NEUROPATIAS EM PEQUENOS ANIMAIS ATENDIDOS NA CLÍNICA-ESCOLA VETERINÁRIA DA UNIVERSIDADE IGUAÇU (UNIG) NO PERÍODO DE 2022 A 2024.

NEUROPHATIES IN SMALL ANIMALS TREATED AT THE VETERINARY TEACHING CLINIC OF THE UNIVERSIDADE IGUAÇU (UNIG) FROM 2022 TO 2024.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202505201354


Vitor Lucas Andrade de Souza dos Santos¹; Caroline Baena Fernandes¹; Thainá Alves Ferreira Grechi¹; Mariany Valerio Lopes¹; Joice Aparecida Rezende Vilela²; Duanne Alves Bello².


Resumo: Estudos casuísticos neurológicos de cães e gatos no Rio de Janeiro são limitados, especialmente na Baixada Fluminense. Devido às poucas informações epidemiológicas há déficits de dados, como: espécie, raça, idade, sexo, doenças, óbitos e sinais clínicos mais prevalentes, que possam contribuir com a conduta clínica dos médicos veterinários da região. Portanto, objetivou-se levantar os dados epidemiológicos dos animais atendidos na Clínica-Escola Veterinária da UNIG no período de 2022 a 2024. Foram selecionados os prontuários de pacientes com descrição de alterações neurológicas, catalogados conforme o acrônimo DINAMIT-V e examinados os dados para análise estatística. Foram atendidos 4521 animais no referido período. Destes, 117 apresentaram sintomas neurológicos sendo 113 neuropatias, das quais 67 tiveram diagnósticos conclusivos, 31 presuntivos, 15 inconclusivos e 13 óbitos, sendo a maior procedência dos casos de cinomose. As doenças infecciosas/ inflamatórias representaram 31,1%, idiopáticas 26,9%, degenerativas 22,4%, traumáticas 13,4%, neoplásicas 3%, metabólicas 1,5% e outras causas 1,5%. DDIV foi detectada sobretudo em raças condrodistróficas (64,3%) e epilepsia nos Pinschers (20%). As faixas etárias mais acometidas foram de animais “jovens-adultos” e cães geriátricos. Cinomose foi a principal causa em cães com elevada taxa de não vacinados, ressaltando a importância de realizá-las. Nos felinos houve maior ocorrência de traumas. Convulsões e déficit proprioceptivo foram os sinais clínicos mais evidentes e, como sinal inespecífico, êmese. As raças mais representadas foram Poodles, Buldogues e Pinschers. O ano de maior ocorrência foi 2023, demonstrando que as neuropatias vêm sendo cada vez mais frequentes e preocupantes na rotina clínica.

Palavras-chave: Casuística regional. Desordens neurológicas. Imunização. Localização neuroanatômica. Neurologia veterinária.

Abstract: Neurological studies of pets in Rio de Janeiro are limited, especially in the Baixada Fluminense. Due to the limited epidemiological data, there is a lack of information about species, breed, age, sex, diseases, mortality, and the most prevalent signs, which could contribute to the clinical approach. The aim was to gather epidemiological data on animals treated at the Veterinary Teaching Clinic of UNIG from 2022 to 2024. Records of patients were categorized according to the DINAMIT-V acronym, and data were examined for statistical analysis. 4,521 animals were treated during this period, 117 presented neurological signs and 113 of which were neuropathies. Among these, 67 had conclusive diagnoses, 31 presumptive diagnoses, 15 inconclusive diagnoses, and 13 deaths, with most cases being of canine distemper. Infectious/ inflammatory diseases accounted for 31.1%, idiopathic conditions 26.9%, degenerative diseases 22.4%, traumas 13.4%, neoplastic conditions 3%, metabolic disorders 1.5%, and other causes 1.5%. Degenerative disc intervertebral disease (DDIV) was predominantly detected in chondrodystrophic breeds (64.3%), and epilepsy was more common in Miniature Pinschers (20%). The most affected age groups were “young- adult” animals and geriatric dogs. Canine distemper was the leading cause in dogs, with a high incidence of unvaccinated animals, highlighting the importance of vaccination. In felines, trauma was more prevalent. Seizures and proprioceptive deficits were the most evident clinical signs, with vomiting being a common nonspecific sign. The most represented breeds were Poodles, Bulldogs, and Miniature Pinschers. 2023 had the highest occurrence, indicating that neuropathies are becoming increasingly frequent and concerning clinical practice.

Keywords: Regional casuistry. Neurological disorders. Immunization. Neuroanatomical location. Veterinary neurology.

1. Introdução

As neuropatias são as patologias do sistema nervoso (SN) e podem comprometer o sistema locomotor, sendo importante diferenciá-las de doenças osteomusculares, por exemplo. Os animais domésticos de diferentes idades, raças, gêneros e espécies podem ser acometidos por estas enfermidades. No entanto, estas mesmas características podem ser fatores predisponentes para o desenvolvimento de certas neuropatias (Gama et al., 2015). Os levantamentos casuísticos contribuem para traçar o perfil epidemiológico de regiões, sendo um auxílio para os médicos veterinários uma vez que contribuem com diagnósticos mais assertivos, estipulam prognósticos e sinalizam as enfermidades mais prevalentes (Brock et al., 2022).

As doenças infecciosas/ inflamatórias do SN são compostas por inúmeras patologias, entretanto, a cinomose possui maior relevância entre os cães, principalmente os jovens, por serem mais susceptíveis. Seus sinais clínicos podem variar, uma vez que é uma doença multissistêmica e o quadro clínico inclui alterações respiratórias, gastrointestinais, dermatológicas e nervosas (Brock et al., 2022; Santos et al., 2022; Cipriano et al., 2025; Brito et al., 2016). Além disso, algumas hemoparasitoses também podem afetar o SN, como as doenças riquetsiais, uma vez que danos vasculares provocados pelas hemoparasitoses podem provocar alterações neurológicas, embora sejam consideradas incomuns em cães com anaplasmose e erliquiose (Jesus et al., 2023). Já a forma neurológica da babesiose em cães, de forma geral, é atípica da doença e pouco frequente (Ferreira et al., 2020).

As discopatias são doenças que comprometem o disco intervertebral, resultando em problemas na coluna vertebral, como a discoespondilite e a doença do disco intervertebral (DDIV). A DDIV é a mais frequente sendo a principal doença degenerativa do SN. Os cães considerados predispostos são os condrodistróficos como os das raças Poodle, Buldogue, Basset Hound e Dachshund (Gama et al., 2015; Brito & Prado, 2023). Brito & Prado, 2023afirmam que, devido ao aumento na popularidade de certas raças de cães, tal distúrbio tem sido causa frequente de paralisia nesta espécie, e é diariamente tratada entre médicos veterinários.

Epilepsia primária ou idiopática (EI) é definida quando não há causa identificável e é uma das principais responsáveis pelas crises convulsivas ou epilépticas em cães, cuja prevalência estimada é de 0,5 a 5,7% (Chaban et al., 2023; Lima et al., 2023). Geralmente ocorrem convulsões tônico-clônicas generalizadas, com surgimento da primeira convulsão entre um e cinco anos de idade. Poodles, Beagles, Labrador Retriever (Brock et al., 2022; Lima et al., 2023), Border Collie e Pastor Alemão (Lima et al., 2023)são as raças mais acometidas.

Os traumas medulares ou na coluna vertebral são frequentes na medicina veterinária (Mendes & Arias, 2012; Chaves et al., 2018), onde a medula ou as raízes nervosas são comprometidas pós-trauma vertebral devido à compressão ou contusão do tecido neural. Logo, com os impactos externos, fratura, subluxação, luxação vertebral, lesões compressivas e até a síndrome da cauda equina (SCE) podem acontecer (Mendes & Arias, 2012).

Atualmente, há poucas literaturas que discorram sobre a prevalência de enfermidades neurológicas em cães e gatos, e os dados sobre variações geográficas que afetam sua prevalência são limitados (Brock et al., 2022; Chaves et al., 2014). Nesse sentido, a Baixada Fluminense, RJ, carece de informações sobre estas doenças, dificultando sua compreensão e, consequentemente, impactando na qualidade de vida dos animais. Objetivou-se realizar um levantamento das neuropatias em cães e gatos atendidos na Clínica- Escola Veterinária da UNIG, Campus de Nova Iguaçu, RJ, entre 2022 e 2024.

2. Material e métodos

A pesquisa consistiu em um estudo epidemiológico do tipo transversal, realizado na Clínica-Escola Veterinária da Universidade Iguaçu, de 2022 a 2024.  Antes do seu início, o estudo foi submetido à Comissão de Ética no Uso de Animais e aprovado sob o protocolo PEBIO/ UNIG Nº 025/ 2023. Foram coletados dados dos prontuários de cães e gatos atendidos nos anos de 2022 a 2024 que manifestaram quadros neurológicos. Informações como espécie, raça, sexo, idade, origem regional, óbitos, diagnósticos, exames, histórico e sinais clínicos foram tabeladas em planilhas do Microsoft Excel® e, posteriormente, submetidos à análise estatística descritiva de forma quali-quantitativa, e representados em gráficos e tabelas. As doenças foram classificadas conforme os critérios do acrônimo DINAMIT-V, descritas como degenerativas (D), inflamatórias/ infecciosas (I), neoplásicas ou nutricionais (N), anômalas ou congênitas (A), metabólicas (M), idiopáticas (I), traumáticas ou tóxicas (T) e vasculares (V). O diagnóstico foi classificado como “conclusivo”, quando confirmado por meio de exames complementares ou “presuntivo”, quando o diagnóstico provável foi utilizado com base nos exames realizados, histórico, progressão, exclusão diagnóstica ou resposta terapêutica prescrita.

3. Resultados e Discussão

De março de 2022 até dezembro de 2024 houve 4521 atendimentos na Clínica-Escola Veterinária da UNIG, onde 117 pacientes apresentaram alterações neurológicas. A frequência das ocorrências foram 16,2% em 2022, 45,3% em 2023 e 38,5% em 2024. Em quatro casos as alterações não eram neuropatias, uma vez que alterações neurológicas podem ser secundárias a outras patologias, como doenças que afetam o sistema locomotor (Gama et al., 2015). Foram 113 casos de neuropatias avaliados, dos quais, 88,3% eram originários da Baixada Fluminense. Caninos representaram 92% (104) dos casos e os felinos 8% (9). Pacientes atendidos na UNIG com histórico clínico neurológico oriundos de outras clínicas totalizaram 27,4% dos 117 casos. Em relação ao sexo, a diferença entre machos e fêmeas não foi significativa. Entre as raças caninas predominaram os animais sem raça definida (SRD) com 46,1%, seguidos de Poodles com 9,6% e, Buldogue e Pinscher com 5,8%. As demais raças apresentaram menores frequências, conforme demonstrado na Figura 1. Os nove felinos eram da raça pelo curto brasileiro (PCB).

Figura 1. Raças de cães neuropatas atendidos na Clínica- Escola Veterinária da UNIG de 2022 a 2024.

Fonte: prontuários de atendimento da Clínica- Escola Veterinária da UNIG (2022-2024).

Obteve-se 67 casos com diagnóstico conclusivo (59,3%), 31 casos com diagnóstico presuntivo (27,4%), 15 casos inconclusivos (13,3%) e 13 óbitos confirmados (11,5%). Entre os óbitos de cães com diagnóstico conclusivo (61,5%), quatro foram por cinomose, dois por DDIV, um por síndrome da cauda equina e um por neoplasia medular. Baseado no acrônimo DINAMIT-V, as frequências das categorias seguem representadas na Figura 2.

Figura 2. Prevalência das neuropatias com diagnóstico conclusivo (N= 67) em animais de companhia atendidos na Clínica- Escola Veterinária da UNIG, Nova Iguaçu, RJ, de 2022 a 2024.

Fonte: prontuários de atendimento da Clínica- Escola Veterinária da UNIG (2022-2024).

A Tabela 1 apresenta os principais sinais clínicos neurológicos e inespecíficos encontrados nos pacientes neuropatas com suas frequências.

Tabela 1. Frequência dos sinais neurológicos e inespecíficos dos animais de companhia atendidos na Clínica- Escola Veterinária da UNIG Nova Iguaçu, RJ, de 2022 a 2024. N= 117.

Legenda: *não especificado no prontuário; déficit- diminuição ou ausência; head tilt– lateralização de cabeça; MP- membro pélvico; MT- membro torácico; U- urinária; FU- fecal e urinária.
Fonte: prontuários de atendimento da Clínica-Escola Veterinária da UNIG (2022-2024).

A Tabela 2 apresenta os sinais clínicos neurológicos mais frequentes associados às suas etiologias.

Tabela 2. Frequência dos sinais neurológicos e suas etiologias associadas.

Legenda: DDIV- doença do disco intervertebral; EI- epilepsia idiopática; head tilt– lateralização de cabeça.

Dentre as doenças infecciosas/ inflamatórias, os casos de cinomose totalizaram 20 dos 67 casos confirmados e cinco dos casos presuntivos, sendo a doença mais prevalente. Os casos conclusivos em sua maior parte foram de pacientes com histórico da doença. A idade dos cães afetados variou de dois meses a 15 anos de vida, mas a faixa etária mais atingida foi de cinco meses a seis anos. Dos cães sabidamente positivos ou com diagnóstico presuntivos, 48,1% não eram vacinados e 14,8% estavam com a vacinação atrasada. Alguns autores descrevem que o esquema vacinal, histórico clínico, teste terapêutico, achado clínico e laboratorial tem importante papel no diagnóstico da cinomose. Ainda enfatizam que os sinais apresentados podem levar o animal à óbito ou à sequelas permanentes. Ademais, as idades mais acometidas são de animais jovens, o que corrobora com os dados encontrados neste estudo. Importante ressaltar que a falta de vacinação teve extrema influência nos casos, pois como já mencionado, animais não vacinados estão mais susceptíveis a desenvolver a enfermidade, e naqueles com vacinas atrasadas pode haver reativação do vírus no organismo (Santos et al., 2022; Cipriano et al., 2025; Brito et al., 2016).

Os principais sinais clínicos observados nos casos de cinomose se encontram na Tabela 1. Quatro animais (20%) apresentaram sequelas da doença, a saber: ataxia, convulsões, paraparesia, secreção ocular, hiperqueratose de coxins, claudicação, mioclonias, miotonias e déficit locomotor em cauda. Segundo Santos et al. (2022),“muitos podem ficar com sequelas permanentes da doença como mioclonias, ataxia, paresia, incoordenação e até hiperexcitabilidade”.

Para o único caso de hemoparasitose confirmado os sinais clínicos e sequelas foram: cegueira bilateral, head tilt, surdez, nistagmo horizontal bilateral e andar em círculos. Os sinais clínicos vestibulares encontrados contribuem com a descrição de Jesus et al. (2023) ao relatar que anaplasmose ou erliquiose podem causar disfunção vestibular central ou periférica. Alterações oculares também foram encontradas na erliquiose no estudo de Silva et al. (2024).

Cabe mencionar um caso presuntivo de possível coinfecção por cinomose e hemoparasitose, por ser um cão de um ano manifestando, principalmente secreção ocular, mucosas hipocoradas, petéquias generalizadas, linfadenopatia, hepatoesplenomegalia, ataxia, déficit proprioceptivo, mioclonias, paraplegia, vocalização e apatia. No hemograma notou-se anemia, trombocitopenia e leucopenia. Silva et al. (2024)observaram linfadenopatia (66,7%), mucosas pálidas (36,7%), apatia (28,3%) e ataxia (24,1%) em seu trabalho, ademais citam outros estudos que encontraram palidez de mucosas como único sinal clínico significativo para cães com infecção por Ehrlichia canis. O autor complementa que para cinomose, frequências similares foram encontradas com acréscimos significativos de mioclonia (50%), paraparesia (40%) e tetraparesia (30%) e, sobretudo, descreve que a palidez de mucosas não são sinais clínicos típicos desta infecção, justificando que sua aparição pode ocorrer por coinfecções de hemoparasitoses. Quanto a leucopenia (39,1%) esta foi mais evidente na cinomose, e anemia e trombocitopenia foram mais importantes na erliquiose.

Epilepsia idiopática totalizou 15 dos 67 casos confirmados e acometeu cães de quatro meses a oito anos, principalmente os animais de até dois anos. As crises epiléticas descritas foram relatadas como esporádicas com durações curtas entre dois e cinco minutos, e em apenas dois casos, duraram em torno de 10 minutos. Em alguns casos as crises ocorreram a cada um ou dois meses, com frequências de duas vezes por semana ou mais esparsas. Enquanto outro cão teve cinco crises em um ano. As raças puras mais acometidas foram Pinscher (3/ 15), Buldogue e Poodle (2/ 15). Houve um maior número de fêmeas afetadas (71,4%) que pode ser justificado pelo baixo número de pacientes epiléticos. Chaban et al. (2023) detectaram em um estudo retrospectivo que avaliou atendimentos de um Hospital Veterinário de Uberaba, entre 2007 e 2017, que as raças mais frequentes também foram Poodle (19,5%) e Pinscher (11,5%), além de terem encontrado mais casos em fêmeas.

Houve três casos confirmados de síndrome vestibular acometendo cães de três a 15 anos, corroborando com as idades encontradas por Chaves et al. (2014)no estudo em um Hospital Veterinário Universitário em Santa Maria entre os anos de 2006 e 2013.

Além disso, os sinais clínicos da EI como da síndrome vestibular (Tabela 2) foram condizentes com os dois estudos mencionados anteriormente (Chaban et al., 2023; Chaves et al., 2014).

As afecções medulares, por agruparem diferentes patologias, são as desordens mais frequentes (Brock et al., 2022). Dados similares aos citados na literatura foram encontrados no presente estudo onde detectou-se 37,3% de afecções medulares, dos quais 56% foram DDIV, 32% traumas, 8% neoplasias e 4% síndrome da cauda equina.

Entre as degenerativas, houve 14 casos confirmados para DDIV, acometendo cães de dois a 13 anos, principalmente de seis a 12 anos. Cujas raças mais evidentes foram SRD (21,4%) e condrodistróficos (64,3%): Buldogue (21,4%), Poodles, Basset Hound e Dachshund (14,3%), e as demais raças com menor frequência. A tomografia revelou a forma de extrusão do disco como a mais frequente (87,5%) e protusão observada em um único caso. Entretanto, 42,9% das discopatias não tiveram suas formas descritas nos prontuários. Enquanto no exame radiográfico (realizado em nove cães), notou-se diminuição do espaço intervertebral (33,3%) ou aumento da radiopacidade do espaço intervertebral, visto em um único pet. A revisão de Brito & Prado (2023)aponta que raças condrodistróficas são predispostas a essa condição e que os achados de radiografia são caracterizados, normalmente, por estreitamento e diminuição do espaço intervertebral, opacidade do forame intervertebral ou material calcificado no canal espinhal. Já na tomografia nota-se perda de gordura epidural, material hiperatenuante no interior do canal vertebral e distorção da medula espinhal, sendo os dois últimos os mais encontrados no presente estudo.

Diversas porções medulares foram afetadas, sendo os segmentos de T13-L1 os mais acometidos, que contribui com a descrição de Brock et al. (2022), seguidos da porção L1-L3 e C2-C4, cuja manifestação clínica é demonstrada na Tabela 1. Salienta-se que três animais dos 14 estavam com sobrepeso ou obesos. O único caso de síndrome da disfunção cognitiva, acometeu um Coker Spaniel de 10 anos de idade que manifestava prostração, andar em círculos, alterações de comportamento, de sono e vigília (inversão do dia pela noite) e, apesar do difícil diagnóstico, este quadro está de acordo com o descrito por Dias & Mendes (2023).

Os traumas confirmados (9/ 67) acometeram animais entre dois meses e 10 anos onde, 77,8% foram de fraturas vertebrais, com apenas um caso na articulação temporomandibular. Sendo 50% das fraturas em porção caudal das vértebras torácicas (T10 – T13), chegando em alguns casos até a transição toracolombar; dois casos em porção sacral e dois que não constam nos prontuários. Em dois casos notou-se redução do canal vertebral ao exame radiográfico. Em um caso o animal teve disjunção sacroilíaca associada e, em outro, um canino SRD de 11 anos teve SCE, porém sem relato de trauma no prontuário. Este foi alocado na categoria “outras” representada na Figura 2, devido à ausência de histórico de trauma, visto a possibilidade de originar-se de uma malformação congênita na coluna que comprime a medula. Ademais, um caso de avulsão de plexo braquial acometeu um canino de três meses de idade com histórico de atropelamento, exibindo nocicepção e propriocepção unilateral ausentes em MT, o que corrobora com o relato de Almeida & Oliveira (2022) ao observarem ausência de resposta a dor e de propriocepção no membro de um animal com suspeita de atropelamento.

As neoplasias confirmadas (2/ 67) acometeram cães SRD de três a dez anos e ambos evoluíram gradativamente. Somente em um dos casos o animal apresentava um nódulo, localizado na cervical. Contudo, dois animais com etiologias desconhecidas manifestavam tumores em outros órgãos ou histórico de metástase. Existe a possibilidade de ser uma neoplasia, visto a incidência elevada em cães com neoplasmas, entretanto, sua prevalência intracraniana é de 2,1 a 4%. Além da metástase por tumores primários encefálicos para os demais órgãos ser rara (Sapin et al., 2019).

Quanto a doença metabólica originada de um shunt portossistêmico, o que segundo Konstantinidis et al. (2023)é, na maioria das vezes, uma encefalopatia hepática, observou-se um Schnauzer de dois anos de idade que convulsionava a cada duas horas. Na tomografia do paciente foi descrita uma aplasia de terço final da veia cava caudal e, os referidos autores descrevem não ser incomum nessa raça a convulsão e o achado tomográfico, quando se trata deste distúrbio.

Vale mencionar que em somente um caso houve confirmação de doença concomitante, a saber: discopatia e erliquiose. A riquetsiose foi identificada no exame 4DX e, apesar dos sinais de ataxia, tremores, emagrecimento e dificuldade visual ocorrerem na doença (Jesus et al., 2023), não houve uma definição da causa da algia toracolombar observada no animal e da redução do espaço intervertebral detectada no exame radiográfico.

A respeito dos felinos, a enfermidade mais frequente foi a traumática com um terço (3/9) dos casos, coincidindo com a literatura (Mendes & Arias, 2012; Chaves et al., 2018). As idades mais afetadas foram entre dois meses e quatro anos. Mendes & Arias (2012)destacaram o atropelamento comoa principal causa dos traumas, assim como no presente estudo, onde dois casos foram por traumas automobilísticos, o que pode ser explicado pelo acesso a rua ou abandono. Um dado importante sobre os pacientes felinos é que 77,8% foram adotados ou resgatados já com as alterações neurológicas, visto não ser incomum o abandono de animais neuropatas (G1, 2016) ou acometidos por acidente automobilístico, entre outras circunstâncias de cunho neurológico devido ao acesso à rua, como descrito por Nogueira (2009).

Em relação as idades dos animais afetados por neuropatias, as faixas etárias mais acometidas foram de cães “jovens-adultos” (1 a 4 anos) e geriátricos (≥ 8 anos), respectivamente, como demonstrado na Figura 3. Uma justificativa para essa incidência é que esta faixa etária está mais susceptível às doenças infecciosas assim como às primeiras crises epiléticas (Chaban et al., 2023).

Figura 3. Valores absolutos e relativos das faixas etárias de cães e gatos acometidos por neuropatias.

Fonte: prontuários de atendimento da Clínica-Escola Veterinária da UNIG (2022-2024).   

Embora as neuropatias tenham sido mais frequentes em 2023 (45,3%), houve maior incidência em 2024, contudo a prevalência da cinomose diminuiu neste mesmo ano. Vale ressaltar que em 2023 a demanda de atendimentos foi maior, abrangendo pacientes com históricos neurológicos oriundos de outras clínicas, além do projeto de castração realizado na instituição, o que explicaria esse aumento de casos.

Aparentemente, a casuística neurológica seguiu em conformidade com as encontradas em outros levantamentos realizados no estado do RJ (Brock et al., 2022; Godoi et al., 2016),como de Godoi et al. (2016)ao verificar os atendimentos por acupuntura no Hospital Veterinário de Pequenos Animais da UFRRJ nos anos de 2006 a 2016, encontrou a cinomose como neuropatia mais frequente em cães.Já no estudo de Brock et al. (2022)as doenças degenerativas foram as mais frequentes enquanto as idiopáticas ficaram em 4º lugar. Acredita-se que este padrão seria encontrado neste estudo, caso houvesse mais confirmações diagnósticas de lesões na coluna.

4. Conclusão

As neuropatias são relativamente frequentes nos atendimentos na Clínica-Escola da Universidade Iguaçu, embora sejam minoria comparadas às demais afecções. Os diversos casos presuntivos/ inconclusivos sugerem a importância e a necessidade de um neurologista no quadro de profissionais para o atendimento. O ano com maior prevalência foi 2023, e em 2024 houve incidência de novas enfermidades não relatadas nos dois anos anteriores. Houve maior casuística para caninos, cujas raças puras mais acometidas foram: Poodle, Pincher e Buldogue. Convulsões e déficit proprioceptivo foram os sinais clínicos mais evidentes e, como sinal inespecífico, êmese. Os felinos, todos PCB, tiveram traumas medulares como a neuropatia mais frequente, sobretudo, entre 2 meses e 4 anos de idade, e os abandonos ou acesso à rua são preocupantes causas no aumento de traumas em gatos. A afecção medular foi a mais comum e as categorias mais prevalentes foram: infecciosas/ inflamatórias, seguidas das idiopáticas e degenerativas. Cinomose e epilepsia idiopática foram as neuropatias mais frequentes, e a principal causa para cães pediátricos ou jovens-adultos adoecerem. Enquanto as degenerativas afetaram cães adultos a idosos, e os traumas animais adultos.

A alta letalidade, morbidade e os baixos índices de vacinação reforçam a necessidade de intensificar campanhas educativas para conscientizar a população sobre a gravidade da cinomose. É fundamental destacar a importância da vacinação como principal medida de prevenção, aliada a ações que promovam o acesso às vacinas e aos cuidados veterinários. Investir em informação e estratégias de saúde veterinária podem reduzir significativamente o impacto dessa doença na vida dos cães.

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¹Discentes do curso de Medicina Veterinária, UNIG;
²Docentes do curso de Medicina Veterinária, UNIG.