REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8118413
Rita de Cássia Albino1
Karla Cristina Bastos de Souza2
Diego Jorge dos Santos3
Resumo: As relações humanas, são permeadas pelo uso de artefatos que influenciam as ações e o modo do homem interagir com o mundo ao seu redor. A teoria ator-rede, entende que o ser humano possui uma relação simétrica com os artefatos que utiliza, sendo que ambos são agentes sociais capazes de influenciar um ao outro. Diante disso, discute-se qual seria o papel do designer, no que tange construir métodos capazes de suprir a demanda envolvendo o Design Atitudinal e o Design Emocional, visando preencher esta lacuna que ultrapassa a funcionalidade e a usabilidade dos artefatos, os quais precisam trazer também satisfação ao ser humano ao ponto de gerar a sensação de habitabilidade do artefato utilizado no seu dia a dia.
Palavras-chave: Artefato; Usabilidade; Design Emocional; Design Atitudinal.
Abstract: Human relationships are permeated by the use of artifacts that influence the actions and way of man interacting with the world around him. The Actor-Network theory understands that the human being has a symmetrical relationship with the artifacts he uses, both of which are social agents capable of influencing each other. Therefore, it is discussed what would be the role of the designer, in terms of building methods capable of supplying the demand involving Attitudinal Design and Emotional Design, aiming to fill this gap that goes beyond the functionality and usability of the artifacts, which also need to bring satisfaction to the human being in order to generate the sensation of inhabiting the object used in everyday life.
Keywords: Artifact; Usability; Emotional Design; Attitudinal Design.
Introdução
Pensar nas relações humanas sem o auxílio dos artefatos é algo impossível de ser realizado, a ponto de eles terem a autonomia de influenciar ações e a maneira do homem interagir com o mundo. Desde que existe humanidade, existem artefatos – extensões do corpo humano, tais como indumentárias e ferramentas para caça, que possibilitam a execução de tarefas básicas para a sobrevivência da espécie.
A teoria ator-rede, desenvolvida por LATOUR (2012) e outros autores, vai contra a linha de pensamento cartesiana, em que o social é construído por grupos de humanos que interagem com objetos neutros (MEYER, 2013). Defende-se que humanos e não humanos tem uma relação simétrica, em que ambos são agentes sociais que influenciam um ao outro.
Tendo em mente que sem os artefatos não existe vida humana tal como ela é, o designer tem uma grande responsabilidade ao realizar o ato estético e projetual. Deve-se ter empatia pelo usuário final e a consciência de que seu produto pode tomar dimensões diferentes das propostas iniciais, já que o objeto influência ações humanas, mas também é influenciado por elas, havendo uma relação entre consciência e objeto, haja vista que um é projetado pela outra e a partir desta intencionalidade de novos olhares este é criado ou remodelado, não sendo incomum que um artefato assuma uma função diferente da que foi projetado para desempenhar.
Todos os dias, o homem é bombardeado de informações, novos conceitos e possibilidades, que oferecem a ele a oportunidade de ampliar seu repertório, o que provoca também constantes mudanças no seu modo de interagir com os artefatos. As pesquisas para levantamento de novas técnicas, ferramentas e as possibilidades combinatórias entre elas possuem o caráter de conferir aos designers uma melhor preparação no que diz respeito à afetação emocional que um artefato é capaz de causar em um indivíduo, bem como na sua forma de interagir com o que o cerca, uma vez que prepara o profissional dessa área para a interdisciplinaridade, tão presente na indústria criativa (NIEMEYER, 2008).
Assim, sob a ótica do design atitudinal é possível evidenciar que o artefato além de funcionalidade e de usabilidade, precisa trazer a satisfação ao ser humano que o utiliza. Ele interage com o indivíduo à medida que se insere e comunica com os seus desejos, forma de viver, seja cultural, social ou economicamente, tornando esse artefato único para quem o utiliza.
Ademais, diante da diversidade de termos, quais sejam, economia, antropologia do consumo, interação emocional, entre outros, que norteiam as questões atitudinais e emocionais no campo do design e que permite que esta questão possa ser percebida por diferentes ângulos (NIEMEYER, 2008), o presente artigo, almeja chamar a atenção para o fato de que ainda que existam tantos nomes e possibilidades de interação com diferentes teorias, o elo central capaz de entrelaçar todos eles é a “experiência”.
Enfim, somada a esta “experiência”, há a capacidade de transcendência, a imagética, como por exemplo, ocorre que objetos vintages, que permite ao indivíduo um contato emocional com o passado familiar e histórico, provocando nele um encanto pelo artefato, a tal ponto que é possível entrelaçar essa constatação com a teoria ator-rede, que salienta que o usuário, juntamente com o artefato e o ambiente em que estão inseridos encontra se em um contexto de interação capaz de se colocar em constante e infinita mutação (LATOUR, 2012).
2. Fundamentação Teórica
Às seis horas da manhã o indivíduo acorda com o som de sua música favorita emitida pelo seu dispositivo móvel, que está sobre sua cabeceira. Seu corpo reage às ondas sonoras, despertando e retomando a consciência de todas as atividades que devem ser executadas durante o dia. Primeiramente ao levantar-se de sua cama, desenrolar-se de seu edredom, que insiste em mantê-lo em segurança e confortável. A sensação de bem-estar é tão grande, que ele decide ficar mais cinco minutos em repouso, logo reprograma o seu smartphone e o coloca no modo “soneca”. O tempo passa tão rápido e em um susto ele desperta novamente com o toque escolhido por ele em um aplicativo disponível no sistema operacional de seu celular. E tão breve, se despede de suas cobertas, que não tem mais o poder de mantê-lo naquele ambiente familiar composto por elementos funcionais e emocionais. O cotidiano do sujeito está repleto de materialidades desde o momento em que desperta até a hora de voltar a dormir. Os artefatos influenciam seu comportamento através de afetações e funcionalidades, se o sistema de seu dispositivo falha, ele perderá a hora de levantar e isso trará uma transformação em toda sua rotina. De repente, o homem perderá o ônibus, outro artefato, e se atrasará para bater o ponto eletrônico, idem.
As relações humanas, em sua maioria, são dependentes da materialidade (CAMILLIS apud LAW, 2013). Segundo Latour (2012), os artefatos deixam de ser apenas “coisas” e passam a ter agência, capazes de provocar transformações, ou seja, eles não são meros intermediários, mas sim mediadores de uma ação. Não se deve negligenciar o ser humano como um ator, mas relacioná-lo de forma simétrica aos artefatos, que também são actantes. Elementos artificiais são necessários para a sustentação da vida, desde o princípio de sua história o homem elabora utensílios que o auxiliam a sobreviver.
Segundo BECCARI (2016), o design é como o pó, tudo se reduz a ele, mas o pó também é um tipo de véu, que cobre tudo. Portanto, o design está presente em todas as esferas em que o homem está inserido, pois ele e seu corpo por si só não bastam para realizar as tarefas necessárias para a sua própria sobrevivência.
Neil Harbisson, artista contemporâneo, compositor a ativista ciborgue de origem catalã, nascido na Irlanda do Norte, sendo a primeira pessoa reconhecida como um ciborgue ao se utilizar de um eyeborg, no ano de 2004 e possuir a capacidade auto-estendida de ouvir cores e percebê-las fora da capacidade de visão humana, afirma que o ser humano é biologicamente limitado, ele não tem capacidades incríveis como as de muitos animais, mas tem a habilidade de criar artefatos tecnológicos que os ajuda a superar suas limitações.
Stangl apud McLuhan (2008), disserta que todos os artefatos, desde a língua até ferramentas como o computador e o próprio vestuário, são extensões do corpo. O autor defende que existe a necessidade de amplificar as capacidades humanas, assim a bicicleta, por exemplo, é uma extensão das pernas que permite se locomover com maior velocidade, assim como os óculos permitem enxergar sem ruídos, e as roupas são uma segunda pele.
As gerações atuais não vivem como as anteriores, pois à medida que a tecnologia se desenvolve o comportamento da sociedade muda. Um mundo que lê é diferente daquele que é analfabeto. Gutenberg criou o processo de impressão, fazendo com que as pessoas se tornassem leitoras, a máquina Xerox as fez editoras e os computadores as tornou autoras (STANGL, 2008).
A evolução da comunicação afetou drasticamente a forma como a humanidade se relaciona, possibilitou a globalização dos conhecimentos, mesclou culturas e fez com que a distância não fosse mais um empecilho ao compartilhamento e colaboração. A internet é um advento inimaginável às gerações antigas, que revolucionou todo o sistema em que o homem vive, hoje não é possível imaginar um mundo sem o recurso. O intermediário entre o usuário e a rede é o Design, através da interface que ele proporciona todo o processo de comunicação acontece (WALLER, 2016).
Em uma visão antiquada o design era meramente responsável por mudar a aparência de um produto, deixando as preocupações entediantes e funcionais para os engenheiros (LATOUR, 2014). Atualmente, a área ocupa-se em materializar artefatos, e deve mostrar preocupação com a função, forma e a aceitação da sociedade.
Muitos produtos obtêm grande sucesso em suas fases projetuais, mas ao alcançar o mercado não atinge os usuários. É necessário assumir o desafio de que aquilo que se elabora afeta a vida das pessoas e outras coisas de diversas e complexas maneiras (PORTUGAL, 2014). Por isso, sendo o homem um ser inserido na sociedade, e consequentemente um ser político que interage e ao mesmo tempo é partícipe da construção dela, ao falar-se no desenvolvimento do artefato, que passa por uma série de influências que vão além das necessidades dos usuários e até mesmo da proposta da empresa, emerge uma rede de elementos humanos e não humanos que exercem interferência no projeto.
A natureza projetual não atua apenas na construção de um objeto. Primeiramente, ela afeta o mundo em que o artefato está inserido e só após o início deste processo (MOURA, 2009). De acordo com MOURA (2009), o homem está caminhando para a era do design total, em que os detalhes são planejados e concebidos integralmente à sua vontade. Somado a isso, busca-se por uma estética intrínseca ao design, levando a uma crítica do design gourmetizado.
Outrossim, SILVA (2014, expõem que o advento do capitalismo muda a forma como o ser humano se relaciona com os artefatos, eles deixam de ter como única característica os aspectos funcionais, de extensão do corpo, e passam a ser ícone do consumismo. Todo produto possui valor simbólico, histórico e material.
Ainda sob esta ótica, os objetos representam aquele que o possui, lhe dando personalidade e a sensação de unicidade. Eles influenciam de todas as formas a vida humana, as classes sociais, por exemplo, são definidas de acordo com o poder de consumo do indivíduo. A materialidade define a dignidade da vida do homem, aquele que não tem condições de compra, fica exposto a vulnerabilidades dentro do sistema, sendo colocado às margens da sociedade.
“Ser pobre é, também, não estar inserido em dado grupo social, é ser discriminado pela condição socioeconômica, é ser um não ser na sociedade de consumo, na qual só se reconhece a pessoa consumidora. (SILVA, Daisy, 2014).”
Fascioni (2010), aduz que nesta esfera, o Design tem o poder de conquistar, enquanto o Marketing atrai, sendo este um “casamento” perfeito. Nesta realidade, a efemeridade ganha força e os artefatos modificam-se em um curto período, instigando o homem a comprar pela ânsia da estética e status.
O Design desperta no ser humano diversas emoções, busca explorar os sentidos, assim como a parte sensível do ser humano, de modo que partindo do sensorial, tem a capacidade de conquistar o racional. Então, o ato projetual deve considerar como o usuário compreende o mundo (LIPOVETSKY, 1989).
Então, os produtos precisam ser a cada dia projetados sob a ótica dessa capacidade humana de imaginar, criar ou modificar algo visualizando de um novo modo, ou seja, é necessário que os designers iniciem rapidamente um processo de ir além do óbvio, visto que o papel do design é também o de materializar significados e emoções (NIEMEYER, 2008).
Se antes, no início da era industrial, as correntes artísticas eram responsáveis pela representação do modo de enxergar do indivíduo daquela época, mais adiante na virada do século XIX para o século XX, os profissionais da área do design se viram impelidos pela necessidade de fazer ajustes dos produtos, que passam a agregar também uma funcionalidade (DESMET E OUTROS, 2000).
Mais tarde, após a II Guerra Mundial, foi a vez do design contar também com os aportes da ergonomia, ocasião em que além de funcional, o produto precisava agora se adequar ao usuário de acordo com a tarefa a desempenhar e mais tarde, a significação também ganha grande relevância (LÖBACH, 1976).
É importante ressaltar que ainda nesse momento se inicia um período em que o efêmero dita a produção, bem como o consumo dos artefatos, sendo esse o período em que a obsolescência programada começa a emergir, o que permite um constante revigorar no consumo e é dentro desse cenário, que se constrói uma nova relação com os produtos, isto é, eles ultrapassam a funcionalidade e evoluem para o lúdico e sem perceber, a performance aparece como um progresso de conforto, eficácia, entre outras significações capazes de causar afetação emocional dos artefatos, que gera um sentido maior no indivíduo, o de “habitabilidade” (LIPOVETSKY, 1989).
As emoções desempenham um papel singular na capacidade humana de questionar, pensar e compreender com profundidade o mundo e os artefatos com os quais o homem interage. Para NORMAN (2004), as emoções são processadas pelo cérebro humano em três níveis distintos. São eles:
1. Visceral: pode-se dizer que é onde inicia-se o processo emocional, isto é, onde o indivíduo pode distinguir o que se pode definir como “certeza moral”, o que de imediato é reconhecido como bonito ou feio, seguro ou perigoso, entre outros sentimentos opostos;
2. Comportamental: é um nível em que a análise e resposta sobre um artefato são mais elaboradas. Por não se tratar de um nível consciente, permite que o ser humano desempenhe outras funções enquanto reflete, como por exemplo ouvir uma música, dirigir um carro, entre outras atividades;
3. Reflexivo: Nesse nível, o cérebro humano é capaz de pensar sobre suas próprias operações, camada em que é possível a reflexão (pensamento consciente), permitindo que o indivíduo aprenda novos conceitos sobre o mundo e embora não tenha acesso direto ao comportamento, ele o influencia através dos atos de vigiar, refletir, etc.
Bonsiepe (2011), evidencia que o papel central do designer é projetar a interface, visto que segundo ele o design é o domínio no qual se estrutura a interação entre usuário e produto para facilitar ações efetivas. Nesse contexto, é possível concluir que o indivíduo se relaciona com o produto e com o ambiente em que ambos (ele e produto) estão inseridos, de maneira que dentro desse ambiente de interação que é gerado, é capaz de proporcionar uma situação indutora de emoção, o que reforça a relação feita por Fascioni (2010), evidenciada anteriormente neste artigo de que o Design e o Marketing são um casamento perfeito, pois nessa relação o efêmero se fortalece, modificando os artefatos, de maneira que o homem adquire um produto por desejo estético e de status.
Conclui-se então, que um artefato que consiga trabalhar os três níveis acima descritos, possui maiores chances de aceitação por parte do usuário e reforça o que BERND (1976) disse, qual seja, “design é o processo de adaptação do entorno objetual às necessidades físicas e psíquicas dos indivíduos da sociedade”.
Não é tarefa fácil identificar e interpretar os anseios de um indivíduo e o modo que ele interpreta ou tem uma experiência “habitacional” em relação a um artefato. Isso pode ocorrer porque ainda que ele tenha sido projetado com o intuito de comunicar algo específico, a maneira do indivíduo relacionar-se com ele é única, mas ainda assim, por conta de ele ter seguido um caminho consciente e validado com testes ao longo desse desenvolvimento as chances de sucesso são proporcionalmente muito maiores do que quando esse caminho projetual não é seguido (MONT’ALVÃO E DAMAZIO, 2008).
No Brasil, o design emocional surge em meados da década de 90, ocasião em que o renomado designer romeno Alexander Manu, proferiu uma palestra na Universidade Católica do Paraná intitulada “Form Follows Spirit”, em que alertava para o fato de que os designers, acostumados com a criação de artefatos físicos, estavam observando somente o tangível, o que os levava a pensarem apenas nas necessidades mecânicas dos usuários.
“O paradigma de se projetar produtos funcionais para a produção em série morreu com Ulm. (KRIPPENDORFF, Klaus, 2001).”
Anos mais tarde, já no início do ano 2000, os designers iniciam um processo de percepção dos artefatos por eles projetados não mais somente como “coisas”, mas como “símbolos, práticas, preferências” e indo além passam a observar os mesmos sob a ótica de seus usuários, que reagiam aos mesmos não apenas por suas qualidades físicas, mas àquelas inicialmente intangíveis, que representam significados para quem os utiliza (SCOLARI, 2008).
Esta reflexão conversa com a mesma apresentada por LATOUR (2012), onde se apresenta a contextualização de que os artefatos transcendem para o que ele chama de agência e se tornam agentes transformadores, capazes de mediar uma ação através de sua afetação emocional no indivíduo.
Cada vez mais o termo experience vem se destacando nas pesquisas em design, que embora possua uma forte característica interdisciplinar, e dessa maneira, os designers ainda não possuem total capacidade em projetar experiências, as mesmas podem ser percebidas de acordo com RUSSO E HEKKERT (2008), comparando-as aos princípios fundamentais do “amor”, já que os artefatos são capazes de causar experiências que mesclam emoções, estética e significação para o usuário, levando o mesmo ao que definem como “unidade de encanto sensual (sentidos), interpretação significativa e envolvimento emocional”.
O que pode ser observado diante dessa colocação é o fato de que metaforicamente os artefatos são reconhecidamente “amados” por seus respectivos usuários e verdadeiramente, como afirmado por Latour (2012), elementos artificiais são necessários para a sustentação da vida e isso ocorre desde o princípio de sua história, onde o homem elaborava utensílios que o auxiliasse a sobreviver.
Quando a experiência do usuário com o seu celular é descrita no início do artigo, implicitamente fica entendido que o mesmo “ama” usar aquele artefato. Afinal de contas, ele responde às suas expectativas e o auxilia na sobrevivência. Ele, portanto, consegue praticamente “habitar” esse artefato, de maneira que se sente entendido por ele, por conta dessa fluência de interação que ele experimenta em sua utilização.
Niemeyer (2003), lembra que embora os designers façam parte de uma categoria profissional responsável pela elaboração da materialidade, ele não pode deixar de considerar o fato de que talvez o centro da modernidade está na particularidade do indivíduo. Isto significa, que em meio à complexidade ambiental que contempla os aspectos da vida social e cultura, é primordial salientar os aspectos afetivos na tentativa de se conseguir lidar com esta complexidade, sendo que estas condições já não são meros devaneios do pensamento racional, mas se tornam anfitriões para orientar e gerar conhecimento dentro desta complexidade.
Esta “nova” complexidade eleva o design emocional ao patamar de gerar a capacidade de reinserção das relações humanas nesse ambiente, não sendo possível excluir também, a importância das qualidades simbólicas do artefato, já que são elas que fornecem ao ser humano a capacidade de constantemente reconstruir sua maneira de compreender o mundo e ainda a maneira pela qual ocorre a interação entre essa compreensão e os atributos do artefato, ou seja, qual a mensagem transmitida pelo artefato ao usuário e qual a influência do mesmo frente ao que o indivíduo transmite ao mundo através dele (NIEMEYER, 2013).
Assim, partindo do pensamento de WITTGENSTEIN (1994), sobre a linguagem a partir da cultura, podemos também afirmar que o artefato, sendo simbólico é expressão local e cultural, seja coletiva ou individual moldando-se na relação ser-objeto, em um processo relacional como o da intencionalidade husserliana, a qual está ligada ao objeto numa relação intrínseca com o ser.
O que se torna mais curioso diante dessa complexidade ambiental, é que os artefatos não precisam necessariamente assumir um papel estático nessa rede, uma vez que quando inseridos nesse processo de interação, as emoções, isto é, sentimentos e expectativas do indivíduo se tornam capazes de alterar o desempenho do artefato (RUSSO E OUTROS, 2008).
Isto leva ainda à possibilidade de os artefatos serem projetados para adequar-se à esta dinâmica da relação de uso e à premissa de que fazer design requer ir muito além de simplesmente projetar produtos, exige resolver problemas de diálogo do ser humano com os outros e consigo mesmo, interação essa que ultrapassa a questão meramente estética, funcional ou ergonômica, mas é capaz de auxiliar o indivíduo no alcance da esfera de significação tão buscada pelo mesmo (Niemeyer, 2008).
2. Metodologia
Uma vez estabelecida essa conexão elencada anteriormente, o design estabelece uma nova metodologia que contempla a emoção, a significação e ainda o sistema de informação estabelecido entre artefato e usuário e ela, tem constantemente evoluído nos últimos anos para o termo intitulado Design Atitudinal, que possibilita além da perspectiva do novo a construção de uma individualidade nesse ambiente complexo (NIEMEYER, 2008).
No Design Atitudinal, os processos são estabelecidos no intuito de gerar ferramentas e métodos aplicáveis para auxiliar os designers neste estudo de interações entre ser humano e artefatos, ou melhor dizendo, compreensão do relacionamento do indivíduo com os aspectos físicos, que evoluem de tal forma que se tornam capazes de projetar uma influência afetiva no mesmo (MEYER, 2016).
Niemeyer (2008), destaca ainda que qualquer interação humana abarca emoções, que dentro de um cenário complexo constroem elementos de expressão e por consequência de experimentação para o indivíduo e que isso ocorre diante da possibilidade que os artefatos possuem de extrapolarem a esfera da funcionalidade (nível da materialidade) e estabelecerem relações subjetivas, através das emoções e cognições do usuário.
Outra consideração importante é reconhecer a relevância de um aprofundamento em design atitudinal com enfoque na compreensão de como os sentidos se realizam e afetam a percepção de um artefato (NIEMEYER, 2013).
No entanto, este aprofundamento é complexo, já que as emoções geralmente são causadas não pelo artefato em si, mas sim por significados dele derivados. Assim, o valor emocional não pode ser estudado meramente como parte do desenvolvimento do projeto de um artefato, mas como ponto inicial dele.
É majoritário entre os designers, que existe a falta de uma forma de comunicação adequada entre eles e os destinatários dos artefatos por eles criados. Ao encontro dessa lacuna, estão alguns pesquisadores que buscam aperfeiçoamento de sistemas de sondagem e mensuração (Niemeyer, 2008), que possuem como principal alvo investigar e levantar conhecimentos existentes referente aos processos perceptivos que já existem, capazes de enriquecer a interação do ser humano com o artefato e ampliar a questão sensorial da interação.
Para que esse aperfeiçoamento se torne possível, o principal ponto é a definição dos interesses específicos do usuário. Desmet e Hekkert (2000), evidenciam três tipos de emoção, cada uma relacionada a um tipo distinto de interesse que podem ser operacionais, ou seja, relacionados ao que esperamos que ocorra no âmbito da utilidade, socialmente, afetivamente e cognitivamente e traduzem como desejáveis quando se antecipa os artefatos como facilitadores dos seus objetivos.
Por outro lado, o interesse pode ser normativo, isto é, o artefato é valorizado na medida em que se reconhece nele o seguimento de padrões e regras que vão ao encontro de padrões valorizados pelo usuário. Por fim, o interesse pode ser apreciativo, que são as disposições do indivíduo para gostar ou rejeitar algo, o que ocorre levando em consideração o conjunto de objetivos do usuário.
Espera-se que estas pesquisas e experimentações em design atitudinal, evoluam para construção de uma base sólida de conhecimento, novos métodos, técnicas e ferramentas que possibilitem ao designer a possibilidade de levantamento e articulação de dados já no início do projeto do artefato, sendo que dessa maneira alcancem a capacidade de projetar os impactos emocionais dos artefatos sobre os indivíduos, bem como as influências que os mesmos exercerão sobre o indivíduo inserido em seu ambiente complexo (NIEMEYER, 2003).
“A identidade de um produto é a posse de uma ‘psicologia’, é a entrada garantida em uma história (…) ele entrará no jogo da troca com os homens que o consomem. Destes homens será discípulo, testemunha, patrimônio, imagem. Incorporar-se-á numa rotina de vida, na definição desta vida, na imagem dos corpos, nos projetos de trabalho. Homens e produtos irão se definir reciprocamente”. (ROCHA, Everardo, 1995).
Assim, o design atitudinal precisa ser muito mais do que um mero modo de fazer designs agradáveis ou divertidos, mas seu objetivo principal deve ser o de elaborar artefatos que possibilitem a expressão da heterogeneidade humana e ainda o exercício da individualidade, revelando-a como uma extensão cultural do indivíduo no mundo em que este está inserido de modo que possa por ele ser sentido e visto com uma experiência prazerosa (BONSIEPE, 2011).
Para Niemeyer (2008), os artefatos em sua maioria deixam de lado as especificidades do indivíduo, e quando muito possibilitam uma margem estreita de interferência e ajuste pessoal nesses artefatos, que intitula de customização e assim, o design atitudinal é uma real possibilidade de se caminhar rumo à uma estratégia de compreensão por inteiro do usuário em relação às suas mais profundas emoções, que são capazes de se transformá-las em fator de decisão para aquisição de um artefato.
Explicita-se assim, que à medida em que os designers se abrem à apreensão da maneira como o ambiente que os cerca, incluindo aqui os artefatos já existentes, eles ganham a compreensão da maneira que isso exerce impacto nos âmbitos emocional, afetivo e social da vida do indivíduo e como isso pode vir a ser uma forte e impactante contribuição às novas exigências do design.
3. Considerações Finais
A história da humanidade está intimamente entrelaçada aos artefatos, pois eles a auxiliam em sua capacidade de pensar, compreender, criar e executar tarefas. Dentro desse contexto os designers são aqueles com capacidade ampliada de materializar as necessidades do indivíduo, não se limitando meramente à estética e funcionalidade, mas também à afetação emocional e comportamental.
Através da teoria ator-rede entende-se que os artefatos têm a capacidade de afetar a maneira de agir e perceber o sentido do ambiente complexo em que está inserido, ou seja, ele é capaz de alongar a capacidade de habitar o inabitável pelo homem.
Outra constatação importante é que o artefato não é um intermediário das ações humanas, mas possui um constructo próprio e simétrico em relação ao agente humano e assim como tem a capacidade de ser o actante também sofre ações que levam a alterações de suas formas, funções ou significados e, além disso, verifica-se quão importante é a relação da arte com o que tange, técnica, criatividade e articulação.
Sob a perspectiva dessa teoria, percebe-se ainda que embora o profissional de design tenha vasto conhecimento no projeto de um artefato, é necessário ainda empenhar-se em entender que por trás de cada produto há intrínseco a reflexão filosófica e o constructo sociológico no que tange a capacidade da sociedade em que está inserido.
Assim, o design ganha aplicabilidades e significados que estão além do ideado. Fica visível que ele obtém amplitude e poder de expansão de significado, pois passa pela estética, incluindo a problemática do belo artístico e vai além ao elaborar algo imbuído de funcionalidade e simbologia, migrando para um campo bem maior em que a sua “intangibilidade” se torna palpável à medida que interage com o ambiente, com o objeto e com o contexto em que o indivíduo está inserido.
A partir desta dinâmica, se torna capaz de alterar a relação desse artefato com o indivíduo, com o ambiente e com o contexto em que ele habita de forma constante e infinita proporcionando uma nova habilidade de reinserção das relações humanas com a intangibilidade dos artefatos que vem sendo aprimorada através de pesquisas e desenvolvimento de novas ferramentas e métodos na área de Design, possibilitando o entendimento da maneira que ocorre a interação entre usuário e artefato.
Como é possível observar, o uso dos artefatos transcende a usabilidade, atingindo patamares que podem ser enquadrados nos princípios fundamentais do amor, uma vez que eles conseguem “conversar” com seus anseios e possibilita ao indivíduo quase que “habitar” esse artefato, à medida que se sente completo e totalmente capaz de comunicar com o mundo através dele.
Assim, conclui-se que o papel do designer dentro dessa rede é singular, já que ele é um dos atores principais envolvidos na elaboração dos artefatos. É um trabalho que necessita ser exercido com maestria, disciplina e zelo. Isso só é possível a partir do momento em que ele se compromete em observar com os olhos do usuário, construindo uma relação tão íntima com o mesmo que se torna capaz de pensar e sentir como ele.
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1Mestre em Design, Tecnologia e Inovação
UNIFATEA – rita.albino07@gmail.com
2Mestre em Design, Tecnologia e Inovação UNIFATEA – karla.ctn@gmail.com
3Mestrando em Design, Tecnologia e Inovação UNIFATEA – djorgesantos@hotmail.com