REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7348987
Thiago de Castro Novais Leal1
RESUMO: O presente estudo tem o intuito de abordar o serviço de streaming titulado Netflix, qual sua relação com os serviços tradicionais, sua ruptura frente a esses serviços, e seus impactos no âmbito concorrencial e econômico. Dessa forma, há uma comparação entre os produtos com intento de caracterizar as peculiaridades de cada, e desmistificar a ideia de que para evitar abusos concorrência se deve regular o serviço disruptivo ao contrário de mitigar as amarras regulatórias tradicionais. Pretende-se, portanto, realizar uma análise da inovação disruptiva e seu impacto econômico e jurídico no mercado de serviço de acesso condicionado, assim como suas consequências jurídicas.
PALAVRAS-CHAVE: Netflix. Inovação Disruptiva. Serviços de Acesso Condicionado. TV por assinatura. Direito Digital. Análise Econômica do Direito.
INTRODUÇÃO
A inserção das novas tecnologias foi responsável por instituir uma quebra de paradigma nos serviços tradicionais ofertados aos consumidores, sendo, portanto, o que se caracteriza como inovação disruptiva.
Esse tipo de tecnologia se utiliza do mercado e se adapta a ele, e por meio da inovação aplicada a prestação de serviço já existente, se insere no mercado mediante soluções simplistas que qualificam esse produto frente aqueles ofertados pelos setores tradicionais.
Essa relação entre inovação disruptiva e mercado pode ser bem compreendida conforme as palavras Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas:
Vivemos o desafio da chamada “inovação disruptiva”, em que novas tecnologias rompem com o modo de se prestar e oferecer um serviço pressionando e contestando a liderança das denominadas empresas líderes.1
Isto posto, nas palavras de Clayon M. Chistensen e Michael E. Raynor, a introdução dessa nova tecnologia abre portas para que as iniciativas disruptivas possam passar a frente das empresas líderes no mercado, aquelas já consolidadas em seus setores.2
Fruto dessa revolução, empresas consolidadas no mercado, ameaçadas com a nova tendência, ao contrário de investirem na qualidade dos produtos ou reduzirem o preço em busca de equiparação no mercado, tendem a pleitear pela regulação desses serviços, buscando enquadrar essas inovações as mesmas regras constantes dos serviços tradicionais.
Dessa problemática havendo como cerne os serviços de acesso condicionado – termo técnico para conceituar TV por assinatura – em cotejo com o serviço de streaming Netflix, tem havido um constante debate concorrencial especialmente em relação as particularidades do serviço.
Devido a facilidade de disponibilização de conteúdo, podendo ser acessado de qualquer lugar, por diversas plataformas, bastando para isso conexão com a internet, a Netflix tem causado um impacto relevante no mercado tradicional de serviços de acesso condicionado. Estes, devem se submeter a lei 12.482/2011 incidindo diversos regramentos para funcionamento, ao passo que a Netflix até então não sofre nenhum tipo de limitação.
Assim, faz-se mister entender no que consiste essa inovação disruptiva frente aos serviços tradicionais. Portanto, esse trabalho tem o cunho de enquadrar os dois segmentos de modo a saber as peculiaridades de cada caso, bem como sua relação com a concorrência.
1. MERCADO TRADICIONAL: SERVIÇOS DE ACESSO CONDICIONADO
Conforme art. 2, inciso XXIII da Lei 12.485/11, lei dos serviços de acesso condicionado, esses podem ser entendidos como:
[…] serviço de telecomunicações de interesse coletivo, prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinado à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais de programação nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e de canais de programação de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer.
Os serviços de Comunicação Audiovisual de acesso condicionado não podem ser confundidos aos serviços de radiofusão sonora e de sons e imagens. Estes são destinados à recepção direta e livre pelo público não sendo condicionados ao pagamento de assinatura (Art. 6, inciso IV, d, da Lei 4.117/62). Aquele, portanto é submetido a um regime privado de autorização administrativa, e mediante contratação remunerada distribui conteúdos audiovisuais em pacotes, podendo ser considerado uma espécie do gênero audiovisual. De todo modo, insta ressaltar que por expressa definição constitucional os serviços de radiofusão sonora, e de sons e imagens se enquadram na categoria de serviço público em que compete a União, explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão (Art. 21, inciso XII, a, CF/88).
Serviço de acesso condicionado é popularmente conhecido como Televisão por Assinatura que se utilizam das operadoras de TV por Assinatura para empacotar e distribuir o serviço. O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica – já teve a oportunidade de conceituar Televisão por Assinatura:
O segmento Televisão por Assinatura pode ser definido pelo conjunto de atividades e agentes econômicos necessários à prestação do serviço de oferta de conteúdos audiovisuais em múltiplos canais de programação, cada qual com grades horárias específicas (programação linear), com linha editorial própria, mediante subscrição. 3
Insta ressaltar ainda como se dá a cadeia de valor dos Serviços de Acesso condicionado, para fins de comparação futura com a cadeia de valor da Netlix (e, consequentemente, VoD):
Feita essa consideração, faz-se mister determinar alguns aspectos relevantes das empresas prestadoras de serviços de acesso condicionado.
a) Canal de programação
Relevante ponto para compreensão do funcionamento da Televisão por Assinatura, diz respeito à programação. Conforme o art. 2, inc XX, da Lei 12.485/11, programação é a atividade de seleção, organização ou formatação de conteúdos audiovisuais apresentados na forma de canais de programação, inclusive nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado.
É dizer, a programação consiste na seleção e formatação dos conteúdos audiovisuais, produzidos na forma de canais, organizados por grupos temáticos em uma grade horária particular conforme a estratégia editorial4.
Salienta-se, ainda, que consoante o regulamento do serviço de acesso condicionado, canal de programação diz respeito ao resultado da atividade de programação que consiste no arranjo de conteúdos audiovisuais organizados em sequência linear temporal com honorários predeterminados5.
Dos mencionados dispositivos extrai-se que um dos requisitos aos quais os canais de TV por assinatura devem ter, é a presença da grade horária da programação, em que estes se prestam a transmitir o conteúdo a partir de um horário determinado mediante uma organização predeterminada.
Outrossim, esse ponto é determinante para distinguir os serviços prestados pelas operadoras de TV por assinatura e os serviços em vídeo, em especial atenção à Netflix. Pois esta não precisa estar vinculada a um programação determinada, a um horário específico, muito pelo contrário, o assinante tem a opção de assistir qualquer programa que desejar a qualquer horário possível.
b) Empacotamento
Conforme a linha da cadeia de valor6 a segunda atividade propriamente das prestadoras de TV por assinatura consiste no empacotamento. Esta atuação pode ser devidamente entendida como:
A atividade de empacotamento, por sua vez, envolve a negociação do licenciamento dos direitos de transmissão dos canais com as distintas programadoras e seus representantes, no Brasil e no exterior. Também constitui uma atividade de natureza editorial, já que se ocupa da organização dos canais de programação em diferentes tipos de pacotes que serão comercializados aos assinantes. Portanto, o produto resultante desta atividade é o pacote, que pode ser definido como conjunto de canais ofertados ao assinante pelo provedor de serviços de TV por Assinatura. A composição dos pacotes é relevante para a relação entre programadoras e operadoras de TV, já que a inserção de um canal em determinado pacote define o número de assinantes que terá acesso ao canal.7
Do empacotamento forma-se, então, os pacotes. Estes podem ser desdobrados de várias maneiras, conforme a preferência e disposição do consumidor. Dessa forma, as operadoras oferecem diversas espécies de pacotes de canais, que variam dos mais básicos, pacotes de entrada até pacotes premium.
Isto posto, é do interesse da programadora estar em um pacote de maior alcance de números de assinantes, pois o preço cobrado é relacionado à quantidade de assinantes do canal. Ressalta-se, ainda, que o número de assinantes de um canal também traz efeitos relativos à publicidade conforme exposto no trecho a seguir:
(…) o mercado de programação pode ser considerado um mercado de dois lados, pois atende tanto aos assinantes de TV por Assinatura quanto anunciantes que desejam usar os espaços dos canais para veicular sua publicidade. Dessa forma, quanto maior o número de assinantes de determinado canal, maior será a atratividade do canal para publicidade e, portanto, maior será sua receita com anunciantes. Dessa forma, geralmente, a programadora prefere que seus canais estejam no pacote básico, em que é distribuído para toda (ou boa parte) da base de assinantes da operadora.8
c) Oferta de serviços de televisão e serviços de telecomunicações
As prestadoras de SeAC comumente ofertam além dos serviços televisivos, outros produtos a exemplo de telecomunicações, como acesso à internet ou telefonia. É o que dispõem o art. 75 do Regulamento dos serviços de acesso condicionado:
Art. 75. As prestadoras do SeAC podem promover Oferta Conjunta de Serviços de Telecomunicações, em conformidade com a regulamentação vigente, respeitadas as condições específicas de cada serviço de telecomunicações integrante da oferta.9
Dessa forma, cabe ao distribuidor a responsabilidade de atender ao assinante, emitir faturas, instalar e ofertar manutenção dos dispositivos sempre que o consumidor requerer.
d) Canais de programação de distribuição obrigatória
A incidência regulatória da Lei da comunicação audiovisual determina que certos canais devem ser disponíveis sem nenhum custo adicional para seus assinantes. Isto posto, não há de se falar em distribuição obrigatória se não há uma grade de programação, como ocorre nos serviços de streaming.
2. DISRUPÇÃO DA NETFLIX NO MERCADO TRADICIONAL
A Netflix, em um primeiro momento, foi idealizada para ser uma locadora de vídeos em que se utilizava do serviço postal para entrega dos produtos em vídeo aos consumidores. Posteriormente, mediante uma taxa mensal, o usuário teria acesso a locação dispondo de um conteúdo ilimitado do acervo.10
Foi em 2007 com o avanço da internet, a Netflix iniciou o serviço de transmissão online permitindo que os assinantes pudessem assistir filmes e séries instantaneamente por meio de VoD – vídeo on demand11– bastando para isso que o consumidor tenha acesso à internet.
Conforme parecer técnico do CADE, o segmento VoD pode ser definido pelo conjunto de atividades e agentes econômicos necessários à prestação do serviço de oferta avulsa de conteúdos audiovisuais organizados em catálogos (programação não-linear), para acesso em horário de livre escolha do consumidor.12
A sua principal característica é ofertar conteúdos audiovisuais possibilitando ao usuário assistir o vídeo de sua preferência com base em catálogo disponível. Dessa forma consiste em um serviço de acesso a conteúdos audiovisuais denominado como “não linear”.13
No que tange à Netflix, especificamente, para o diretor do Cubo Network, Flavio Pripas, a disrupção desta ocorreu por um processo de três fases. A primeira diz respeito ao serviço de entrega de DVDs na casa dos clientes, o que contribuiu, de certa forma, para queda da líder do segmento, Blockbuster, e aumento exponencial do Market share da Netflix; a segunda fase se deu com a implementação do streaming, com base na percepção de que os consumidores adotaram largamente a prática de consumo de vídeos pela internet; e a última etapa, mais recente, se deu com a produção de conteúdo próprio, tendo a empresa mapeado os usuários com dados demográficos, tais quais idade e gênero, criando séries próprias para cada público. É dizer que a empresa segmentou o conteúdo com base nos grupos de perfis mais atrativos.14
A disrupção da Netflix se deu, portanto, com a aquisição de Market share – sendo compreendido como a participação de uma empresa no mercado inserido –, a observância dos costumes do seu público alvo, e a adaptação do conteúdo para diversos segmentos demográficos, com o objetivo de manter seus atuais clientes e captar novos de perfis diferentes.
Isto posto, nota-se que a aquisição de Market share se deu em uma fase embrionária, pois a partir da segunda etapa do processo de disrupção a Netflix criou um novo mercado, em que ela matinha um monopólio natural, porquanto não houve concorrentes por um lapso temporal considerável, contribuindo para a capilarização da empresa.
Dessa forma, com a facilidade de permitir acesso ilimitado do conteúdo aos seus assinantes, a Netflix ocasionou um impacto relevante no mercado. Nos Estados Unidos, por exemplo, em estudo realizado pela Forrester Research, citado pelo Wall Street Journal, 18% dos americanos deixaram de contratar serviços ofertados pelas empresas de TV a cabo para contratar os serviços prestados por essa empresa.15
Vale a pena ressaltar como se dá a cadeia da valor na Netflix, conforme o gráfico abaixo:
Diferenças claras entre a cadeia de valor do VoD e do Serviços de Acesso Conficionado se dá, principalmente, na atuação desse serviço na produção e provimento do produto, ou seja, quando a empresa efetivamente passa a trabalhar e distribuir tal produto.
Além disso, a inovação do serviço acaba por trazer à tona, ainda, o debate sobre o consumo de conteúdo tradicional próprio de uma grade de programação, em que o programador escolhe o que será exibido bem como o seu horário. A Netflix permite que o indivíduo seja livre para tomar suas escolhas, tendência que vem agradando ao público.
Para Juliana Kulesza e Ulysses de Santi Bibbo a Netflix e seu modelo de negócios, além de ser um modelo de inovação disruptiva é responsável pela movimentação do ciclo de Tim Wu que consiste em:
O Ciclo é impulsionado por inovações disruptiva que destronam indústrias até então vicejantes, levam poderes dominantes à falência e mudam o mundo. Essas inovações são extremamente raras, mas são elas que fazem o ciclo se mover.16
Um dos grandes méritos da Netflix e marco para a terceira fase da disrupção, consiste na produção de um conteúdo original juntamente com a mudança no modelo de distribuição de conteúdo audiovisual. Enquanto os serviços tradicionais estão condicionados a um horário determinado para exibição do conteúdo, o assinante do serviço de streaming em questão pode simplesmente assistir todo conteúdo de uma só vez, pois a plataforma disponibiliza todos os episódios de uma série sem ter de transmitir semanalmente.
Dessa forma, lançar todos os episódios de uma vez foi determinante para alimentar um fenômeno que ajudou a criar o bing watching – assistir até se entupir –. O jornal The Los Angeles Times defini esse fato como:
Qualquer instância na qual mais de três episódios de uma série dramática de uma hora de duração ou seis episódios de uma série cômica de meia hora de duração são consumidos de uma única vez, através de DVDs ou serviços de streaming online.17
O professor José Leon Crochík, do Instituto de Psicologia da USP, afirma que a chave para entender este comportamento é a ansiedade:
Estamos ansiosos para concluir o que começamos. O prazer, a atenção e a compreensão do que fazemos ou assistimos diminui. Isso se aproxima de compulsão: uma atividade que se repete infindavelmente e cujo sentido é a própria repetição.18
Assim, disponibilizar séries inteiras online de uma só vez não mudou apenas o comportamento do público com relação ao seu consumo, abriu também novas possibilidades para os produtores de TV. No caso de Arrested Development cada episódio é focado em um personagem diferente, uma abordagem que talvez frustrasse os telespectadores que estivessem assistindo a um novo episódio a cada semana.19
Isto posto, permitir que o assinante possa se debruçar integralmente em determinado conteúdo audiovisual sem aguardar o lançamento periódico do vídeo, tem fomentado o crescimento desse tipo de serviço, bem como tem o condão de quebrar a equiparação dos serviços tradicionais de TV por assinatura para as plataformas de streaming.
Juntamente com a opção de assistir qualquer conteúdo do acervo de uma vez só, o maior atrativo da plataforma consiste na produção original do conteúdo o qual agrada mais que o restante do catálogo, não obstante ser ponto determinante para a disrupção frente aos serviços tradicionais.
Em pesquisa realizada com base na classificação em estrelas de todos os filmes, séries e documentários disponíveis no serviço, separando os originais dos licenciados, o conteúdo da própria Netflix obtém em média uma classificação 11% melhor. A nota média da sua produção é 3,85 estrelas, enquanto nos outros conteúdos está em torno de 3,47 é o que pode ser extraído do gráfico abaixo:
Gráfico – Avaliação dos conteúdos da Netflix por categoria.
Fonte: allflicks.net – People Like Netflix’s Original Content More Than Its Other Content.20
Por consequinte a capacidade de produzir seu próprio conteúdo, o qual será ofertado somente para aqueles que assinam o serviço, mediante critérios demográficos de modo a apurar a o perfil do cliente, tem o condão de agradar mais que os demais serviços audiovisuais licenciados por outras produtoras.
3. NETFLIX X TV POR ASSINATURA: IMPACTO NA CONCORRÊNCIA
A concorrência é um atributo do mercado, determinante para que este seja competitivo. Assim, o princípio da livre concorrência estabelece que o Estado deve proteger uma ordem econômica permitindo a entrada de quantos agentes econômicos possíveis permitindo a oportunidades iguais para todos.
Nessa perspectiva a livre concorrência é a garantia de oportunidades iguais para todos os agentes, é o que enuncia Tércio Sampaio Ferraz Jr:
[…] a livre concorrência de que fala a atual Constituição, como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, IV), não é a do mercado concorrencial oitocentista de estrutura atomística e fluída, isto é, exigência estrita de pluralidade de agentes e influência isolada e dominadora de um ou uns sobre outros. Trata-se, modernamente, de um processo comportamental competitivo que admite gradações tanto de pluralidade quanto de fluidez. É esse elemento comportamental – a competitividade – que define a livre concorrência. A competitividade exige, por sua vez, descentralização de coordenação como base de formação dos preços, o que supõe livre-iniciativa e apropriação privada dos bens de produção. Nesse sentido, a livre concorrência é a forma de tutela do consumidor, na medida em que a competitividade induz a uma distribuição de recursos a mais baixo preço. Do ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais para todos os agentes, ou seja, é uma forma de desconcentração de poder. Por fim, de um ângulo social a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos, como garantias de uma sociedade mais equilibrada.21
Deste modo, em um tempo de inovações disruptivas muito se questiona se essas tem o condão para dominar o mercado mediante a imposição de um regime diferenciado dos serviços tradicionais. No entanto, é necessário levar em consideração diferenças relevantes entre um serviço e outro.
Ora, o assunto é de extrema relevância para a atualidade, pois, cada vez mais os serviços de VoD possuem mais assinantes e os serviços de acesso condicionado veem perdendo capital dos clientes.
Nesse âmbito, ainda que as prestadoras de TV por assinatura pleiteiem a regulação ao contrário de melhorar o seu produto, é difícil enquadrar empresas como Netflix – OTTs que se utilizam do vídeo on demand – aos serviços prestados pelos canais de assinatura.
Nessa perspectiva, Ericson Scorcim entende que o legislador ao tratar da lei da TV por assinatura entendeu que o objetivo estaria em regular serviços de distribuição de audiovisual executados mediante canais de regulação é o que se entendo do trecho abaixo:
Resta saber da aplicabilidade da Lei 12.485/2011 aos serviços de distribuição de conteúdo audiovisual em plataformas via internet. Ao que parece, o objetivo do legislador é regular os serviços de distribuição de conteúdo audiovisual executados mediante canais de programação, de venda avulsa de programação ou de vídeo por demanda programado. A finalidade legal é disciplinar os serviços de distribuição baseados em canais de programação.
Diferentemente, os serviços de distribuição de vídeos online não se confundem com os serviços de distribuição de canais de programação. Assemelham-se mais aos serviços de uma locadora virtual. Assim, neste caso não há propriamente apresentação de conteúdo audiovisual sob a forma de canais de programação, razão pela qual, a princípio, os mesmos não estariam enquadrados na lei em análise.22
Para além deste ponto, incorpora-se à argumentação de que os serviços de streaming não são possuem as mesmas características daqueles prestados pelas operadoras TV, quando se analisa sob o prisma da grade horária, pois estes por expressa disposição legal dependem de uma atividade ordenada e em sequência temporal de acordo as palavras de Ericson Scorcim:
Além disto, tais serviços de distribuição de vídeo pela plataforma internet não configuram propriamente serviço de televisão por assinatura, eis que estes pressupõem uma atividade ordenada e em sequência temporal de programas de televisão. O fato de ser cobrada uma assinatura pelos serviços também é irrelevante. Daí porque, a princípio, a lei não deve alcançar esta espécie de serviço de distribuição de obras audiovisuais.23
Esse debate ainda que não tenha sido objeto principal do parecer do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, foi abordado para fins de análise da operação do ato de concentração entre AT&T Inc. e Time Warner Inc. Na ocasião foi reforçado a distinção entre o modelo de negócio de TV por Assinatura e VoD obtido em sede de instrução por meio do relato da própria Netflix conforme exposto a seguir:
[…] Ao contrário de uma transmissora ou rede de televisão tradicional, a Netflix não depende de anúncios para obter receita. A Netflix não busca conteúdo que atrairá a maior audiência em determinado período. Desta forma, a base de assinantes da Netflix não é relevante para várias negociações de contrato, já que a Netflix pode obter valores para o conteúdo baseados na sua audiência prevista, valor de mercado e/ou em uma série de outros fatores, todos relacionados à sua capacidade de entreter nossos usuários e mantê-los como assinantes.24
Dessa forma, nota-se, portanto, que a cadeia de valor da Netflix é distinta dos serviços de acesso condicionado. Pois estes dependem de anúncios, quantidade de assinantes para formação de audiência, funcionando desse modo mediante uma lógica de lucro contrária a Netflix.
Outrossim, tal diferença não é condição para cogitar que a Netflix é motivo para compreender a viabilidade dos serviços tradicionais, o ideal para a concorrência nas palavras de Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas é que a regulação das atividades tradicionais deverá ser ajustada instituindo uma assimetria regulatória que calibre as variáveis que deverão ser reguladas;
A regulação dessas atividades deverá ser ajustada ou, mais tecnicamente, deverá ser instituída uma assimetria regulatória que calibre as variáveis que deverão ser ajustada ou, mais tecnicamente, deverá ser instituída uma assimetria regulatória que calibre as variáveis que deverão ser reguladas (especialmente de “qualidade) nas atividades exercidas pela Netflix, pelas concessionárias de radiofusão e pelos exploradores do SeAC, de tal modo que as referidas atividades não sejam excludentes entre si. Não se trata de matéria desconhecida da regulação em Telecom, que vem interditando que novos entrantes causam prejuízos aos agentes estabelecidos. A resolução desse conflito passará pelo estabelecimento de uma adequada assimetria regulatória entre os referidos prestadores, e não pela crença de que haveria um jurídico-administrativo que interditaria a prestação concorrencial no âmbito da regulação dos serviços públicos.25
Nesse sentido é possível se extrair que os serviços não são excludentes entre si, mas que as regras excessivas impostas aos serviços de acesso condicionado é o motivo para a sensação de concorrência desleal, ainda que os serviços sejam diversos.
O verdadeiro embate concorrencial nesse caso consiste nas restrições impostas aos serviços tradicionais forçando o setor a estagnação temporal frente a uma plataforma dinâmica e constantemente premiada por sua produção. Para Carlos Ragazzo o ideal não seria a imposição de novas restrições para equiparar o mercado, mas sim a abertura de novas possibilidades para que as empresas de TV por assinatura possam se reinventar e para que o consumidor possa desfrutar de todo potencial da inovação tecnológica.26
Isto posto, nas palavras de Celso R. Bastos um mercado pautado pela livre concorrência pressupõe a existência de diversos prestadores de serviço e que por meio da livre concorrência que se melhoram as condições de competitividade das empresas, forçando-as a um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos seus custos, enfim, na procura constante de criação de condições mais favoráveis ao consumidor.27
Conforme essa perspectiva, é mais válido para a devida manutenção de um mercado competitivo a liberdade de produção, às amarras regulatórias.
4. Conclusão
O pleito das empresas prestadoras dos serviços tradicionais encontra fundamento na igualdade dos serviços prestados entre ambos. Ante a ausência de regulação dos serviços de streaming, em especial atenção a Netflix, grandes empresas líderes do mercado se sentem ameaçadas frente ao crescimento exponencial dessa inovação disruptiva.
Os méritos da evolução se deve a disrupção frente ao usual, e que por meio da criatividade aliada ao avanço tecnológico, se fornece um produto mais atraente e inovador de modo a quebrar paradigmas.
Isto posto, salienta-se que os tipos de serviços, os prestados pelas operadoras de TV por assinatura, bem como as plataformas de streaming, são distintos. É dizer, enquanto este dispõe de um catálogo fixado em uma plataforma on demand, podendo ser acessado a qualquer horário e a qualquer tempo a critério do assinante, aquele por expressa disposição legal carece de uma grade de programação com horário determinado para exposição do conteúdo em audivisual.
Dessa forma, há de se ressaltar a distinção entre os serviços.
Ademais, o embate concorrencial que se impõem ao caso é fruto do dinamismo da Netflix frente à vínculos regulatórios dos serviços tradicionais. Diante um produto moderno, as imposições condicionadas as operadoras de TV por assinatura ocasiona a sensação de estaganção no tempo.
O ideal para a melhor concorrência, ainda que sejam serviços opostos, seria possibilitar que as empresas fornecedoras de televisão por assinatura possam se atualizar, utilizando da inovação tecnológica para fornecer um produto melhor ao consumidor e desse modo sem restringir a inovação disruptiva corroborar para um mercado competitivo, pautado na livre concorrência, em que somente o consumidor tende a ganhar.
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2 CHRISTENSEN, C. M.; RAYNOR,M E. Innovator´s Solution. Creating and Sustaining Successful. Boston, MA: Harvard Business School Press, 2003.
3 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Parecer n. 05/2017/CGAA4/SGA1/SG/CADE. Disponível em: < http://bit.ly/2jxi7xb>. Acesso em 19 junho. 2018.
4 BRASIL. Agência Nacional do Cinema (Ancine). Nota Técnica n. 03/2017. Disponível em: http://www.telesintese.com.br/wp-content/uploads/2017/05/Nota-tecnica-Ancine-ATT-TimeWarner.pdf. Acesso em: 19 junho. 2018
5 Art. 2º, inciso IV da Lei 12.485 de 2011.
6 De acordo com Porter, uma empresa tem uma série de processos inter-relacionados denominados cadeia de valor. Assim, para se compreender a empresa é necessária a efetiva compreensão das relações entre os processos que a compõem, e também reconhecer que uma empresa deve ser vista dentro do contexto de uma cadeia global de atividades, em que é gerado o valor. Conforme pode ser verificar em: <ead2.fgv.br/ls5/centro_rec/docs/cadeia_valor.doc>. Acesso em: 19 junho. 2018
7 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Parecer n. 05/2017/CGAA4/SGA1/SG/CADE. Disponível em: < http://bit.ly/2jxi7xb>. Acesso em 19 junho. 2018
8 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Parecer n. 05/2017/CGAA4/SGA1/SG/CADE. Disponível em: < http://bit.ly/2jxi7xb>. Acesso em 19 junho. 2018
9 Art. 75, Resolução 581, de 26 de Março de 2012.
10 História da Netflix. Uma breve história da empresa que revolucionou a maneira de assistir filmes e séries. Disponível em: <https://media.netflix.com/pt_br/about-netflix>. Acesso em 19 junho. 2018
11 CADE.Op cit., p. 18. Salienta-se que não se pode confundir VoD com os chamados serviços over-the-top, ou OTTs. Os OTTs se referem a produtos ou serviços que se valem da estrutura de transmissão da internet (fixa ou móvel) para distribuição. Assim, VoDs podem ser um tipo de OTT já que podem se valer da internet como estrutura de distribuição. No entanto, nem todo VoD é um OTT, uma vez que também pode ser distribuído por meio de redes fechadas, que se valem de outras tecnologias para distribuição como, por exemplo, as próprias redes de TV por assinatura.
12 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Parecer n. 05/2017/CGAA4/SGA1/SG/CADE. Disponível em: < http://bit.ly/2jxi7xb>. Acesso em 19 junho. 2018.
13 Ibid.
14 GUILHERME, Borini. 3 Disrupções da Netflix para inspirar projetos inovadores, Brasil, 2 fev. 2017. Disponível em: https://itforum365.com.br/especiais/campus-party-2017/netflix-inovadores. Acesso em 19 junho. 2018
15 HEISLER, Yoni. The Netflix Effect: Fewer Viewers Are Opting To Sign Up For Cable In The First Place. Disponível em: <http://bgr.com/2015/10/08/cable-tv-vs-netflix-cord-cutting/>. Acesso em: 21 de junho 2018.
16 WU, T. Impérios da Comunicação. Do Telefone à internet, da AT&T ao Google, Editora Zahar, 2010, p 29.
17 THE HARVARD CRIMSON, 2013. Disponível em: http://www.thecrimson.com/article/2013/1/30/Harvard-binge-Netflix/
18 ISABELLE, Moreira. TV sob demanda e internet mudam atitudes do espectador, que está mais ansioso e viciado. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/09/1346222-tv-sob-demanda-e-internet-mudam-atitudes-do-espectador-que-esta-mais-ansioso-e-viciado.shtml. Acesso em: 19 junho. 2018.
19 JULIANA, Kulesza. ULYSSES, Bibbo. A televisão e seu tempo: Netflix inova com produção de conteúdo para o público assistir como e quando achar melhor, mesmo que seja tudo de um vez. Artigo Netflix. Disponível em: <http://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/17352/material/artigo%20netflix.pdf>. Acesso em 19 junho. 2018.
20 LOVELY, Stephen. People Like Netflix’s Original Content More Than Its Other Content. Disponível em: <https://www.allflicks.net/people-like-netflixs-original-content-more-than-its-other-content/>. acesso em 13 junho. 2018.
21 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação crítica). 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais 1991. p. 230-231.
22 SCORSIM, Eric Meister. TV por Assinatura – Serviço de acesso condicionado – Lei da Comunicação Audiovisual. Disponível em: < http://meisterscorsim.com/tv-por-assinatura-servico-de-acesso-condicionado-lei-da-comunicacao-audiovisual/> Acesso em 24 junho. 2018.
23 Ibid.
24 BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Parecer n. 05/2017/CGAA4/SGA1/SG/CADE. Disponível em: < http://bit.ly/2jxi7xb>. Acesso em 15 junho. 2018.
25 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; FREITAS, Rafael Véras de. Uber, Whatsapp, Netflix; os novos quadrantes da publicatio e da assimetria regulatória. Regulação e Novas Tecnologias. Belo Horizonte. Editora Fórum, 2017. P.93
26 RAGAZZO, Carlos. A Netflix e o destino da TV por assinatura. Brasil. 9. junho. 2018. Disponível em: https://jota.info/artigos/a-netflix-e-o-destino-da-tv-por-assinatura-09102017. Acesso em: 19 junho. 2018.
27 BASTOS, Celso Ribeiro e SILVA MARTINS, Ives Granda. Comentários à Constituição do Brasil, vol 7, São Paulo: Saraiva, 1990. P.25-26.
1 Graduado em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Pós-graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil. Analista do Ministério Público da União