REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7746312
Jerônimo Cavalcante Dantas da Silva
José Damião Trindade Rocha
1. INTRODUÇÃO
O referido projeto de pesquisa, a ser desenvolvido no contexto de mestrado profissional em Educação, objetiva analisar o Projeto Político Curricular (PPC) das Licenciaturas em Física, Pedagogia e História, ofertadas pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), campus de Conceição do Araguaia, com vistas a identificar projeções da história afro-brasileira nas ementas dos referidos cursos. Estamos entendendo o termo “projeções” como colaborações curriculares na formação do professor em formação inicial a partir da “história afro-brasileira” como saber catalisador nos cursos de formação docente.
Dessa forma, trata-se, portanto, de uma proposta de investigação que será desenvolvida a partir de documentos curriculares das licenciaturas envolvidas, para que, assim, seja possível perceber como a história afro-brasileira está representada junto à estrutura curricular das referidas licenciaturas. Para isso, é relevante também considerar as condições em que tais licenciaturas são ofertadas, entendendo-a como uma representação social do local.
De maneira mais pontual, acreditamos que esta proposta seja pertinente à atual conjuntura de discussões acadêmicas no que compete à história afro-brasileira como componente curricular em que agrega saberes advindos do folclore brasileiro, ainda que esta demonstra ser, na maioria das vezes, silenciada por uma gama de políticas curriculares em constante construção na educação do Brasil (FREITAS; SANTOS; GONZALES, 2017; AZEVEDO et al, 2017).
A Fundamentação Teórica está alojada no campo interdisciplinar dos estudos curriculares, agregando aqui questões voltadas às políticas públicas nacionais da educação (SANTOS, 2019; ALVES; NASCIMENTO, 2018; ARROYO, 2013; SILVA, 2010; SAVIANI, 2010; TONET, 2006).
Já no que tange à construção do percurso metodológico, temos uma pesquisa documental de abordagem qualitativa (PEREIRA; ANGELOCCI, 2021; SÁ-SILVA et al, 2009; BORTONI-RICARDO, 2008; SEVERINO, 2007). Serão analisados os Projetos Políticos Curriculares (PPCs) das Licenciaturas em Física, Pedagogia e História ofertadas pela UEPA. Ao tratarmos os PPCs como documentos, estamos compreendendo os referidos documentos como materializações ideológicas e políticas em potencial, já que sintetizamos práticas de empoderamento simbólico, conferindo vozes a alguns grupos sociais em detrimento de outros. Isso, por sua vez, viabiliza uma análise descritivo-interpretativa dos referidos documentos.
Dessa forma, compreendemos que se trata de uma proposta de pesquisa totalmente receptiva à contribuição de diversas áreas do conhecimento, bem como de interferências típicas do percurso investigativo. Logo, estamos abertos às eventuais modificações que virão a ser necessárias durante o processo de problematização do objeto de pesquisa. Nos próximos tópicos, procuramos justificar os motivos que nos levaram a fazer a referida proposta, a metodologia que acreditamos ser pertinente e os saberes teóricos que pretendemos mobilizar no tratamento dos dados.
Em suma, espera-se que este projeto possa render bons frutos às investigações que versam sobre as políticas curriculares no ensino superior, bem como no que se refere à história afro-brasileira, enquanto componente curricular, de uma maneira mais complexa e interdisciplinar.
2. PROBLEMA DE PESQUISA
Discutir questões que versam sobre a cultura e a história afrodescendente é algo latente no campo das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Entretanto, é necessário problematizar essas questões também no campo das licenciaturas, não apenas como uma vertente do saber humano, mas sobretudo entendendo-as como cursos de formação docente com perspectivas curriculares específicas. Nesse contexto, elencamos a seguinte problemática de pesquisa: Qual a representação da história afro-brasileira no currículo das Licenciaturas em Física, Pedagogia e História da UEPA?
3. OBJETIVOS
Este projeto de pesquisa, a ser desenvolvido a nível de mestrado, baseia-se nos seguintes objetivos:
3.1 OBJETIVO GERAL
- Analisar o Projeto Político Curricular (PPC) das Licenciaturas em Física, Pedagogia e História, ofertadas pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), campus de Conceição do Araguaia, com vistas a identificar projeções da história afro-brasileira nas ementas dos referidos cursos.
- OBJETIVOS ESPECÍFICOS
- Descrever como a história afro-brasileira é representada no currículo das Licenciaturas em Física, Pedagogia e História da UEPA;
- Diagnosticar condições de oferta das disciplinas nas referidas licenciaturas, confrontando tal realidade às diretrizes do PPC dos respectivos cursos;
- Apresentar uma proposta de integração curricular a partir do componente “História Afro-Brasileira” na educação superior.
4. JUSTIFICATIVA
Neste tópico, apresento um trecho de minha trajetória como pesquisador, a qual justifica minha pretensão investigativa na referida temática. Por isso, peço licença ao leitor para me expressar em Primeira Pessoa do Singular em detrimento da Primeira Pessoa Plural, utilizada em todo o percurso de escrita desta proposta.
Toda minha descendência biológica e cultural advém da esfera afrodescendente. Filho de negros, desde o início de minha carreira escolar, ainda na escola básica, sofri todas as dificuldades e preconceitos ligados à raça. Por outro lado, nunca deixei que o espírito de desânimo e vitimização tomasse conta da minha rotina e, com isso, prejudicasse meu desempenho como aluno.
Mais tarde, já iniciando minha carreira como discente de ensino superior, ingressei no curso de Licenciatura em Filosofia pela Faculdade Integrada da Terra de Brasília. A partir de então, comecei a me interessar por questões da cultura negra a partir do viés filosófico.
Anos depois, cursei Licenciatura em Pedagogia pela Faculdade Latino Americana de Educação, período em que meu interesse pelos estudos curriculares se aguçou. No decorrer do curso, comecei a problematizar como os componentes curriculares sintetizam forças que podem promover, ou não, uma integração de saberes de maneira interdisciplinar.
A partir de então, minha formação continuada passou a se constituir a partir da articulação entre educação, currículo e cultura afro-descente no Brasil. Movido por essas inquietações, cursei as seguintes especializações: Fundamentos da Filosofia e da Sociologia; Metodologia do Ensino da História; Metodologia do Ensino Religioso; Metodologia do Ensino da Geografia; Filosofia da História; e Gestão Ambiental e Ecoturismo. Todas essas vivências colaboraram para que eu construísse uma visão pluralista a respeito do meu objeto de investigação.
Quando passei a exercer função docente no ensino superior, já na condição de professor contratado da UEPA, campus de Conceição do Araguaia, comecei a dialogar mais ativamente com a docência no curso de Licenciatura em Filosofia, o que me rendeu muitos momentos de alegria. Na ocasião, como pesquisador, comecei a indagar a pouca existência da cultura afro-brasileira nas ementas das disciplinas que ministrei. Diante disso, dei início a questionamentos investigativos sobre o referido tema, tendo orientador alguns trabalhos de conclusão de curso nessa perspectiva teórica.
Como docente, sempre senti a necessidade de discutir mais sobre a história dos negros no Brasil, pois entendo que o percurso de evolução social que temos hoje é fator condicionante de quem fomos no passado. Assim, essa relação entre passado e futuro é, na verdade, um pré-requisito para que possamos entender o futuro. Nesse sentido, trazer à tona um olhar narrativo sobre a história afro é, diretamente, um condicionante para que muitas coisas hoje possam ser entendidas.
Por outro lado, sempre percebi que a história afro-brasileira, seja como componente curricular, seja como tema transversal, sempre me pareceu pouco evidenciada. No currículo dos cursos de formação de professores, pouco se discute diante da nossa origem histórica. Quando o termo “história” é explorado ganha sempre um teor generalista. Quando o negro aparece, é sempre vinculado a estereótipos de escravidão e subserviência.
Além da minha trajetória colaborar diretamente para a escolha da referida temática, é necessário levar em consideração também as possíveis colaborações desta proposta investigativa no campo social, acadêmico e científico. Partindo desse pressuposto, é necessário entendermos que tais perspectivas contextuais constituem uma espécie de tríade, não podendo ser supostas na prática como elementos estanques. Por isso, além da minha história de vida, considerar a influência dessa tríade é basilar na compreensão deste projeto de pesquisa.
No que compete à relevância social, acredito que a referida proposta de pesquisa agregue substancialmente no que compete à visualização da história afro-brasileira no contexto de investigação no ensino superior. Nesse sentido, parto do princípio de que o povo afrodescendente é historicamente marcado pela submissão e pela desvalorização social. Por isso, costumeiramente, são pessoas deixadas à margem dos mecanismos sociais e, por vezes, silenciado em diversos desdobramentos relacionais no seio social, inclusive no currículo brasileiro (CUNHA, 2017). Nesse sentido, esta pesquisa se faz necessária para que a história afro-brasileira, tão influenciadora dos costumes que se tem hoje, seja valorizada e vozeada dentro de um escopo social maior. Acredito que muitos descendentes afro-brasileiros devam se sentir representados nesta proposta investigativa, seja na condição de acadêmico, seja na condição de docente da educação superior.
Já no que compete à relevância acadêmica, ressalto a escassez de trabalhos universitários que versem sobre a referida temática. Isso, por sua vez, marca o lugar de fala deste pesquisador: aquele que sente a necessidade de que discursos velados no seio acadêmico possam ser verbalizados, combatidos e desmistificados. Evidentemente, existem pesquisas que caminham em paralelo a esta proposta, tais como pode ser visto nas investigações de Santos (2019) e Berthet (2013). Entretanto, estes trabalhos apresentam vieses diferentes do proposto aqui, sendo este, portanto, passível de extensão, discussão e problematização. A partir disso, acredito que a relevância acadêmica deste projeto de mestrado também tem relação com os possíveis desdobramentos vindouros, acarretando em possibilidades a serem desenvolvidas posteriormente em todas as esferas de investigação.
Somado a isso, no que compete à relevância científica, acredito que o principal ganho dessa pesquisa tem relação com as minimizações dos problemas relacionados ao currículo no ensino superior. Mapear os componentes curriculares, bem como analisar as projeções ementárias acerca da história afro-brasileira em diferentes licenciaturas, pode gerar ganhos substanciais à formação inicial docente. Isso porque parto do princípio de que conhecer um pouco mais sobre a história afro é promover um processo de autoconhecimento do aluno-mestre, o que o faz mais forte e preparado para enfrentar as demandas de sala de aula (NASCIMENTO; JESUS, 2010). Nesse sentido, o fazer científico de natureza integradora tem relação direta com as transformações mais concretas na vida profissional e pessoal do profissional da educação, tendo em vista que o ensino é ferramenta catalisadora e transformadora da prática do magistério em todo e qualquer nível de educação.
Acredito que o Mestrado Profissional em Educação, ofertado pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), pode contribuir substancialmente para o progresso de minhas pesquisas, bem como para sanar boa parte das minhas inquietações. Além disso, também me alegra a possibilidade de contribuir, de maneira mais efetiva, com a UEPA, onde desenvolvo minhas atividades profissionais no momento.
Por fim, por intermédio da excelente qualificação que o referido programa de pós-graduação pode me oferecer enquanto pesquisador, poderei desenvolver discussões mais densas no local em que trabalho, o qual carece de projeções mais explícitas acerca dessas temáticas. Com isso, minhas inquietações podem render ganhos significativos à comunidade acadêmica e não acadêmica de Conceição do Araguaia.
5. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A Fundamentação Teórica deste projeto está alojada no campo interdisciplinar das investigações sobre políticas curriculares da educação superior (SANTOS, 2019; ALVES; NASCIMENTO, 2018; ARROYO, 2013; SILVA, 2010; SAVIANI, 2010; TONET, 2006), entendendo-a como uma vertente dos estudos em Ciências da Educação. A ideia, a partir da mobilização deste arsenal teórico, é mobilizar saberes que possam complexificar a noção de currículo como espaço de demandas de poder, em que, em razão dessa disputa, tende a silenciar determinados grupos sociais.
Diante disso, entendemos que a história afro-brasileira, seja na condição de componente curricular, seja na condição de saber transversal, pode desenvolver função catalisadora junto à formação docente, partindo do princípio de sua relação política e ideológica com os fatos da atualidade. Isso se manifesta por intermédio da complementação teórica, partindo do pressuposto de que, para se entender a presença, ou não, da história afro-brasileira no currículo da licenciatura requer um olhar mais holístico e complexo.
Assim, partimos da ideia de interdisciplinaridade para agregar saberes de origens diferentes. A respeito do sentido de interdisciplinaridade, concordamos com Fazenda (2008), ao entender que nenhum saber é autossuficiente, pois nenhum saber se esgota nele mesmo. Ainda conforme a autora, a postura interdisciplinar é condizente às perspectivas mais contemporâneas no âmbito científico, o que torna nossa proposta ainda mais útil e passiva de sucesso em sua execução prática.
A interdisciplinaridade neste estudo se faz necessária para que seja possível estabelecer discrepâncias e convergências a partir do tratamento dos dados documentais por um viés de descrição-interpretação. Em outras palavras, é necessário entendermos como as noções sobre formação, história e currículo nas licenciaturas investigadas podem auxiliar no entendimento desta pesquisa a partir da “história afro-brasileira”.
A interdisciplinaridade neste estudo endossa a postura contemporânea do que se pretende investigar. Entender que nenhum conhecimento é autossuficiente é compreender os diferentes vieses da relação humana, pois ser interdisciplinar exige do pesquisador aptidão com novas perspectivas científicas, bem como um olhar descortinado para qualquer tipo de saber, seja ele empírico ou academicamente legitimado (FAZENDA, 2008).
É válido ressaltar que não é nossa intenção estabelecer uma discussão densa e a respeito da interdisciplinaridade, tendo em vista que é um conceito amplamente problematizado em todas as áreas do conhecimento. Para outras informações, consultar os trabalhos de Fonseca (2014) e Lima (2008). Em suas pesquisas, os referidos autores endossam o caráter movediço do olhar interdisciplinar, além de enfatizarem na natureza dialógica do processo. Em outras palavras, os pesquisadores partem do princípio de interdisciplinaridade como medida comunicativa do bojo acadêmico para fora dele.
Abaixo, a Figura ilustra o diálogo interdisciplinar entre os saberes que procuraremos mobilizar durante o trajeto da investigação, tal como mencionamos acima. Trata-se de uma medida ilustrativa dos movimentos propostos aqui, a saber as zonas fronteiriças semiotizadas pelas sobreposições das esferas, o que sugere um esvaecimento de ideias a partir da projeção de outra ideia. A interdisciplinaridade na figura consiste justamente na sobreposição desses saberes, evitando a ideia estanque de justaposição de um em relação ao outro.
Figura 01: História Afro-Brasileira no Currículo das Licenciaturas
Fonte: Do Autor
Na ilustração acima, é possível percebermos zonas fronteiriças entre os saberes que pretendemos mobilizar. Nosso estudo operará justamente nessas zonas de diálogo, pois acreditamos que a complexificação do objeto de pesquisa requer, justamente, um olhar fronteiriço, na tentativa de nos destituir de quaisquer conceitos pré-concebidos.
A esfera maior, localizada no centro da figura, está identificada pela cor laranja e representa o cerne teórico da investigação; na parte superior da imagem, temos o Currículo na Licenciatura, identificado pela cor cinza. É dela que iremos retirar a noção de currículo e de políticas públicas que corroboram para o (des) vozeamento da história afro-brasileira no currículo das licenciaturas investigadas; na parte inferior esquerda, temos a Formação na Licenciatura, ramo dos estudos da educação que relativiza questões ligadas ao percurso de formação de professores, a saber seu olhar mais libertador e reflexivo sobre os problemas identificados no campo educacional.
Sobre “História Afro-Brasileira na Licenciatura” nos interessamos pela sua representatividade frente às políticas curriculares nacionais. Pensamos que isso seja de extrema relevância por dois motivos: a) colabora para o desenvolvimento crítico e reflexivo do professor em formação inicial, pois a história afro-brasileira mostra-se de presente em todos os nossos contextos, a saber pela sua relevância ao passar dos anos para a construção da cultura brasileira; b) pois o negro, sem muita representatividade nos currículos de formação de professores, poderá se colocar no papel de sujeito ativo e ator social relevante na construção do currículo educacional brasileiro, escapando de estereótipos e de desvozeamentos seculares. Sobre isso, é possível citar os trabalhos de Santos (2018), Alves e Nascimento (2018) e Aires e Leite (2018).
Das pesquisas mencionadas acima, nos interessamos mais diretamente pela concepção de identidades do negro no currículo, bem como na condição de aferimento de poder simbólico a este. Em outros termos, são pertinentes discussões acerca das diferentes identidades assumidas pelo negro junto a uma base curricular das licenciaturas a depender da sua colocação no PPC dos cursos. Entendemos que a falta de voz é, também, uma maneira discursiva de revelar identidades que, ao serem silenciadas no currículo, assumem um lugar de fala alojado na submissão.
Do “Currículo na Licenciatura”, nos interessamos mais de perto pelos estudos sobre currículo e sobre integração curricular, bastante difundidos no campo da Pedagogia, tais como podem ser apreciados nos trabalhos de Santos (2019), Alves e Nascimento (2018), Arroyo (2013), Silva (2010), Saviani (2010) e Tonet (2006).
Das pesquisas supracitadas, Arroyo (2013) e Silva (2010) são aquelas que nos soam emblemáticas para esta proposta. Concordamos com os referidos autores ao afirmarem que o currículo é, na verdade, um espaço de forças sobrepostas que colaboram para o realce de algumas vozes em detrimento de outras. Nesse sentido, não estamos entendendo o currículo apenas como um amontoado de ementas, mas sim como um espaço de vozeamento de grupos sociais diversos, periferização-dos ou evidenciando-os.
Conforme Arroyo (2013) e Silva (2010), entender que o currículo é um espaço de disputa colabora na manutenção da ideia de que a história afro-brasileira é, na verdade, uma vertente curricular baseada na percepção de resistência, em que se fazer ouvir pressupõe uma série de imposições. Nesse sentido, conferir relevância a ela em qualquer estrutura curricular significa, portanto, concebê-la como uma ferramenta legítima na construção do professor como profissional humano.
Em sua pesquisa, Santos (2019) discute aspectos ligados à diversidade de gêneros associando suas representações no escopo das Licenciaturas em Educação Física e Pedagogia, bem como no Bacharelado em Direito, no contexto acadêmico da Universidade de Brasília (UnB). Para isso, o autor constrói um percurso investigativo documental, baseado nos PPCs dos cursos mencionados, com a finalidade de perceber como esta temática tem sido desenvolvida e discutida. O autor, ainda, aponta para a desarticulação entre formação docente e as políticas curriculares quando o assunto é a questão de gênero no currículo, ainda tratada de maneira bastante superficial. Ao entender que a sociedade hoje demanda anseios específicos, a questão multicultural e de empatia passa a ser vista como elementar à estruturação do olhar sobre gênero. Nesse sentido, espera-se um movimento de mudança das políticas curriculares, até mesmo para poder responder satisfatoriamente às atuais demandas.
A respeito disso, podemos afirmar que:
os currículos (in) visibilizam as identidades sexuais e de gênero, oportunizam a heteronormatividade curricular, apresentam insuficiências formativas em consonância com os silenciamentos dos documentos oficiais e expressam desarticulação entre a formação docente e as políticas públicas de educação na efetividade do trabalho com/para a diversidade sexual e de gênero (SANTOS, 2019, p. 132).
Já Alves e Nascimento (2018) discutem a respeito das políticas afirmativas na base curricular com foco na formação universitária. Em outras palavras, os autores defendem a ideia de integralização curricular na educação superior, pois acreditam que a natureza interdisciplinar dos componentes curriculares deve ser estendida às dimensões práticas formativas dos cursos de licenciatura. Nesse sentido, os autores acrescentam que a perspectiva histórica é essencial a este processo, pois a evolução social pode ser representada no decorrer do tempo, ainda que muitos problemas possam ser entendidos como atemporais.
Sobre isso, podemos compreender que:
A educação deve ser entendida através de uma compreensão histórica, política e socialmente contextualizada. Ao fazê-lo, percebemos que, historicamente, a sociedade e a política educacional brasileira trataram a educação distinguindo as escolas entre as classes sociais, criando os paralelos de inclusão/exclusão, estabelecendo cidadanias diferenciadas, excluindo grupos sociais, notadamente os segmentos populares dos/as trabalhadores/ as, populações indígenas, negras e afrodescendentes, quilombolas, moradores das zonas rurais e ribeirinhas, entre outros (ALVES; NASCIMENTO, 2018, p. 57).
A partir disso, podemos perceber que, ao analisarmos as políticas curriculares sob uma perspectiva histórica, podemos notar que grupos deixados à margem na sociedade sempre foram vítimas do pouco, ou mesmo total, vozeamento nas estruturas curriculares. Isso porque, por vezes, o currículo educacional representa o meio social do momento, ou seja, as práticas exclusivas do seio social tendem a ser representadas de igual maneira nos componentes curriculares.
Logo, esta proposta de investigação percebe a história afro-brasileira como instrumento de vozeamento deste grupo social, considerando sua importância histórica, social e cultural. Além disso, consta a capacidade de incentivo à reflexão das habilidades cognitivas do ser humano.
Da “Formação na Licenciatura”, nos interessamos mais de perto pelas colaborações sobre o processo de formação inicial, tão importante na construção da personalidade profissional daquele que se dedica à vida do magistério. Nesse caso, passamos a chamar os professores em formação inicial das licenciaturas investigadas como “alunos-mestres”, partindo da premissa de que são, em sua essência, alunos em processo de formação à carreira docente. Os trabalhos que embasam nossas colocações nesse contexto são as pesquisas de Silva (2014), Pereira e Silva (2014) e Pereira (2014).
De acordo com os autores acima, a formação inicial do futuro profissional da educação deve ser tratada como algo especial, pois demanda questionamentos típicos dessa fase da vida acadêmica, tais como as incertezas pela escolha da profissão, as dúvidas a respeito do que seria adequado ou não no universo em que atuará, etc. Além disso, a licenciatura em si é um espaço que demanda do aluno-mestre um jogo de cintura apurado no que se refere à busca pelas respostas ou pelas minimizações das dúvidas postas em voga.
Por fim, esta Fundamentação Teórica não tem pretensão de ser firmar com algo inquestionável. Ao entendermos que pesquisa é um processo em constante construção, deixamos aqui a possibilidade de alteração do viés teórico a depender das especificidades do próprio percurso investigativo. Assim, dependendo das exigências dos dados para seu tratamento, poderemos lançar mão de outros aportes teóricos que possam explicar, de maneira satisfatória, os meandros desta pesquisa.
6. METODOLOGIA
A referida proposta de pesquisa tem viés fenomenológico, abordagem qualitativa com características de uma pesquisa documental descritiva-interpretativista. Todas essas técnicas de pesquisa procuram estar engajadas às diretrizes da Teoria da Complexidade, a qual, segundo Morin (2011), se desenha a partir da noção de caos que se instaura na sociedade pós-moderna. O que, diante disso, resulta de um olhar que deve se mostrar em constante delineamento.
A Filosofia Fenomenológica da pesquisa reside no conceito dado por Triviños (1987), ao entender a fenomenologia como perspectiva filosófica contemporânea aos estudos das Ciências Humanas. Para o autor, ao entendermos os dados como resultado de uma série de fenômenos sociais histórica e culturalmente situados.
Nesse sentido, a pesquisa fenomenológica se configura neste projeto em razão de estarmos entendendo todo o entorno das políticas curriculares como fenômenos sociais incentivados por uma conjuntura maior, no que se refere ao comportamento humano, bem como sua aferição de prioridades alojadas historicamente. No caso da história afro-brasileira no escopo curricular das Licenciaturas em Física, História e Pedagogia, considerar aspectos históricos e comportamentais da sociedade é crucial ao entendimento da construção do objeto de pesquisa e da análise construída acerca dele. Nesse sentido, a fenomenologia passa a ser vista como ponto articulador de pressupostos pragmáticos eficientes e eficazes no processo de construção complexo da pesquisa.
A abordagem qualitativa também parece algo pertinente ao perfil complexo que buscamos traçar. Nesse sentido, concordamos com Bortoni-Ricardo (2008), ao afirmar que a pesquisa qualitativa é de extrema importância no campo das Ciências Humanas, tendo em vista seu perfil interpretativista, subjetivo e sensível aos olhos do pesquisador. Em outras palavras, qualificar a abordagem de investigação é colocar o pesquisador na posição de protagonista do processo, considerando que seu olhar e conhecimento de mundo terão forte influência no tratamento dos dados.
A pesquisa qualitativa aqui é marcada pelo teor intersubjetivo acerca do tratamento dos dados coletados (PEREIRA; ANGELOCCI, 2021; SEVERINO, 2007). A partir disso, a ênfase no tratamento do corpus irá recair sobre a prática discursiva, nos entremeios das políticas curriculares, considerando as demandas implícitas da história afro-brasileira no currículo das licenciaturas mencionadas.
Servirão como corpus da pesquisa documentos institucionais da UEPA considerados etnotextos, com vistas ao entendimento das políticas curriculares das Licenciaturas em Física, Pedagogia e História, ofertadas no campus de Conceição do Araguaia (PA). Estamos entendendo como etnotextos os PPCs das licenciaturas mencionadas, seus ementários, bem como suas respectivas diretrizes para trabalho pedagógico, tal como Santos (2019), em sua pesquisa. O tratamento destes dados de pesquisa se dará a partir de um olhar descritivo-interpretativo, pois entendemos que é necessário enxergar os “entre lugares” nos quais a história afro-brasileira se mostra lacônica ou silenciada. Isso, por sua vez, faz com que esta proposta de pesquisa seja do tipo documental.
Será feita uma consulta rigorosa e minuciosa em tais documentos para identificarmos projeções da história afro-brasileira nas disciplinas que compõem a carga horária integral dos referidos cursos. Compreendemos que considerar as forças centrípetas e centrífugas que perpassam tais etnotextos é ponto crucial na construção de sentidos, pois a existência, ou não, de componentes curriculares que versam sobre a história afro-brasileira em cursos de formação de professores é algo essencial ao exercício do magistério.
A pesquisa documental se caracteriza por trazer um certo ineditismo no que se refere ao tratamento dos dados de investigação. Em outros termos, conforme Sá-Silva et al (2009), o processo de pesquisa documental reside no fato de que o tratamento do corpus coletado seja o primeiro proposto sobre os dados comentados. Isso, por sua vez, deve garantir possíveis desdobramentos científicos a partir dessa análise.
Somado a isso, Cellard (2008) acredita que a pesquisa documental se caracteriza, a priori, por semiotizar práticas discursivas e ideológicas alojadas dentro de um recorte de tempo e espaço. Portanto, o ato de documentar algo é inerente à prática humana, uma vez contextualizada por forças implícitas propulsoras das relações humanas. Por esse motivo, não podemos fazer uma pesquisa documental sem levar em consideração a procedência dos dados, bem como os sujeitos envolvidos no processo de documentação do corpus.
Nesta pesquisa, trataremos os etnotextos das licenciaturas investigadas como documentos, partindo da premissa de que estes projetos são, na verdade, uma espécie de representação das políticas públicas brasileiras sobre a educação superior. A partir disso, será possível entender o perfil institucional, bem como sugerir medidas eficientes que possam viabilizar um currículo mais integrado às premissas da história afro-brasileira.
As licenciaturas que servirão como ponto de partida para análise dos etnotextos são ofertadas pela UEPA, campus de Conceição do Araguaia (PA), interior do estado. Os referidos cursos são devidamente ofertados na modalidade modular, o que interfere nas políticas curriculares de execução das licenciaturas e desenvolvimento das ementas. Tal regime de oferta demanda atividades curriculares breves e, com isso, alguns itens salientados nos etnotextos investigados podem não ser aplicados na prática pedagógica, em razão da logística da oferta.
O produto desta proposta de pesquisa consiste em uma proposta de integração curricular a partir do componente “História Afro-Brasileira” entre os cursos de licenciatura mencionados acima. O referido produto pretende colaborar com a ideia de integração e interdisciplinaridade entre diferentes cursos de formação de professores, a qual deve ser pensada a partir das lacunas identificadas por intermédio da análise documental. A partir do (entre) espaço que as une, bem como dos emergentes discursos de (desin) formação, esta proposta integrativa deve contribuir para o resgate da história afro-brasileira como premissa basilar ao desenvolvimento das competências elementares na formação docente, as quais, costumeiramente, tendem a ser silenciadas frente às políticas curriculares nacionais.
Em suma, esperamos que esta pesquisa possa se desdobrar em ganhos substanciais na formação do professor, bem como nas discussões sobre currículo no Brasil, entendo o currículo como uma ferramenta ideológica basilar na construção de profissionais da educação cada vez mais contemporâneos.
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