REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10211888
Elisabete Dias Wanderley1
Orientadora: Profa. Laíse de Oliveira Cardoso;
Resumo: Este artigo tem por objetivo investigar como o município de Senhor do Bonfim (BA) tem acompanhado os avanços judiciários no Brasil e no mundo que asseguram os direitos dos animais não-humanos e analisar a aplicabilidade de políticas públicas voltada aos animais não humanos no intuito de levantar quais são as medidas protetivas adotadas pelo poder público do município com relação a esses animais que sofrem maus tratos. Partindo do que prevê a Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 1978, realizada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), a Declaração de Cambridge de 2012 e a Carta Magna Brasileira de 1988, foi utilizada uma metodologia técnico-científico rigorosa para chegar ao resultado: as políticas públicas voltadas para proteção dos animais não-humanos na cidade de Senhor do Bonfim ainda são escassas.
Palavras-chave: Direito animal. Ética animal. Legislação Bonfinense.
Abstract: This article aims to investigate how the municipality of Senhor do Bonfim (BA) has been following judicial advancements in Brazil and worldwide that ensure the rights of non-human animals. We also aim to analyze the applicability of public policies focused on non-human animals to identify the protective measures adopted by the municipal government regarding animals suffering from mistreatment. Starting from the provisions of the 1978 Universal Declaration of the Rights of Animals by UNESCO (United Nations Educational, Scientific, and Cultural Organization), the 2012 Cambridge Declaration, and the 1988 Brazilian Constitution, a rigorous technical-scientific methodology was employed to result: public policies aimed at the protection of non-human animals in the city of Senhor do Bonfim are still scarce.
Keywords: Animal rights. Animal ethics. Bonfinense legislation.
1. INTRODUÇÃO
A pós-modernidade, iniciada após o fim da Segunda Guerra Mundial, tem colocado em discussão os mais diversos temas, fazendo com que o âmbito jurídico e suas múltiplas ramificações seja uma das áreas que sinta esse impacto fortemente e diretamente, principalmente no que gira a respeito da vida de animais não humanos e o bem-estar destes. Um debate válido, surgido nesse mundo globalizado e que tem vem ganhando grande destaque. Ativistas ambientais como as brasileiras Rita Lee e Luisa Mell, e a sueca Greta Thunberg lutaram/lutam para que esse e que essa discussão ganhe mais entoação, e que os animais não humanos sejam reconhecidos como detentores de direitos.
Entretanto, essa é uma causa que vem caminhando a passos curtos ao longo dos anos. Os animais não humanos ainda são vistos enquanto não detentores de direitos, com o argumento de que não são seres pensantes igual ao Homo sapiens sapiens. É preciso lembrar que a primeira legislação mundial de destaque voltada para proteção de animais não humanos se deu com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, realizada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), uma agência especializada da ONU (Organização das Nações Unidas), em Bruxelas, na Bélgica, no dia 27 de janeiro de 1978, que assegurou direitos básicos a esses seres, tais como direito à vida e repúdio aos maus-tratos.
Outro passo significativo foi a Declaração de Cambridge sobre a Consciência Animal, um ato de pioneirismo que permitiu que se começassem a pensar esses animais enquanto seres sencientes, ampliando assim o tema a respeito de Ética Animal na bibliografia jurídica, visto que apenas em 2022, 44 anos após a promulgação da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a ONU aprovaria uma resolução inédita que introduz o bem-estar animal como preocupação política essencial para o meio ambiente.
Quando se levanta a questão de proteção animal, o Brasil mostra-se pioneiro, tendo em vista que a primeira normatização de defesa ao animal não humano que se tem registro é o Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, que tratou em seus escritos, pela primeira vez no país, os animais enquanto detentores de direitos. O decreto foi contra o que previa o artigo 593 do Código Civil de 1916 (que que tratava os animais enquanto objeto de posse) ao estabelecer medidas de Proteção aos Animais. Entretanto, o decreto foi revogado com o advento da Constituição Federal de 1988. A luz do da Carta Magna de 1988, em seu artigo 225 (§1, inciso VII) a crueldade contra animais passou a ser condenada no Brasil. Mas um avanço muito maior para a proteção dos animais não humanos em solo brasileiro se deu com a publicação da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
No principal centro urbano do Piemonte Norte do Itapicuru, a cidade de Senhor do Bonfim, localizada no interior da Bahia, é crescente a urgência de criação de políticas públicas para as necessidades dos animais não-humanos. Porém, antes de tudo, é preciso analisar e investigar a legislação municipal da cidade, e identificar se há alguma lei voltada para assegurar a tutela dos animais e se ela é efetivada de fato. E como a população, tem se articulado junto com as Organizações não Governamentais (ONGs), mesmo sob tantos empecilhos, para reivindicação desses direitos básicos. Esse projeto vem com esse principal viés: preencher essas lacunas supracitadas e investigar como o movimento de proteção animal tem se manifestado e se apresentado no município. E para obter os resultados
2. DIREITOS DOS ANIMAIS: OBJETOS DE POSSE OU SUJEITOS SENCIENTES?
Quando tratamos de animais não-humanos alguns fatos inquestionáveis se sobressaem: a questão biológica e as estruturas psicológicas. Certamente, tal ponto sempre deve ser levado em consideração, afinal nomenclaturas, estruturas fisiológicas e anatômicas, e características comportamentais nos distinguem. Sem contar que o bicho homem, como se pressupõe, é o único dotado de sapiência. Mas, afinal, seriam os humanos os únicos animais sencientes? A falta de sapiência em outros animais os inibe de possuírem senciência?
Clarice Lispector, em sua obra “Água Viva” disse a emblemática frase: “Não humanizo bicho porque é ofensa – há de respeitar-lhe a natureza” (LISPECTOR, 2019, p. 58). Lispector não estava errada em sua reflexão. É preciso respeitar as particularidades desses enquanto animais não-humanos, uma vez que a humanização desses animais pode implicar em seus aspectos comportamentais, acarretando em problemas gravíssimos. Entretanto, como evitar esse antropomorfismo ao passo que se considera esses animais enquanto sujeitos sencientes e, consequentemente, garantir seus direitos?
2.1. A LUTA PELO RECONHECIMENTO DE ANIMAIS NÃO-HUMANOS ENQUANTO SUJEITOS SENCIENTES E DE DIREITOS
Nos últimos anos, ainda mais com o advindo do mundo globalizado, muito tem se discutido a respeito do direito dos animais não-humanos enquanto sujeitos sencientes. Debates calorosos vêm sendo travados, partindo principalmente dos filósofos denominados “neo-misterianistas”. Estes defendem e argumentam que é impossível, por mais que a neurociência progrida em seus estudos a respeito da consciência cerebral, findar uma compreensão e uma explicação científica em torno da senciência.
Muitas polêmicas despontaram em torno disso, alguns discordando de tal pensamento, refutando que não há cabimento para se pensar manifestações de condições psicológicas em animais não-humanos. Essa dissonância, implica em um fator: o reconhecimento da moralidade desses animais e, consequentemente, na asseguração de direitos. Mas, filósofos misterianistas, como McGinn (1995), contra-argumentan e refletem a respeito de tais discordâncias:
O ponto de disputa é quais são exatamente essas condições. Que tipo de ser psicológico a entidade deve ser para ser digna de consideração moral? Quais são as condições mentais necessárias e suficientes para inclusão na comunidade moral? Possuímos um rico sistema de descrição psicológica – muitas vezes referido como “psicologia popular” – que aplicamos ao comportamento dos seres humanos e que é parte integrante de nossas atitudes morais uns para com os outros. Este sistema vai das sensações mais básicas aos pensamentos e emoções mais elevados. A questão é quanto disso é estritamente necessário para que as noções morais se apliquem. Esta não é uma questão sobre o que podemos saber sobre a mente de uma determinada entidade. Não estou perguntando como chegamos a saber que uma entidade satisfaz as condições mentais mínimas para preocupação moral, ou se podemos saber tais fatos. […] Minha pergunta não é sobre a epistemologia de outras mentes. É sobre os fundamentos ontológicos da preocupação moral. Estou perguntando quais são as condições psicológicas que são pressupostas nos julgamentos e reações morais. Qual deve ser o caso, psicologicamente, antes que possamos tratar algo como moralmente significativo – se podemos ou não saber, em instâncias concretas, que essas condições são satisfeitas? A questão diz respeito a quais fatos são tais que, se você os conhecesse, estaria certo em adote uma atitude de preocupação moral com a entidade diante de você. Não que eu ache que uma atitude cética em relação à existência de outras mentes, humanas ou animais, seja apropriada – concordo com a visão do senso comum de que podemos saber muito sobre as mentes de outros seres. Estou simplesmente distinguindo as duas questões, para que os problemas ligados à questão epistemológica não sejam transferidos erroneamente para a questão ontológica (MCGINN, 1995, p. 731).
McGinn não está preocupado em discutir se as formigas têm ou não mente. É sobre os fundamentos ontológicos da preocupação moral. Quais são as condições psicológicas que são pressupostas nos julgamentos e reações morais no que circunda os animais não-humanos. McGinn, a partir da análise das obras reflexivas do matemático e filósofo alemão Gottlob Frege, traz a tona o idealismo filosófico para sua defesa: “Parece-nos absurdo que uma dor, um estado de espírito, um desejo devam vagar pelo mundo sem um portador. Uma experiência é impossível sem um experimentador. O mundo interior pressupõe a pessoa cujo mundo interior é” (Frege, 1967, p. 27 apud MCGINN, 1995, p. 732). A partir disso, MCGinn desencadeou todo um debate permeado pela metafísica abstrata, para chegar a um ponto: animais não-humanos enquanto seres sencientes e moralidade.
De acordo com misterianista, um fato está nítido nas entrelinhas da reflexão de Frege: “a ideia de experiência sem dono é incoerente; se uma experiência ocorre, deve ser uma experiência própria de algum sujeito […] diferentes experiências podem ser vividas por um único sujeito, simultânea e sucessivamente” (MCGINN, 1995, p. 733). Para ele, grande parte da população rejeita a ideia de direitos subjetivos para outros animais, considerando isso como algo inalcançável. Entretanto, essa relutância é apenas a ponta do iceberg de uma complexa cadeia de interesses, envolvida por estruturas capitalistas regenerativas. “A idéia de que esses animais sentem dor e que têm interesses que clamam por reconhecimento revela-se incômoda” (BARTLETT, 2014, p.19).
Reconhecer os animais não-humanos enquanto sujeitos sencientes, que sentem dores, angústias, medo, entre outras emoções é um grande desafio para uma sociedade antropocêntrica e capitalista que foi construída em cima da exploração e objetificação destes. Entretanto, no mundo contemporâneo que vivemos hoje há uma urgência em romper com esse pensamento. No tópico seguinte haverá uma explanação da importância do status de sencientes aos animais não-humanos.
2.1.1 A senciência em animais não-humanos: um estudo de caso
Como dito outrora, muita polêmica circunda o tema que abrange o reconhecimento de animais não-humanos enquanto sujeitos sencientes e de direitos. Tal negação da individualidade aos animais é uma das últimas resistências contra a inclusão dos animais na comunidade moral. McGuinn ressalta que ao concedermos experiências aos animais, nós, desse modo é necessariamente, concedemos a eles.
Os animais sencientes são aqueles capazes de sentir. Ou seja, são capazes de sentir sensibilidades, experienciando sensações como a dor ou a agonia, ou as emoções, como o medo ou a ansiedade. O Homo sapiens sapiens é a espécie animal mais conhecida por possuir senciência, e isso é um fato inquestionável. Discussões e estudos vêm sendo levantados a respeito de se essa condição de deter percepções conscientes se apresenta igualmente a outras espécies do reino animal. É evidente que a sapiência é um fator que se sobressai na espécie humana do que nas de outros animais, mas, alguns estudiosos, a exemplo de Charles Darwin, defendem que essa diferença se dá através de grau e não em gênero.
A senciência é amplamente reconhecida em todos os animais vertebrados – portadores de sistema nervoso central -, o que inclui quase todos os animais utilizados comumente pelo ser humano nas suas atividades (o que está muito relacionado com a exploração animal). Esta definição, porém, enfatiza apenas um critério para a existência de consciência: a manifestação (a nós, perceptível) da dor (SINGER, 2002, p. 54).
O filósofo brasileiro Carlos Michelon Naconecy, especialista nas áreas de ética animal e ética da vida, em sua obra “Ética & animais: Um guia de argumentação filosófica”, diz que considerar um animal enquanto “senciente” consiste em afirmá-lo capaz de sentir e se importar com as referidas sensações. O filósofo levanta alguns pontos a respeito da senciência:
(i) Dizer que um animal é senciente significa dizer que esse animal (a) tem a capacidade de sentir, e (b) que ele se importa com o que sente. “Importar-se com” implica a capacidade de experimentar satisfação ou frustração (subjetiva).
(ii) Para a Ética Animal em especial, dizer que um animal é senciente equivale a dizer que o animal é (a) capaz de sentir dor e (b) desejar que ela acabe.
(iii) Isso significa, mais especificamente, que o animal percebe ou está consciente de como se sente, onde está, com quem está, e como é tratado. Ou seja,
a) tem sensações como dor, fome e frio;
b) tem emoções relacionadas com aquilo que sente, como medo, estresse e frustração;
c) percebe o que está acontecendo com ele; d) é capaz de apreender com a experiência;
e) é capaz de reconhecer seu ambiente;
f) tem consciência de suas relações com outros animais e com os seres humanos;
g) é capaz de distinguir e escolher entre objetos, outros animais e situações diferentes, mostrando que entende o que está acontecendo em seu meio;
h) avalia aquilo que é visto e sentido, e elabora estratégias concretas para lidar com isso.
(iv) Apesar de frequentemente serem tomadas como sinônimos, a senciência pode ser diferenciada da sensibilidade. Organismos unicelulares, vegetais, filmes fotográficos e termômetros apresentam sensibilidade, mas não senciência.
(v) Animais sencientes interpretam as sensações e informações que recebem do ambiente por meio de cognição (razão) e emoções. A senciência, todavia, é uma reação mais emocional do que cognitiva às sensações. Isso faz com que um animal tenha, entre outras coisas, afeição à prole, medo de ser atacado, desgosto ao tédio e aversão ao isolamento (NACONECY, 2006, p. 117).
Destarte, Naconecy defende que há uma preferência, tanto para humanos quanto animais não-humanos, por experiências sensíveis agradáveis, e que isso deve ser tomado em conta numa ponderação ética. “Reconhecer um indivíduo como uma criatura sensível implica, então, considerá-lo portador de algum valor em si mesmo, de alguma importância moral” (NACONECY, 2006, p. 118).
Toda essa discussão em torno da senciência animal e o reconhecimento dos animais não-humanos ocasionou em uma urgência em políticas públicas voltadas para o tema. É uma discussão que não deve ficar presa aos livros. Precisa ser divulgada para o público em geral, para que a causa possa ser aderida. Um grande passo para isso se deu com a Declaração de Cambridge de 2012, que será comentada no tópico seguinte.
2.1.2. A Declaração de Cambridge de 2012
Em 7 de Julho de 2012, uma conquista foi alçada para aqueles que estão engajados na luta para o reconhecimento dos animais não-humanos enquanto sujeitos de direitos: foi o dia em que se promulgou a Declaração de Cambridge sobre a consciência em animais humanos e não-humanos. A declaração reconheceu, a partir das conclusões de estudos realizados por um grupo internacional de especialistas que abrange as áreas de neurociência cognitiva, neurofarmacologia, neurofisiologia, neuroanatomia e neurociência computacional, que animais não-humanos também são seres sencientes. A solenidade, que contou com a presença do físico teórico Stephen Hawking, foi assinada pelos participantes da conferência em Cambridge, Reino Unido, na Francis Crick Memorial Conference on Consciousness in Human and non-Human Animals, no Churchill College, da Universidade de Cambridge, com o seguinte texto:
A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos (LOW, 2012).
A seguinte declaração revolucionou a área de estudos de direitos dos animais não-humanos, sendo um grande passo para a defesa e proteção desses, uma vez que o ser humano não é único ser dotado de leniência. “A partir desse momento, pela primeira vez, a comunidade científica reconheceu que os animais são seres sencientes” (COSTA et al., 2013, p. 8). Houve a concretização emblemática de uma luta que foi combatida por grande parte da sociedade: o reconhecimento de animais não-humanos, incluindo o invertebrado polvo, como seres com consciência. Ao conceder essa configuração a eles, seus estados afetivos passam a ser obrigatoriamente reconhecidos do ponto de vista moral, isto é, se um animal sofre, isso deve ser considerado moralmente.
A Declaração de Cambridge cumpriu o relevante papel de inverter o ônus da prova. A partir dessa constatação científica, se alguém quiser afirmar que os animais (pelo menos os vertebrados e cefalópodes) não têm consciência, terá que demonstrá-lo sob a luz da mesma ciência. Ficou evidenciada a necessidade de se repensar várias práticas que ocorrem em nossa sociedade em relação aos animais (COSTA et al., 2013, p. 8).
2.1.3 Brasil e o recurso especial N. 1.115.916-MG (2009/0005385-2): O reconhecimento dos animais não-humanos enquanto sujeitos sencientes e a criminalização da crueldade animal
No ano de 2009, em meio a uma disputa legislativa acalorada que se referia à eliminação de animais em Centro de Controle de Zoonose e que transitava no STJ (Supremo Tribunal de Justiça), houve um marco para o direito dos animais não-humanos no país: a publicação do RECURSO ESPECIAL N. 1.115.916-MG, que partiu do ministro Humberto Martins, que em seus dizeres defende os animais enquanto seres sencientes, antes mesmo da já citada Declaração de Cambridge:
Não há como se entender que seres, como cães e gatos, que possuem um sistema nervoso desenvolvido e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja, que possuem vida biológica e psicológica, possam ser considerados como coisas, como objetos materiais desprovidos de sinais vitais. Essa característica dos animais mais desenvolvidos é a principal causa da crescente conscientização da humanidade contra a prática de atividades que possam ensejar maus tratos e crueldade contra tais seres (BRASIL, 2009).
3. A LUTA PELOS DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS: UMA CAUSA A SER EXPANDIDA
Como já citado, por muito tempo os animais foram recalcados a condição de objetos de posse. Isso fez com que suas subjetividades fossem anuladas, juntamente com sua senciência e sensibilidade. E por muito tempo foi assim, ocasionando em um problema que perdura até a contemporaneidade. A Declaração de Cambridge, já citada no capítulo anterior, foi um mecanismo muito importante para o reconhecimento de animais não-humanos enquanto seres sencientes, sendo assim, consequentemente, sujeitos de direitos. Entretanto, outro grande passo de alcance mundial, que antecede a Declaração de Cambridge, e que reconheceu estes animais enquanto detentores de direitos foi a promulgação da Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 1978, realizada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
Neste capítulo pretendemos explanar qual foi o impacto gerado pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 1978 no cenário global, especialmente na legislação brasileira, e se tal ato é de conhecimento e seguido pelas legislações de cidades interioranas como a de Senhor do Bonfim (BA). Destacamos também se tal declaração e conjunto com as demais legislações mundiais, como a do Brasil, vem sendo atualizadas para que possam se adequar às exigências do mundo contemporâneo.
3.1 OS DIREITOS DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS NAS LEGISLAÇÕES: UM PANORAMA NO MUNDO E NO BRASIL
Tinoco e Correia (2010) salientam que a primeira lei de proteção aos animais não-humanos que se têm registros até o momento, segundo os escritos de Steven Wise, remonta ao século XVII, época em que foi instituída uma lei na Colônia de Massachussets Bay no ano de 1641, que baixava uma doutrina em que impunha que ninguém poderia exercer tirania ou crueldade contra qualquer animal, o qual fosse em geral, criado para uso do homem. Todavia, tal lei era apenas uma articulação que tinha como intuito proteger o homem tanto ecologicamente como economicamente. Ou seja, o foco do bem-estar era o homem, não os animais não-humanos.
É de extrema importância chamar atenção para o contexto apresentado por Tinoco e Correia de como se deu a criação das primeiras leis contra maus-tratos de animais não-humanos. A proibição dos atos de abuso e crueldade eram acompanhadas de um viés totalmente capitalista e antropocentrista. O objetivo era claro: proteger a moralidade humana e não a integridade física do animal não-humano, adotando assim a teoria dos “deveres indiretos”.
Com o passar do tempo, os movimentos dos defensores dos animais foram se ampliando, tanto é que 1824 surge a SPCA – Society for the Prevention of Cruelty to Animal, primeira entidade destinada a promoção do bem-estar animal do mundo. Entretanto, isso não era suficiente, principalmente na segunda metade do século XX. O mundo já tinha experimentado o terror do colonialismo nas américas, e na segunda metade do século XX encontrava-se devastado por conta das investidas imperialistas do final do século XIX que culminaram nas duas maiores e ferozes guerras que o mundo já presenciou. Não só a humanidade foi impactada com esse cenário, os animais não-humanos também. Seus habitantes foram destruídos e suas vidas dizimadas.
É nesse cenário pós-apocalíptico que é promulgada a Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 1978 pela UNESCO, documento que firmou um compromisso de proteção aos animais não-humanos foi assinado por quase todos os países do mundo, inclusive o Brasil, visto que foi um dos países signatários da Declaração. Uma vez signatário, o país se comprometeu perante os demais países signatários, como pessoa jurídica de direito público, a proteger os animais em seu território. O documento realça explicitamente que todo animal não-humano tem direito à vida e que não deve ser submetido a maus-tratos e outras crueldades.
Todavia, Lapa (2023) em entrevista com especialistas e ativistas dos direitos dos animais não-humanos, demonstra que apesar de ser do ponto de vista prático um passo importante para ampliar as defesas dos animais não-humanos e de extrema relevância no processo de redefinição da relação dos seres humanos com os animais a Declaração não é algo dado. A ativista Miriam Neder afirma que a declaração representou um grande avanço em uma época que pouco se falava em direitos dos animais, mas ela é uma recomendação e não possui força de lei. A Declaração não foi capaz de romper com a complexidade que abrange o pensamento materialista em torno dos animais não-humanos.
Apenas 74 anos após a promulgação dos Direitos Humanos e 44 da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a ONU aprovou uma resolução inédita que introduz o bem-estar animal como preocupação política essencial para o meio ambiente. Isso se agrava mais ainda no mundo contemporâneo, uma vez que as particularidades estão sendo escanteadas, ocasionando assim em antropomorfismo que inibe a subjetividade desses animais, agravando mais ainda na objetificação destes.
O Brasil é um país que carrega marcas do colonialismo português que perdurou por quase 4 séculos. Nesse período foram iniciados projetos colonialistas que se estendem até hoje, passados de pai para filho, tais quais as capitanias hereditárias. A degradação do ambiente, o extermínio de povos originários e, consequentemente, a dizimação de animais não-humanos. Muitos animais foram extintos por conta da destruição dos seus habitats naturais, caça e comercialização. É preciso salientar que os animais deste país tropical eram muito cobiçados por serem considerados “exóticos”, afinal, um novo mundo estava sendo descoberto. Muitos eram usados para produção de artigos de luxos como roupas, tapeçarias, ornamentos, etc. Ou, simplesmente eles por si só, vivos, eram os artigos de luxo, um símbolo de ostentação. Dos trópicos para o norte global gélido. Uma nítida representação da objetificação destes animais.
Destarte, é notório que durante o período colonial não houveram quaisquer leis de proteção aos animais não-humanos. Um status que foi passado para o período imperial, uma vez que com a chegada da família imperial ao Brasil e o estabelecimento da corte em solos tropicais foram acompanhados da bagagem e da burocracia do judiciário português, visto que que era uma instituição que procurava sobrepor os interesses da elite portuguesa. Mesmo com a independência do Brasil em 1822, o Brasil seguiu uma legislação aos moldes “à portuguesa”. Tinoco e Correia (2010) o primeiro documento jurídico de proteção aos animais não-humano que se tem registrado (até o momento) no Brasil é datado de 06 de outubro de 1886, ou seja, remonta ao tempo que o Império Brasileiro já estava em crise e chegando ao seu fim para ser substituído pelo regime republicano. Este documento é conhecido por Código de Posturas do município de São Paulo. Ele previa que:
É proibido a todo e qualquer cocheiro condutor de carroça, pipa d´água, etc, maltratar os animais com castigos bárbaros e imoderados. Esta disposição é igualmente aplicada aos ferradores. Os infratores sofrerão a multa de 10$, de cada vez que se der a infração. (LEVAI, 2004, p. 28 apud. TINOCO; CORREIA, 2010, p. 174).
Apesar de ser um marco muito importante para o judiciário brasileira, o Código Civil de 1916 não trouxe grandes direitos para os animais não-humanos, muito pelo contrário, ele gerou mais ainda mais a coisificação destes, já que os tratava como bens econômicos. Vistos como coisas ou semoventes, o CC de 1916 abriu espaços para que dispositivos fossem acionados para que estes animais estivessem sob proteção mediante caráter absoluto do direito de propriedade, ou seja, como propriedade privada do homem e passíveis de apropriação (TINOCO e CORREIA, 2010).
Uma lei de extrema importância promulgada neste mesmo período foi o Decreto nº 16.590/24 e o Código de Pesca através do Decreto-lei nº 794, que acabou sendo substituído pelo Decreto-lei 221/67). Entretanto, a maior lei de proteção de animais não-humanos que se tem registro é o Decreto Federal nº 24.645/34, expedida durante o governo de Getúlio Vargas. “Em seu artigo 3º, são definidas condutas consideradas maus-tratos, que incluem além de crueldade, violência e trabalhos excessivos, a manutenção do animal em condições anti-higiênicas, o abandono e o prolongamento do sofrimento do animal” (TINOCO; CORREIA, 2010, p. 175). Multas também eram previstas a quem desrespeitasse tal decreto. Anos mais tal decreto foi revogado, gerando uma lacuna muito grande na legislação brasileira que protege animais não-humanos (BRASIL, 1991).
No ano de 1941 o Decreto nº 3688 é promulgado através da Lei das Contravenções Penais tornando a crueldade contra animais não-humanos uma contravenção penal punida com prisão e multa, entretanto só seriam consideradas contravenções aquelas que fossem expostas a público. Tinoco e Correia (2010) chamam atenção para as leis que seguiram-se posteriormente ao Decreto nº 3688, surgiram leis como: a Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-lei nº 3.914), o Código de Caça (Decreto nº 5894 que foi revogado pela lei federal nº 5.197/67), o novo Código de Pesca (Decreto-lei nº221/67), a lei federal nº 7.679/88, a Lei de vivis-secção (Lei Federal nº 6.638/79, que mais tarde foi substituída pela Lei nº 11.794/08), a Lei 6.938/81 e a Lei nº 7.173/83 (que passou a regulamentar o funcionamento dos jardins zoológicos). A Lei 7.347/85 também foi de extrema importância para dar continuidade ao reconhecimento dos direitos dos animais não-humanos.
Após anos vivendo em um regime ditatorial, iniciado em 1964 e que suprimia os direitos legislativos nos mais diversos âmbitos, o Brasil chega à redemocratização já com um marco para os direitos dos animais não-humanos: em 1987 a Lei nº 7.643 baixa um decreto que proíbe a pesca de cetáceos. Um ano depois, o Brasil está à luz da Carta Magna de 1988 elevando a status constitucional a questão da proteção jurídica dos animais não-humanos. “Em seu artigo 225, § 1º, inciso VII restou proibida 178 qualquer prática cruel contra animais não-humanos, e tal artigo felizmente fora incorporado a diversas Constituições Estaduais” (TINOCO; CORREIA, 2010, p. 177-78) e Municipais, como a de Senhor do Bonfim em sua Lei Orgânica do Município de Senhor do Bonfim de 1990. No ano de 1998 foi sancionada outra importante lei: a Lei 9.605, chamada Lei dos Crimes Ambientais, que reordena a legislação ambiental brasileira no que se refere às infrações e punições. Em seu artigo 32 ela abarca os direitos para animais domésticos e domesticado e o crime gerado a partir de atos de crueldade.
3.1.1 Os direitos dos animais não-humanos na cidade de Senhor do Bonfim – BA
O município de Senhor do Bonfim na Bahia, é uma cidade assim como as demais cidades interioranas do Brasil, especialmente do Nordeste brasileiro, que estão entrelaçadas às raízes de um recente passado autoritarista e coronelista, que insiste em se perpetuar nos dias contemporâneos. As leis dessas cidades do interior não são feitas por aqueles que resistem, mas por aqueles em que as coisas já estão dadas. Tendo em vista isso, a principal lei de proteção aos animais não-humanos na cidade de Senhor do Bonfim está presente na já citada Lei Orgânica do Município de Senhor do Bonfim de 1990, que está apoiada no Art. 225 (§1, inciso VII), da CF de 1988.
Entretanto, um curioso decreto chama atenção. Assinado pelo então prefeito vigente, Paulo Batista Machado, no ano de 2011. O decreto Nº 120/2011 dá a entender que há uma preocupação em torno da livre circulação de animais pela cidade, especialmente de equinos e asnos. Por outro lado, só é mais um decreto especial que coloca o bem-estar do homem e seus interesses financeiros acima de outros. Nessa publicação notamos que esse decreto gera uma “coisificação” dos animais. Ou seja, os animais são tratados como coisas, objetos que podem ir de mãos em mãos. Quando há a sua coisificação, os direitos não são respeitados ou assegurados, sequer são cogitados como seres que também sentem.
No ano de 2021, O Diário Oficial do Legislativo da Câmara Municipal de Senhor do Bonfim, publicou a Lei N.º 1.575/2021, que diz:
Lei N.º 1.575/2021 de 29 de junho de 2021 – Dispõe sobre a Instituição do dia de Combate à superpopulação de animais nas ruas, criação de Disque Denúncia contra mais [sic] tratos e abandono de animais, controle de zoonoses, controle das populações de animais e do bem estar no município de Senhor do Bonfim e dá outras providências (SENHOR DO BONFIM, 2021).
A lei é um marco para a proteção e segurança de animais, visto que o município carece de políticas públicas voltadas para proteção e contra os maus-tratos de animais não humanos. Em 2006 foi fundada a Associação de Proteção aos Animais de Senhor do Bonfim (APASB), mas que se encontra inapta desde 2018. Além da falta de políticas públicas voltadas para atender as demandas desses animais, a presença de ONGs na cidade também é escassa. Cabendo assim a uma parte da população, em sua maioria sem nome de renome para chegar em órgãos públicos com passe “à brasileira”, exercer o papel de cobrar por melhorias e políticas públicas.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo contemporâneo e globalizado dos dias de hoje tem exigido que tudo e todas as coisas caminhem a passos largos, em fluxo rápido. Quem não segue, pode ficar para trás. No caso, alguns não seguem para justamente manter as normas cristalizadas do passado. Ambos os casos abrangem o poder judiciário em relação ao tema dos direitos dos animais não-humanos. A vida do mundo atual pressionado para que este âmbito tenha um olhar cuidadoso em torno do tema. Como já dito outrora, a Declaração Universal dos Direitos Animais foi um grande avanço para isso, mas não tem força de lei. Cabe às legislações mundiais se articularem quanto a isso, principalmente por conta das crises ecológicas e mundiais que se prenunciam.
No Brasil, esse tema vem retrocedendo desde a revogação do importante Decreto Federal nº 24.645/34, uma importante lei que assegurava os direitos dos animais não-humanos em quase uma totalidade. Agora com uma legislação pequena voltada para estes animais, a interiorização dessas leis se torna escassa. Ou seja, não alcançam cidades do interior como Senhor do Bonfim, na Bahia. E se chegam, são recebidas com um apelo mínimo, afinal não são de conhecimento geral da população.
Destarte, este trabalho procurou investigar o déficit que uma cidade do interior do Brasil, no caso Senhor do Bonfim – BA, tem em abordar os animais não-humanos enquanto sujeitos de direitos em sua legislação local. Fica claro que a lacuna ainda é muito gritante, mas que algo tem começado a despontar, como por exemplo encontros entre a Polícia Civil do Estado da Bahia e protetores de animais bonfinense, com o objetivo de discutir meios de coibir maus tratos contra animais domésticos e domesticáveis no município de Senhor do Bonfim. Um salto lento, mas enorme, de extrema relevância e que não pode se deixar perder de vista. Há muito o que se fazer para proteger os animais não-humanos no município de Senhor do Bonfim, e que só a colaboração e participação de toda a comunidade poderá oportunizar.
REFERÊNCIAS
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1Acadêmica do curso de Direito da Curso: Faculdade AGES Senhor do Bonfim- Bahia/AGES. E-mail: elisawanderley@outlook.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Ages. 2023.