NEURITE IDIOPÁTICA DE NERVO TRIGÊMEO EM UM CANINO SEM RAÇA DEFINIDA

IDIOPATHIC NEURITIS OF THE TRIGEMINAL NERVE IN A MIXED BREED CANINE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202502281340


Laura Bueno de Souza1, Gabriel Satoru Ohashi2, Gabriele Maria Callegaro Serafini3, Cristiane Beck4, Fernanda Vieira Henrique5, Brenda Viviane Götz Socolhoski6, Pedro Ferreira de Sousa Junior7, Otávio Henrique de Melo Schiefler8, Vinicius da Silva Cadiñanos9, Marcella Teixeira Linhares10


RESUMO

O sistema nervoso periférico é constituído por 12 pares de nervos tendo como base axônios de neurônios motores e sensitivos. O nervo trigêmeo é o quinto par de nervos craniano e pode ser classificado como misto. A neurite idiopática do trigêmeo (NIT) é descrita como a causa neurológica mais comum da ptose (queda) da mandíbula e afeta, principalmente, os ramos motores dos nervos trigêmeos bilateralmente. O objetivo do presente relato é descrever um caso de neurite idiopática de nervo trigêmeo em um cão sem raça definida, detalhando a apresentação clínica, meios diagnósticos utilizados, bem como a conduta terapêutica empregada e a evolução do quadro clínico apresentada pelo paciente. Um canino macho, sem raça definida, de quatro anos de idade e pesando 17,9 kg, foi atendido no centro clínico veterinário no município de Ijuí-RS. A queixa principal relatada pelos tutores foi de que o animal estava salivando excessivamente, havia perdido a força para morder e não conseguia fechar a boca, porém, movimentava normalmente a língua, demonstrando interesse e tentativas de ingerir água e se alimentar, mas sem sucesso. O animal recebeu prescrição de prednisona 0,5mg/kg, uma vez ao dia (SID), durante sete dias e dipirona 25mg/kg, duas vezes ao dia (BID), durante 10 dias, ambos por via oral em suspensão para facilitar a deglutição do paciente. Após três dias o paciente retornou à clínica, onde o mesmo apresentava melhoras significativas, conseguindo se alimentar por via oral com auxílio do tutor, sendo recomendada a continuação dos cuidados previamente recomendados e que o mesmo retornasse após quatro dias. Pode-se concluir que a neurite de nervo trigêmeo é a principal causa neurológica para os casos de paralisia de mandíbula, onde o diagnóstico precoce proporciona um prognóstico favorável, como relatado no presente caso.

Palavras-chave: Canino. Inervação. Inflamação. Mandíbula. Nervo trigêmeo.

1 INTRODUÇÃO

Os nervos cranianos são um conjunto de 12 pares de nervos do sistema nervoso periférico que têm origem no encéfalo e podem conter axônios de neurônios motores, axônios de neurônios sensoriais ou uma combinação de ambos (COLVILLE, 2008). O nervo trigêmeo é o V (quinto) par de nervos cranianos e é classificado como um nervo misto por possuir porção motora e porção sensorial (DEWEY, 2017a).

O nervo trigêmeo se subdivide em três ramos principais: o oftálmico, o maxilar e o mandibular (VENTURINI, 2016). Os nervos oftálmico e maxilar emitem fibras sensoriais e são responsáveis pela sensibilidade somática da cabeça, enquanto o nervo mandibular emite fibras sensoriais e motoras, sendo responsável pela inervação, sensibilidade e movimentação dos músculos masseter e temporal que desempenham a função mastigatória nos cães (SILVA, 2020).   

Doenças inflamatórias restritas a nervos periféricos são raramente reconhecidas nos animais domésticos (PANCIERA, 2002). Segundo Gonçalves et al. (2020), a neurite do nervo trigêmeo é caracterizada pela inflamação do V par de nervos cranianos, causando, sobretudo, uma desmielinização e degeneração axonal.

Também chamada de neurite idiopática do trigêmeo (NIT) ou neuropatia do trigêmeo, ela é descrita como a causa neurológica mais comum da ptose (queda) da mandíbula (BRASH, 2017) e afeta, principalmente, os ramos motores dos nervos trigêmeos bilateralmente (DEWEY, 2017b). Apenas um terço dos cães diagnosticados com neuropatia do trigêmeo possuem envolvimento de neurônios sensoriais e, além disso, a paralisia unilateral do nervo trigêmeo é uma lesão muito rara em cães (DIAS, 2017).

Neuropatias periféricas podem ocorrer por diferentes causas como, por exemplo, causas inflamatórias, degenerativas, anômalas, metabólicas, traumáticas, tóxicas, autoimunes, infecciosas, neoplásicas e idiopáticas (CASTRO, 2020). No caso de NIT, embora a patogênese seja desconhecida, suspeita-se de uma etiologia imunomediada (DEWEY, 2017a).

Tipicamente, o quadro clínico clássico de NIT consiste no aparecimento agudo de paralisia da mandíbula, ocasionando sua ptose e, consequentemente, incapacidade de fechar a boca e apreender alimentos (STEFFEN, 2010). Porém, qualquer distúrbio de nervo trigêmeo pode levar, além do sinal clínico mais clássico, à deficiência sensitiva e atrofia dos músculos mastigatórios temporal e masseter (SIMPSON, 2015).

O diagnóstico é presuntivo e se baseia nos sinais clínicos típicos da doença, além da exclusão de outras possíveis causas de paralisia mandibular (CURTIS, 2016). Podem ser utilizados exames de imagem como radiografia e ressonância magnética além de testes e exames sorológicos e hematológicos para descartar e diferenciar de condições como fratura, corpo estranho oral, neoplasia, raiva, miosite mastigatória, luxação de articulação temporomandibular, polineurite, toxoplasmose, neosporose e afecções vasculares (CASTRO, 2020). Além disso, deve-se manter o acompanhamento do caso até sua convalescença, visto que essa enfermidade é autolimitante, com curso médio de 22 dias (RIZZI, 2011).

O prognóstico, quando não associado a neoplasias e outras doenças infecciosas, se mostra favorável, com rápida resolução entre uma a três semanas (CURTIS, 2016), podendo chegar até nove semanas (STEFFEN, 2010). O objetivo do presente relato é descrever um caso de neurite idiopática de nervo trigêmeo em um cão sem raça definida, detalhando a apresentação clínica, meios diagnósticos utilizados, bem como a conduta terapêutica empregada e a evolução do quadro clínico apresentada pelo paciente.

2 RELATO DE CASO

Um canino macho, sem raça definida (SRD), de quatro anos de idade e pesando 17,9 kg, foi atendido no centro clínico veterinário no município de Ijuí-RS. A queixa principal relatada pelos tutores foi de que o animal estava salivando excessivamente, havia perdido a força para morder e não conseguia fechar a boca, porém, movimentava normalmente a língua, demonstrando interesse e tentativas de ingerir água e se alimentar, mas sem sucesso. A tutora relatou ainda que o cão apresentou alguns episódios de tosse, mas negou episódios de síncope e alterações em micção ou defecação. O paciente possuía o protocolo de vacinação em dia, tinha acesso restrito à rua e nenhum contactante. Além disso, os tutores já haviam administrado 18 gotas de dipirona por via oral (VO) no dia anterior à consulta.

Ao exame físico, foi constatada a ptose da mandíbula, com constante abertura da boca (Figura 1) que se fechava com auxílio manual, sem resistência. O paciente apresentava ainda salivação excessiva e movimentos normais da língua. O animal não tinha dor à palpação e manipulação da mandíbula e da boca, não apresentou nenhum episódio de tosse durante a consulta e sua temperatura corporal encontrava-se normal a 39ºC. Ainda, durante a consulta, foram ofertadas água e ração para observação da ingestão. O mesmo demonstrava interesse e realizava o movimento normal da língua para apreensão do alimento, todavia, sendo incapaz de ocluir a mandíbula, não conseguia levar o alimento até a faringe, dessa forma, não conseguia se alimentar e/ou ingerir água sozinho e salivava excessivamente sobre os potes. O cão apresentava sensibilidade facial normal, reflexo palpebral presente, não havia atrofia evidente de músculos mastigatórios e não foram observadas alterações compatíveis com lesão em outros nervos cranianos.

Figura 1 – Imagem fotográfica demonstrando a apresentação clínica de ptose de mandíbula de um cão apresentando neurite idiopática de nervo trigêmeo.

Fonte: Arquivo pessoal.

No primeiro momento, a principal suspeita foi de paralisia de laringe, baseada no quadro clínico de incapacidade em se alimentar e na queixa de tosse. Porém, devido aos demais sinais clínicos identificados, como a paralisia da mandíbula, bem como, a verificação de que o animal não possuía dificuldades na deglutição e sim dificuldade em conduzir o alimento à cavidade oral, devido à incapacidade de fechar a boca, a suspeita inicial foi descartada.

No mesmo dia da consulta foram realizados hemograma e painel bioquímico no qual foram dosadas albumina, alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA), ureia e creatinina, as quais não apresentaram alterações significativas (Figuras 2 e 3).

Figura 2 – Resultado do hemograma de canino, macho, SRD, de quatro anos de idade acometido por neurite idiopática do nervo trigêmio.

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 3 – Resultado do perfil bioquímico de canino, macho, SRD, de quatro anos de idade acometido por neurite idiopática do nervo trigêmio.

Fonte: Arquivo pessoal.

 Para exclusão de demais alterações que pudessem estar causando a incapacidade de fechar a boca, como fratura, luxação de articulação temporomandibular ou presença de corpos estranhos, foi solicitado o exame radiográfico simples de crânio nas projeções dorsoventral (Figura 4), laterolateral direita (Figura 5) e laterolateral esquerda (Figura 6), as quais foram realizadas no dia seguinte ao atendimento inicial, com o animal sob sedação. O exame radiográfico não apresentou alterações, tendo então como diagnóstico presuntivo a Neurite Idiopática de Nervo trigêmeo.

Figura 4 – Imagem radiográfica do crânio de um canino macho, sem raça definida, de quatro anos de idade, acometido por neurite idiopática do nervo trigêmio, na projeção dorsoventral.

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 5- Imagem radiográfica do crânio de um canino macho, sem raça definida, de quatro anos de idade, acometido por neurite idiopática de nervo trigêmio, na projeção laterolateral direita.

Fonte: Arquivo pessoal.

Figura 6 – Imagem radiográfica do crânio de um canino macho, sem raça definida, de quatro anos de idade, acometido por neurite idiopática do nervo trigêmio, na projeção laterolateral esquerda.

Fonte: Arquivo pessoal.

Presumindo-se o diagnóstico de NIT, adotou-se uma conduta terapêutica de suporte, visto que a enfermidade é autolimitante. O animal recebeu prescrição de prednisona 0,5mg/kg, uma vez ao dia (SID), durante sete dias e dipirona 25mg/kg, duas vezes ao dia (BID), durante 10 dias, ambos VO em suspensão de gotas para facilitar a deglutição do paciente. Além disso, no dia seguinte ao atendimento inicial, o cão foi submetido à anestesia geral para posicionamento de uma sonda de esofagostomia, com a finalidade de realizar alimentação enteral do paciente até sua recuperação.

O paciente recebeu alta após o procedimento e os tutores receberam orientações acerca dos cuidados com o curativo da sonda, o qual foi solicitado troca duas vezes ao dia. Quanto à alimentação enteral, foi orientada administração de alimento de consistência líquida e água, via sonda de esofagostomia, cinco vezes ao dia, além de lavagem da sonda com água após cada refeição.

Após três dias o paciente retornou à clínica, onde o mesmo apresentava melhoras significativas, conseguindo se alimentar por via oral com auxílio do tutor, sendo recomendada a continuação dos cuidados previamente recomendados e que o mesmo retornasse após quatro dias. Contudo, no quarto dia, o animal removeu a sonda sozinho, passando a se alimentar sem necessitar de auxílio, apresentando recuperação completa, retomando o movimento mandibular e conseguindo fechar a boca (Figura 7). Manteve-se o uso de glicocorticóide até o sétimo dia de tratamento e de dipirona até o décimo dia. Além desses medicamentos, também foi instituído o uso de amoxicilina com clavulanato de potássio na dose 22mg/kg, VO, BID, durante sete dias.

Figura 7 – Imagem de canino, macho, SRD, de quatro anos de idade, obtida quatro dias após a instituição do tratamento para neurite idiopática de nervo trigêmeo, demonstrando recuperação completa do paciente.

Fonte: Arquivo pessoal.

3 DISCUSSÃO

A neurite idiopática de nervo trigêmeo (NIT) é caracterizada pela inflamação bilateral e não supurativa dos ramos motores do V par de nervos cranianos (DEWEY, 2017b), ocorrendo, sobretudo, uma desmielinização e degeneração dos axônios (MARIOTINI, 2020). A NIT, em sua apresentação mais comum, afeta os ramos motores dos nervos trigêmeos de forma bilateral (BRASH, 2017), assim como ocorreu no caso descrito, porém, existem relatos de envolvimento dos ramos motores e sensoriais simultaneamente, e, inclusive, de neuropatia sensorial isolada de nervo trigêmeo (DIAS, 2010).

A NIT é uma condição atípica, com ocorrência esporádica em cães (CURTIS, 2016) e extremamente rara em gatos (STEFFEN, 2010). Os animais mais acometidos tendem a ser adultos, com maior frequência em idosos (DEWEY, 2017b), diferindo do paciente do presente relato que tinha apenas quatro anos de idade. O peso médio dos animais acometidos por essa enfermidade descrito em um estudo com 29 animais foi de 26,6 kg (MAYHEW, 2002), caracterizando animais de grande porte, o que se enquadra nos atributos do paciente relatado, que apresentava 17,9 kg, sendo um canino de médio a grande porte.

Embora sua etiologia específica seja desconhecida, fatores imunomediados têm sido associados a esses distúrbios (DEWEY, 2017a). Além disso, outras causas podem estar por trás de lesões no nervo trigêmeo, como por exemplo neoplasias, traumas, fraturas e polineuropatias inflamatórias (BRASH, 2017), sendo todas essas descartadas através de exames complementares realizados no paciente do presente relato.

O quadro clínico típico consiste no aparecimento agudo de paralisia da mandíbula, com incapacidade de fechar a boca, ocasionando sialorreia e dificuldade em apreender o alimento, logo, dificultando a alimentação (ARIAS, 2015). Na maioria dos casos, a deglutição permanece normal, porém, ocasionalmente, pode ser observada uma leve disfagia (DEWEY, 2017a). De acordo com Dewey e Talarico (2017b), a NIT pode desenvolver diferentes graus de atrofia dos músculos mastigatórios, o que não foi observado em nosso paciente, muito provavelmente pela rápida resolução do caso. A condição não é dolorosa (Candin et al., 2023), ocorre sem nenhum outro sinal de doença sistêmica, e, na maioria das vezes, não está associada a lesões em outros nervos cranianos (CASTRO, 2020). O paciente descrito apresentou o mais clássico dos quadros clínicos de NIT, sem mais sinais clínicos além da paralisia mandibular.

Apesar de ser uma condição não dolorosa, optou-se pela administração de dipirona, um analgésico e antipirético (VIANA, 2019). O paciente não apresentava sinais de dor, tampouco estava febril ao momento do atendimento. Dito isto, a dipirona poderia ter sido descartada do tratamento instituído. Acredita-se que a conduta foi tomada devido à falta de um diagnóstico definitivo no primeiro momento e, posteriormente, foi mantido o uso da dipirona devido à submissão do paciente ao procedimento de colocação de sonda de esofagostomia.

O diagnóstico presuntivo de NIT é baseado no histórico de início agudo dos sinais clínicos previamente mencionados, associado à exclusão de outras causas compatíveis com a sintomatologia (ARIAS, 2015). No entanto, de acordo com Mayhew, Bush e Glass (2002), o diagnóstico definitivo não é possível no ante mortem. Dentre os exames complementares mais utilizados na rotina para auxiliar no diagnóstico, estão o exame radiográfico, que é útil para a exclusão de alterações ósseas (SILVA, 2020), e as análises hematológicas e bioquímicas, que auxiliam para descartar causas infecciosas e identificar lesões teciduais (CURTIS, 2016). Os exames de hemograma e bioquímico do paciente não apresentaram alterações, resultado também encontrado em alguns cães analisados em um estudo retrospectivo (MAYHEW, 2002).

Eletromiografia (EMG) e biópsias musculares podem apoiar o diagnóstico quando realizados sete dias após o início dos sinais clínicos (DEWEY, 2017b). A EMG pode apresentar alterações na forma de potenciais de desnervação (STEFFEN, 2010) e na biópsia muscular de masseter haverá atrofia sem infiltrado inflamatório (ARIAS, 2015).  A análise de líquor, quando possível realizar, pode apresentar pleocitose e elevação leve a moderada na proteína total em casos de NIT (CASTRO, 2020). Os achados relatados em imagens de ressonância magnética nos casos de NIT são bastante limitados, e seu uso principal tem sido para descartar neoplasias em casos de disfunção unilateral ou quando os sinais clínicos progridem (BRASH, 2017). Dada a natureza resolutiva dos sinais clínicos, os exames complementares citados não foram solicitados para o caso acompanhado, assim como raramente são executados na rotina clínica (DEWEY, 2017b), uma vez que são exames invasivos, onerosos ou mesmo pouco acessíveis.

Dentre os principais diagnósticos diferenciais para NIT estão as fraturas mandibulares, corpos estranhos orais e luxação da articulação temporomandibular (CASTRO, 2020) esta última diferindo de NIT principalmente pela presença de dor e dificuldade de fechar a boca com rigidez da musculatura, sem capacidade de fechamento com auxílio manual (SOARES, 2013). Todas essas alterações foram descartadas do caso relatado por meio do exame radiográfico.

Evidências como histórico vacinal e história de exposição devem ser obtidos com cautela, uma vez que a raiva pode se apresentar com um quadro clínico semelhante, contudo, no presente caso, o paciente possuía todas as vacinas em dia e não possuía contactantes. Outro diagnóstico diferencial importante é o de miosite mastigatória (STEFFEN., 2010), um distúrbio neuromuscular inflamatório imunomediado envolvendo os músculos da mastigação (RONDON, 2013). A miosite mastigatória também acomete com maior frequência cães de grande porte e de meia-idade que costumam apresentar sialorréia e atrofia dos músculos da face em sua forma crônica (ARAÚJO, 2017), diferindo da NIT e do caso em discussão, na presença de trismo, ou seja, dificuldade e dor para abrir a boca, e não para fechar, como na neuropatia de trigêmeo (DEWEY, 2017a).

A primeira suspeita clínica para o caso foi de paralisia de laringe que também se trata de uma neuropatia motora idiopática que acomete cães de grande porte e idosos (DEWEY, 2017a). Segundo Dewey (2017b), os sinais clínicos da paralisia laríngea refletem a disfunção das cartilagens aritenóides e pregas vocais e incluem disfonia, ruído inspiratório, angústia respiratória, tosse e engasgo associado à ingestão de alimento, e, ainda há relatos de relação com doença neuromuscular generalizada, podendo levar à atrofia muscular. Dessa forma, paralisia laríngea tornou-se um diagnóstico incompatível com o quadro clínico apresentado pelo paciente do caso relatado.

A NIT é uma doença autolimitante e a literatura diverge em determinar a duração do seu curso, variando de uma (CURTIS, 2016) até nove semanas (STEFFEN, 2010). Não há um tratamento definitivo e a terapia a ser instituída é puramente de suporte, direcionada à ingestão alimentar e hídrica do paciente, podendo esse manejo ser manual ou realizado através de sonda de faringo, gastro ou esofagostomia, até a recuperação (DEWEY, 2017b). No caso apresentado, optou-se pelo posicionamento de uma sonda de esofagostomia, por se tratar de um procedimento pouco invasivo, assim como por possibilitar um manejo alimentar enteral efetivo e acessível para os tutores realizarem durante o período de recuperação do paciente.

Após a remoção inadvertida da sonda de esofagostomia do paciente, foi adicionado ao tratamento medicamentoso Amoxicilina com Clavulanato de potássio, um antibiótico beta-lactâmico de amplo espectro (VIANA, 2019). Essa conduta deve ser questionada e discutida, visto que o ato de remoção da sonda realizada pelo paciente não tornou a ferida contaminada, uma vez que a mesma não apresentava rubor ou secreções. Assim, a administração do antibiótico apenas com finalidade profilática deve ser desconsiderada, uma vez que pode induzir à resistência bacteriana, tema bastante discutido e temido dentro da medicina veterinária (MARIOTINI, 2020).

Dada a suposta etiologia autoimune da afecção, alguns autores defendem o uso de glicocorticóides no início do curso da doença (DEWEY, 2017b), apesar de não mostrar diferença significativa no tempo de remissão da mesma (MAYHEW, 2002). No caso relatado, foram utilizadas doses anti-inflamatórias de glicocorticóide (prednisona) e a remissão da doença se deu dentro de um intervalo de quatro dias após a instituição terapêutica, no entanto, não é possível estabelecer efetivamente a relação entre a remissão da afecção e o uso do anti-inflamatório esteroidal.

Existem terapias adjuvantes alternativas que podem acelerar a remissão do curso de neuropatias como a NIT, sendo uma delas a terapia neural, que visa a autorregulação corporal, atuando diretamente no sistema nervoso através da administração de anestésicos locais em baixas concentrações por diversas vias, a depender do quadro do paciente (GONÇALVES, 2020). Outra terapia alternativa já bastante difundida e com diversos efeitos benéficos a danos nervosos é a acupuntura (DIAS, 2017). A principal vantagem do uso da acupuntura em pacientes com NIT é a rápida remissão da doença, relatada em torno de três dias apenas, com tratamento diário, realizando duas sessões diárias (FOGANHOLLI, 2006).

Assim como ficou evidente com o desfecho do caso relatado, o prognóstico para pacientes com NIT, quando essa não estiver associada a neoplasias e doenças inflamatórias, é favorável (CURTIS, 2016) e recidivas, se existirem, são extremamente excepcionais (MAYHEW, 2010)..

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que a neurite de nervo trigêmeo é a principal causa neurológica nos casos de paralisia de mandíbula, onde o diagnóstico precoce proporciona um prognóstico favorável, como relatado no presente caso. Por se tratar de uma condição autolimitante, questiona-se a eficiência do tratamento instaurado, sendo a terapia de suporte crucial para recuperação do paciente deste relato.

REFERÊNCIAS

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VIANA, F. A. B. Guia Terapêutico Veterinário. 4. ed. Lagoa Santa: Gráfica e Editora CEM, 2019.


1Graduada em Medicina Veterinária Instituição: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI Endereço: Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil E-mail:laurabuenodsouza1@hotmail.com

2Graduado em Medicina Veterinária Aprimoramento em anestesiologia veterinária (UNIJUI) Instituição: Universidade Federal do Piauí (UFPI) Endereço: Atibaia, São Paulo, Brasil E-mail: gabriel.satoru@hotmail.com

3Graduada em Medicina Veterinária Instituição: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI Doutora em Cirurgia Veterinária pela UFSM Endereço: Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil E-mail: gabriele.serafini@unijui.edu.br

4Graduada em Medicina Veterinária Instituição: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI Doutora em Clínica Médica pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) Endereço: Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil E-mail: criatine.beck@unijui.edu.br

5Graduada em Medicina Veterinária Instituição: Universidade Federal do Agreste Pernambucano (UFAPE) Doutora em anestesiologia veterinária pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) Email: dra.fernandahenrique@ufpi.edu.br Endereço: Bom Jesus, Piauí, Brasil

6Graduada em Medicina Veterinária Instituição: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI Aprimoramento em cirurgia veterinária (UNIJUI) Endereço: Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil E-mail: brendasocolhoski17@gmail.com

7Graduado em Medicina Veterinária Médico Veterinário pela UFPI Instituição: Universidade Federal do Piauí – UFPI E-mail: pedrojunior.19@hotmail.com Endereço: Floriano, Piauí, Brasil.

8Graduado em Medicina Veterinária Instituição: Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) Aprimoramento em anestesiologia (UNIJUI) Mestre em clínica médica e cirúrgica (UFSM) Endereço: Santa Maria, Rio grande do Sul, Brasil. Email: vetotavio@gmail.com

9Graduado em Medicina Veterinária Aprimoramento em cirurgia veterinária Instituição: Universidade Federal de Santa Maria – UFSM Endereço: Ijuí, Rio grande do Sul, Brasil. Email: viniciuscadinanos@gmail.com

10Graduada em Medicina Veterinária Instituição: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI Doutora em Cirurgia e Clínica Veterinária pela UFSM Endereço: Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil E-mail: marcella.linhares@unijui.edu.br