NÚCLEOS DE APOIO À INTELIGÊNCIA LOCAL (NAIL): MODELO INOVADOR DE INTEGRAÇÃO ENTRE MILITARES INATIVOS E INTELIGÊNCIA COMUNITÁRIA NA PMPR

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506242211


Rielli Friedrich Leandro Silvano1
Thiago Albini2


RESUMO

O presente trabalho propõe um modelo viável de aproveitamento dos militares estaduais inativos voluntários no apoio à produção de inteligência comunitária na Polícia Militar do Paraná (PMPR). A pesquisa fundamenta-se na análise do marco legal vigente, especialmente a proposta de lei encaminhada pelo Governo do Paraná em 2025, que autoriza a designação de policiais e bombeiros militares da reserva de volta à ativa. O estudo examina conceitos de inteligência comunitária, polícia comunitária e experiências comparativas em outras unidades da federação, propondo a criação de Núcleos de Apoio à Inteligência Local (NAIL) como modelo inovador. A metodologia inclui revisão bibliográfica sistemática, análise documental e comparação com programas similares implementados em São Paulo, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. Os resultados indicam que o aproveitamento da experiência e memória institucional dos militares inativos pode contribuir significativamente para o fortalecimento da inteligência comunitária, especialmente através da participação em CONSEGs e atividades de proximidade com a comunidade. O modelo proposto respeita limitações legais e éticas, estabelece canais de comunicação eficazes com o serviço ativo e promove a filosofia de polícia comunitária baseada nos princípios da Diretriz Nacional de Polícia Comunitária de 2019. A análise comparativa demonstra que o Paraná possui condições favoráveis para implementação de programa inovador que integre militares inativos às atividades de inteligência comunitária, diferenciando-se dos modelos existentes que focam predominantemente em atividades administrativas.

Palavras-chave: Militares inativos; Inteligência comunitária; Polícia comunitária; Segurança pública.

ABSTRACT

This article proposes a viable model for utilizing voluntary inactive state military personnel in supporting community intelligence production, strengthening ties with society and optimizing human resources in public security for the Military Police of Paraná (PMPR). The research is based on analysis of current legal framework, especially the bill submitted by the Government of Paraná in 2025, which authorizes the designation of reserve military police and firefighters back to active duty. The study examines concepts of community intelligence, community policing, and comparative experiences in other federation units, proposing the creation of Local Intelligence Support Centers (NAIL) as an innovative model. The methodology includes systematic literature review, document analysis, and comparison with similar programs implemented in São Paulo, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, and Rio Grande do Sul. Results indicate that leveraging the experience and institutional memory of inactive military personnel can significantly contribute to strengthening community intelligence, especially through participation in CONSEGs and community proximity activities. The proposed model respects legal and ethical limitations, establishes effective communication channels with active service, and promotes community policing philosophy based on the principles of the National Community Policing Directive of 2019. Comparative analysis demonstrates that Paraná has favorable conditions for implementing an innovative program that integrates inactive military personnel into community intelligence activities, differentiating itself from existing models that focus predominantly on administrative activities.

Keywords: Inactive military; Community intelligence; Community policing; Public security.

1. INTRODUÇÃO

1.1 Contextualização e Justificativa

A segurança pública no Brasil enfrenta desafios crescentes que demandam soluções inovadoras e eficazes para o enfrentamento da criminalidade e promoção da ordem pública. Neste contexto, o aproveitamento de recursos humanos qualificados e experientes torna-se fundamental para o fortalecimento das instituições de segurança. A Polícia Militar do Paraná (PMPR), reconhecendo a importância da experiência acumulada por seus militares inativos, busca alternativas para otimizar o uso desse valioso capital humano no âmbito da inteligência comunitária.

A escolha deste tema fundamenta-se na necessidade premente de desenvolver modelos que permitam o aproveitamento da experiência e conhecimento institucional dos militares estaduais inativos voluntários, especificamente no apoio à produção de inteligência comunitária. Esta abordagem alinha-se com os princípios da polícia comunitária estabelecidos na Diretriz Nacional de Polícia Comunitária de 2019, que preconiza a participação ativa da comunidade na construção da segurança pública (BRASIL, 2019).

O Governo do Paraná, em maio de 2025, encaminhou à Assembleia Legislativa um projeto de lei que autoriza a designação de policiais e bombeiros militares da reserva de volta à ativa, demonstrando o reconhecimento oficial da importância desta questão (PARANÁ, 2025). Esta iniciativa representa uma oportunidade única para repensar e reestruturar a forma como os recursos humanos são utilizados na segurança pública estadual, especialmente no que se refere às atividades de inteligência comunitária.

A relevância do tema é evidenciada pela experiência de outros estados brasileiros que já implementaram programas de aproveitamento de militares inativos. São Paulo, por exemplo, publicou edital para contratar 2.200 policiais militares da reserva para cargos administrativos, com o objetivo de liberar policiais da ativa para o serviço operacional (SÃO PAULO, 2025). Mato Grosso do Sul criou o Corpo Voluntário de Militares Inativos (CVMI) através de lei estadual, embora tenha enfrentado questionamentos jurídicos sobre sua constitucionalidade (ROSA, 2020).

1.2 Lacuna Identificada na Literatura

A análise da literatura especializada revela uma lacuna significativa no que se refere ao aproveitamento sistemático dos militares inativos para atividades de inteligência comunitária. Embora existam estudos sobre polícia comunitária e programas pontuais de aproveitamento de militares inativos, não há um modelo estruturado que integre de forma eficaz a experiência destes profissionais com as necessidades operacionais da inteligência comunitária.

Silveira (2025), em estudo sobre a aplicação de militares inativos no apoio administrativo da PMPR, identificou que “embora os militares inativos contribuam efetivamente para a gestão administrativa, há discrepâncias significativas no regime jurídico e nas condições de trabalho em relação aos militares da ativa”. O autor destaca problemas como ausência de férias, diferença expressiva na remuneração e inexistência de acompanhamento de saúde ocupacional, fatores que impactam diretamente a qualidade de vida dos inativos voluntários.

A inteligência comunitária, como conceito e prática, ainda carece de desenvolvimento teórico e metodológico no contexto brasileiro. Frazão Neto (2020) observa que “a matéria sobre as semelhanças e as distinções entre inteligência e investigação policial é tema de discussões, tanto no meio dos profissionais que atuam na área de segurança pública, como em outros setores da sociedade”. Esta lacuna conceitual dificulta o desenvolvimento de programas específicos que aproveitem o potencial dos militares inativos para atividades de inteligência comunitária.

1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo Geral

Propor um modelo viável e estruturado de aproveitamento dos militares estaduais inativos voluntários no apoio à produção de inteligência comunitária, fortalecendo o vínculo com a sociedade e otimizando recursos humanos na segurança pública da Polícia Militar do Paraná.

1.3.2 Objetivos Específicos

a) Analisar o marco legal vigente e as propostas de alteração legislativa relacionadas aos militares estaduais inativos voluntários, comparando com experiências de outras unidades da federação;

b) Fundamentar teoricamente os conceitos de inteligência comunitária e polícia comunitária, estabelecendo suas inter-relações e aplicabilidade no contexto brasileiro;

c) Caracterizar o perfil dos militares inativos e identificar seu potencial de contribuição para a inteligência comunitária;

d) Desenvolver uma proposta de modelo operacional através da criação de Núcleos de Apoio à Inteligência Local (NAIL);

e) Realizar análise comparativa com programas similares implementados em outras instituições policiais brasileiras;

f) Identificar desafios e requisitos necessários para a implementação eficaz da proposta;

g) Avaliar a viabilidade jurídica, operacional e econômica do modelo proposto.

1.4 Metodologia

Esta pesquisa adota uma abordagem qualitativa, utilizando métodos de revisão bibliográfica sistemática, análise documental e estudo comparativo. A metodologia compreende as seguintes etapas:

Revisão Bibliográfica Sistemática: Análise da literatura especializada em polícia comunitária, inteligência policial e gestão de recursos humanos em segurança pública, incluindo obras de referência nacional e internacional, artigos científicos publicados em periódicos especializados e documentos oficiais de órgãos governamentais.

Análise Documental: Exame de documentos oficiais, incluindo legislação federal e estadual, regulamentos institucionais, relatórios governamentais, diretrizes nacionais e dados estatísticos sobre programas de segurança pública no Brasil.

Estudo Comparativo: Análise comparativa entre diferentes modelos de aproveitamento de militares inativos implementados em São Paulo, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo e Rio Grande do Sul, identificando vantagens, limitações e possibilidades de adaptação para o contexto paranaense.

Análise de Conteúdo: Aplicação da técnica de análise de conteúdo conforme Bardin (2016) para sistematização e interpretação dos dados coletados, permitindo a identificação de padrões e tendências relevantes para a pesquisa.

1.5 Estrutura do Trabalho

O presente trabalho está organizado em oito seções principais. Após esta introdução, a segunda seção apresenta o marco legal e experiências comparativas relacionadas aos militares inativos voluntários em diferentes estados brasileiros. A terceira seção desenvolve a fundamentação teórica sobre inteligência comunitária e polícia comunitária. A quarta seção caracteriza o perfil dos militares inativos e seu potencial de contribuição.

A quinta seção constitui o núcleo central do trabalho, apresentando a proposta de modelo operacional através dos Núcleos de Apoio à Inteligência Local (NAIL). A sexta seção apresenta análise comparativa das vantagens dos NAILs, enquanto a sétima seção identifica desafios e requisitos para implementação. A oitava seção apresenta as conclusões e recomendações finais.

2. MARCO LEGAL E EXPERIÊNCIAS COMPARATIVAS

2.1 Fundamentação Constitucional e Legal

A utilização de militares estaduais inativos voluntários encontra respaldo na Constituição Federal de 1988, que estabelece em seu artigo 144 que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 1988). Este dispositivo constitucional fundamenta a participação de diferentes atores sociais na construção da segurança pública, incluindo profissionais experientes que podem contribuir mesmo após a passagem para a inatividade.

A Lei Federal nº 13.954/2019, que institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), reforça a importância da integração entre diferentes órgãos e da participação social na segurança pública, criando um ambiente legal favorável ao aproveitamento de recursos humanos qualificados (BRASIL, 2019). O SUSP estabelece diretrizes que favorecem a integração e participação social na segurança pública, criando ambiente legal favorável à implementação de programas inovadores de aproveitamento de militares inativos.

O Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela Lei nº 9.883/1999, estabelece as bases legais para a atividade de inteligência no país, definindo-a como “a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado” (BRASIL, 1999).

2.2 Marco Legal Específico no Paraná

2.2.1 Lei 19.130/2017 e o CMEIV

A Lei Estadual nº 19.130, de 25 de setembro de 2017, representa o primeiro marco legal específico para o aproveitamento de militares estaduais inativos no Paraná. Esta lei “autoriza o Poder Executivo a instituir o Corpo de Militares Estaduais Inativos Voluntários – CMEIV, no âmbito da Secretaria de Estado da Segurança Pública” (PARANÁ, 2017).

O CMEIV foi regulamentado pelo Decreto Estadual nº 841, de 15 de março de 2019, que estabelece os critérios para seleção, as atividades permitidas e as condições de participação dos militares inativos (PARANÁ, 2019). A Portaria do Comando Geral nº 232/2019 complementa a regulamentação, definindo programas específicos e procedimentos operacionais.

O modelo do CMEIV baseia-se em processos seletivos formais, com candidatos submetidos a concursos distintos que estabelecem quantitativo de vagas, locais de atuação e circunstâncias específicas de cada programa. Esta estrutura, embora funcional, apresenta limitações em termos de flexibilidade e capacidade de resposta às demandas dinâmicas da segurança pública.

2.2.2 Proposta de Lei de 2025

Em maio de 2025, o Governo do Paraná encaminhou à Assembleia Legislativa um projeto de lei que representa uma evolução significativa no marco legal dos militares inativos. A proposta autoriza “a designação de policiais e bombeiros militares da reserva de volta à ativa” mediante critérios mais flexíveis e abrangentes (PARANÁ, 2025).

As principais inovações da proposta incluem critérios de elegibilidade mais amplos, processo de designação simplificado, remuneração padronizada equivalente a 70% da remuneração de um soldado de 1ª classe, e limitações funcionais que impedem ocupação de funções de comando, chefia ou direção.

2.3 Experiências em Outras Unidades da Federação

2.3.1 São Paulo: Modelo Administrativo

A Polícia Militar de São Paulo implementou em 2025 um programa abrangente de aproveitamento de militares inativos, publicando edital para contratar 2.200 policiais militares da reserva para cargos administrativos (SÃO PAULO, 2025). O programa paulista caracteriza-se pelo foco exclusivo em atividades administrativas, com o objetivo declarado de “liberar mais policiais do quadro de combatente para o serviço operacional”.

As características do programa paulista incluem vagas exclusivas para praças, prioridade para policiais com experiência administrativa, jornada de 8 horas diárias, direito a férias, duração de até um ano (prorrogável), e manutenção do status de inativo (sem direito a farda ou promoções).

O Capitão Gustavo Maciel, da Subsecretaria de Acompanhamento de Projetos Estratégicos da SSP-SP, explica que “o militar é diferente de um servidor público que se aposenta e perde um vínculo com a instituição”, destacando que o policial militar aposentado “continua vinculado com a instituição, mas está inativo, mesmo assim, ele ainda responde pelo código militar” (SÃO PAULO, 2025).

2.3.2 Mato Grosso do Sul: Funcionamento e Questionamentos Jurídicos

O Estado de Mato Grosso do Sul criou o Corpo Voluntário de Militares Inativos (CVMI) através da Lei nº 1.699/96, com o objetivo de utilizar policiais militares inativos em serviços policiais destinados à segurança de escolas, hospitais, prontos-socorros e outros locais que precisam de maior atenção do Estado.

O programa funciona através da convocação de militares inativos para atividades específicas de segurança patrimonial e vigilância em locais públicos sensíveis. Os militares do CVMI atuam em turnos organizados, utilizando fardamento específico e seguindo protocolos estabelecidos. O programa permite flexibilidade na convocação conforme demandas sazonais ou emergenciais.

No entanto, o programa enfrentou questionamentos jurídicos significativos. O Procurador Geral da República ingressou no Supremo Tribunal Federal com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 3637) contra a Lei Estadual nº 1.699/96, argumentando que esta contraria o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, que estabelece que o ingresso no serviço público deve ser por concurso público.

Rosa (2020) observa que “no entender do Procurador Geral da República a Lei Estadual nº 1.699/96 contraria o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal da República de 1988”, destacando que “as funções a serem desempenhadas pelo Corpo Voluntário de Militares Estaduais não são transitórias e precárias a ensejar contratação temporária sem a realização do concurso público”.

Apesar dos questionamentos, o programa continua funcionando, demonstrando na prática a utilidade dos militares inativos para atividades específicas de segurança. A experiência sul-mato-grossense oferece lições importantes sobre estruturação operacional e gestão de riscos jurídicos.

2.3.3 Espírito Santo: Pioneirismo Nacional

O Espírito Santo foi pioneiro na criação de programas de militares inativos, instituindo através da Lei nº 5.625, de 30 de março de 1998, o Corpo Voluntário de Policiais Militares Inativos (CVPMI) na Polícia Militar do Espírito Santo (ESPÍRITO SANTO, 1998). O estado capixaba também se destaca como berço das primeiras experiências de policiamento comunitário no Brasil, conforme registrado por Beato (2001), que afirma que “no Brasil, as primeiras experiências de policiamento comunitário surgiram nas cidades de Guaçuí e Alegre, no Espírito Santo”.

O programa capixaba funciona através de convocações específicas para atividades de apoio operacional e administrativo. Os militares inativos participam de operações especiais, eventos de grande porte e atividades comunitárias. A longevidade do programa (mais de 25 anos) demonstra sua viabilidade e aceitação institucional.

2.3.4 Rio Grande do Sul: Foco Operacional

O Rio Grande do Sul implementou o Corpo Voluntário de Militares Inativos (CVMI) através da Lei nº 10.297/1994, que estabelece a criação e regulamentação do programa (RIO GRANDE DO SUL, 1994). O CVMI gaúcho tem foco operacional, autorizando o retorno de PMs para atuar prioritariamente em patrulhas, com o objetivo de garantir ao menos três PMs em cada cidade do estado (G1 RIO GRANDE DO SUL, 2017).

O programa funciona através de convocações regionalizadas, onde militares inativos são designados para reforçar o policiamento em municípios com deficiência de efetivo. Os militares do CVMI atuam em patrulhamento, operações especiais e atividades de segurança pública, sempre sob supervisão de militares da ativa.

2.4 Análise Comparativa dos Marcos Legais

A análise comparativa dos marcos legais revela diferentes abordagens para o aproveitamento de militares inativos no Brasil. Enquanto alguns estados focam em atividades administrativas (São Paulo), outros buscam aproveitamento operacional (Rio Grande do Sul), e alguns enfrentam questionamentos jurídicos sobre constitucionalidade (Mato Grosso do Sul).

EstadoProgramaBase LegalFoco PrincipalStatus Jurídico
ParanáCMEIVLei 19.130/2017AdministrativoVigente
São PauloReserva AdministrativaDecreto nº 69.059/2024AdministrativoVigente
Mato Grosso do SulCVMILei nº 1.699/1996OperacionalQuestionado (ADIN 3637)
Espírito SantoCVPMILei nº 5.625/1998OperacionalVigente
Rio Grande do SulCVMILei nº 10.297/1994OperacionalVigente

Tabela 1 – Comparativo de Programas de Militares Inativos no Brasil
Fonte: Elaboração própria com base na pesquisa documental (2025)

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 Polícia Comunitária: Conceitos e Princípios

A polícia comunitária representa uma filosofia e estratégia organizacional que proporciona uma nova parceria entre a população e a polícia, conforme definição clássica de Trojanowicz e Bucqueroux (1994). Esta parceria baseia-se na premissa de que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas contemporâneos como crime, drogas, medo do crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área.

A Diretriz Nacional de Polícia Comunitária, instituída pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em 2019, estabelece os fundamentos conceituais e operacionais para implementação da polícia comunitária no Brasil (BRASIL, 2019). O documento define polícia comunitária como “uma filosofia organizacional assentada na ideia de uma polícia prestadora de serviços, agindo para o bem comum, para junto com a comunidade identificar e resolver problemas que afetam a segurança pública”.

Os princípios fundamentais da polícia comunitária, segundo a doutrina nacional, incluem a descentralização geográfica e organizacional, o contato direto entre policiais e cidadãos, a solução de problemas em parceria com a comunidade, a prevenção de crimes através da modificação das condições que os favorecem, e a responsabilização da polícia perante a comunidade (BRASIL, 2019).

3.2 Inteligência Policial: Conceitos e Diferenciações

A atividade de inteligência policial é definida pela Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública como “o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança pública, basicamente orientadas para produção de conhecimentos e informações que subsidiem ações para neutralização, mitigação ou eliminação dessas ameaças” (BRASIL, 2016).

Frazão Neto (2020) estabelece importante diferenciação entre inteligência policial e investigação policial, observando que “são partes distintas mas complementares” que “possuem características próprias”. O autor destaca que a inteligência policial caracteriza-se pela natureza sigilosa, metodologia específica e foco na produção de conhecimento para subsidiar tomada de decisões, enquanto a investigação policial foca na apuração de crimes específicos já ocorridos.

A inteligência policial utiliza metodologia específica baseada no ciclo de inteligência, que compreende as fases de planejamento, coleta, processamento, análise, produção e disseminação de conhecimentos. Este processo sistemático permite a transformação de dados brutos em inteligência útil para a tomada de decisões em segurança pública (BRASIL, 2016).

3.3 Inteligência Comunitária: Conceito Emergente

A inteligência comunitária representa uma evolução natural dos conceitos tradicionais de inteligência policial, incorporando a dimensão participativa e colaborativa da polícia comunitária. Pode ser definida como o processo sistemático de coleta, análise e disseminação de informações oriundas da comunidade, processadas por profissionais qualificados, com o objetivo de subsidiar a tomada de decisões em segurança pública e promover a prevenção de crimes e desordens.

Este conceito fundamenta-se na premissa de que a comunidade constitui a principal fonte de informações sobre atividades criminais, problemas de segurança e fatores de risco presentes em seu território. Diferentemente da inteligência policial tradicional, que frequentemente baseia-se em fontes formais e estruturadas, a inteligência comunitária valoriza o conhecimento local, as percepções dos moradores e a experiência cotidiana dos cidadãos.

A inteligência comunitária caracteriza-se por fontes comunitárias (cidadãos comuns, lideranças locais, organizações da sociedade civil), foco preventivo (identificação precoce de problemas e fatores de risco), estrutura participativa (processamento colaborativo de informações), transparência relativa (maior transparência sobre métodos e resultados, respeitando limitações legais), e acessibilidade (utilização de métodos e tecnologias acessíveis).

3.4 Sistema Koban e Experiência Internacional

O Sistema Koban, originário do Japão, representa uma das experiências internacionais mais relevantes de polícia comunitária, tendo sido objeto de estudo e adaptação no Brasil através do Acordo de Cooperação Técnica estabelecido em 2008 entre Brasil e Japão. O sistema caracteriza-se pela valorização da discricionariedade, responsabilidade e criatividade do policial em seu trabalho junto às coletividades locais.

Tavares dos Santos et al. (2010) observam que o policiamento comunitário “se revela como uma forma de produzir uma nova imagem do trabalho policial que valoriza a discricionariedade, responsabilidade e criatividade do policial em seu trabalho junto às coletividades locais”. Os autores destacam que o sistema busca produzir nova imagem do trabalho policial, enfatizando a proximidade com a comunidade e a solução colaborativa de problemas.

A experiência japonesa demonstra a importância da integração entre diferentes atores sociais na produção de segurança pública, princípio que fundamenta a proposta de aproveitamento de militares inativos para atividades de inteligência comunitária. O Sistema Koban evidencia que a eficácia da polícia comunitária depende não apenas dos policiais da ativa, mas de toda uma rede de atores comprometidos com a segurança local.

3.5 Participação Social na Segurança Pública

A participação social na segurança pública encontra respaldo tanto na Constituição Federal quanto na legislação infraconstitucional. O artigo 144 da Constituição estabelece que a segurança pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, criando o fundamento constitucional para a participação de diferentes atores sociais, incluindo militares inativos, nas atividades de segurança pública (BRASIL, 1988).

Os Conselhos Comunitários de Segurança (CONSEGs) representam um dos principais instrumentos de participação social na segurança pública no Brasil. No Paraná, os CONSEGs são regulamentados pelo Decreto nº 5.381/2016, que estabelece sua composição, atribuições e funcionamento (PARANÁ, 2016). Estes conselhos constituem espaços privilegiados para a atuação de militares inativos em atividades de inteligência comunitária.

A participação de militares inativos em atividades de inteligência comunitária alinha-se com os princípios da gestão participativa em segurança pública, promovendo maior integração entre instituições policiais e sociedade civil. Esta integração é fundamental para o sucesso de programas de polícia comunitária e para o fortalecimento da legitimidade das instituições de segurança pública.

4. PERFIL DOS MILITARES INATIVOS E POTENCIAL DE CONTRIBUIÇÃO

4.1 Caracterização Demográfica e Profissional

Os militares estaduais inativos da Polícia Militar do Paraná constituem um grupo heterogêneo de profissionais com características demográficas e experiências profissionais diversificadas. A análise deste contingente, baseada nos dados do CMEIV e estudos correlatos, revela um perfil de indivíduos com idade média entre 50 e 65 anos, período da vida em que mantêm plena capacidade intelectual e física para atividades de apoio e assessoramento.

Silveira (2025), em estudo sobre militares inativos no 11º Batalhão de Polícia Militar, observa que “embora os militares inativos contribuam efetivamente para a gestão administrativa, há discrepâncias significativas no regime jurídico e nas condições de trabalho em relação aos militares da ativa”. O autor identifica que os militares inativos entrevistados demonstram alto grau de comprometimento e motivação para continuar contribuindo com a instituição.

A formação educacional destes profissionais evoluiu significativamente ao longo das últimas décadas. Enquanto militares que ingressaram na corporação nas décadas de 1980 e 1990 frequentemente possuíam apenas o ensino médio completo, aqueles que se aposentaram mais recentemente apresentam níveis educacionais superiores, incluindo graduação e pós-graduação em diversas áreas do conhecimento, especialmente em segurança pública, direito e administração.

4.2 Experiência Operacional Acumulada

A experiência profissional acumulada representa o principal ativo deste grupo. Militares com 25 a 35 anos de serviço ativo vivenciaram diferentes fases da evolução institucional, participaram de diversos programas e projetos, e desenvolveram competências específicas em suas áreas de atuação. Esta experiência longitudinal oferece perspectiva histórica e compreensão profunda das dinâmicas organizacionais e sociais.

Os militares inativos desenvolveram ao longo de suas carreiras competências técnicas diretamente aplicáveis à inteligência comunitária, incluindo conhecimento territorial profundo das características geográficas, sociais e criminológicas das áreas onde atuaram, capacidade de análise criminal para identificação de padrões e tendências, habilidades de relacionamento interpessoal desenvolvidas através do contato direto com a população, e conhecimento institucional abrangente dos procedimentos e estruturas organizacionais.

O conhecimento territorial representa uma das competências mais valiosas dos militares inativos. Profissionais que atuaram por décadas em determinadas regiões desenvolveram compreensão detalhada das dinâmicas locais, incluindo identificação de pontos críticos, rotas de fuga, locais de concentração de atividades ilícitas, lideranças comunitárias influentes, e padrões de comportamento social específicos de cada área.

4.3 Motivação e Vínculo Institucional

A motivação dos militares inativos para continuar contribuindo com a segurança pública é evidenciada pela adesão aos programas existentes e pelos depoimentos coletados em estudos empíricos. Silveira (2025) observa que os militares inativos entrevistados demonstram “forte motivação para continuar contribuindo com a segurança pública” e mantêm “vínculos afetivos e profissionais com a instituição”.

O vínculo institucional dos militares inativos diferencia-se fundamentalmente de outros servidores públicos aposentados. Conforme explicado pelo Capitão Gustavo Maciel, da SSP-SP, “o policial militar quando se aposenta continua vinculado com a instituição, mas está inativo, mesmo assim, ele ainda responde pelo código militar” (SÃO PAULO, 2025). Esta característica única cria condições favoráveis para o aproveitamento destes profissionais em atividades especializadas como a inteligência comunitária.

A manutenção do vínculo institucional implica que os militares inativos permanecem sujeitos ao regulamento disciplinar militar, preservam os valores e princípios da corporação, mantêm compromisso com a missão institucional, e possuem interesse genuíno no sucesso da organização. Estes fatores contribuem para a confiabilidade e comprometimento necessários para atividades de inteligência.

4.4 Potencial de Contribuição para Inteligência Comunitária

O potencial de contribuição dos militares inativos para a inteligência comunitária manifesta-se em múltiplas dimensões. A experiência acumulada permite identificação precoce de problemas e tendências, análise qualificada de informações comunitárias, estabelecimento de vínculos de confiança com a população, e articulação eficaz entre comunidade e instituições policiais.

A “memória institucional” dos militares inativos constitui ativo valioso para a inteligência comunitária. Estes profissionais possuem conhecimento histórico sobre evolução da criminalidade local, experiência em diferentes modalidades de policiamento, compreensão das dinâmicas sociais e políticas locais, e rede de contatos consolidada na comunidade. Este conhecimento acumulado pode ser sistematizado e utilizado para aprimorar a qualidade da inteligência produzida.

A capacidade de relacionamento interpessoal dos militares inativos, desenvolvida ao longo de décadas de contato com a população, representa diferencial importante para atividades de inteligência comunitária. Estes profissionais frequentemente possuem credibilidade junto à comunidade, habilidades de comunicação desenvolvidas, experiência em mediação de conflitos, e compreensão das necessidades e expectativas da população local.

4.5 Limitações e Desafios

Apesar do potencial significativo, o aproveitamento de militares inativos para inteligência comunitária enfrenta limitações e desafios que devem ser adequadamente considerados. Silveira (2025) identifica problemas relacionados às condições de trabalho, incluindo “ausência de férias, diferença expressiva na remuneração e inexistência de acompanhamento de saúde ocupacional”.

As limitações legais constituem outro desafio importante. Os militares inativos não podem exercer funções de comando, chefia ou direção, não podem portar armas ou usar fardamento sem a devida autorização, têm restrições quanto à participação em operações policiais diretas, e devem atuar exclusivamente em atividades de apoio e assessoramento. Estas limitações devem ser consideradas no desenho de programas de inteligência comunitária.

As limitações físicas e cognitivas relacionadas ao envelhecimento também devem ser consideradas, embora estudos indiquem que a faixa etária dos militares inativos (50-65 anos) ainda permite contribuições significativas em atividades intelectuais e de relacionamento. A seleção criteriosa e avaliação periódica podem mitigar estes riscos.

CompetênciaNível de DesenvolvimentoAplicabilidade na Inteligência Comunitária
Conhecimento TerritorialAltoIdentificação de áreas de risco e oportunidades
Análise CriminalMédio-AltoProcessamento de informações comunitárias
Relacionamento InterpessoalAltoInterface com lideranças e cidadãos
Conhecimento InstitucionalAltoArticulação com unidades operacionais
Experiência OperacionalAltoContextualização de informações

Tabela 2 – Competências dos Militares Inativos e Aplicabilidade
Fonte: Elaboração própria baseada em Silveira (2025) e pesquisa documental

5. PROPOSTA DE MODELO OPERACIONAL

5.1 Núcleos de Apoio à Inteligência Local (NAIL): Conceito e Estrutura

A proposta central deste trabalho consiste na criação de Núcleos de Apoio à Inteligência Local (NAIL), estruturas organizacionais especializadas que integram militares estaduais inativos voluntários às atividades de inteligência comunitária da Polícia Militar do Paraná. Os NAILs representam uma inovação conceitual que combina a experiência dos militares inativos com as necessidades operacionais da inteligência comunitária, criando um modelo sustentável e eficaz de aproveitamento de recursos humanos qualificados.

O conceito de NAIL fundamenta-se na premissa de que a inteligência comunitária requer estruturas descentralizadas, próximas da população e capazes de processar informações locais de forma sistemática e qualificada. Diferentemente dos modelos tradicionais de inteligência policial, que frequentemente operam de forma centralizada e hierárquica, os NAILs propõem uma abordagem territorial e participativa, alinhada com os princípios da polícia comunitária.

Cada NAIL seria constituído por uma equipe multidisciplinar composta por um coordenador (militar da ativa), um a dois militares inativos voluntários com experiência em inteligência ou análise criminal, e um militar inativo com experiência em relacionamento comunitário que fará a ponte com o CONSEG ou liderança comunitária reconhecida.

A estrutura organizacional dos NAILs baseia-se em princípios de descentralização territorial, integração civil-militar, especialização funcional, e supervisão técnica. Cada núcleo seria responsável por uma área geográfica específica, correspondente a um ou mais bairros, com população entre 20.000 e 50.000 habitantes, permitindo conhecimento detalhado das dinâmicas locais.

5.2 Localização e Distribuição Territorial

A distribuição territorial dos NAILs seguiria critérios técnicos baseados em densidade populacional, índices de criminalidade, complexidade social e disponibilidade de militares inativos qualificados. A implementação seria gradual, iniciando pelas regiões metropolitanas de Curitiba, Londrina e Maringá, expandindo posteriormente para cidades de médio porte e regiões com características específicas.

A localização física dos NAILs priorizaria espaços como Companhias de Polícia onde os Coordenadores (militar da Ativa) estão lotados ou instalações cedidas por organizações da sociedade civil. Esta estratégia promove maior proximidade com a população e reduz custos de implementação, além de simbolizar o caráter participativo e comunitário da iniciativa.

Cada NAIL seria equipado com infraestrutura básica de tecnologia da informação, incluindo computadores com acesso à internet, sistema de comunicação integrado com as unidades operacionais, software específico para análise de dados, e equipamentos de segurança para proteção de informações sensíveis.

5.3 Atribuições e Competências dos NAILs

As atribuições dos NAILs abrangem atividades de coleta, processamento, análise e disseminação de informações comunitárias, sempre em conformidade com os princípios legais e éticos da atividade de inteligência. As competências específicas incluem monitoramento de indicadores locais de segurança, análise de tendências criminais na área de responsabilidade, produção de relatórios de inteligência comunitária, e articulação com unidades operacionais para disseminação de informações.

A coleta de informações seria realizada através de canais formais e informais, incluindo participação em reuniões de CONSEGs, contato direto com lideranças comunitárias, monitoramento de mídias sociais e canais de comunicação local, e análise de dados estatísticos disponíveis. Os militares inativos utilizariam sua experiência e rede de contatos para identificar fontes confiáveis de informação na comunidade.

O processamento e análise de informações seguiriam metodologia específica baseada no ciclo de inteligência, adaptada para o contexto comunitário. As informações coletadas seriam verificadas, contextualizadas e analisadas para identificação de padrões, tendências e ameaças potenciais. A experiência dos militares inativos seria fundamental para a qualidade desta análise.

ComponenteEspecificaçãoFunção
CoordenadorMilitar da ativa (Sargento ou Oficial)Supervisão técnica e interface operacional
Analistas1-2 militares inativos com experiênciaProcessamento e análise de informações
Articulador ComunitárioMilitar inativo com experiência em relacionamentoInterface com CONSEGs e lideranças
Área de Responsabilidade20.000 a 50.000 habitantesCobertura territorial adequada

Tabela 3 – Estrutura Organizacional dos NAILs
Fonte: Elaboração própria (2025)

6. ANÁLISE COMPARATIVA: VANTAGENS DOS NAILs

6.1 Diferenciação em Relação aos Modelos Existentes

A análise comparativa dos diferentes modelos de aproveitamento de militares inativos no Brasil revela que a proposta dos NAILs apresenta vantagens específicas em relação às experiências existentes. Enquanto os modelos administrativos (São Paulo) subutilizam o potencial operacional dos militares inativos, e os modelos operacionais diretos (Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul) enfrentam maiores riscos jurídicos, os NAILs propõem uma “terceira via” que combina aproveitamento operacional com segurança jurídica.

O modelo paulista, embora bem-sucedido em termos de escala e sistematização, limita-se a atividades administrativas que não aproveitam plenamente a experiência operacional dos militares inativos. Com 2.200 vagas para policiais da reserva em cargos administrativos, o programa demonstra viabilidade operacional e jurídica, mas não explora o potencial destes profissionais para atividades mais especializadas como a inteligência comunitária (SÃO PAULO, 2025).

A experiência de Mato Grosso do Sul, por outro lado, demonstra os riscos jurídicos associados ao aproveitamento operacional direto de militares inativos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 3637) movida pelo Procurador Geral da República questiona a constitucionalidade do programa, argumentando violação do princípio constitucional do concurso público (ROSA, 2020). Esta experiência oferece lições importantes sobre a necessidade de fundamentação jurídica sólida.

O pioneirismo capixaba, com mais de 25 anos de funcionamento do CVPMI, demonstra a viabilidade de longo prazo de programas adequadamente estruturados. A ausência de questionamentos jurídicos significativos ao longo deste período sugere que o modelo capixaba encontrou equilíbrio adequado entre aproveitamento de militares inativos e respeito aos princípios constitucionais (ESPÍRITO SANTO, 1998).

6.2 Vantagens Operacionais dos NAILs

As atividades de inteligência comunitária caracterizam-se como apoio e assessoramento, não envolvendo exercício direto do poder de polícia. Esta característica reduz significativamente os riscos jurídicos associados ao programa, diferenciando-o dos modelos que enfrentaram questionamentos constitucionais. A natureza consultiva e analítica das atividades propostas oferece maior segurança jurídica.

A natureza participativa e comunitária dos NAILs alinha-se com os princípios constitucionais de participação social na segurança pública, fortalecendo a fundamentação jurídica da proposta. A integração com CONSEGs e organizações da sociedade civil demonstra o caráter colaborativo e transparente da iniciativa, diferenciando-a de modelos puramente administrativos ou operacionais.

O foco territorial e descentralizado dos NAILs oferece vantagens operacionais em relação aos modelos centralizados. A proximidade com a comunidade permite coleta de informações mais qualificadas e contextualização adequada das análises produzidas. Esta característica é fundamental para a eficácia da inteligência comunitária.

AspectoModelos TradicionaisNAILsVantagem dos NAILs
FocoAdministrativo ou Operacional DiretoInteligência ComunitáriaAproveitamento especializado
Risco JurídicoMédio-AltoBaixoAtividades de apoio/assessoramento
Participação SocialLimitadaAltaIntegração com CONSEGs
InovaçãoBaixaAltaModelo conceitual inédito
SustentabilidadeVariávelAltaCustos baixos, alta eficácia

Tabela 4 – Análise Comparativa: Modelos Tradicionais vs. NAILs
Fonte: Elaboração própria baseada na pesquisa comparativa (2025)

7. DESAFIOS E REQUISITOS PARA IMPLEMENTAÇÃO

7.1 Desafios Jurídicos e Regulamentares

A implementação dos Núcleos de Apoio à Inteligência Local (NAIL) enfrenta desafios jurídicos significativos que devem ser adequadamente endereçados para garantir a viabilidade e sustentabilidade do programa. O principal desafio relaciona-se à necessidade de compatibilizar o aproveitamento de militares inativos com os princípios constitucionais do concurso público e da legalidade administrativa.

A experiência de Mato Grosso do Sul, onde o Procurador Geral da República questionou a constitucionalidade do CVMI através da ADIN 3637, demonstra a importância de fundamentação jurídica sólida (ROSA, 2020). Rosa (2020) observa que o questionamento baseia-se no argumento de que “as funções a serem desempenhadas pelo Corpo Voluntário de Militares Estaduais não são transitórias e precárias a ensejar contratação temporária sem a realização do concurso público”.

Para mitigar estes riscos, os NAILs devem ser estruturados como atividades de apoio e assessoramento, claramente diferenciadas das funções típicas de carreira policial militar. A natureza consultiva e analítica das atividades de inteligência comunitária oferece maior segurança jurídica, pois não envolve exercício direto do poder de polícia ou tomada de decisões operacionais.

7.2 Desafios Organizacionais e de Gestão

A implementação dos NAILs requer adaptações significativas na estrutura organizacional da PMPR, incluindo criação de novos procedimentos, definição de hierarquias e responsabilidades, e estabelecimento de mecanismos de coordenação e controle. Estes desafios organizacionais são complexos e demandam planejamento cuidadoso.

A integração dos militares inativos à estrutura organizacional existente requer definição clara de vínculos hierárquicos e funcionais. Embora os militares inativos mantenham vínculo com a instituição, sua posição na hierarquia militar e suas relações com militares da ativa devem ser adequadamente regulamentadas para evitar conflitos e ambiguidades.

Tipo de DesafioPrincipais RiscosEstratégias de Mitigação
JurídicoQuestionamentos constitucionaisFundamentação legal sólida, delimitação clara de funções
OrganizacionalConflitos hierárquicosRegulamentação detalhada, capacitação adequada
TecnológicoFalhas de segurançaProtocolos rigorosos, investimento em infraestrutura
ComunitárioResistência ou desconfiançaTransparência, participação democrática

Tabela 5 – Desafios e Estratégias de Mitigação para os NAILs
Fonte: Elaboração própria (2025)

8. CONCLUSÃO

8.1 Síntese dos Resultados

A presente pesquisa demonstrou a viabilidade e o potencial de aproveitamento dos militares estaduais inativos voluntários no apoio à inteligência comunitária através da criação dos Núcleos de Apoio à Inteligência Local (NAIL). A análise do marco legal vigente, especialmente a proposta de lei encaminhada pelo Governo do Paraná em 2025, evidencia ambiente jurídico favorável para implementação de programas inovadores de aproveitamento de militares inativos.

A fundamentação teórica estabeleceu clara diferenciação entre inteligência policial tradicional e inteligência comunitária, demonstrando que esta última representa evolução natural dos conceitos de polícia comunitária e participação social na segurança pública. A inteligência comunitária, caracterizada pela participação ativa da comunidade na produção de conhecimento para segurança pública, oferece campo apropriado para aproveitamento da experiência e competências dos militares inativos.

A caracterização do perfil dos militares inativos revelou grupo de profissionais com características favoráveis para atividades de inteligência comunitária, incluindo experiência operacional acumulada, conhecimento territorial profundo, habilidades de relacionamento interpessoal desenvolvidas, e motivação para continuar contribuindo com a segurança pública. Estas características, combinadas com a manutenção do vínculo institucional, criam condições ideais para aproveitamento em atividades especializadas.

A proposta dos NAILs representa inovação conceitual que combina aproveitamento de recursos humanos qualificados com necessidades operacionais da inteligência comunitária. O modelo proposto diferencia-se das experiências existentes por focar especificamente em atividades de apoio e assessoramento em inteligência, oferecendo maior segurança jurídica e aproveitamento eficaz do potencial dos militares inativos.

8.2 Contribuições Teóricas e Práticas

Este trabalho oferece contribuições significativas tanto para o desenvolvimento teórico quanto para a aplicação prática de conceitos relacionados à inteligência comunitária e aproveitamento de militares inativos. Do ponto de vista teórico, a pesquisa avança na conceituação de inteligência comunitária como campo específico de conhecimento, diferenciado da inteligência policial tradicional.

A sistematização das experiências de diferentes estados brasileiros em programas de militares inativos oferece panorama abrangente das possibilidades e limitações destes programas, contribuindo para o desenvolvimento de modelos mais eficazes e sustentáveis. A análise comparativa identifica padrões e tendências que podem orientar futuras iniciativas em outros estados.

Do ponto de vista prático, a proposta dos NAILs oferece modelo concreto e detalhado para implementação, incluindo estrutura organizacional, metodologia de trabalho, requisitos de infraestrutura, e estratégias de mitigação de riscos. Este modelo pode ser adaptado para diferentes contextos e realidades locais, contribuindo para disseminação de boas práticas.

8.3 Viabilidade e Recomendações

A análise realizada indica que a implementação dos NAILs é viável do ponto de vista jurídico, operacional e financeiro, desde que observadas as recomendações e estratégias de mitigação de riscos identificadas na pesquisa. A viabilidade jurídica baseia-se na natureza de apoio e assessoramento das atividades propostas, que não envolvem exercício direto do poder de polícia.

A viabilidade operacional é evidenciada pela experiência acumulada dos militares inativos, pela existência de estruturas comunitárias de apoio (CONSEGs), e pela demanda identificada por informações qualificadas para subsidiar ações de segurança pública. A implementação gradual permite ajustes e aperfeiçoamentos baseados na experiência prática.

Recomendações para implementação:

Fase 1 – Preparação (6 meses): Desenvolvimento da regulamentação específica, seleção e capacitação das equipes iniciais, adaptação de infraestrutura, e articulação com comunidades-piloto.

Fase 2 – Implementação Piloto (12 meses): Instalação de 3 NAILs em regiões metropolitanas, acompanhamento intensivo das atividades, avaliação de resultados, e ajustes necessários.

Fase 3 – Expansão Gradual (24 meses): Ampliação para 10 NAILs em diferentes regiões do estado, sistematização de procedimentos, e avaliação abrangente do programa.

8.4 Limitações da Pesquisa

Esta pesquisa apresenta limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados e implementação das recomendações. A principal limitação relaciona-se ao caráter teórico e propositivo do trabalho, que não inclui implementação prática ou avaliação empírica dos resultados dos NAILs.

A análise comparativa baseia-se em informações disponíveis publicamente sobre programas de outros estados, não incluindo avaliação detalhada da eficácia ou impacto destes programas. Estudos futuros poderiam incluir pesquisa de campo e entrevistas com participantes de programas existentes para aprofundamento da análise.

8.5 Considerações Finais

O aproveitamento de militares estaduais inativos voluntários no apoio à inteligência comunitária representa oportunidade única de otimização de recursos humanos qualificados na segurança pública, fortalecimento da relação entre polícia e comunidade, e inovação em metodologias de produção de inteligência. A proposta dos NAILs oferece modelo viável e sustentável para materialização desta oportunidade.

A implementação bem-sucedida dos NAILs depende de planejamento cuidadoso, fundamentação jurídica sólida, investimento adequado em infraestrutura e capacitação, e comprometimento institucional de longo prazo. Os desafios identificados são superáveis através das estratégias de mitigação propostas e da implementação gradual e supervisionada.

O modelo proposto alinha-se com tendências contemporâneas de participação social na segurança pública, aproveitamento de recursos humanos experientes, e inovação em metodologias de inteligência. A experiência dos NAILs pode contribuir para posicionamento da PMPR como instituição inovadora e comprometida com a excelência em segurança pública.

9. REFERÊNCIAS

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