NEUROARCHITECTURE AND AUTISM: DESIGN STRATEGIES FOR CHILD DEVELOPMENT
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10030008
Ana Paula Schneider1
João Paulo Lucchetta Pompermaier2
RESUMO
A neurociência aplicada à arquitetura é um campo multidisciplinar que estuda o ambiente construído, suas características e como ele atua no comportamento humano. Os conceitos relacionados à neuroarquitetura, como é popularmente conhecida, fornecem subsídios para decisões de projetos voltadas para a melhoria da qualidade de vida. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição presente em 1 em cada 160 crianças no mundo, caracterizado por uma série de condições que comprometem o comportamento social, a comunicação e a linguagem, assim como por interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva. Tendo em vista que a neuroarquitetura enquanto ciência, pode estar associada às práticas de promoção da saúde, questiona-se: Como a neuroarquitetura pode contribuir no desenvolvimento de crianças com TEA? Esta pesquisa tem o objetivo de identificar as contribuições da neuroarquitetura no desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), assim como estratégias projetuais baseadas em uma arquitetura vivenciada. O estudo se caracteriza como uma pesquisa exploratória através de uma revisão bibliográfica da literatura. Como parte dos resultados obtidos, foram identificadas estratégias para desenvolvimento de projetos arquitetônicos e de interiores centrados nos preceitos da neuroarquitetura para contribuição no desenvolvimento de crianças com TEA.
Palavras-chave: Neuroarquitetura. Projeto de Arquitetura. Transtorno do Espectro Autista.
ABSTRACT
Neuroscience applied to architecture is a multidisciplinary field that studies the built environment, its characteristics, and how it acts on human behavior. The concepts related to neuroarchitecture, as it is popularly known, provide input for design decisions aimed at improving quality of life. Autism Spectrum Disorder (ASD) is a condition present in 1 in 160 children worldwide, characterized by a series of conditions that compromise social behavior, communication, and language, as well as interests and activities that are unique to the individual and carried out repetitively. Bearing in mind that neuroarchitecture as a science can be associated with health promotion practices, the question arises: How can neuroarchitecture contribute to the development of children with ASD? This research aims to identify the contributions of neuroarchitecture to the development of children with Autism Spectrum Disorder (ASD), as well as design strategies based on an experienced architecture. The study is characterized as exploratory and descriptive research through a literature review. As part of the results obtained, strategies were identified for developing architectural and interior projects centered on the precepts of neuroarchitecture to contribute to the development of children with ASD.
Keywords: Neuroarchitecture. Architectural Design. Autistic Spectrum Disorder.
INTRODUÇÃO
A neurociência é um campo científico que estuda o desenvolvimento e organização do sistema nervoso dos homens e animais e como ele funciona para gerar comportamentos (PURVES et al., 2010). A possibilidade de entender o funcionamento do sistema nervoso e sua influência em aspectos psicológicos, como a emoção, motivação, comportamento e cognição, possibilita uma compreensão mais abrangente do ser humano (LOPES et al., 2020).
Os avanços na neurociência levaram a descobertas significativas sobre o cérebro, possibilitando que os conhecimentos adquiridos pudessem ser usados não apenas na medicina, mas também em outras áreas, como economia, educação, direito, psicologia, marketing, entre outras (TIEPPO, 2019). Nesse contexto, surge a neuroarquitetura, um termo popular para se referir a junção da neurociência com a arquitetura. A partir da neurociência aplicada à arquitetura é possível entender o ambiente construído, suas características e como ele atua no comportamento humano, fornecendo subsídios para decisões de projetos voltadas para a melhoria da qualidade de vida (VILLAROUCO et al., 2021).
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição presente em 1 em cada 160 crianças no mundo, de acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Trata-se de um transtorno do desenvolvimento neurológico, caracterizado por uma série de condições que comprometem o comportamento social, a comunicação e a linguagem, assim como por interesses e atividades que são únicas para o indivíduo e realizadas de forma repetitiva (OPAS, 2022).
Pessoas com TEA podem ter limitações significativas na realização de atividades diárias bem como no convívio em sociedade. Enquanto alguns indivíduos “são capazes de viver de forma independente, outros têm graves incapacidades e exigem cuidados e apoio ao longo da vida” (OPAS, 2022). Tendo em vista que a neuroarquitetura enquanto ciência, pode estar associada às práticas de promoção da saúde, questiona-se: Como a neuroarquitetura pode contribuir no desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA)?
Com isso, o objetivo desta pesquisa é identificar as contribuições da neuroarquitetura no desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), assim como estratégias projetuais baseadas em uma arquitetura vivenciada.
O estudo se caracteriza como uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa. Pesquisas exploratórias têm como objetivo primordial, proporcionar maior familiaridade do pesquisador com o fenômeno, visando tornar mais explícito os conceitos (MARCONI; LAKATOS, 2003). Desenvolveu-se uma revisão bibliográfica da literatura, através de livros, artigos disponíveis nas bases científicas e materiais eletrônicos de sites governamentais.
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)
O TEA é um transtorno do desenvolvimento neurológico que começa na infância e tende a persistir na adolescência e na idade adulta (OPAS, 2022). Trata-se de uma condição que dispõe de origem antecipada e que afeta a evolução do sujeito no decorrer de sua existência, ocorrendo uma notável oscilação na intensidade e modo de expressão dos sinais e sintomas. É percebido como uma síndrome comportamental complicada que possui causas diversificadas, estabelecendo uma combinação entre genéticas e ambientais (RUTTER, 2011).
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que em todo mundo, 1 em cada 160 crianças têm TEA. Entretanto, essa estimativa representa um valor médio, sendo que algumas pesquisas já têm relatado números significativamente mais elevados. Estudos epidemiológicos realizados nos últimos 50 anos também dão conta de que a prevalência vem aumentando globalmente (OPAS, 2022). No Brasil, os dados ainda são incertos e precisam ser oficializados, mas estima-se que existam 2 milhões de pessoas com TEA (MORENO, 2022).
Segundo Brandão (2022), o autismo é mais comum em homens, tendo em vista as diferenças cromossômicas entre os sexos. O material genético está associado a alguns transtornos mentais e também a doenças físicas, já que os genes apresentam alguns tipos de proteínas. Por conta disso, o córtex cerebral dos homens encontra-se mais finos que o das mulheres, essa diferença existe desde a vida fetal, tornando-os mais vulneráveis ao progresso dos sintomas como, contato visual mínimo, pouco interesse, pouca vivência social, entre outras.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (2019) explica haver sinais no primeiro ano de vida, que implicam em anomalias no controle e desenvolvimento motor como, sensibilidade reduzida, comunicação social, comportamento repetitivo e resistência no domínio da concentração. O Quadro 1 apresenta de forma sintetizada os sinais de alerta conforme as fases de desenvolvimento da criança.
Quadro 1 – Sinais de alerta do autismo.
Sinais de alerta | ||
6 meses | 9 meses | 12 meses |
Poucas expressões faciais, baixo contato ocular, ausência de sorriso social e pouco engajamento sociocomunicativo. | Não faz troca de turno comunicativa; não balbucia “mamã/papa”. Não olha quando chamado. Não olha para onde o adulto aponta; imitação pouca ou ausente. | Ausência de balbucios; Não apresenta gestos convencionais (abanar para dar tchau, por exemplo); Não fala mamãe/papai; ausência de atenção compartilhada. |
Em qualquer idade: perdeu habilidades. |
Com relação ao diagnóstico e classificação existem dois métodos amplamente utilizados. O primeiro é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) e o segundo é a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).
O DSM-5 define o autismo como um subgrupo do transtorno do neurodesenvolvimento categorizado a partir de 3 graus distintos: nível 1 – grau leve, nível 2 – grau moderado e nível 3 – grau severo, sendo que o modo de assistência é determinado de acordo com cada categoria (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014). No Quadro 2 são apresentados os níveis/gravidade, assim como os comportamentos associados.
Quadro 2 – Níveis/gravidade do autismo.
Nível/Gravidade | Comunicação social | Comportamentos repetitivos |
Nível 1 – Grau leve Exige apoio | Tem como obstáculo a interação social com as demais pessoas.Não demonstra vontade em criar amizades ou de se relacionar com outras pessoas. Carecem de apoio constante para não causar danos no desenvolvimento. | Intolerância de conduta possui interferência considerável no comportamento e evolução de diversos contextos. Bloqueio para enfrentar modificações inesperadas.Dificuldade com organização e planejamento. |
Nível 2 – Grau moderado Exige apoio substancial | Problemas no convívio social e respostas curtas ou inúteis que provém de outras pessoas. Indicam diversos déficits nas competências de comunicação social, verbal e não verbal.Mesmo tendo apoio apontam perdas sociais. | Resistência em modificar focos ou ações.Condutas restritas e frequentes surgem sendo consideráveis para serem claras ao observador e instigando no relacionamento com as demais pessoas.Intolerância de atitudes e problemas com modificações. |
Nível 3 – Grau severo Exige muito apoio substancial | Indicam diversos déficits nas competências de comunicação social, verbal e não verbal, provocando prejuízos consideráveis no avanço.Relevante restrição na interação social.Age somente a condutas muito diretas. | Possui grande obstáculo em lidar com modificações e outros comportamentos que sejam mais restringidos.Resistência em modificar focos ou ações. Resistência em modificar focos ou ações.Atitudes repetitivas influenciam no funcionamento de todas as áreas do cotidiano. |
O CID-10 no que lhe concerne, específica cada subgrupo sendo: autismo infantil, autismo atípico, síndrome de Rett, síndrome de Asperger, transtorno desintegrativo da infância e transtorno geral do desenvolvimento não especificado. No Brasil, este método é utilizado pelo sistema de saúde pública para diagnóstico e classificação (BRASIL, 2014a).
Independentemente da classificação, é muito importante o diagnóstico precoce para promover o desenvolvimento ideal e o bem-estar das pessoas com TEA. Isso possibilita uma interferência antecipada da Atenção Primária à Saúde (APS) através de informações, serviços, referências e apoio prático de acordo com suas necessidades individuais. “As necessidades de cuidados de saúde das pessoas com TEA são complexas e requerem uma gama de serviços integrados, incluindo promoção da saúde, cuidados, serviços de reabilitação e colaboração com outros setores, tais como os da educação, emprego e social” (OPAS, 2022).
Pessoas com TEA são frequentemente sujeitas à estigmatização, discriminação e violações de direitos humanos. “As intervenções para as pessoas com transtorno do espectro autista precisam ser acompanhadas por ações mais amplas, tornando ambientes físicos, sociais e atitudinais mais acessíveis, inclusivos e de apoio” (OPAS, 2022).
NEUROARQUITETURA
O termo neuroarquitetura começou a ser utilizado em 2003 com a criação da Academy of Neuroscience for Architecture (ANFA) em San Diego, na Califórnia (EUA). A instituição tem a missão de “promover e avançar o conhecimento que liga a pesquisa em neurociência a uma compreensão crescente das respostas humanas ao ambiente construído” (ANFA, 2022).
Villarouco et al. (2021) explica que quando entendemos de neuroarquitetura podemos perceber que esse tema é subdividido. Pode-se considerar a arquitetura neuromórfica, que observa os “cérebros” das edificações e por fim, a neurociência da vivência arquitetônica, que analisa o cérebro de pessoas que experienciam um ambiente construído.
A compreensão sobre o cérebro humano, principalmente dos pensamentos que se encontram numa posição inferior à consciência, consegue colaborar com arquitetos no planejamento de obras que impactem positivamente os indivíduos. A percepção da existência, dos sentimentos, da neuroplasticidade, entre outros, faz com que a arquitetura se torne uma ferramenta de mudança de comportamentos ainda mais eficiente (PAIVA, 2018).
De acordo com Paiva (2018), a neuroarquitetura deve ser empregada para transformar esferas mais benéficas em tempo reduzido e prolongado, sendo assim, o conceito pode ser a eficácia do bem-estar pessoal e satisfação nas experiências vivenciadas. O cérebro e seus recursos são intensamente importantes e a compreensão nesse âmbito está em incessante progresso.
Com os recentes avanços dos estudos da neurociência compreendemos de que forma nosso cérebro é instigado por tudo que acontece ao nosso redor. Assim, faz-se uma análise multidisciplinar, com a possibilidade de entender as sensações de satisfação ou de rejeição, ativando diferentes áreas do cérebro por ondas elétricas, tornando-se de forte relevância identificar quais impulsos refletem às ativações, frequências e em quais regiões do cérebro elas acontecem. Essa nova linha de conceito projetual, procura distinguir as práticas neurais em atuação com o ambiente construído, considerando um método positivo para analisar a performance de um ambiente, atribuindo recursos para decisões projetuais que aprimorem a qualidade de vida do indivíduo em sociedade (VILLAROUCO et al., 2021).
A neuroarquitetura unificou conceitos que se relacionam a arquitetura cognitiva, comportamental e sensorial. A conexão entre as esferas com o mundo que nos cerca evidência como nos comportamos e agimos frente nossas vivências, sendo assim, o campo sensorial está vinculado às sensações; o comportamental, ao comportamento; o cognitivo, ao conhecimento que obtemos ao longo da vida (CRÍZEL, 2020).
De acordo com Villarouco et al. (2021), entender as razões fisiológicas do cérebro é possível com o auxílio das tecnologias, com isso a análise vincula-se a concepções que determinam fatores para referências comportamentais empregadas em experimentos. Sendo assim, a teoria da psicologia tem grande influência na neurociência, proporcionando princípios práticos significativos para determinar características da mente, consistindo nas percepções, aprendizagens, atenção, memória, consciência e emoções.
Por meio da percepção, o ser humano estabelece e demonstra suas evidências sensoriais para dar sentido ao espaço. Emprega a comunicação verbal e não verbal, associada aos estímulos sensoriais (visão, olfato, audição, paladar e somestesia), ou seja, a percepção corporal, abrangendo um aglomerado de elementos sensoriais de tato, pressão, temperatura, dor e propriocepção (TIEPPO, 2019).
Segundo Crízel (2020) corroborado por Gonçalves e Paiva (2018), a comunicação verbal e não verbal, são interpretadas pelo campo cognitivo, provocando certos comportamentos. Desta forma, quando impulsos são gerados na esfera sensorial, maior será a compreensão cognitiva, e consequentemente maior o reflexo comportamental. Isto significa que para promover mais aprendizado, criatividade e reação muscular, é necessário um espaço multissensorial.
Na neurociência pesquisadores se precipitam em dispor analogias para tarefas que tendem a medir. No entanto, quando as concepções são explanadas como competências e condutas que podem ser observadas, necessita-se considerar se as circunstâncias analógicas desenvolvidas refletem as condições que se quer restabelecer na realidade (VILLAROUCO et al., 2021).
Conforme Camargos (2005), Assumpção e Kuczinski (2009), Gauderer (1997) e Siegel (2005), o indivíduo com autismo apresenta uma comunicação bem específica, com modificações prévias à fala na compreensão de sinais, expressões faciais, sons, gestos, entre outros. Assumpção e Kuczinski (2009) complementa ainda que a existência de comportamentos repetitivos e de preferências exclusivas são aspectos específicos de uma pessoa com autismo, independente do grau, sendo associada a um mecanismo para minimizar a preocupação frente a falhas de percepção dos impulsos externos, em consequência de modificações no modo sensorial.
Siegel (2005) explica que os comportamentos repetitivos mais comuns, são: balançar ou inclinar bruscamente o corpo, estalar os dedos ou bater palmas, mobilidade anormal das mãos e postura, andar nas pontas dos pés, ou uma sequência de ações. Normalmente, estes comportamentos se tornam mais fortes com a existência de um comprometimento cognitivo maior.
A sensação é o modo pelo qual os receptores sensoriais e o sistema nervoso obtêm e refletem a ação do estímulo ambiental. Sendo assim, a percepção se caracteriza por ser um método onde se organiza e interpreta mensagens sensoriais, proporcionando identificar objetos e fatos consideráveis (MYERS, 2006).
O progresso da percepção ocorre com a idade e a convivência do indivíduo com o ambiente, conseguindo modificar conforme o nível de maturidade neurológica e as técnicas de aprendizado. Na existência de interferências sensoriais, o indivíduo afetado identificaria o mundo com distorções, o que refletiria na maneira de se relacionar com o ambiente e no seu comportamento (ASSUMPÇÃO; KUCZINSKI, 2009).
Segundo Caminha (2009), os fatores de diagnósticos para o TEA, não têm relação às perdas sensoriais, no entanto, há evidências crescentes provenientes de informações autobiográficas de autistas, pais e cuidadores, de que o transtorno é uma necessidade relacionada a um sistema sensorial imperfeito.
O autismo é a consequência de um Distúrbio da Integração Sensorial, sendo assim, o cérebro não atinge atributos significativos as sensações. Os indivíduos afetados, apresentam comportamentos que poderiam ser compreendidos como uma anomalia no desenvolvimento da percepção dos estímulos sensoriais (AYRES, 2005).
As atividades estereotipadas mostradas por autistas são maneiras de evitar a entrada excessiva de estímulos e causar folga perante a um estresse sensorial. É uma forma do cérebro se desconectar, reduzindo a concentração de estímulos inesperados e desagradáveis (CAMINHA, 2009).
ESTRATÉGIAS PROJETUAIS
As abordagens referentes às concepções arquitetônicas serão feitas neste tópico, consistindo em ambientes que atendam indivíduos com TEA, evidenciando como a neuroarquitetura auxilia nesses aspectos. Como já foi citado, a pessoa com TEA pode ter um desprovimento na união de pensamentos e ações, possuindo uma competência interativa comprometida em relação ao seu entorno.
Quando tratamos de estratégias ambientais, logo precisamos abordar questões relacionadas à acessibilidade. É dever dos profissionais do ramo da arquitetura e engenharia pensar nisso, porém, uma pessoa com Transtorno do Espectro Autista possui uma sensibilidade onde é mais intensa ou menos intensa, o que interfere no vínculo espacial que convive.
De acordo com Antunes (2007), em uma arquitetura não presenciada a estimulação, pode interferir na evolução do indivíduo com TEA. Segundo Pallasmaa (2011), nosso corpo físico e nossa cinesia estão interagindo constantemente com o ambiente, a esfera em que vivemos e o ser humano se modificam incessantemente, a sensação perceptiva do corpo físico e a imagem do espaço transformam-se em uma experiência onde, é inexistente a possibilidade de um corpo ser desassociado do seu espaço assim como, não há uma atmosfera que se desvincula de uma imagem inconsciente de nossa individualidade. No entanto, há diversas tipologias de se trabalhar a arquitetura que são capazes de serem identificadas como sensoriais, tátil, visão, audição, paladar, olfato e dos músculos.
Alguns aspectos arquitetônicos podem gerar resultados positivos e negativos a pessoas com TEA, sendo a escala, materiais, proporções, iluminação, biofilia, qualidade acústica e texturas (FREITAS, 2020).
Segundo Mostafa (2008), existem sete requisitos que influenciam nos ambientes internos criando princípios para os projetos inclusivos, sendo eles:
- Acústicos: o espaço deve ser pensado com aspectos que diminuam os ruídos, ecos e reverberações.
- Sequenciamento espacial: deve-se trabalhar uma organização lógica espacial, um planejamento horário de usabilidade, com aspectos livres e tranquilos entre um andamento e outro, sem paradas.
- Ambiente de fuga: é pensado para o descanso e relaxamento em casos de superestimulação vivenciados em outros ambientes. É necessário estarem situados em áreas pacíficas, sensorialmente neutras, e podem ser ambientes pequenos.
- Compartimentação: cada ambiente tem sua função representada de forma clara e adequada com uma proposta de qualidade sensorial.
- Ambientes de transições: é onde o indivíduo se reequilibra e recarrega as energias sensoriais, é utilizado para a mudança de estímulo.
- Zoneamento sensorial: são espaços que se baseiam em zonas funcionais comuns e generalizadas.
- Segurança: os indivíduos com TEA possuem alterações conforme o seu entorno imediato, portanto, é necessário um cuidado especial.
De acordo com Souza (2019), nos espaços para pessoas autistas, devem ser consideradas algumas exigências, sendo: espaços amplos para as atividades, corredores grandes, superfícies curvas, ventilação cruzada e pisos aquecidos, sistema de segurança, espaços de escape, iluminação indireta e difusas, jardins, cores claras e neutras.
Os ambientes têm que ser estimuladores, que despertem os sentidos e a curiosidade, fazendo com que a pessoa com autismo se sinta segura, não permitindo o estresse, pois isso afeta o desenvolvimento. Sendo assim, a arquitetura tem que ser uma forma de estimulação do cérebro e do corpo, tornando-se essencial para a saúde mental e física da pessoa com TEA (PAIVA, 2018).
Todo o estabelecimento que propicie atividades relacionadas à saúde, abrangendo espaços determinados para autistas, devem ter espaços flexibilizados e atender a satisfação dos mesmos através do conforto ambiental (BRASIL, 2014). O ambiente é constituído por itens que interagem e influenciam no comportamento do indivíduo, estimulando e equilibrando o que é referente a integração sensorial (PALLASMAA, 2011).
A utilização de estímulos por meio de um ambiente é uma maneira de processar o meio comunicativo e o aspecto do sujeito com o espaço, sendo assim, a zona terapêutica sensorial consegue proporcionar a alteração positiva, exercitando os estímulos de interrupção de rotina e da modulação sistemática, características comportamentais de uma pessoa com TEA (LAUREANO, 2017).
Existem diversas maneiras para propiciar estímulos sensoriais, incluindo: iluminação, almofadas, desenhos, tubos de bolha, paredes táteis e música, permitindo sentir emoções de causa e efeito. As cores têm um papel fundamental quando se trata de estímulos, para o autista cada cor pode causar um comportamento diferente, trazendo sensações de alívio e compulsão, dependendo da sensibilidade de cada pessoa, sendo assim, cores frias despertam emoções de calmaria, e cores quentes instiga a socialização (FREITAS, 2020).
Um espaço dinâmico se caracteriza por ser um local multifuncional, por exemplo, as circulações podem ser um espaço de descanso e estar; a utilização de paredes curvas, servem para guiar o indivíduo no deslocamento. É importante também a relação do indivíduo com o meio interno e externo, desenvolvendo a consciência corporal e cognitiva. Sendo assim, o zoneamento é parte importante no processo de autonomia do usuário, devendo ser de simples e fácil compreensão (MACHADO, 2012).
A forma arquitetônica pode ser composta organicamente, não interferindo assim, na acessibilidade e funcionalidade do local, estimulando sempre a autonomia da pessoa com TEA. É importante também o uso de regiões lisas e resistentes, com diferentes texturas e percepções (LAUREANO, 2017). Por fim, deve-se considerar alguns aspectos projetuais como: planejamento, inclusão, simplicidade e clareza, integração social, equilíbrio, segurança, aspectos acústicos, iluminação, ventilação, durabilidade e aspectos naturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da neurociência, a arquitetura passou a aprimorar as formas de projetar quando se passou a entender o modo como o cérebro comporta-se diante de estímulos relacionados ao ambiente. Os espaços podem influenciar na forma de pensar, nas emoções e na maneira comportamental, tanto positiva quanto negativamente. Durante a infância, nosso cérebro absorve emocionalmente tudo o que é transmitido pelo espaço, podendo gerar efeitos a longo prazo.
Uma arquitetura multissensorial torna-se responsável por ativar memórias concebidas durante a infância. Pallasmaa (2011) afirma que a arquitetura não é entendida como uma porção de imagens únicas na retina, e sim e sua materialidade, corpo-espírito completamente integralizada, assim sendo, a neuroarquitetura traz premissas exploratórias para a criação de espaços que possibilitem o estímulo cerebral positivo.
Observando as características de personalidade de pessoas com TEA, percebe-se o quanto é importante o diagnóstico precoce, suas exigências espaciais, e como é significativo ambientes que propiciem o desenvolvimento físico-cognitivo dos indivíduos.
A presente pesquisa possibilitou identificar as contribuições da neuroarquitetura no desenvolvimento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Através da revisão da literatura foi possível entender como a arquitetura pode ter características que auxiliam positivamente, contribuindo para a evolução dessas pessoas por meio de métodos sensoriais e ambientes estimuladores, capazes de despertar os sentidos e a curiosidade. Assim, os espaços se tornam estimuladores cerebrais e corporais, essenciais para uma melhor uma saúde mental e física.
Uma condição projetual importante é a disposição e setorização dos ambientes, sendo de grande significância na organização físico-funcional. Com isso, desenvolvem-se experiências mais focadas e relacionadas à ligação espacial com o indivíduo, tendo assim, concepções mais amplas com ênfase para bases sensoriais e individuais. Os espaços físicos irão desempenhar uma tarefa significativa, facilitando o convívio e habilidades comportamentais das pessoas com TEA.
Além dos aspectos sensoriais, estratégias ambientais relacionadas a fatores acústicos, tátil, visual, térmico, iluminação, materialidade, formas orgânicas, biofilia, cores e texturas, escala e setorização, devem ser considerados. Sendo assim, todo e qualquer espaço deve determinar sua função e atingir as necessidades dos usuários, abrangendo fins funcionais, compreendendo a real vivência humana.
Em síntese, esta pesquisa é destinada a servir de auxílio para a elaboração de projetos que visam a inclusão social, a compreensão das necessidades humanas, seguindo sua função, e o quanto a neuroarquitetura se torna importante para o desenvolvimento de espaços que beneficiem a qualidade de vida e o progresso positivo de pessoas com TEA.
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1Especialista em Master em Neuroarquitetura (IPOG). Arquiteta e Urbanista (UCEFF). E-mail: anaapschneider@outlook.com
2Mestrando em Arquitetura e Urbanismo (UFSC). Especialista em Design de Interiores (UNICSUL). Arquiteto e Urbanista (UCEFF). E-mail: joaopaulopompermaier@gmail.com