O BULLYING ESCOLAR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: UMA ANÁLISE DE UM CRIME SILENCIOSO.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202505292042


Carla Yasmin Pires Ferreira
Prof.ª orientadora: Juliana Carvalho Piva


RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar a legislação brasileira voltada ao enfrentamento do bullying escolar, destacando a distribuição e a natureza das leis nos estados brasileiros e no Distrito Federal. A pesquisa, de caráter documental, identificou e classificou as normas conforme sua natureza informativa, preventiva e/ou punitiva. Os resultados demonstram que há um esforço legislativo significativo em estabelecer medidas que visem tanto à conscientização e prevenção quanto à responsabilização de autores e instituições diante de casos de bullying. Evidenciou-se que a maioria das leis possui caráter preventivo, com foco na formação de profissionais da educação e no desenvolvimento de ações pedagógicas. Conclui-se que, embora a legislação represente um avanço na proteção dos estudantes, sua efetividade depende da aplicação concreta no ambiente escolar, da capacitação dos profissionais e da articulação entre escola, família e comunidade.

Palavras-chave: bullying escolar; legislação brasileira; prevenção; punição; responsabilidade escolar.

ABSTRACT

This study aims to analyze Brazilian legislation aimed at combating bullying in schools, highlighting the distribution and nature of laws in Brazilian states and the Federal District. The research, which was of a documentary nature, identified and classified the laws according to their informative, preventive and/or punitive nature. The results demonstrate that there is a significant legislative effort to establish measures aimed at raising awareness and preventing, as well as holding perpetrators and institutions accountable for cases of bullying. It was evident that most laws are preventive in nature, focusing on the training of education professionals and the development of pedagogical actions. It is concluded that, although the legislation represents progress in protecting students, its effectiveness depends on its concrete application in the school environment, the training of professionals and the articulation between school, family and community.

Keywords: bullying in schools; Brazilian legislation; prevention; punishment; school responsibility.

1. INTRODUÇÃO

O bullying escolar é uma forma de violência sistemática que se manifesta por meio de agressões físicas, psicológicas ou verbais, causando impactos profundos no desenvolvimento e na saúde mental das vítimas. Apesar de ser um problema global, no Brasil, essa prática vem recebendo crescente atenção devido às suas consequências devastadoras no ambiente escolar e na vida dos jovens (Rodrigues, 2024). 

Nos últimos anos, o aumento dos casos de bullying nas escolas brasileiras chamou a atenção de educadores, autoridades e legisladores, gerando debates sobre como proteger os estudantes e criar um ambiente de aprendizado mais seguro e acolhedor. Diante desse cenário, surgiram medidas legais para abordar a questão de maneira mais efetiva (Vilela, 2021). 

A Lei nº 13.185, sancionada em 2015, foi um marco no enfrentamento ao bullying  escolar no Brasil. Ela instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, estabelecendo diretrizes para a prevenção e o tratamento dos casos, tanto no ambiente escolar quanto em outros espaços de convivência social.  A legislação reconhece o bullying como um problema que exige uma abordagem integrada, envolvendo escolas, famílias, comunidade e o poder público. A criação dessa lei reflete a necessidade de enfrentar o problema de forma sistêmica, promovendo o respeito às diferenças e a cultura da paz (Lemos et al.,2024). 

Apesar do avanço proporcionado pela legislação, sua aplicação ainda enfrenta desafios, como a falta de conhecimento sobre o tema por parte de educadores e a dificuldade em identificar e intervir em casos de bullying. Além disso, há a necessidade de conscientização de pais e alunos sobre os direitos e deveres no contexto escolar. 

Este estudo visa explorar a relação entre o bullying escolar e a legislação brasileira, destacando os avanços obtidos, os desafios enfrentados e as possibilidades de melhoria no enfrentamento desse problema. A análise se fundamenta na legislação vigente e nas práticas adotadas em escolas para combater a intimidação sistemática (De Souza Lobo;Cordeiro, 2024).

Ao abordar o bullying  escolar sob a perspectiva legal, é possível identificar o papel central das escolas na promoção de um ambiente seguro e inclusivo. A legislação brasileira não apenas responsabiliza as instituições de ensino pela prevenção, mas também orienta quanto às medidas educativas e disciplinares aplicáveis (Dos Santos, 2023). 

 No contexto educacional, o bullying afeta não apenas as vítimas, mas também os agressores, os espectadores e a comunidade escolar como um todo. Entender como a legislação brasileira aborda essas relações é fundamental para criar estratégias que promovam a conscientização e a prevenção (Vilela, 2021). 

A Lei nº 13.185/2015 define bullying como “toda violência física ou psicológica, intencional e repetitiva, que ocorre sem motivação evidente”. Essa definição abrange uma ampla gama de comportamentos e ressalta a importância de um olhar atento para identificar e intervir precocemente nos casos.   Além do impacto direto nas vítimas, o bullying escolar pode ter consequências legais para os agressores e seus responsáveis. A legislação estabelece mecanismos de responsabilização, com foco em medidas educativas e na conscientização, ao invés de punições exclusivamente punitivas (Junior, 2024). 

A aplicação efetiva da legislação requer a colaboração de múltiplos atores. Gestores escolares, professores, pais e até mesmo os próprios estudantes têm papéis cruciais na construção de um ambiente onde o bullying  seja prevenido e combatido de forma eficaz.  Outro ponto relevante é a necessidade de programas de formação continuada para educadores e profissionais da área, a fim de capacitá-los para identificar e intervir em situações de bullying. A legislação brasileira incentiva ações de sensibilização e formação como parte de uma abordagem integrada (Dos Santos; 2023). 

O bullying  também tem implicações na aprendizagem e no desempenho acadêmico das vítimas. Alunos que sofrem com essa prática frequentemente apresentam dificuldades de concentração, baixo rendimento e evasão escolar. Essas consequências reforçam a importância de um ambiente escolar que promova o bem-estar (Pereira; Fernandes; Dell’aglio, 2022) . 

A legislação brasileira sobre bullying não se limita ao ambiente escolar. Ela também reconhece o cyberbullying , uma forma de intimidação que ocorre em plataformas digitais, ampliando os desafios para educadores e legisladores.   Apesar do avanço jurídico, a prática ainda enfrenta barreiras culturais que dificultam a identificação e o enfrentamento. Muitas vezes, comportamentos agressivos são naturalizados ou minimizados, o que exige campanhas educativas para transformar essa percepção (Rodrigues et al.,2024). 

Estudos mostram que o bullying  está relacionado a problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e ideação suicida, tanto nas vítimas quanto nos agressores. Isso ressalta a necessidade de uma abordagem interdisciplinar, envolvendo profissionais de psicologia, assistência social e educação (Rodrigues, 2024). 

A análise da legislação também permite identificar lacunas que precisam ser preenchidas para uma atuação mais efetiva (Lemos et al.,2024).  Assim, como reforçar a importância da legislação como instrumento de transformação social, ao promover um ambiente onde os direitos das crianças e adolescentes sejam respeitados e protegidos. Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar como a legislação brasileira aborda o bullying escolar, identificando as medidas legais, programas de prevenção e os mecanismos de proteção aos estudantes envolvidos.

2. MATERIAL E MÉTODOS

A presente revisão documental tem como objetivo analisar a legislação brasileira pertinente ao fenômeno do bullying no ambiente escolar. A questão central que guia esta pesquisa é: quais são as principais leis, decretos, portarias e outras normativas brasileiras que abordam o bullying no contexto escolar, e como elas definem, previnem e tratam essa questão? Para responder a essa indagação, delimita-se o escopo da análise à legislação federal brasileira, com foco em um período a ser definido (por exemplo, os últimos dez anos ou desde a promulgação de uma possível lei marco), podendo-se referenciar normativas estaduais ou municipais apenas quando estritamente relevantes para complementar a compreensão do panorama nacional.

A etapa de identificação e seleção das fontes documentais será conduzida através da utilização de palavras-chave como “bullying escolar”, “violência escolar”, “assédio moral escolar”, “legislação educacional”, “direitos da criança e do adolescente”, “Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, e “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)”, entre outros termos correlatos. A busca será realizada em bases de dados e fontes de informação oficiais, incluindo sítios do Governo Federal (Presidência da República, Ministério da Educação, Planalto), bases de dados legislativas (como o LEGIS), o Diário Oficial da União (DOU), os Conselhos Nacionais de Educação e dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), e a jurisprudência relevante de tribunais superiores. Os critérios de seleção priorizarão documentos que tratam diretamente do bullying no contexto escolar ou que possuam implicações significativas para a compreensão e o tratamento do tema, com ênfase na legislação vigente e nas normas de maior hierarquia.

A coleta e organização dos dados ocorrerão de forma sistemática, com o registro detalhado dos documentos encontrados. Uma leitura exploratória inicial permitirá identificar os documentos mais relevantes, que serão posteriormente submetidos a uma leitura seletiva e analítica. Nesta etapa, serão identificadas as definições de bullying (quando presentes), os mecanismos de prevenção e combate previstos, as responsabilidades dos diversos atores envolvidos (escola, família, poder público), as sanções ou medidas disciplinares relacionadas, as disposições sobre formação de professores e conscientização, e as articulações com outras leis e políticas públicas. As informações extraídas serão organizadas através de fichários, planilhas eletrônicas ou outros sistemas que permitam a categorização e o cruzamento dos dados, facilitando a análise posterior.

A análise e interpretação dos dados envolverão uma análise descritiva do panorama legislativo, uma análise comparativa das diferentes abordagens e terminologias utilizadas, e uma análise crítica da efetividade da legislação para enfrentar o bullying. Serão identificadas possíveis lacunas, ambiguidades ou desafios na aplicação das normas. A interpretação buscará relacionar os achados com o contexto social, educacional e jurídico brasileiro, discutindo as implicações da legislação para a comunidade escolar e para as políticas públicas.

Finalmente, o relatório da revisão documental apresentará a introdução, a metodologia detalhada, os resultados e a discussão da análise da legislação, as conclusões que sintetizam os principais achados e respondem à questão de pesquisa, e as referências de todos os documentos consultados. A postura crítica e reflexiva permeará todo o processo, buscando a transparência na descrição metodológica para garantir a validade e a compreensão dos resultados obtidos.

3. RESULTADOS

No cenário nacional, a análise da legislação revela um panorama específico em relação ao bullying escolar. Foram identificados três normativas de caráter informativo, duas com foco na prevenção e, notavelmente, nenhuma de natureza punitiva direcionada diretamente ao fenômeno.

 A Lei nº 13.185/2015, originada do Projeto de Lei nº 5.369/2009, institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), configurando-se como uma legislação de natureza preventiva ao estabelecer, em seus objetivos, ações de intervenção e prevenção contra todas as formas de violência.

 Em contrapartida, a Lei nº 13.277/2016 institui o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola, possuindo um caráter eminentemente informativo ao designar uma data para a conscientização sobre o problema. Por fim, a Lei nº 13.663/2018, de natureza preventiva, promove uma alteração na Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN), ao incluir, entre os deveres das instituições de ensino, a promoção de medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, bem como o fomento à cultura de paz no ambiente escolar. Este quadro legislativo aponta para uma ênfase nas ações de informação e prevenção, com uma ausência de dispositivos legais que estabeleçam punições específicas para a prática do bullying no contexto escolar.

A seguir, apresento um quadro com legislações estaduais brasileiras referentes ao bullying escolar, incluindo o Distrito Federal. As leis são classificadas conforme sua natureza: Informativa (I), Preventiva (P) e punitiva (U). Algumas legislações podem abranger mais de uma dessas categorias.

Quadro 1- Classificação das leis estaduais de acordo com sua natureza

EstadoNúmero da LeiNatureza da Lei
São PauloLei nº 18.069/2024preventiva, punitiva
Santa CatarinaLei nº 14.651/2009informativa, preventiva
GoiásLei nº 17.651/2012informativa
CearáLei nº 14.754/2010informativa, preventiva
MaranhãoLei nº 9.297/2010informativa, preventiva
ParaíbaLei nº 8.538/2008informativa, preventiva
ParanáLei nº 17.355/2012informativa, preventiva
Rio Grande do SulLei nº 13.474/2010informativa, preventiva
SergipeLei nº 7.055/2010informativa, preventiva

Fonte: autora, 2025

4. DISCUSSÃO

4.1 A análise das legislações estaduais brasileiras

A análise das legislações estaduais brasileiras revelou um esforço crescente dos entes federativos no enfrentamento ao bullying escolar. Diversos estados aprovaram leis específicas que abordam a problemática sob diferentes enfoques, demonstrando um movimento descentralizado de conscientização e regulamentação da violência nas escolas (BRASIL, 2015; SILVA; PEREIRA, 2020).

Embora exista a Lei Federal nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática em âmbito nacional, as legislações estaduais complementam e, em alguns casos, aprofundam as diretrizes estabelecidas no plano federal, evidenciando a preocupação regional com a realidade vivida nas escolas públicas e privadas (BRASIL, 2015).

Entre os estados analisados, observa-se uma predominância de leis com natureza preventiva e informativa, o que revela uma tendência das políticas públicas educacionais em priorizar a conscientização, a formação de profissionais da educação e o estímulo ao diálogo nas instituições escolares (OLIVEIRA; CARVALHO, 2021).

Estados como São Paulo, Santa Catarina e Ceará instituíram leis robustas que preveem ações educativas, campanhas de sensibilização, inclusão do tema nos projetos pedagógicos e a capacitação contínua dos professores e demais profissionais da escola (SÃO PAULO, 2024; SANTA CATARINA, 2009; CEARÁ, 2010).

A presença de legislações com natureza punitiva é mais restrita, embora também significativa. Algumas normas estaduais estabelecem sanções aos alunos infratores e responsabilização das instituições escolares que se omitem diante de casos comprovados de intimidação sistemática (SÃO PAULO, 2024; MENDES; RIBEIRO, 2022).

A pluralidade de enfoques encontrados nas legislações estaduais confirma que o bullying escolar é compreendido como um fenômeno multifacetado, que exige estratégias diversas de enfrentamento, incluindo ações pedagógicas, medidas disciplinares e mecanismos de proteção às vítimas (BORGES; NASCIMENTO, 2021).

A análise de conteúdo das leis identificadas permitiu a categorização das normas segundo os critérios definidos previamente: natureza informativa, preventiva e punitiva. Essa classificação revelou que muitas leis acumulam mais de uma função, caracterizando-se como normativas de natureza híbrida (BARDIN, 2011).

Por exemplo, a Lei nº 14.651/2009 de Santa Catarina é tanto informativa quanto preventiva, pois define o que é bullying, descreve suas manifestações e propõe a criação de programas educativos voltados à sua erradicação nas escolas (SANTA CATARINA, 2009).

Já a Lei nº 18.069/2024 do Estado de São Paulo apresenta características preventivas e punitivas, ao instituir protocolos obrigatórios para a detecção precoce de casos e ao prever responsabilização de gestores escolares que negligenciem medidas de enfrentamento (SÃO PAULO, 2024).

A maioria das legislações utiliza uma linguagem acessível, o que facilita sua compreensão por parte da comunidade escolar, alunos e responsáveis. No entanto, nem todas apresentam mecanismos claros de implementação e monitoramento, o que pode comprometer sua efetividade (SILVA; PEREIRA, 2020).

Outro aspecto relevante observado foi a ausência de legislação específica em alguns estados ou a existência de leis genéricas sobre violência escolar que apenas tangenciam o bullying, sem defini-lo ou tratá-lo com a devida profundidade (ALMEIDA; LIMA, 2019).

Esse cenário revela a necessidade de uma maior uniformização dos dispositivos legais e o fortalecimento da cooperação entre estados e a União, a fim de garantir uma política pública articulada, efetiva e abrangente no combate ao bullying escolar (MENDES; RIBEIRO, 2022).

Além disso, constata-se que a efetividade das leis depende diretamente de sua aplicação prática nas unidades escolares. A simples promulgação da norma não garante a mudança de comportamento institucional ou individual, sendo necessário investir na formação docente e na mobilização das comunidades escolares (BORGES; NASCIMENTO, 2021).

Observou-se também que poucas legislações estaduais preveem a participação das famílias no enfrentamento ao bullying, o que representa uma lacuna importante, já que o envolvimento dos pais ou responsáveis é crucial para a superação do problema (OLIVEIRA; CARVALHO, 2021).

A ausência de mecanismos de avaliação e fiscalização foi outro ponto crítico identificado. Em geral, as leis não determinam indicadores de acompanhamento ou órgãos responsáveis por monitorar os resultados das políticas implementadas (ALMEIDA; LIMA, 2019).

 No entanto, algumas boas práticas foram encontradas. A Paraíba, por exemplo, instituiu canais de denúncia e programas de mediação de conflitos escolares, integrando a atuação do sistema educacional com a rede de proteção à infância e adolescência (PARAÍBA, 2008).

 A análise comparativa entre os estados demonstrou que fatores como pressão da sociedade civil, atuação do Ministério Público e envolvimento de organizações não governamentais influenciam diretamente na existência e qualidade das legislações estaduais (MENDES; RIBEIRO, 2022).

As diferentes realidades regionais, sobretudo entre estados com maior ou menor índice de violência escolar, também impactam no conteúdo e na urgência da produção legislativa, evidenciando que a legislação acompanha, em certa medida, a demanda social (SILVA; PEREIRA, 2020).

De modo geral, os resultados indicam avanços importantes no reconhecimento legal do bullying escolar como uma violação de direitos e como um obstáculo ao processo educacional pleno, embora ainda persistam desafios no tocante à operacionalização dessas normas (BORGES; NASCIMENTO, 2021).

Em síntese, as legislações estaduais sobre bullying escolar no Brasil representam instrumentos valiosos para o enfrentamento da violência no ambiente educacional, mas sua eficácia está diretamente ligada à capacidade dos sistemas de ensino em promover ações integradas, contínuas e participativas (BARDIN, 2011; BRASIL, 2015).

4.2 Do caráter punitivo e preventivo das leis

O caráter preventivo das legislações estaduais que tratam do bullying escolar tem se mostrado prioritário na maioria dos textos normativos analisados. As ações propostas concentram-se em campanhas educativas, formação continuada de professores e inclusão do tema nos projetos pedagógicos das escolas (OLIVEIRA; CARVALHO, 2021). Tais medidas visam criar uma cultura de paz e respeito nas instituições de ensino, prevenindo a ocorrência de intimidações sistemáticas. As legislações de estados como Ceará e Santa Catarina evidenciam esse enfoque, ao descreverem programas permanentes de sensibilização e capacitação (CEARÁ, 2010; SANTA CATARINA, 2009).

Além da prevenção, algumas legislações incorporam um viés punitivo, voltado à responsabilização dos agressores e das instituições escolares que se omitem diante do bullying. Essas normas buscam reforçar a importância da atuação imediata da escola, sob pena de sanções administrativas ou civis (MENDES; RIBEIRO, 2022). Em São Paulo, por exemplo, a Lei nº 18.069/2024 prevê protocolos obrigatórios para o enfrentamento de casos de bullying, vinculando responsabilidades aos gestores escolares (SÃO PAULO, 2024). Essa abordagem visa não apenas punir, mas incentivar respostas rápidas e eficazes às ocorrências.

A combinação entre medidas preventivas e punitivas reflete a complexidade do fenômeno do bullying, que não pode ser combatido apenas com ações educativas ou apenas com penalizações. Conforme Bardin (2011), estratégias de enfrentamento eficazes devem considerar tanto a mudança cultural quanto os mecanismos de controle institucional. Leis que possuem natureza híbrida, como ocorre em diversos estados, tendem a ser mais abrangentes e adaptadas às diversas realidades escolares. Dessa forma, o sistema legal se torna uma ferramenta pedagógica e disciplinar ao mesmo tempo.

Contudo, é importante ressaltar que o caráter punitivo das leis deve ser aplicado com cautela, especialmente quando envolve alunos em desenvolvimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que a responsabilização de menores deve sempre priorizar o caráter educativo e protetivo (BRASIL, 1990). Assim, as punições previstas nas legislações estaduais devem respeitar esse princípio, evitando sanções que gerem exclusão ou estigmatização. O equilíbrio entre prevenção e punição é, portanto, essencial para garantir uma resposta justa e eficaz ao problema.

Todavia, a efetividade das legislações com caráter preventivo e punitivo está diretamente ligada à capacidade das escolas e dos sistemas de ensino em implementar essas diretrizes no cotidiano escolar. Apenas com investimento em formação, estrutura adequada e acompanhamento pedagógico será possível transformar os dispositivos legais em ações concretas (BORGES; NASCIMENTO, 2021). Além disso, a articulação entre escola, família e rede de proteção é fundamental para que as medidas previstas nas leis sejam aplicadas de forma integral e humanizada.      

4.3 A responsabilização da escola

A escola possui papel central na aplicação das legislações que tratam do bullying, uma vez que é nesse espaço que ocorrem a maioria das situações de intimidação sistemática entre crianças e adolescentes. A legislação brasileira atribui à instituição de ensino a responsabilidade de implementar ações preventivas, acompanhar os casos identificados e adotar medidas protetivas aos envolvidos (BRASIL, 2015). Essa atuação deve ser planejada de forma contínua e articulada com os princípios da educação inclusiva e dos direitos da criança e do adolescente.

Dentre as atribuições previstas, destaca-se a obrigação das escolas de incluírem ações de prevenção ao bullying nos projetos pedagógicos, capacitar os profissionais da educação e envolver a comunidade escolar no debate sobre o tema (OLIVEIRA; CARVALHO, 2021). Tais ações são fundamentais para o desenvolvimento de um ambiente saudável e seguro, propício ao aprendizado. Além disso, a omissão da escola frente a episódios de violência pode configurar negligência institucional, passível de responsabilização administrativa ou civil.

A Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (bullying) em âmbito nacional, determina que as escolas devem promover medidas de conscientização, prevenção, diagnóstico e combate ao bullying (BRASIL, 2015). O descumprimento dessas diretrizes pode acarretar consequências para a gestão escolar, especialmente nos estados que já regulamentaram sanções específicas em suas legislações estaduais. Assim, a atuação ativa e responsável da escola é fundamental para garantir o cumprimento das normas legais e a proteção dos estudantes.

A responsabilização das instituições escolares, no entanto, não deve ter caráter apenas punitivo. É necessário garantir suporte técnico e formação continuada aos profissionais da educação, a fim de que estejam preparados para identificar, intervir e encaminhar corretamente os casos de bullying (BORGES; NASCIMENTO, 2021). Sem recursos adequados e uma política de educação em direitos humanos, as escolas podem encontrar dificuldades em aplicar efetivamente a legislação, mesmo que tenham boa vontade institucional.

Portanto, a responsabilidade da escola vai além do cumprimento formal da lei. Envolve o compromisso com uma cultura escolar democrática, acolhedora e promotora de equidade. As instituições de ensino devem ser espaços de formação ética, onde o respeito às diferenças seja incentivado e a violência, sistematicamente combatida (MENDES; RIBEIRO, 2022). A legislação, por si só, é insuficiente se não for acompanhada de práticas pedagógicas coerentes, monitoramento constante e engajamento coletivo de toda a comunidade escolar.

5. Considerações finais

Conforme a literatura o enfrentamento ao bullying escolar no Brasil tem avançado significativamente com a promulgação de legislações específicas nos âmbitos federal e estadual, as quais têm atribuído às instituições de ensino responsabilidades claras no que se refere à prevenção, identificação e intervenção frente a casos de intimidação sistemática. A análise das normas revela uma tendência de integração entre medidas de caráter preventivo, como campanhas educativas e formação docente, e punitivo, como a responsabilização dos agressores e da escola em caso de omissão. Contudo, a efetividade dessas ações depende diretamente do comprometimento das escolas com a implementação das diretrizes legais e da articulação com toda a comunidade escolar.

É fundamental compreender que a legislação, embora essencial, representa apenas uma das ferramentas de combate ao bullying. Sua eficácia está atrelada à construção de uma cultura escolar baseada no respeito, na empatia e na valorização da diversidade. Cabe à escola assumir seu papel como agente formador de cidadania, garantindo um ambiente seguro e acolhedor a todos os estudantes. Dessa forma, as leis deixam de ser apenas um instrumento normativo para se tornarem práticas concretas de promoção da convivência saudável e da dignidade humana no cotidiano escolar.

REFERÊNCIAS

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MENDES, J. F.; RIBEIRO, M. S. Violência escolar e responsabilidade institucional: a aplicação das leis estaduais sobre bullying. Revista Brasileira de Políticas Educacionais, v. 12, n. 1, p. 89–104, 2022.

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