma palavra que tem pelo menos dois sentidos principais, um mais biológico e genético, e outro sociológico. É obvio que do ponto de vista biológico pensar em raças é uma coisa importante e necessária, já que há diversas raças dos diferentes tipos de animais. No entanto, do ponto de vista humano e sociológico, as noções de raça são muito mais complexas e dependentes de questões socioculturais e históricas.
[…] A biologia e a antropologia criaram a ideia de raças humanas, ou seja, a ideia de que a espécie humana poderia ser dividida em subespécies, tal como o mundo animal, e de que tal divisão estaria associada ao desenvolvimento diferencial de valores morais, de dotes psíquicos e intelectuais entre os seres humanos (GUIMARÃES, 2003, p.95).
Assim, fica claro que o conceito sociológico de raça obedece a um ideal moral e cultural ao criar uma diferenciação entre os seres humanos. Essa diferenciação não é gratuita e sem consequências, pois ao se dividir a classe humana cria-se também uma inevitável hierarquização, onde alguns serão vistos como superiores aos outros (GUIMARÃES, 2003).
Partindo então da palavra “raça”, surge o termo “racismo”, que é um termo para designar o ato de excluir ou diminuir alguém por sua raça. Algo que só existe porque a própria noção de raça existe. Se entendêssemos todos os seres humanos como pertencentes a raça humana, sem qualquer diferenciação, não teria lógica pensar em racismo e discriminações por conta da cor da pele de um indivíduo (GUIMARÃES, 2003).
Neste sentido, para comprovar essa visão de que o racismo é fruto da própria criação da noção de raças humanas, criada culturalmente, algumas escolas da sociologia alegam que nas regiões mais tradicionais, não existia preconceito porque não havia a noção de raça e de diferenciação entre os indivíduos, não havendo competitividade igualitária. Para eles, o racismo é uma criação da concorrência social entre os povos, que mesmo na Antiguidade, viam outros povos como outra raça, por conta da pele ou da religião, não os vendo como iguais (GUIMARÃES, 2003).
Algo ainda mais ampliado pelo capitalismo industrial da modernidade que ampliou as fronteiras, a globalização e a comunicação entre os povos, sem com isso eliminar essa noção de raças humanas diversas, o que faz com que haja um acirramento da competição entre os países, os povos e as raças. É para lutar contra isso que surgem termos tal como o de “democracia racial”, que busca demonstrar que raças humanas não existem, e que a cor da pele é apenas uma característica natural e diversa tal como são outras características do corpo humano, como a altura, peso e etc. (GUIMARÃES, 2003).
Uma questão importante de ser contextualizada nesse trabalho, já que sem a noção de raça não haveria racismo, e já que o racismo só existe porque em algum grau, seja explícito e consciente ou cultural e inconsciente, muitas pessoas ainda veem os negros como seres humanos completamente diferentes dos brancos, e como inferiores (GUIMARÃES, 2003).
Essa luta contra o racismo institucional das polícias é importante não somente no Brasil, mas no mundo todo. Porém, essa percepção do racismo dessas instituições ainda é algo novo. No Brasil, o conceito desse tipo de preconceito só começou a ser estudado apenas a partir dos anos 90, por parte de movimentos sociais negros. Sendo que do ponto de vista do Poder Público, ações práticas contra o racismo institucional só começaram a ocorre no ano de 2005, com a formulação e execução de programas federais de equidade racial, como o Programa de Combate ao Racismo Institucional (JÚNIOR; LIMA, 2018).
Objetivando fortalecer a capacidade do setor público em conseguir identificar e prevenir o racismo institucional, esse Programa formulou uma série de políticas, como a capacitação institucional e reviu normas e procedimentos internos da polícia, de forma a modicar esses hábitos e procedimentos preconceituosos. No entanto, diversas pesquisas mostram que desde então esse problema não vem diminuindo, e o racismo nas polícias ainda é grande. O que mostra a importância de se pensar no assunto e de se criar políticas educativas dentro dos cursos de formação desses policiais (JÚNIOR; LIMA, 2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procurando analisar o que é racismo institucional e como ele se manifesta na prática, esse estudo discutiu o racismo está ainda fortemente presente na sociedade brasileira, ainda que em nossas legislações ele seja combatido. Isso se dá porque o racismo se manifesta de forma estrutural, cultural e social, estando presente no dia-a-dia da população negra e mesmo dentro das instituições públicas, como as polícias, que tratam os negros diferentes, que abordam mais essas pessoas e de forma mais violente e letal.
Com isso, esse trabalho lembra que para acabar com o racismo é preciso não apenas criar e aplicar mais e mais leis (elas são importantes, mas não resolvem por si só), mas é preciso investir em educação e transformação sociocultural do povo brasileiro. Pensando em formas de aplicar educação antirracista dentro das instituições que mais sofrem desse mal, como as polícias. Pois nesses ambientes o racismo é inaceitável, já que o direito à segurança é um dos direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito, bem como o direito à igualdade e liberdade.
Esse racismo institucional das polícias não é apenas uma suposição, mas foi demonstrado por diversos dados estatísticos, para evidenciar a necessidade de que os cursos de preparação e formação desses profissionais revejam suas práticas e culturas racistas e violentas, e ensinem esses agentes públicos a respeitarem a todos de modo semelhante, lutando contra uma tendência social de uma racismo estrutural que ensina a descriminar e tratar negros como potencialmente mais perigosos e associados à criminalidade.
Para isso, a formação desses profissionais poderia começar revendo a própria noção de raça, o que para muitos estudiosos é uma das bases do racismo. Se criamos uma separação teórica entre as raças, dizendo que existem brancos, negros, asiáticos e etc., então automaticamente criamos a noção de diferença e abrimos espaço para que a ideia de superioridade de uns sobre os outros floresça. Se ao contrário, pudéssemos compreender que somos todos igualmente humanos, então não teríamos sequer a noção de raça, e, consequentemente, não poderíamos discriminar alguém baseado nisso.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. Editora Jandaíra, 1ª edição, 2019.
ARANDAS, W.S. O racismo institucional contra os negros na polícia militar. Dissertação de Mestrado em Direito, apresentada à Universidade Federal da Paraíba, 2010. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/tede/4435?locale=pt_BR. Acesso em 19/05/2022.
FREITAS, F.S. Racismo e polícia: uma discussão sobre mandato policial. Tese de Doutorado em Direito submetida à Universidade de Brasília, 2020. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/38911. Acesso em 22/05/2022.
GUIMARÃES, A.S.A. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p.93-97, jan./jun. 2003. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ep/v29n1/a08v29n1.pdf. Acesso em 17/08/2022.
JÚNIOR, A.O; LIMA, V.C.A. Segurança pública e racismo institucional. 2018. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/ 11058/5931. Acesso em 15/08/2020.
NASCIMENTO, A. O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Ipeafro edição, 2016.
PORTAL G1. Taxa de negros mortos pela polícia de SP é 3 vezes a de brancos, diz estudo. 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/03/taxa-de-negros-mortos-pela-policia-de-sp-e-3-vezes-de-brancos-diz-estudo.html. Acesso em 17/08/2022.
PORTAL NAÇÕES UNIDAS. Medo da violência policial e de acusações injustas é maior entre a população negra do Rio. 2018. Disponível em: https://nacoesunidas.org/medo-da-violencia-policial-e-de-acusacoes-injustas-e-maior-entre-a-populacao-negra-do-rio/. Acesso em 18/08/2022.
PORTAL UOL. Em SP, 64% das pessoas mortas pela PM no ano passado eram pretas ou pardas. 2019. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/03/04/60-pessoas-mortas-pm-sao-negras-sao-paulo-2018.htm. Acesso em 20/09/2022.
PORTAL UOL. Anuário: Letalidade policial é recorde no país; negros são 78% dos mortos. 2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2021/07/15/letalidade-policial-e-a-mais-alta-da-historia-negros-sao-78-dos-mortos.htm. Acesso em 11/10/2022.
SANTOS, J.C.S. Racismo institucional e relações de trabalho no Brasil. Tese de Doutorado em Direito apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2021. Disponível em: https://dspace.mackenzie.br/handle/10899/28387. Acesso em 22/05/2022.
SOARES, L.E. Elemento suspeito: abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. 2005. Disponível em: https://www.ucamcesec.com.br/wp-content/uploads/2016/06/PREFACIO-Elemento-suspeito.pdf. Acesso em 19/05/2022.
SOUZA, J. Como o racismo criou o Brasil. Estação Brasil, 1ª edição, 2021.
TAVARES, B.B. Racismo e a atuação das polícias no brasil: um estudo do fenômeno da filtragem racial. Trabalho de Conclusão de Curso de Direito da
Universidade do Sul de Santa Catarina, 2021. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/14207. Acesso em 22/05/2022.
TERRA, L.M. Negro suspeito, negro bandido: um estudo sobre o discurso policial. Dissertação de Mestrado em Sociologia apresentada à Universidade Estadual Paulista – UNESP, 2010. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/99025. Acesso em: 19/05/2022.