O CELULAR NA SALA DE AULA: AMIGO OU INIMIGO DO APRENDIZADO?

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10699346


Valter Aparecido Pereira1


Resumo

Este estudo examina o uso do celular na escola e seus impactos na aprendizagem, com ênfase no PISA 2022 no Brasil. A literatura revela motivações diversas dos alunos, podendo influenciar a aprendizagem conforme sua integração à pedagogia e uso responsável. Desafios incluem efeitos psicológicos negativos do uso excessivo e a redução da capacidade cognitiva pela mera presença do smartphone. Considerando o PISA 2022, é vital abordar as disparidades socioeconômicas e minimizar os riscos do uso do celular na aprendizagem. Recomenda-se políticas e práticas educacionais para integrar o celular à pedagogia e conscientizar sobre seus impactos. O estudo ressalta a importância do PISA 2022 para direcionar políticas que promovam o bem-estar dos alunos e o uso responsável da tecnologia na escola.

Palavras-chave: PISA, celular, educação, aprendizagem.

Introdução

A introdução da tecnologia digital na educação trouxe consigo promessas de revolução e avanço no processo de ensino e aprendizagem. Especialmente durante a pandemia da COVID-19, o ensino online emergiu como uma solução crucial para evitar o colapso da educação, oferecendo alternativas viáveis em um cenário de distanciamento social. No entanto, os benefícios e riscos associados ao uso da tecnologia na educação merecem uma avaliação crítica e aprofundada, considerando suas implicações a longo prazo.

Embora a tecnologia digital tenha sido saudada como uma ferramenta transformadora na educação, evidências robustas do seu valor agregado ainda são escassas. Muitas das alegações sobre os benefícios da tecnologia na aprendizagem são promovidas por empresas que buscam comercializar essas soluções, destacando a necessidade de uma análise mais objetiva e imparcial sobre seu impacto no processo educacional.

Estudos recentes indicam que os efeitos da tecnologia na aprendizagem podem variar de baixos a moderados, especialmente quando se trata de aplicativos de matemática utilizados no nível primário. Muitos desses aplicativos tendem a focar na memorização e prática, em detrimento do desenvolvimento de habilidades avançadas e críticas. Além disso, os riscos à privacidade das crianças representam uma preocupação significativa. Uma análise detalhada revelou que a grande maioria dos produtos de tecnologia educacional destinados ao aprendizado das crianças durante a pandemia tinha a capacidade de monitorar atividades fora do ambiente escolar, levantando questões éticas e de segurança.

Embora a tecnologia possa oferecer benefícios importantes para a educação, seu uso inadequado ou excessivo pode resultar em impactos negativos, especialmente no desempenho acadêmico dos alunos. Dados de avaliações internacionais, como os fornecidos pelo Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA), destacam a correlação negativa entre o uso excessivo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e a qualidade da aprendizagem. Portanto, é fundamental adotar uma abordagem equilibrada e criteriosa ao integrar a tecnologia na educação, considerando não apenas os potenciais benefícios, mas também os riscos e desafios associados. Mais pesquisas e análises são necessárias para compreender plenamente o impacto da tecnologia na aprendizagem e garantir um ambiente educacional seguro e eficaz para todas as crianças e jovens.

O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), uma iniciativa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), desempenha um papel crucial no cenário educacional global, fornecendo uma análise abrangente do desempenho dos alunos em diferentes países a cada três anos. Ao avaliar habilidades em leitura, matemática e ciências entre estudantes de 15 anos, o PISA oferece uma perspectiva única sobre a qualidade da educação em escala internacional.

A sua importância reside na capacidade de permitir comparações entre sistemas educacionais de diferentes nações. Essa comparação ajuda a identificar tanto pontos fortes quanto áreas que necessitam de melhorias em cada sistema, contribuindo para a alocação eficaz de recursos e esforços em todo o mundo.

Além disso, o PISA vai além da simples avaliação de conhecimentos, priorizando a mensuração de habilidades e competências fundamentais para o sucesso na era contemporânea. Os estudantes são testados em sua capacidade de aplicar conhecimentos em diferentes contextos, desenvolvendo habilidades como pensamento crítico, resolução de problemas e colaboração.

Os resultados do PISA influenciam diretamente as políticas educacionais de diversos países, servindo como base para reformas que visam aprimorar a qualidade da educação e garantir um futuro promissor para as próximas gerações.

No caso específico do Brasil, o PISA desempenha um papel ainda mais significativo. A participação regular no exame possibilita a avaliação do desempenho dos alunos em comparação com outros países, a identificação de pontos fortes e fracos do sistema educacional brasileiro e o monitoramento da evolução ao longo do tempo.

O desempenho do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) entre 2018 e 2022 reflete uma situação de estabilidade, mas também aponta para desafios persistentes na qualidade da educação. Em 2018, o país registrou pontuações abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em Leitura, Matemática e Ciências, ocupando posições relativamente baixas no ranking internacional, com 413 pontos em Leitura, 384 pontos em Matemática e 404 pontos em Ciências.

No ciclo do PISA 2022, embora o Brasil tenha apresentado uma leve melhora em alguns aspectos, como uma pequena ascensão nas posições de Leitura e Ciências, os resultados permaneceram praticamente inalterados em Matemática, com 410 pontos em Leitura, 379 pontos em Matemática e 403 pontos em Ciências. Essa estabilidade indica um cenário preocupante, pois o país ainda não conseguiu avançar significativamente em termos de desempenho acadêmico em comparação com seus pares internacionais.

Uma análise mais aprofundada revela que, enquanto o Brasil se esforça para acompanhar a média da OCDE, essa média também declinou em 2022, acentuando a discrepância. Portanto, apesar da estabilidade relativa do Brasil, o distanciamento em relação aos países desenvolvidos persiste, destacando a urgência de ações eficazes para promover melhorias significativas na qualidade da educação brasileira.

O estudo do desempenho dos alunos brasileiros no PISA 2022 em relação ao uso do celular em sala de aula assume importância relevante no contexto educacional contemporâneo. Esse estudo visa compreender como as disparidades socioeconômicas influenciam o uso do celular e, por conseguinte, o desempenho dos alunos no exame. Ele também busca explorar as possibilidades de integração do celular como uma ferramenta pedagógica eficaz, considerando tanto os benefícios quanto os desafios desta tecnologia.

Ao oferecer insights valiosos, esse estudo pode contribuir para a formulação de políticas educacionais mais inclusivas e eficazes, além de capacitar professores e escolas na adoção de práticas pedagógicas inovadoras que promovam um aprendizado significativo e engajador para os alunos.

Dados de pesquisas

O uso do celular por estudantes dentro do ambiente escolar tem sido objeto de análise em diversas pesquisas acadêmicas. Segundo os achados do estudo conduzido por Estevon Nagumo e Luís França Teles, intitulado “O uso do celular por estudantes na escola: motivos e desdobramentos”, conduzido por autores renomados, os motivos predominantes para a utilização do celular em sala de aula incluem a comunicação com amigos e familiares, a busca por informações relacionadas a tarefas escolares, o entretenimento e o acesso a redes sociais (Nagumo & Teles, 2016). Estes resultados evidenciam a multiplicidade de funções que os dispositivos móveis desempenham na vida dos estudantes, indo além do mero entretenimento e abrangendo aspectos relacionados diretamente ao processo educativo e socialização.

Além dos motivos variados que impulsionam o uso do celular em contexto escolar, a pesquisa também ressaltou os impactos distintos que essa prática pode exercer sobre a aprendizagem dos alunos. Conforme observado no estudo em questão, conduzido por Nagumo e Teles, o uso do celular pode gerar efeitos tanto positivos quanto negativos no processo de ensino-aprendizagem (Nagumo & Teles, 2016). Entre os aspectos positivos destacam-se o acesso facilitado a informações e recursos educativos, a comunicação eficaz com professores e colegas, e a potencialização da interatividade e dinamismo no processo de aprendizagem. No entanto, é importante considerar os efeitos adversos associados ao uso excessivo do celular, tais como distração durante as aulas, ocorrência de situações de cyberbullying, aumento da ansiedade e outros problemas de saúde mental que podem impactar negativamente o desempenho escolar e o bem-estar dos estudantes. A compreensão desses aspectos se torna essencial para a formulação de estratégias educacionais que promovam o uso responsável e equilibrado da tecnologia em sala de aula, visando potencializar os benefícios e minimizar os riscos associados ao uso do celular na escola.

Um relevante estudo, em continuidade ao trabalho de Nagumo & Teles (2016), buscou investigar os impactos psicológicos do uso de celulares em jovens brasileiros, com o objetivo de compreender as nuances dessa interação tecnológica em suas vidas. O celular se configura como um objeto de extrema importância para os jovens, permeando suas vidas e relações de diversas maneiras, exercendo impactos psicológicos que podem ser tanto positivos quanto negativos (Nicolaci-da-Costa, 2004). A metodologia adotada consistiu em entrevistas semiestruturadas com 12 jovens, com idades entre 18 e 25 anos, representando diversas classes sociais e origens. Os resultados revelaram uma dicotomia nos efeitos do uso do celular, evidenciando tanto aspectos positivos quanto negativos na saúde mental dos jovens. Entre os efeitos positivos destacam-se a sensação de autonomia, liberdade e privacidade, o incremento da intimidade em relacionamentos, a sensação de segurança e entretenimento, além da utilidade como ferramenta de comunicação e informação. Contudo, os efeitos negativos também emergiram, como a diminuição da concentração e da capacidade de atenção, ansiedade e dependência, dificuldade no relacionamento interpessoal presencial, prejuízo no sono e comparação social. É importante que os jovens desenvolvam uma postura crítica e reflexiva em relação ao uso do celular, buscando utilizá-lo de forma consciente e responsável, a fim de maximizar seus benefícios e minimizar seus riscos potenciais à saúde mental (Nicolaci-da-Costa, 2004).

Diante das conclusões, é imperativo que os jovens compreendam o papel significativo que o celular desempenha em suas vidas e adotem práticas que favoreçam sua saúde mental e bem-estar. Recomenda-se estabelecer limites para o uso do celular, priorizar atividades offline que promovam interação social presencial e cuidados com a saúde física e mental. Ademais, é crucial buscar ajuda profissional caso o uso do celular esteja comprometendo a qualidade de vida. Vale ressaltar que, embora os resultados sejam relevantes, a natureza exploratória e a limitada amostra deste estudo indicam a necessidade de investigações mais abrangentes para compreender plenamente os impactos psicológicos do uso do celular em diversos contextos sociais e demográficos da juventude brasileira.

O estudo Internet addiction and functional brain networks: task-related fMRI study (2019) analisou o impacto da Internet e das novas tecnologias na vida cotidiana, enfocando seus benefícios e alertando sobre os problemas associados ao uso excessivo. Embora tenha trazido melhorias significativas em diversas áreas da sociedade moderna, o uso descontrolado da Internet pode acarretar uma série de problemas de ordem psicológica e médica, incluindo quadros de depressão, ansiedade, distúrbios de imagem corporal, insônia e hábitos alimentares prejudiciais. A dependência da Internet (IA) surge como uma preocupação crescente, sendo considerada uma adição comportamental que representa uma potencial ameaça à saúde pública. Apesar de não ser reconhecida como um transtorno mental distinto, a inclusão do “transtorno do jogo na Internet” (IGD) no DSM-5 ressalta a importância de estudos adicionais para compreender a natureza e os impactos desse fenômeno.

Pesquisas recentes têm se dedicado a investigar as alterações neurobiológicas associadas à IA, identificando anormalidades em áreas específicas do cérebro, como as regiões frontais e o sistema de recompensa. A distinção entre IA e IGD tem sido objeto de estudo, com evidências indicando que a rede social online está correlacionada de forma consistente com a IA generalizada. Estudos de neuroimagem têm revelado mudanças nas redes cerebrais superiores, incluindo a Rede de Modo Padrão (DMN), que desempenha um papel crucial na cognição e no controle cognitivo. Além disso, a falta de controle inibitório emerge como uma característica central das adições, incluindo a IA, com evidências de alterações em regiões como a cingulada e a frontal medial. Essas descobertas ressaltam a necessidade de mais investigações para compreender melhor as bases neurobiológicas dos distúrbios aditivos e desenvolver intervenções eficazes.

O estudo sobre o uso do celular por estudantes dentro do ambiente escolar, conduzido por Nagumo e Teles (2016), destaca a multiplicidade de funções que os dispositivos móveis desempenham na vida dos alunos, indo além do entretenimento e abrangendo aspectos educativos e de socialização. Embora a pesquisa aponte para benefícios como acesso a informações escolares e comunicação eficaz, também ressalta os impactos negativos, como distração durante as aulas e problemas de saúde mental. Esses achados corroboram com pesquisas mais amplas sobre o uso da tecnologia, como o estudo sobre dependência da Internet (IA) e seus impactos neurobiológicos. A inclusão do “transtorno do jogo na Internet” (IGD) no DSM-5 destaca a crescente preocupação com os efeitos adversos do uso excessivo da Internet, sugerindo a necessidade de compreender melhor as bases neurobiológicas desses distúrbios e desenvolver intervenções eficazes.

O artigo “Brain Drain: The Mere Presence of One’s Own Smartphone Reduces Available Cognitive Capacity” (2017) discute os possíveis efeitos negativos da presença constante do smartphone no desempenho cognitivo das pessoas. Embora os smartphones ofereçam inúmeras vantagens em termos de conexão, entretenimento e acesso à informação, sua presença constante pode ter um custo cognitivo significativo. Os autores propõem a hipótese do “esgotamento cerebral”, sugerindo que a simples presença do smartphone pode ocupar recursos cognitivos limitados, deixando menos recursos disponíveis para outras tarefas e prejudicando o desempenho cognitivo.

Dois experimentos realizados pelos autores indicam que, mesmo quando as pessoas conseguem manter a atenção por longos períodos e resistir à tentação de verificar seus telefones, a simples presença desses dispositivos reduz a capacidade cognitiva disponível. Além disso, os custos cognitivos são mais altos para aqueles com maior dependência de smartphones. Os autores discutem as implicações práticas desse “esgotamento cerebral” induzido pelos smartphones para a tomada de decisão do consumidor e o bem-estar do consumidor.

Um dos experimentos teve como objetivo testar a proposição de que a mera presença do próprio smartphone reduz a capacidade cognitiva disponível, refletida no desempenho em testes de Memória Operacional de Trabalho (WMC, do inglês Working Memory Capacity) e Inteligência Fluida (Gf, do inglês Fluid Intelligence). Foram investigadas as possíveis relações entre a presença do smartphone e o desempenho em tarefas associadas a esses construtos cognitivos. Participaram do estudo 548 universitários, com coleta de dados ao longo de duas semanas. Os participantes foram aleatoriamente distribuídos em três condições de localização do telefone: na mesa, no bolso/bolsa ou em outra sala. O desempenho cognitivo foi avaliado por meio da tarefa OSpan (Operational Span) e do teste RSPM (Raven’s Standard Progressive Matrices). Além disso, os participantes responderam a um questionário sobre suas experiências e crenças relacionadas ao uso do celular e ao desempenho cognitivo.

Os resultados indicaram que a presença do próprio smartphone afetou significativamente a capacidade cognitiva dos participantes, conforme evidenciado pelo desempenho na tarefa OSpan e no teste RSPM. A análise multivariada de variância revelou um efeito significativo da localização do telefone na capacidade cognitiva, com desempenho inferior na condição em que o telefone estava na mesa em comparação com a condição em que estava em outra sala. Os participantes que mantiveram seus telefones no bolso ou na bolsa apresentaram desempenho intermediário, indicando uma tendência linear de redução da capacidade cognitiva à medida que a saliência do smartphone aumenta. Surpreendentemente, não houve diferença na frequência de pensamentos sobre o telefone entre as condições.

O primeiro grupo analisado apresenta a média da capacidade de memória de trabalho, medida pelo teste OSpan, em relação à proximidade do celular durante a realização da avaliação. Observou-se que a capacidade de memória de trabalho foi menor quando o celular estava localizado na mesa (média de 32,3 pontos), em comparação com a situação em que o celular estava em outra sala (média de 34,1 pontos). A condição intermediária ocorreu quando o celular estava no bolso ou na bolsa (média de 33,2 pontos). A diferença entre as condições “mesa” e “outra sala” foi estatisticamente significativa (p < 0,05), indicando uma influência da proximidade do celular na capacidade de memória de trabalho.

A interpretação dos resultados sugere que a presença do celular, mesmo quando não está sendo utilizado, pode reduzir a capacidade de memória de trabalho, apoiando a teoria do esgotamento cerebral. Esta teoria postula que a presença do celular demanda recursos cognitivos e atenção, mesmo de forma subconsciente, deixando menos recursos disponíveis para o armazenamento e processamento de informações. A análise também destaca a importância de manter o celular distante durante tarefas que exigem concentração e memorização, além de ressaltar a necessidade de pesquisas adicionais para compreender melhor os mecanismos subjacentes a essa relação entre a proximidade do celular e a capacidade de memória de trabalho.

Em suma, os resultados sugerem que a simples presença do próprio smartphone pode prejudicar o desempenho cognitivo, mesmo na ausência de interações diretas ou notificações do dispositivo. Os participantes não reconheceram totalmente as consequências cognitivas associadas à presença do smartphone, destacando a necessidade de maior conscientização sobre os potenciais impactos do uso passivo dos dispositivos móveis na capacidade cognitiva.

A análise dos estudos mencionados revela uma convergência de preocupações em relação aos efeitos do uso da tecnologia, especialmente entre os jovens. Enquanto as pesquisas sobre o uso do celular na escola destacam a importância de estratégias educacionais para um uso equilibrado, os estudos sobre dependência da Internet ressaltam a urgência de compreender as implicações neurobiológicas desses comportamentos aditivos. A compreensão dos impactos psicológicos do uso excessivo de dispositivos móveis, como ansiedade e falta de controle inibitório, aponta para a necessidade de uma abordagem multidisciplinar que una os campos da educação, saúde mental e neurociência. Essa perspectiva integrada pode orientar políticas públicas e práticas educacionais que promovam o uso responsável da tecnologia e protejam o bem-estar dos jovens em ambientes escolares e sociais.

Impactos na aprendizagem

O Relatório da UNESCO de 2023 sobre o uso do celular e o aprendizado revela dados significativos sobre o impacto dessa tecnologia na sala de aula. Segundo dados compilados de 14 países, a presença do celular durante as aulas pode causar distração nos estudantes, afetando negativamente seu aprendizado. Essa constatação sugere a necessidade de estabelecer medidas que minimizem a interferência do celular no ambiente educacional. Além disso, não foi encontrada uma correlação direta entre o uso do celular e o desempenho em tarefas específicas, como as avaliadas pelas tarefas Stroop, indicando a complexidade dos efeitos do celular no processo de aprendizagem.

No que diz respeito às alterações no cérebro decorrentes do uso excessivo do celular, os estudos citados destacam dois aspectos relevantes. Primeiramente, observa-se que o uso prolongado do celular pode levar à diminuição da atividade na Rede Neural Padrão (DMN), área cerebral associada à atenção, memória e resolução de problemas. Além disso, há evidências de que o uso excessivo do celular pode prejudicar o controle inibitório, dificultando a capacidade dos estudantes de ignorar distrações e manter o foco em uma determinada tarefa, o que pode impactar negativamente seu desempenho acadêmico.

Diante dessas constatações, o relatório oferece recomendações claras para lidar com o uso do celular em ambiente escolar. É sugerido que se estabeleçam regras claras sobre o uso do celular em sala de aula e em outros ambientes educacionais, visando minimizar os efeitos negativos dessa tecnologia. Além disso, destaca-se a importância da educação digital, que visa conscientizar os alunos sobre os benefícios e riscos do uso do celular, promovendo uma postura responsável e a autorregulação. Por fim, é enfatizada a necessidade de oferecer suporte aos alunos que enfrentam problemas relacionados ao uso do celular, como cyberbullying ou dependência, destacando a importância do apoio emocional e psicológico no ambiente escolar.

Em suma, o relatório aponta que o uso do celular em ambiente escolar é uma questão multifacetada que requer atenção e diálogo entre todos os envolvidos no processo educacional. Por meio da implementação de medidas educativas e de apoio, é possível transformar o celular em uma ferramenta que contribua efetivamente para o aprendizado e o desenvolvimento integral dos jovens. No entanto, ressalta-se a necessidade de mais pesquisas para compreender melhor os mecanismos neurobiológicos e sociais do uso do celular na aprendizagem, a fim de orientar políticas e práticas educacionais mais eficazes e contextualizadas.

O desempenho do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) 2022 expõe uma situação alarmante em relação ao seu desempenho acadêmico em matemática, leitura e ciências em comparação com o restante do mundo. Com apenas 379 pontos em matemática, o país fica consideravelmente aquém da média global de 431 pontos, colocando-o em uma posição desfavorável no 62º lugar entre os 79 países participantes. Em contrapartida, na mesma categoria, países como Chile, Uruguai e Peru ultrapassaram o Brasil com pontuações de 412, 409 e 391, respectivamente. Tais discrepâncias evidenciam a urgência de uma análise aprofundada dos fatores que contribuem para o baixo desempenho em matemática e a possível correlação com o aumento do uso de dispositivos móveis, como celulares, entre os estudantes brasileiros.

No que concerne à avaliação de leitura, os resultados do Brasil também são motivo de preocupação. Com uma pontuação de 410 pontos, o país fica aquém da média global de 493 pontos, ocupando o 57º lugar entre os 79 países participantes. Novamente, na mesma categoria, países como Chile, Uruguai e Argentina apresentaram desempenho superior ao Brasil, com pontuações de 448, 430 e 401 pontos, respectivamente. Essa disparidade sugere uma possível associação entre a queda no desempenho acadêmico em leitura e o aumento do uso de celulares entre os jovens brasileiros, refletindo em menor habilidade de compreensão textual e interpretação, demandando uma investigação mais aprofundada sobre as implicações do uso excessivo de tecnologia na educação e seus efeitos sobre o desempenho acadêmico.

No domínio das ciências, o Brasil também enfrenta desafios significativos. Com uma pontuação de 403 pontos, o país está abaixo da média global de 489 pontos, ocupando o 60º lugar entre os 79 países participantes. Mais uma vez, países como Chile, Uruguai e Peru superam o Brasil, com pontuações de 435, 423 e 408 pontos, respectivamente. A correlação entre o uso do celular e o desempenho acadêmico em ciências pode ser explorada, considerando-se que a disponibilidade de dispositivos móveis pode impactar a concentração dos estudantes durante as aulas, reduzindo sua capacidade de absorver e compreender conceitos científicos complexos.

Os dados do PISA 2022 ressaltam a urgência de políticas educacionais que abordem não apenas o currículo e os métodos de ensino, mas também o papel das tecnologias digitais, como os celulares, no ambiente de aprendizagem. Estratégias que promovam o uso responsável e equilibrado de dispositivos móveis, juntamente com iniciativas para melhorar a qualidade do ensino e engajar os alunos, podem contribuir significativamente para reverter a tendência de baixo desempenho acadêmico observada no Brasil e em outros países. A análise desses dados em conjunto com as constatações do Relatório da UNESCO de 2023 sobre o uso do celular e o aprendizado pode fornecer subsídios valiosos sobre como abordar os desafios educacionais enfrentados pelas sociedades contemporâneas em um mundo cada vez mais digitalizado.

A proibição do uso de celulares em ambientes escolares tem sido uma medida adotada por diversas nações e áreas, como França, México, Finlândia, Holanda, Portugal, Estados Unidos e, mais recentemente, o Brasil. As justificativas para tais políticas englobam desde a melhoria do desempenho dos alunos até a redução de distrações durante as aulas e avaliações, bem como a promoção da interação social e a diminuição do cyberbullying. No entanto, é necessário ponderar sobre questões críticas relacionadas a essas medidas. Embora o intuito primordial seja fomentar um ambiente escolar mais produtivo e seguro, a proibição do uso de celulares pode negligenciar as raízes do uso excessivo desses dispositivos. Além disso, essa abordagem pode adotar uma postura punitiva em vez de educativa, deixando de instruir os alunos sobre o uso responsável e crítico dos celulares, o que pode resultar em uma lacuna de preparação para lidar equilibradamente com a tecnologia fora do contexto escolar, onde não existem restrições. Adicionalmente, a implementação e fiscalização da proibição podem se mostrar desafiadoras, especialmente em instituições maiores ou em regiões com recursos limitados.

Outro aspecto relevante a considerar é o potencial impacto na liberdade dos estudantes e em sua capacidade de comunicação e acesso rápido e eficiente à informação, especialmente em situações de emergência. Embora a redução do cyberbullying e a promoção da segurança sejam preocupações válidas, tais questões podem ser mais efetivamente abordadas por meio de políticas educacionais que estimulem o uso ético e responsável da tecnologia, aliadas a programas de conscientização e apoio emocional. Logo, embora a proibição do uso de celulares possa representar uma resposta imediata a determinados desafios, uma abordagem mais abrangente, fundamentada na educação, pode se mostrar necessária para lidar de forma eficaz com as complexidades do uso de tecnologia nas escolas e na sociedade em geral.

Conclusão

O relatório da UNESCO de 2023 destaca a complexidade e os desafios inerentes à integração da tecnologia digital na educação. Apesar do potencial promissor, evidências robustas do valor agregado da tecnologia na educação são escassas. A rápida evolução tecnológica contrasta com a dificuldade de avaliar seu impacto, com produtos educacionais sendo atualizados a cada 36 meses, em média. Além disso, a maioria das evidências disponíveis é proveniente de países mais ricos, evidenciando uma disparidade na produção de conhecimento sobre o tema. Empresas do setor, como a Pearson, têm financiado seus próprios estudos, revelando um viés potencial na análise e na interpretação dos resultados, o que pode distorcer a compreensão do verdadeiro impacto da tecnologia na educação.

Apesar dos desafios e das incertezas, a tecnologia digital oferece oportunidades significativas para transformar a educação, especialmente em contextos de difícil acesso. A acessibilidade e o design universal proporcionam novas possibilidades para estudantes com deficiências, substituindo ferramentas tradicionais por aparelhos tecnológicos acessíveis. A instrução por rádio, televisão e telefones celulares emergiu como alternativa viável à educação presencial, particularmente em regiões remotas. O ensino online, por sua vez, desempenhou um papel crucial durante o fechamento das escolas durante a pandemia da COVID-19, alcançando potencialmente mais de um bilhão de estudantes. No entanto, a falta de acesso à conectividade adequada revela uma disparidade global, onde milhões de estudantes, especialmente os mais pobres, ficam excluídos do acesso à educação digital. A garantia do direito à educação tornou-se cada vez mais dependente da conectividade, evidenciando a necessidade urgente de políticas e investimentos que promovam a igualdade de acesso à internet nas escolas em todo o mundo.

A falta de regulamentação e controle de qualidade do conteúdo online representa um desafio significativo para a educação digital. O conteúdo digital é predominantemente produzido por grupos dominantes, o que perpetua desigualdades de acesso e oportunidades educacionais. A concentração do conteúdo educacional em regiões como a Europa e a América do Norte reflete uma lacuna na diversidade linguística e cultural, com a maioria dos recursos disponíveis em inglês. Além disso, iniciativas como os cursos abertos online e massivos (MOOCs) têm beneficiado principalmente estudantes de países mais ricos e com maior acesso à educação, ampliando ainda mais as disparidades educacionais globais.

O rápido avanço das tecnologias digitais na educação superior destaca o potencial transformador dessas ferramentas, mas também traz desafios éticos, regulatórios e financeiros. Enquanto mais de 220 milhões de estudantes participam de cursos abertos online e massivos, a proliferação de plataformas digitais ameaça o papel tradicional das universidades e levanta preocupações sobre a privacidade e segurança dos dados dos alunos. A compra indiscriminada de tecnologia, muitas vezes como solução imediata para problemas educacionais, não apenas aumenta os custos a longo prazo para os orçamentos nacionais, mas também coloca em risco o bem-estar das crianças ao expor seus dados a riscos de privacidade. Além disso, o impacto ambiental da tecnologia digital, exemplificado pelas emissões de CO2 associadas à produção e descarte de dispositivos eletrônicos, destaca a necessidade de uma abordagem mais consciente e sustentável no uso da tecnologia na educação.

Diante dos resultados analisados, bem como das pesquisas sobre o impacto do uso excessivo do celular no cérebro e na capacidade cognitiva, torna-se evidente a necessidade premente de repensar o papel do celular no ambiente escolar brasileiro. Os dados do PISA 2022 apontam para um desempenho preocupante do Brasil em relação a outros países, com pontuações abaixo da média global em matemática, leitura e ciências. Essa realidade, aliada às evidências de um impacto negativo do uso excessivo do celular no aprendizado, traz à tona questões cruciais sobre a qualidade da educação no país.

Além dos resultados do PISA, as pesquisas sobre o impacto do uso excessivo do celular no cérebro e na capacidade cognitiva corroboram a importância de abordar essa questão de forma abrangente. Estudos indicam que a mera presença do celular pode reduzir a capacidade cognitiva disponível, mesmo quando os usuários conseguem manter a atenção focada em outras tarefas. O uso excessivo do celular tem sido associado à distração em sala de aula, diminuição da capacidade de concentração e compreensão textual, bem como menor absorção de conceitos científicos.

Diante desse cenário, torna-se imperativo implementar políticas que promovam o uso responsável do celular em sala de aula, além de investir na formação de professores para lidar com os desafios trazidos pela era digital. Estratégias que visem engajar os alunos e incentivar o aprendizado tornam-se ainda mais essenciais diante do cenário apresentado. A discussão acerca do papel das tecnologias digitais no ambiente de aprendizagem deve ser ampliada, considerando não apenas os aspectos pedagógicos, mas também os impactos reais no desenvolvimento cognitivo e acadêmico dos estudantes.

Os desafios enfrentados pelo Brasil em relação à educação são complexos e multifacetados. Reduzir as desigualdades educacionais, melhorar o desempenho acadêmico dos alunos e prepará-los para os desafios do futuro requerem um esforço conjunto e coordenado entre governo, instituições educacionais, professores, alunos e a sociedade como um todo. É fundamental que as conclusões do estudo e das pesquisas sobre o impacto do celular sejam consideradas no desenvolvimento de políticas e práticas educacionais que possam realmente promover uma transformação positiva no sistema educacional brasileiro.

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