O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL: RETROATIVIDADE E APLICABILIDADE NOS PROCESSOS EM CURSO 

THE CRIMINAL NON-PERSECUTION AGREEMENT: RETROACTIVITY AND APPLICABILITY IN ONGOING PROCEEDINGS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202504192101


Alana Alves Torres1
Walter Martins Muller2


RESUMO 

Este artigo científico tem o intuito de explicitar como os meios consensuais de resolução de  conflitos penais são mais eficazes, rápidos e satisfatórios no processo penal atual, dando  enfoque no acordo de não persecução penal e sua possível retroatividade benéfica. Nesse  sentido, o método hipotético-dedutivo será o norteador da abordagem, considerando essencial  para fundamentar a interpretação dos estudos informativos e analisar o conteúdo das  conclusões referentes às proposições apresentadas, levantar aspectos da fuga mental e buscar  evidências conclusivas sobre isso, bem como propagação para a realidade. Além disso, na  pesquisa em relação aos procedimentos técnicos, a pesquisa bibliográfica envolve a teoria  anunciada por meio do exame de artigos científicos, literatura, colunas, enunciados e as  decisões de Tribunais sustentam a base para a garantia do conhecimento. Ao final, infere-se  que o acordo de não persecução penal é um dos modos fundamentais para tornar o Poder  Judiciário mais ágil e econômico temporal e financeiramente. Destarte, seguramente sua  retroatividade nos processos em curso antes da entrada em vigor do “Pacote Anticrime”  contribuiria para a evolução do ordenamento jurídico brasileiro em âmbito processual penal. 

Palavras-chave: Justiça Consensual. Acordo de não persecução penal. Processo. Retroatividade. 

ABSTRACT 

This scientific article aims to explain how consensual means of resolving criminal conflicts  are more effective, quick and satisfactory in the current criminal process, focusing on the  non-criminal prosecution agreement and its possible beneficial retroactivity. In this sense, the  hypothetical-deductive method will guide the approach, considering it essential to support  the interpretation of informative studies and analyze the content of the conclusions regarding  the propositions presented, raise aspects of mental escape and seek conclusive evidence about  it, as well as propagation to the reality. Furthermore, in research regarding technical  procedures, bibliographical research involves the theory announced through the examination  of scientific articles, literature, columns, Statements and Court decisions support the basis for  guaranteeing knowledge. In the end, it is inferred that the non-criminal prosecution agreement  is one of the fundamental ways to make the Judiciary more agile and economical both  temporally and financially. Therefore, its retroactivity in ongoing processes before the entry  into force of the “Anti-Crime Package” would certainly contribute to the evolution of the  Brazilian legal system in the criminal procedural sphere. However, it’s undeniable that the  requirement of formal and circumstantial confession of criminal conduct violated fundamental guarantees of the accused. 

Keywords: Consensual Justice. Non-criminal prosecution agreement. Process. Retroactivity.

1. INTRODUÇÃO 

O crescente volume de processos no sistema penal do Poder Judiciário motivou a  criação de alternativas para a resolução de conflitos sociais com enfoque criminal, até mesmo  para descongestionar o sistema carcerário brasileiro e inovar no processo penal. Como  resultado, o ordenamento jurídico brasileiro passou a incorporar acordos negociais como uma  solução viável para a solução dos litígios criminais. 

É amplamente reconhecido que a alta demanda enfrentada pelo Judiciário atualmente  afeta a rapidez e a eficácia dos processos, resultando em atrasos significativos que prejudicam  não apenas a vítima, mas também a sociedade e o próprio réu, que vê sua presunção de  inocência comprometida. Nesse contexto, os mecanismos consensuais surgem como uma  tentativa de sanar esse problema. 

Assim, a Lei n° 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) implementou o método negocial  denominado Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), que foi incorporado no artigo 28-A  do Código de Processo Penal. Frisa-se que este instituto acordado, em tese, antecede a fase  processual e caracteriza-se principalmente pela inexistência de penas privativas de liberdade,  sendo aplicável a infrações de menor potencial ofensivo e àquelas que atendam aos requisitos  necessários. 

Consequentemente, debate-se a respeito da aplicabilidade temporal do ANPP,  questionando se é viável sua retroatividade em processos que estavam em curso antes da  entrada em vigor do “Pacote Anticrime”, desde que preenchidos os requisitos necessários  para a formalização do acordo. 

Dessa maneira, surgem diversas correntes de pensamentos sobre o tema, bem como  decisões conflitantes de Tribunais superiores, refletindo diferentes interpretações quanto ao  momento adequado para a oferta do acordo de não persecução penal e à fundamentação  jurídica pertinente.

2. A JUSTIÇA NEGOCIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 

A justiça negocial teve início no Brasil por meio dos mecanismos denominados  transação penal (art. 76 da Lei n° 9.099/95) e suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei  n° 9.099/95), que posteriormente foram expandidos com o acordo de colaboração premiada (art.  4° da Lei n° 12.850/2013). Ainda, no artigo 74 do mesmo dispositivo legal, tem-se a  composição civil dos danos penais, que ocorre, também, como método de negociação penal. 

Nota-se que estes dispositivos conciliatórios têm em comum a intenção de pacificar  litígios no âmbito criminal, ao mesmo tempo em que tornam o Direito Processual Penal mais  eficaz e célere, além de promoverem socialmente a ideia de justiça alcançada sem que tenha  ocorrido um intervalo de tempo excessivo. 

Além disso, observa-se que a implementação da justiça penal consensual resulta na  abreviação do processo como alternativa distinta às penas privativas de liberdade. Isso ocorre  porque, por meio dessas modalidades de acordo, torna-se possível aplicar e debater a crítica à  superlotação do sistema carcerário brasileiro. Essa superlotação vai ao oposto de uma das  funções primordiais da pena, que é a ressocialização do acusado. 

Outrossim, é o que menciona a Resolução 181/17 do Conselho Nacional do Ministério  Público (2017, p. 2), em tratando-se de dispositivos negociais no âmbito penal: 

Considerando, por fim, a exigência de soluções alternativas no Processo Penal  que proporcionem celeridade na resolução dos casos menos graves, priorização  dos recursos financeiros e humanos do Ministério Público e do Poder Judiciário  para processamento e julgamento dos casos mais graves e minoração dos  efeitos deletérios de uma sentença penal condenatória aos acusados em geral,  que teriam mais uma chance de evitar uma condenação judicial, reduzindo os  efeitos sociais prejudiciais da pena e desafogando os estabelecimentos  prisionais, RESOLVE, nos termos do art. 130-A, § 2º, I, da Constituição  Federal, expedir a seguinte RESOLUÇÃO: […]. 

Neste diapasão, a justiça penal negociada com enfoque nos acordos consensuais, tem  por finalidade a resolução do mérito de um conflito, demonstrando se houve, de fato, a infração  penal imputada, de modo que oferta ao réu determinadas obrigações em troca da não persecução penal e da extinção da punibilidade, desde que cumpridas as condições impostas. 

Corroborando este entendimento, leciona o professor Felipe da Costa de Lourenzi  (2020, p. 61/63, apud BETTA, 2023) acerca da justiça consensual:

Justiça negociada como alternativa à resolução de mérito. Um primeiro grupo  reúne institutos de justiça penal negociada que objetivam evitar a resolução do  mérito, ou seja, a decisão a respeito da existência ou não de uma infração penal.  (…) Exemplos são a transação penal, a suspensão condicional do processo e os  acordos de não persecução.

Neste sentido, pode-se inferir que a justiça penal negociada é benéfica não só para o  investigado, o qual esquivar-se-á de sanção privativa de liberdade, mas também para o Estado  que resolve o conflito antes da fase processual e, consequentemente, se abstém das despesas advindas durante a instrução probatória na persecução penal. 

Com efeito, surgiu no ano de 2017 um novo método negocial para a resolução de  conflitos: o acordo de não persecução penal, previsto, atualmente, no artigo 28-A do Código de  Processo Penal.

3. O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL 

O acordo de não persecução penal foi introduzido no processo penal por meio da  Resolução 181/17 do Conselho Nacional do Ministério Público. Seu objetivo é solucionar os  conflitos penais menos gravosos de maneira mais célere, eficaz e econômica. Essa abordagem  não se limita apenas ao aspecto financeiro, mas também ao temporal, permitindo que o  Ministério Público e o Poder Judiciário concentrem-se em litígios mais graves e complexos. 

Nesse ínterim, este instituto foi inserido pela Lei n° 13.964/2019, denominada “Pacote  Anticrime”, com intuito de pacificar litígios na esfera penal de forma extrajudicial, sendo essa  sua natureza jurídica. Deste modo, oportuno mencionar o entendimento do autor Guilherme de  Souza Nucci (2022, p. 45) sobre o conceito do acordo de não persecução penal:

Trata-se de uma medida de política criminal benéfica ao agente criminoso, cuja  finalidade é evitar o ajuizamento de ação penal, advindo daí processo criminal  e sentença condenatória. Noutros termos, cuida-se de mais um instituto  disposto a evitar a persecução penal e eventual cumprimento de pena. Associa se aos já existentes acordos de transação penal para infrações de menor  potencial ofensivo (contravenções penais e delitos cuja pena máxima não  ultrapasse dois anos) e suspensão condicional do processo (crimes cuja pena  mínima não ultrapasse um ano de pena privativa de liberdade), nos termos do  art. 28-A do CPP.

Com base nisso, na doutrina, existe o entendimento de que o ANPP representa uma  alternativa, uma vez que se trata de uma modalidade de punição diferida em relação aos  procedimentos penais usuais. Em essência, o ANPP consiste na resolução do litígio antes  mesmo de qualquer declaração formal de culpa, posto que, em tese, é oferecido antes da  denúncia do Ministério Público. 

Pertinente observar as lições de Renato Brasileiro de Lima (2020, p. 218) quanto à  culpabilidade do investigado:

[…] Nesse aspecto, o acordo diferencia-se de outros institutos de justiça negociada existentes no nosso ordenamento jurídico, como, por exemplo, a  transação penal e a suspensão condicional do processo, que não exigem a  confissão. No entanto, à semelhança destes, a aceitação e cumprimento do  acordo não causam reflexos na culpabilidade do investigado. Prova disso, aliás,  é o teor do art. 28-A, § 12, do CPP, segundo o qual a celebração e o  cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de  antecedentes criminais, exceto para o fim de impedir a celebração de novo  acordo dentro do prazo de 5 (cinco) anos.

Sobre o tema, Renato Brasileiro de Lima (2020, p. 218) identifica três categorias do acordo: a diversão simples (quando não há indícios mínimos de autoria e materialidade, resultando no arquivamento do procedimento sem imposição de exigências ao investigado), a  diversão encoberta (quando demais atos praticados pelo acusado impossibilitam a continuidade  do processo, levando à extinção da punibilidade) e a diversão com intervenção (quando são  estabelecidas condições ao acusado, e o cumprimento dessas condições leva ao arquivamento  ou à extinção do procedimento). 

É notório que o acordo de não persecução penal vem como exceção ao princípio da  obrigatoriedade da ação penal pública, deve ser entendido, deste modo, como um critério de  seleção baseado na intervenção mínima estatal, o que permite, em tese, que o Ministério Público  estabeleça as regras do acordo conseguinte sua política criminal. 

Apesar de o Ministério Público possuir a legitimidade para a propositura do acordo e  competência para estipular as condições que deverão ser cumpridas pelo investigado, entende se que não se trata de direito subjetivo do autor, uma vez que mesmo que estejam presentes os  requisitos elencados no artigo 28-A do CPP, o Promotor de Justiça não tem a obrigação de  oferecê-lo, podendo recusar a propô-lo. 

Em casos assim, pode o acusado requisitar a remessa dos autos ao órgão superior,  conforme leciona a súmula n° 696 do Supremo Tribunal Federal (2015) a respeito da suspensão  condicional do processo “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão  condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo,  remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de  Processo Penal.” 

Assim, esse instituto consensual apresenta grande potencial para aprimorar a eficiência  do sistema de justiça penal, permitindo uma seleção mais criteriosa das prioridades e abrindo  espaço para lidar com conflitos mais graves.

3.1 Pressupostos e condições para a propositura do acordo 

Observa-se que há pressupostos a serem analisados para que seja aplicável o acordo de  não persecução penal, esses que vêm dispostos no caput do artigo 28-A, do Código de Processo  Penal. Na ausência desses pressupostos, deve-se adotar o início da persecução penal ou o  arquivamento do procedimento, dependendo do caso sob análise.  

Nesse contexto, não ser caso de arquivamento é o primeiro requisito presente no artigo  em questão. Isso implica que a ocorrência seja passível de instauração da ação penal, ou seja,  que possua indícios mínimos de autoria e materialidade (fumus comissi delicti), a legitimidade  por parte do Ministério Público e a justa causa (o mínimo de provas), que acarretaria na fase  processual.

Além deste, exige-se que o investigado tenha confessado formal e detalhadamente a  prática do delito como requisito para o oferecimento do acordo. Contudo, há divergências  doutrinárias quanto a esse quesito, com correntes que defendem tratar-se de voluntariedade do  acusado, não devendo ser obrigado a realizar a confissão expressa e por escrito como meio de  eximir-se do andamento processual. 

Requer-se, também, que a infração penal não deve ter sido praticada com violência ou  grave ameaça à vítima. Esta violência ou grave ameaça mencionada é a presente na conduta do  agente, devendo, portanto, ter sido praticada dolosamente, porém, nada impede que o ANPP  seja celebrado em ilícitos culposos com resultados violentos, já que não houve dolo no  resultado. (LIMA, 2020, p. 226). 

Por fim, impõe-se como pressuposto para a celebração do presente instituto negocial  que a infração penal tenha a pena mínima cominada inferior a 4 (quatro) anos. Frisa-se que  serão contabilizadas as causas de aumento e diminuição de pena aplicáveis ao caso concreto,  conseguinte o artigo 28-A, § 1° do CPP. 

Quanto às condições que poderão ser impostas ao investigado, essas vêm enumeradas  nos incisos I a V do artigo 28-A, quais sejam: 

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de  fazê-lo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) 

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério  Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; (Incluído pela Lei  nº 13.964, de 2019) (Vigência) 

III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período  correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois  terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do  Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); (Incluído pela  Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) 

IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do  Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade  pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha,  preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes  aos aparentemente lesados pelo delito; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)  (Vigência) 

V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério  Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.  (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência).

Posto isso, registra-se que o acordo de não persecução penal traz condições cumulativas  e alternativas, que são voluntariamente aceitas pelas partes. Por serem condições não privativas  de liberdade, não há que se falar em imposição de pena, visto que não existe o caráter  processual.  

No mesmo sentido é o teor do Enunciado n° 25 do Conselho Nacional de Procuradores Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e o Grupo Nacional de  Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM):

O acordo de não persecução penal não impõe penas, mas somente estabelece  direitos e obrigações de natureza negocial e as medidas acordadas voluntariamente pelas partes não produzirão quaisquer efeitos daí decorrentes, incluindo a reincidência. 

Destarte, este mecanismo consensual não deixa impune o autor da infração penal, de  modo que, caso não sejam cumpridas as condições acordadas, será iniciada a fase processual.  Insta mencionar que essas condições são rigorosas, com o objetivo de demonstrar a  reprovabilidade da conduta praticada e oferecer ao investigado a oportunidade de provar sua  capacidade de reintegração na sociedade.

3.2 Vedações e formalidades do ANPP 

Da mesma maneira em que há requisitos para a propositura do acordo de não persecução  penal, há situações em que este instituto consensual não poderá ser aplicado. A respeito disso,  o § 2°, incisos I a IV, do art. 28-A, demonstram quais são as hipóteses de vedação ao ANPP. 

Inicialmente, no inciso I do referido artigo, tem-se que não é cabível ANPP quando for  possível a transação penal, posto que, em infrações de menor potencial ofensivo, a competência  é o Juizado Especial Criminal (JECRIM), basta que o autor faça jus ao meio consensual previsto  no art. 76 da Lei n° 9.099/95.  

Em seguida, o inciso II traz que “se o investigado for reincidente ou se houver elementos  probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se  insignificantes as infrações penais pretéritas;”. Nesta redação, é notório que o legislador trata  da conduta do investigado, isto é, quando existe uma sequência de atos delituosos que revelem  seu modo de vida. Já a conduta reiterada é aquela que se repete, enquanto a profissional é  caracterizada como uma profissão adotada pelo autor. Entretanto, o reincidente é o indivíduo  que comete novo crime após sentença condenatória transitada em julgado. 

O inciso III, por sua vez, dispõe que a pessoa fica vedada de efetuar o ANPP quando foi  beneficiada por qualquer um dos dispositivos negociais (transação penal, suspensão condicional  do processo e acordo de não persecução penal) nos 5 (cinco) anos anteriores da realização da data  da infração. Diante disso, tende-se prevenir a concessão excessiva de benefícios a quem reincide em práticas delituosas. 

Assim, o inciso IV do § 2°, do art. 28-A evidencia que é inaplicável o presente instituto  em casos de violência doméstica ou familiar, ou, ainda, que a infração tenha sido praticada  contra a mulher por razões da condição do sexo feminino. O autor Renato Brasileiro de Lima  (2020, p. 228) ilustra:

[…] inicialmente, o legislador estabelece a vedação à celebração do acordo nos  crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, sem ressalvar,  porém, que a vítima em questão necessariamente teria que ser uma mulher. Por  consequência, caracterizada violência física, psicológica, sexual, patrimonial  ou moral, no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou em  qualquer relação íntima de afeto (Lei n. 11.340/06, arts. 5° e 7°), não será  cabível a celebração do acordo de não persecução penal, pouco importando se  se trata de delito cometido contra homem ou mulher. Na sequência, o legislador também veda a celebração do acordo quando o delito for praticado contra a  mulher por razões da condição do sexo feminino, hipótese em que pouco importa se o delito foi praticado (ou não) no contexto da violência doméstica e familiar;

No que diz respeito às formalidades do acordo, este deverá ser realizado por escrito e  assinado pelas partes (membro do Ministério Público, acusado e seu defensor), mas será  homologado em audiência, por meio da oralidade. Ainda, compete ao juiz homologar a  negociação, contudo, ele poderá devolver os autos ao Ministério Público caso entenda que as  condições estipuladas sejam inadequadas, insuficientes ou abusivas, bem como “poderá recusar  homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a  adequação anteriormente mencionada.” (LIMA, 2020. p 233).  

Sendo assim, ao ser cumprido o acordo conforme os termos estabelecidos, a  punibilidade do agente será extinta e não haverá registros na certidão de antecedentes criminais.  No entanto, se descumprido o ANPP, o membro do Ministério Público informará ao juízo para  que seja decretada a rescisão do acordo e, posteriormente, apresentará a denúncia em desfavor  do indivíduo. 

4. DA RETROATIVIDADE DO ANPP NOS PROCESSOS EM CURSO  ANTERIORMENTE A ENTRADA EM VIGOR DA LEI N° 13.964/19 

De início, deve-se ressaltar que, conforme o Enunciado n° 20 do GNCCRIM e o  entendimento jurisprudencial dominante, o acordo de não persecução penal poderá ser proposto  até o recebimento da denúncia oferecida pelo Parquet. Todavia, discute-se atualmente se esse  mecanismo negocial poderá ser aplicado em processos que estavam em curso antes da entrada  em vigor do “Pacote Anticrime” (Lei n° 13.964/19), como uma maneira mais ágil de solucionar  um conflito penal. 

Denota-se a existência de correntes de pensamento sobre o tema que defendem este meio  pactuado de resolução de conflitos, elucidando sua relevância no processo penal. Portanto, há  quem acredite que o acordo de não persecução penal possa ser proposto após o recebimento da  denúncia. Não obstante, alguns estudiosos creem que o acordo possa ser oferecido até uma  sentença ou, até mesmo, posteriormente ao trânsito em julgado. 

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 628.647, tomou  a interpretação de que o acordo de não persecução penal é aplicável até o recebimento da  denúncia, já que é dispositivo pré-processual. Nessa formulação, este é o julgado do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A DO CPP, INTRODUZIDO PELA LEI N. 13.964/2019. NORMA HÍBRIDA: CONTEÚDO DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. […] 2. Infere-se da norma despenalizadora que o propósito do acordo de não persecução penal é o  de poupar o agente do delito e o aparelho estatal do desgaste inerente à  instauração do processo-crime, abrindo a possibilidade de o membro do  Ministério Público, caso atendidos os requisitos legais, oferecer condições para  o então investigado (e não acusado) não ser processado, desde que necessário  e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Ou seja: o benefício a ser  eventualmente ofertado ao agente sobre o qual há, em tese, justa causa para o  oferecimento de denúncia se aplica ainda na fase pré-processual, com o claro  objetivo de mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal. 3. Se, por um  lado, a lei nova mais benéfica deve retroagir para alcançar aqueles crimes  cometidos antes da sua entrada em vigor – princípio da retroatividade da lex  mitior, por outro lado, há de se considerar o momento processual adequado para  perquirir sua incidência – princípio tempus regit actum, sob pena de se  desvirtuar o instituto despenalizador. 4. Ao conjugar esses dois princípios, tem se que é possível a aplicação retroativa do acordo de não persecução penal,  desde que não recebida a denúncia. […].

Entende-se que a ANPP possui um caráter de norma mista, ou seja, trata-se de lei  processual penal material. Sobre esse prisma, é necessário compreender que no quesito  temporal, as leis penais e processuais penais têm regras distintas quanto à sua retroatividade. 

É cediço que a lei penal retroagirá, excepcionalmente, quando for beneficiar o réu, nos  termos do artigo 5°, inciso XL, da Constituição Federal. Por outro lado, a lei processual penal  passa a valer imediatamente, conseguinte o artigo 2°, do Código de Processo Penal, sem que  acarrete danos a validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. 

Contudo, é notório que o acordo negocial em estudo não está obrigado a restringir-se  apenas às ocorrências em que não há o recebimento da denúncia, eis que, ao ter natureza de  norma mista (matéria penal e processual penal), nada impede que retroceda em benefício do  autor da infração. 

A respeito disso, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal ao julgar o Habeas  Corpus n° 180.421, decidiu que:

Nesse julgamento, o colegiado entendeu que o ANPP se trata de norma penal  mista (matéria penal e processual penal) mais favorável ao réu e, assim, deve  ser aplicada de forma retroativa. Com base nesse julgado e em doutrina atual  do processo penal, Lewandowski entendeu que o ANPP é aplicável também  aos processos iniciados antes do Pacote Anticrime, desde que ainda não haja  decisão definitiva e mesmo que não haja a confissão do réu até o momento de  sua proposição.

Da mesma forma são as lições do professor Guilherme de Souza Nucci (2022, p. 239):

O acordo de não persecução penal, introduzido pela Lei 13.964/2019, é uma  norma processual de natureza mista, pois evita a propositura de ação penal e,  com isso, permite a extinção da punibilidade. Assim sendo, temos sustentado  que essa espécie de norma processual penal deve retroagir no tempo, tal como  a norma penal benéfica, atingindo todos os processos em andamento, desde que  não tenha havido trânsito em julgado. Entretanto, a tendência da jurisprudência,  por ora, tem sido não acolher a retroatividade benéfica dessa norma do art. 28- A do CPP; defende-se que, havendo o recebimento da denúncia ou queixa, está se diante de ato jurídico perfeito, não podendo ser alterada a situação. Esse  entendimento, na realidade, deixa de reconhecer a força da norma processual  penal de natureza mista.

É patente que o cabimento do acordo se daria nos processos em que não há uma sentença condenatória ou acórdão transitado em julgado, o que demonstraria a culpa do agente na  infração ora imputada a ele. O Enunciado n° 98 do Ministério Público Federal ratifica esse  raciocínio: 

É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação  penal, isto é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do art. 28-A do CPP, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da introdução da Lei nº 13.964/2019, conforme precedentes, podendo o membro oficiante analisar se eventual sentença ou acórdão proferido nos autos configura medida mais adequada e proporcional ao deslinde dos fatos do que a celebração do ANPP. Não é cabível o acordo para processos com sentença ou acórdão após a vigência da Lei nº 13.964/2019, uma  vez oferecido o ANPP e recusado pela defesa, quando haverá preclusão.

O fato é que a retroatividade benéfica do acordo de não persecução penal em processos  que estavam em curso antes da entrada em vigor da Lei n° 13.964/19 tende a trazer benefícios  não só para o réu. Isso acontece porque, ao utilizar-se da justiça consensuada, evidencia-se a  celeridade e a eficácia desse meio, eliminando a necessidade de maior intervenção do Poder  Judiciário e do Parquet para solucionar o litígio.  

Ademais, tem-se que, além da economia temporal do Estado, permitindo que este se  concentre em processos mais graves, há a cumulação de recursos estatais que serão poupados  de serem gastos em desavenças em que seria aplicável o ANPP, conseguinte o princípio da  economia processual. 

À vista disso, esse acordo negocial está em conformidade, ainda, com o princípio da  duração razoável do processo, posto que evidencia satisfação social em menor período de tempo  do que na persecução penal propriamente dita. Sem contar que esse instituto consensual é  voluntário, tanto ao acusado quanto para o Ministério Público.

Portanto, indubitavelmente, o acordo de não persecução penal é capaz de resolver  conflitos penais de forma negocial e, consequentemente, eficaz, célere e satisfatória, bem como  representa uma alternativa ao cárcere privado. Por tal razão, tem-se que, de acordo com os  princípios penais e sua tamanha flexibilização, deva ser aplicado beneficamente em processos  que estavam em curso antes da entrada em vigor do Pacote Anticrime, como forma de diminuir  excessivamente a quantidade de processos criminais do Poder Judiciário.

5. CONCLUSÃO 

Ante o conteúdo exposto, é notória a divergência de pensamentos quanto à aplicabilidade temporal do acordo de não persecução penal, introduzido pelo Pacote Anticrime  (Lei n° 13.964/2019). Entretanto, tornou-se explícita a tamanha relevância deste instituto  pactuado, de modo que enfatiza, também, a importância da justiça penal consensual como um todo, incluindo os demais mecanismos negociais de solução de litígios na esfera processual  penal no presente. 

Apesar das discordâncias na jurisprudência sobre a retroatividade do ANPP, a tendência  é reconhecer que, desde que não haja sentença transitada em julgado, o acordo pode ser  oferecido em processos anteriores à nova legislação. Esta perspectiva reforça a possibilidade de  utilização desse mecanismo como ferramenta para agilizar a justiça penal e proporcionar  soluções mais justas e rápidas para casos menos graves. 

Destas constatações, revelou-se que o ANPP representa uma significativa inovação na  justiça penal brasileira, oferecendo uma alternativa viável para a resolução de conflitos  criminais menos gravosos. Logo, esse acordo visa reduzir a sobrecarga do sistema judiciário e  a superlotação dos presídios, ao permitir a resolução de conflitos de forma consensual, célere e  menos onerosa para o Estado e para os réus. 

Em síntese, com o objetivo de responder da melhor maneira as questões levantadas sobre  a temática, foram apresentados variados pressupostos que sustentam a ideia de que o acordo de  não persecução penal emerge como uma alternativa eficaz para o desafogamento do sistema  penal e a promoção de uma justiça mais ágil e humanizada. A sua implementação na modalidade  retroativa tem o objetivo de equilibrar a eficiência processual juntamente com os direitos  fundamentais dos envolvidos.

REFERÊNCIAS 

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1Graduanda em Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP,UNIFUNEC, torresalana016@gmail.com

2Mestre em Direito Processual Penal do Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP, UNIFUNEC