O ACESSO À JUSTIÇA COMUM NAS RESOLUÇÕES DOS CONFLITOS DESPORTIVOS: A PORMENORIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO DIANTE DA JUSTIÇA DESPORTIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10542978


Buenã Porto Salgado;
Isabella Moraes da Silva Ferreira.


RESUMO: O presente artigo analisa a autonomia constitucional da Justiça desportiva no que tange ao esgotamento administrativo como o critério da apreciação judicial na esfera comum, a fim de observar se há violação ao princípio constitucional da inafastabilidade jurisdicional ou se essa emancipação resulta em uma supervalorização da Justiça desportiva. Nesse contexto, a abordagem doutrinária e legislativa acerca do direito desportivo servirá para esclarecer quanto ao conceito, a competência e o funcionamento da Justiça desportiva, bem como para diferenciar o acesso à Justiça e ao poder Judiciário, além de refletir acerca do impacto da autonomia nas demandas judiciais desportivas.

PALAVRAS-CHAVE: Direito desportivo – Justiça desportiva – autonomia da Justiça desportiva – Inafastabilidade Jurisdicional – Princípio Constitucional. 

ABSTRACT:This article analyzes the constitutional autonomy of Sports Justice with regard to administrative exhaustion as the criterion for judicial assessment in the common sphere, in order to observe whether there is a violation of the constitutional principle of jurisdictional indefeasibility or whether this emancipation results in an overvaluation of Sports Justice. . In this context, the doctrinal and legislative approach to sports law will serve to clarify the concept, competence and functioning of sports justice, as well as to differentiate access to justice and the judiciary, in addition to reflecting on the impact of autonomy on sports legal demands.

KEYWORDS: Sports law – Sports justice – autonomy of sports justice – Jurisdictional indefeasibility – Constitutional principle.

INTRODUÇÃO

O direito desportivo é um direito social e, portanto, fundamental, elencado à segunda dimensão da subdivisão doutrinária constitucional, um ramo especializado do direito, ordenado por normas e princípios, responsável por organizar, regular e disciplinar as demandas no âmbito esportivo.

Conforme o artigo 217 da Constituição Federal de 1988,  o fomento e o incentivo às práticas desportivas é dever do Estado. No entanto, o parágrafo 1° do referido artigo assinala que as lides relativas à disciplina e às competições desportivas são de responsabilidade da Justiça Desportiva, designando-as à Justiça Comum somente após esgotar todas as instâncias administrativas. 

Nesse viés, este ensaio delineia acerca da justiça desportiva a partir da primazia constitucional, abordando sobre a autonomia e competência da Justiça Desportiva, bem como a distinção entre o acesso à justiça do acesso ao poder judiciário, a fim de demonstrar o papel da Justiça comum na resolução de questões ligadas ao contexto desportivo.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica, tem como objeto de pesquisa a Justiça Desportiva, a Justiça Comum e os litígios desportivos a partir da abordagem legal, doutrinária, jurisprudencial e de artigos científicos já publicados, com intuito de apresentar como é a organização e o funcionamento da Justiça Desportiva e se é, de fato, a maneira mais célere e eficaz deste entrave. 

Para isso, buscará analisar se a prerrogativa da apreciação das demandas desportivas no âmbito da justiça comum somente após findados os patamares administrativos é uma violação ao princípio constitucional do da inafastabilidade da jurisdição elencado no artigo 5°, XXXV da Constituição Federal de 1988.. 

1. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DESPORTIVO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL.

Diante da primazia da Carta Magna brasileira em delinear acerca dos deveres de uma sociedade, está, de igual forma, a função de assegurar o exercício dos direitos, no presente caso, quanto ao exercício dos direitos sociais.

Os direitos e garantias fundamentais caracterizam-se como gênero e estão dispostos no título II da Lei Maior brasileira – a Constituição Federal de 1988 –, ramificando-se em cinco espécies, quais sejam: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos.

O esporte está, também, intrinsecamente ligado ao lazer. Nesse contexto, a ascensão do direito desportivo se deu pelo reconhecimento do lazer como direito social dos cidadãos no art. 6° da Carta Magna de 88 (1988, Constituição Federal), sobretudo quando equiparado às garantias mínimas para a subsistência social como direitos fundamentais.

Sob essa ótica, a doutrina classifica os direitos fundamentais em três gerações, de acordo com a ordem cronológica que constitucionalmente passaram a vigorar, conforme define o doutrinador Alexandre de Moraes (2006, p. 46):

Nessa lógica, direitos sociais são, portanto, as garantias mínimas para proporcionar qualidade de vida, condições de igualdade e vida digna a uma sociedade, visando, principalmente, o desenvolvimento coletivo.

Acerca do direito desportivo, Marcílio Krieger (2002) assinala que é a parte ou ramo do Direito Positivo que regula as relações desportivas, assim entendidas aquelas formadas pelas regras e normas internacionais e nacionais estabelecidas para cada modalidade, bem como as disposições relativas ao regulamento e à disciplina das competições.

Ainda quanto à constitucionalidade da matéria, o direito desportivo é assinalado no Capítulo III do Título VIII da Ordem Social da Constituição De 1988, tem como objetivo o bem-estar e a justiça social, nivelado à educação e à cultura. 

Assim, não há dúvida de que a Constituição de 1988 trata o direito desportivo como um direito social e, consequentemente, fundamental. Além do fato da prática esportiva estar relacionada a inúmeros outros direitos fundamentais como o direito à saúde, à educação e ao ensino, ao lazer e  ao trabalho, o direito de reunião e de associação, dentre outros, todos presentes nos artigos e da Constituição Federal (QUARESMA, 2012, p. 46).

Ainda nesse contexto, segundo o entendimento de Leonardo Ferraro:

A ligação do desporto com o direito, e, mais especificamente, com os direitos fundamentais, é bastante intensa, e se consolidou principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que, aliás, foi a primeira no Brasil a tratar do desporto como um direito social e fundamental, garantido aos indivíduos a condição de cobrar do Poder Público o fomento das atividades desportivas, através de várias ferramentas, como a Ação Civil Pública e a Ação Popular, por exemplo (2010, p. 300).

Para tanto, o art. 217 da Constituição Federal demanda especificamente acerca do direito desportivo, assinalando o dever do Estado em fomentar as práticas desportivas como direito de cada um, observando a autonomia das entidades desportivas, a destinação de recursos públicos, o tratamento diferenciado para o desporto e a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. 

Observa-se, portanto, que embora a obrigação de fomentar as práticas desportivas seja da República Federativa do Brasil, deve, também, observar a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações quanto a sua organização e funcionamento.

2. ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA DESPORTIVA

O sistema de justiça no âmbito esportivo do Brasil é formado por vários órgãos, e apresenta uma estrutura de funcionamento semelhante dos demais, sendo incorporado ao sistema jurídico por meio de disposições do Código Brasileiro de Justiça Desportiva e da Lei 9.615/98, popularmente conhecida como a Lei Pelé. Dispõe o artigo 52 da referida lei:

Os órgãos integrantes da Justiça Desportiva são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compondo-se do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades nacionais de administração do desporto; dos Tribunais de Justiça Desportiva, funcionando junto às entidades regionais da administração do desporto, e das Comissões Disciplinares, com competência para processar e julgar as questões previstas nos Códigos de Justiça Desportiva, sempre assegurados a ampla defesa e o contraditório (Brasil, 1998).

Compreende-se, portanto, que a justiça desportiva é dividida em dois tribunais, o Superior Tribunal de Justiça Desportivo e o Tribunal de Justiça Desportivo, as competências de cada um são dispostas no Código Brasileiro da Justiça Desportiva, expostos a seguir.

2.1 COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA

Compete à justiça desportiva processar e julgar matérias referentes às competições desportivas e às infrações disciplinares, sendo que o Código Brasileiro da Justiça Desportiva regula que ambos os tribunais se subdividem em Tribunal Pleno e Comissões.

Primordialmente, a competência do Tribunal Pleno do Superior Tribunal de Justiça, que atua junto às entidades nacionais de administração do desporto, está no artigo 25 do Código Brasileiro da Justiça Desportiva.:

Art. 25. Compete ao Tribunal Pleno do STJD: 
a) seus auditores, os das Comissões Disciplinares do STJD e os procuradores que atuam perante o STJD; 
b) os litígios entre entidades regionais de administração do desporto; 
c) os membros de poderes e órgãos da entidade nacional de administração do desporto; 
d) os mandados de garantia contra atos ou omissões de dirigentes ou administradores das entidades nacionais de administração do desporto, de Presidente de TJD e de outras autoridades desportivas; (NR). 
e) a revisão de suas próprias decisões e as de suas Comissões Disciplinares; 
f) os pedidos de reabilitação; 
g) os conflitos de competência entre Tribunais de Justiça Desportiva;
h) os pedidos de impugnação de partida, prova ou equivalente referentes a competições que estejam sob sua jurisdição; 
i) as medidas inominadas previstas no art. 119, quando a matéria for de competência do STJD; 
j) as ocorrências em partidas ou competições internacionais amistosas disputadas pelas seleções representantes da entidade nacional de administração do desporto, exceto se procedimento diverso for previsto em norma internacional aceita pela respectiva modalidade; 
II – julgar, em grau de recurso:  
a) as decisões de suas Comissões Disciplinares e dos Tribunais de Justiça Desportiva; 
b) os atos e despachos do Presidente do STJD; (NR). 
c) as penalidades aplicadas pela entidade nacional de administração do desporto, ou pelas entidades de prática desportiva que lhe sejam filiadas, que imponham sanção administrativa de suspensão, desfiliação ou desvinculação; (NR). 
III – declarar os impedimentos e incompatibilidades de seus auditores e dos procuradores que atuam perante o STJD; (NR). 
IV – criar Comissões Disciplinares, indicar seus auditores, destituí-los e declarar sua incompatibilidade; (NR). 
V – instaurar inquéritos; 
VI – uniformizar a interpretação deste Código e da legislação desportiva a ele correlata, mediante o estabelecimento de súmulas de jurisprudência predominante, vinculantes ou não, editadas na forma do art. 119-A; (NR). 
VII – requisitar ou solicitar informações para esclarecimento de matéria submetida à sua apreciação; 
VIII – expedir instruções às Comissões Disciplinares do STJD e aos Tribunais de Justiça Desportiva; (NR). 
IX – elaborar e aprovar o seu regimento interno; 
X – declarar a vacância do cargo de seus auditores e procuradores; 
XI – deliberar sobre casos omissos; 
XII – avocar, processar e julgar, de ofício ou a requerimento da Procuradoria, em situações excepcionais de morosidade injustificada, quaisquer medidas que tramitem nas instâncias da Justiça Desportiva, para evitar negativa ou descontinuidade de prestação jurisdicional desportiva (Brasil, 2009). 

Ao passo que, à Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça desportiva, compete: 

Art. 26. Compete às Comissões Disciplinares do STJD:
I – processar e julgar as ocorrências em competições interestaduais e nacionais promovidas, organizadas ou autorizadas por entidade nacional de administração do desporto, e em partidas ou competições internacionais amistosas disputadas por entidades de prática desportiva; 
II – processar e julgar o descumprimento de resoluções, decisões ou deliberações do STJD ou infrações praticadas contra seus membros, por parte de pessoas naturais ou jurídicas mencionadas no art. 1º, § 1º, deste Código;
III – declarar os impedimentos de seus auditores (Brasil, 2009). 

2.2 COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVO

De igual forma, o Tribunal de Justiça desportivo também se subdivide em Tribunal Pleno e Comissões Disciplinares, junto às entidades regionais da administração do desporto. Quanto ao Tribunal pleno, nos termos do artigo 27 do Código Brasileiro da Justiça Desportiva: 

Art. 27. Compete ao Tribunal Pleno de cada TJD: 
I – processar e julgar, originariamente: 
a) os seus auditores, os das Comissões Disciplinares do TJD e os procuradores que atuam perante o TJD;  
b) os mandados de garantia contra atos ou omissões de dirigentes ou administradores dos poderes das entidades regionais de administração do desporto; 
c) os dirigentes da entidade regional de administração do desporto;
d) a revisão de suas próprias decisões e as de suas Comissões Disciplinares; 
e) os pedidos de reabilitação; 
f) os pedidos de impugnação de partida, prova ou equivalente referentes a competições que estejam sob sua jurisdição; 
g) as medidas inominadas previstas no art. 119, quando a matéria for de competência do TJD; 
II – julgar, em grau de recurso: 
a) as decisões de suas Comissões Disciplinares; 
b) os atos e despachos do Presidente do TJD; 
c) as penalidades aplicadas pela entidade regional de administração do desporto, ou pelas entidades de prática desportiva que lhe sejam filiadas, que imponham sanção administrativa de suspensão, desfiliação ou desvinculação;
III – declarar os impedimentos e incompatibilidades de seus auditores e dos procuradores que atuam perante o TJD;
IV – criar Comissões Disciplinares e indicar os auditores, podendo instituí-las para que funcionem junto às ligas constituídas na forma da legislação em vigor;
V – destituir e declarar a incompatibilidade dos auditores das Comissões Disciplinares;
VI – instaurar inquéritos;
VII – requisitar ou solicitar informações para esclarecimento de matéria submetida à sua apreciação; 
VIII – elaborar e aprovar o seu Regimento Interno; 
IX – declarar vacância do cargo de seus auditores e procuradores; 
X – deliberar sobre casos omissos (Brasil, 2009). 

Nos termos em que compete às Comissões Disciplinares do Tribunal de Justiça Desportivo, conforme artigo 28 do Código Brasileiro da Justiça Desportiva: 

Art. 28. Compete às Comissões Disciplinares de cada TJD:
I – processar e julgar as infrações disciplinares e demais ocorrências havidas em competições promovidas, organizadas ou autorizadas pela respectiva entidade regional de administração do desporto; 
II – processar e julgar o descumprimento de resoluções, decisões ou deliberações do TJD ou infrações praticadas contra seus membros, por parte de pessoas naturais ou jurídicas mencionadas no art. 1º, § 1º, deste Código; 
III – declarar os impedimentos de seus auditores (Brasil, 2009). 

Infere-se, assim, que as competências capituladas no Código Brasileiro da Justiça Desportiva essencialmente norteiam no sentido de conceder apreciação e julgamento especializado às causas desportivas. 

3. FUNCIONAMENTO DA JUSTIÇA DESPORTIVA

Os casos levados à justiça desportiva podem abranger uma ampla gama de temas, desde doping e manipulação de resultados até questões disciplinares envolvendo atletas, clubes e dirigentes. O processo, muitas vezes, começa com a instauração de um inquérito, seguido por um julgamento perante um tribunal desportivo.

Nesse contexto, ao contrário dos demais ramos do direito, o processo desportivo adota apenas dois procedimentos, o procedimento sumário e o especial. Conforme versa o artigo 34:

Art. 34. O processo desportivo observará os procedimentos sumário ou especial, regendo-se ambos pelas disposições que lhes são próprias e aplicando-se lhes, obrigatoriamente, os princípios gerais de direito. 
§ 1º O procedimento sumário aplica-se aos processos disciplinares.
§ 2º O procedimento especial aplica-se: 
I – ao inquérito; 
II – à impugnação de partida, prova ou equivalente; 
III – ao mandado de garantia; 
IV – à reabilitação; 
V – à dopagem, caso inexista legislação procedimental aplicável à modalidade; 
VI (Revogado pela Resolução CNE nº 29 de 2009). 
VII – à suspensão, desfiliação ou desvinculação imposta pelas entidades de administração ou de prática desportiva; 
VIII – à revisão; IX – às medidas inominadas do art. 119;  
X – à transação disciplinar desportiva (Brasil, 2009).

As decisões proferidas podem incluir penalidades como suspensões, multas, perda de pontos ou até mesmo exclusão de uma competição e, assim, garantir a aplicação consistente das regras estabelecidas, promover a igualdade de condições e a preservação dos valores éticos no esporte.

Nesse contexto, embora a atuação da justiça desportiva ocorra de forma independente, a Constituição Federal brasileira delineia sobre o prazo para a justiça desportiva proferir decisão final, qual seja, sessenta dias. Conforme o art. 217:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final (Brasil, 1988).

Portanto, nota-se que a justiça desportiva é organizada entre as causas brandas e as de maior complexidade, sendo que o procedimento sumário na justiça desportiva é caracterizado por sua simplicidade e agilidade, geralmente aplicado em casos de infrações disciplinares menos complexas e que permitem uma análise rápida. Ao passo que o processo especial é aplicado a casos que, por sua natureza ou complexidade, demandam um tratamento diferenciado. 

4. O PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DA JUSTIÇA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O Acesso à Justiça é um direito fundamental, previsto no artigo 5°, XXXV da Constituição Federal de 1988), o qual prevê a garantia da apreciação do Poder judiciário a todas as lides, mas, nem sempre foi assim.

Esta garantia passou por diversas interferências no decorrer da história das Constituições, e foi positivado no artigo 141 parágrafo 4° da Constituição Federal de 1946, em seguida, continuou sendo previsto na Constituição Federal de 1967,mas foi temporariamente suspenso durante a vigência do Ato Institucional n° 5-AI n° 5, que vigorou por dez anos (1968-1978), que tinha tendências totalitárias em suprimir os direitos individuais, visto que foi no contexto da ditadura militar no Brasil.

Em 1988 foi promulgada a vigente Constituição da República Federativa do Brasil, popularmente conhecida como Constituição Cidadã por seu caráter de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça (Brasil, 1988).

Nesse sentido, os direitos e garantias fundamentais estão alicerçados no artigo 5° da Constituição Federal de 88,, sendo este o maior artigo do texto. Dentre os direitos fundamentais elencados, está a igualdade do acesso à justiça: 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Nesse sentido, o princípio da inafastabilidade garante a segurança de que não se pode negar o acesso ao Poder Judiciário a quem necessita da resolução jurisdicional. Nas lições de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco:

O princípio da inafastabilidade da jurisdição garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o qual não pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão fundada no direito e pedir solução para ela. Não pode a lei “excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito” (art. Cit.) nem pode o juiz, a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei, escusar-se de proferir decisão (Cintra; Grinover; Dinamarco, 2014, p. 157).

O princípio da inafastabilidade (ou princípio do controle jurisdicional), expresso na Constituição Federal  em seu artigo 5º, inciso XXXV, garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o qual não pode deixar de atender a quem venha a juízo deduzir uma pretensão fundada no direito e pedir solução para ela.

Portanto, entende-se pela pluralidade do acesso à justiça, sem qualquer distinção, motivação ou especificidade. Não se trata do objeto, da causa ou da sua relevância subjetiva, mas de uma garantia soberana consagrada pela Constituição.

4. O ACESSO À JUSTIÇA NO DIREITO DESPORTIVO

Para tanto, no contexto do Direito Desportivo, observa-se uma disparidade na facilitação do acesso à justiça. Isso ocorre devido às normativas desportivas que, ao estabelecerem condições para a simples apresentação de uma ação judicial, acabam por criar uma limitação à garantia da prestação jurisdicional nesse campo do direito. 

O Direito Desportivo tem previsão no sistema jurídico brasileiro, recebendo um tratamento característico no tocante à judicialização de demandas, a qual contempla, no Art. 217, § 1º da Constituição Federal, a seguinte disposição: 

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:
§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei (Brasil, 1988).

Portanto, não é permitido entrar diretamente com uma ação na justiça comum em busca de um pleito nesta área do direito, em virtude da restrição estabelecida pela Constituição Federal quanto à exaustão das instâncias da justiça especializada. Este obstáculo, originado pelo próprio poder constituinte original, cria um impasse quando considerado em paralelo ao Art. 5º, XXXV.

Nesse sentido, esse viés é objeto de divergência doutrinária. Uma corrente argumenta que o obstáculo ao acesso ao poder judiciário delineado no Art. 217, §1º colide com o princípio estabelecido no Art. 5º, XXXV. Já a segunda corrente entende que essa norma não configura um obstáculo ao acesso à justiça, ela simplesmente estabelece uma condição preliminar que precisa ser atendida antes de possibilitar a judicialização da demanda.

A primeira corrente, alega que entre o disposto no artigo mencionado e o Art. 5, XXXV da  existe uma antinomia, pois entende que a criação de barreiras ao acesso à justiça impossibilitaria que as causas referentes ao Direito Desportivo sejam devidamente apreciadas pelo poder judiciário. Ferreira Filho argumenta: 

Deflui do texto a intenção de ver instituído, por lei, um contencioso administrativo para apreciar eventos ocorridos durante as manifestações desportivas. Isso não se coaduna bem com a autonomia das entidades desportivas, quanto à sua organização e funcionamento, que consagra o inciso I deste artigo. Na verdade, esta norma importaria uma exceção ao disposto no art. 5 º, XXXV. É uma exceção escandalosa, já que não é prevista quanto a outras modalidades de contencioso administrativo que se conhecem no País (Ferreira Filho, 2000).

Por outro lado, conforme entendimento do doutrinador Alexandre de Moraes, Ministro do Supremo Tribunal Federal, apesar da excepcionalidade prevista no Art. 217, §1º, essa norma não representa um impedimento ao acesso à justiça. Em vez disso, impõe uma condição preliminar que deve ser cumprida antes de permitir a judicialização da demanda: 

A própria Constituição Federal exige, excepcionalmente, o prévio acesso às instâncias da Justiça Desportiva, nos casos de ações relativas à disciplina e às competições desportivas, reguladas em lei (CF, art. 217, § 1.°), sem, porém condicionar o acesso ao Judiciário ao término do processo administrativo, pois a Justiça Desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final (CF, art. 217, § 2.°) (Moraes, 2006).

Obsta, portanto, que o tratamento diferente às causas relacionadas ao Direito Desportivo assegura um julgamento especializado. Contudo, ao isolar a Justiça Desportiva das outras jurisdições, ocorre a violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar os aspectos Constitucionais do Direito Desportivo como um direito fundamental, é evidente a sua conexão com os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Os direitos e garantias fundamentais, organizados em cinco espécies, incluindo os direitos sociais, refletem a importância do esporte como um elemento intrínseco ao lazer e à qualidade de vida da sociedade.

Além disso, o estudo proporcionou uma compreensão quanto ao funcionamento, as divisões e as competências da justiça desportiva, tornou-se claro como esse ramo especializado do sistema jurídico é estruturado, destacando o papel dos tribunais e suas funções específicas.

O trabalho desempenhou um papel fundamental para entender os mecanismos que regem a justiça desportiva  em paralelo com a Constituição Federal (Brasil, 1988).

Quanto ao posicionamento doutrinário, ao classificar os direitos fundamentais em três gerações destaca a relevância dos direitos sociais na busca pelo desenvolvimento coletivo e na promoção de condições dignas de vida. Nesse contexto, o Direito Desportivo, regulando as relações desportivas, é reconhecido como parte integrante do ordenamento jurídico brasileiro, com destaque no Capítulo III do Título VIII, alinhado aos objetivos de bem-estar e justiça social.

Contudo, ao abordar o acesso à justiça à luz da Constituição, observa-se, de forma breve, uma trajetória marcada por interferências históricas, culminando na consagração desse direito fundamental na Carta Cidadã de 1988. O princípio da inafastabilidade previsto no artigo 5°, XXXV, assegura a todas e todos o direito de buscar a apreciação do Poder Judiciário, sem distinção ou restrição. 

No entanto, ao aplicar o acesso à justiça ao Direito Desportivo, identificou-se uma disparidade na facilitação do acesso. O artigo 217, 1° estabelece a da exaustão das instâncias da justiça desportiva como condição prévia para ações relacionadas ao Direito Desportivo terem condições de serem apreciadas pela justiça comum. 

Essa restrição, apesar de visar a especialização do julgamento e até a celeridade, gera estranheza como se a intenção do legislador fosse de apartar as causas de cunho desportivo das demais, levanta, portanto, o questionamento se realmente é assegurado, sem distinção ou restrição, o direito da inafastabilidade jurisdicional.

Assim, nota-se a necessidade de compreender e atribuir valor às demandas relacionadas à esfera desportiva, de modo a garantir seu tratamento com a devida equiparidade jurídica, já que todos os direitos são passíveis de apreciação pelo Poder Judiciário, não há algum que seja considerado indigno de análise.

Dessa forma, a negligência no contexto do Direito Desportivo pode caracterizar um retrocesso, mesmo que possa parecer impactante para aqueles que não se aprofundam nesse campo de estudo, acaba por prejudicar uma das garantias mais cruciais e fundamentais do ordenamento jurídico da República Federativa do Brasil: o acesso à justiça.

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