REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11593488
Érica da Silva Melo1; Izabelle Pureza Pantoja2; Jamilson Batista Aksacki Júnior3; Sabrina Rodrigues Lobato4; Jhon Wender Ferreira de Souza5
Resumo
Este artigo objetiva compreender a perda da memória nos jovens como mecanismo de defesa para lidar com o luto sob uma perspectiva psicanalítica. Utilizou-se a pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo para levantamento de dados pertinentes sobre a temática. Apresentou-se os conceitos de memória e luto e suas possíveis implicações a partir de uma ótica psicanalítica. Também buscou-se entender a relação entre a perda de memória diante do luto e o processo de ressignificação dos jovens enlutados, enfatizando o mecanismo de defesa proposto pela psicanálise e por fim apresentou-se a abordagem psicanalítica como mecanismo de compreensão da perda da memória diante do luto e como sugestão significativa para manejo clínico. Os resultados alcançados mostram que há relação entre o processo de luto em jovens e a perda de memória, demonstrando assim como mecanismos de defesa atuam para proteger o indivíduo do sofrimento intenso associado à perda. A pesquisa destacou a complexidade do funcionamento da memória na psicanálise, diferenciando-se das abordagens cognitivas e fisiológicas tradicionais, e enfatizou a memória como um processo dinâmico e subjetivo.
Palavras-chave: Jovens. Luto. Memória. Mecanismo de Defesa. Psicanálise.
Abstract
This article aims to understand memory loss in young people as a defense mechanism to deal with grief from a psychoanalytic perspective. Qualitative bibliographical research was used to collect pertinent data on the topic. The concepts of memory and mourning and their possible implications were presented from a psychoanalytic perspective. We also sought to understand the relationship between memory loss in the face of grief and the process of resignification of bereaved young people, emphasizing the defense mechanism proposed by psychoanalysis and finally, the psychoanalytic approach was presented as a mechanism for understanding memory loss in the face of of grief and as a significant suggestion for clinical management. The results achieved show that there is a relationship between the grieving process in young people and memory loss, thus demonstrating how defense mechanisms act to protect the individual from the intense suffering associated with loss. The research highlighted the complexity of memory functioning in psychoanalysis, differentiating itself from traditional cognitive and physiological approaches, and emphasized memory as a dynamic and subjective process.
Keywords: Young people. Grief. Memory. Defense Mechanism. Psychoanalysis.
Introdução
Na abordagem psicanalítica, o luto contribui significativamente para a perda de memória em jovens, visto que diante de uma situação de estresse o jovem enlutado segundo o levantamento bibliográfico realizado, pode ter perda de memória recente, de curto ou longo prazo, que são ocasionadas por situações outrora vividas com o falecido. Nesse viés, Gonçalves apud Freud (1913) diz que o luto tem como função desassociar lembranças, memórias e esperanças do enlutado ao finado. Nesse sentido, veremos que a memória para a psicanálise não se refere a uma mera concentração de eventos armazenados na mente, que podem ser acessados quando necessários, mas trata-se de um fenômeno com uma complexidade maior, pois envolve processos dinâmicos e inconscientes que moldam a experiência subjetiva e a relação com o passado de cada indivíduo.
Já o luto para a abordagem psicanalítica, de acordo com a pesquisa, é uma reação relacionada à perda de algo com grande valor subjetivo, e não necessariamente a perda de uma pessoa amada. Em seguida, abordaremos também, que o processo do luto possui alguns estágios de mecanismos de defesa, que são: negação; raiva; barganha; depressão e aceitação, estágios esses que são imprescindíveis para a elaboração do luto e ocorrem de maneira única em cada indivíduo.
Dentre os mecanismos de defesa, destacaremos apenas os que possuem maior relação com a perda de memória em jovens enlutados, que são o “Recalque e a Negação”. Portanto, o recalque é um processo inconsciente que impede que impulsos ameaçadores, desejos, pensamentos e sentimentos dolorosos cheguem à consciência. Já a negação, é um mecanismo de defesa que nega a realidade exterior e a substitui por outra que não existe. Desta forma, o manejo clínico, sob a perspectiva da abordagem psicanalítica, busca compreender basicamente os processos emocionais dos jovens que estão enfrentando o processo do luto.
Buscando trazer uma nova contribuição para a compreensão de como a bibliografia psicanalítica que aborda a relação entre a defesa psíquica e a perda de memória durante o processo do luto em jovens. Contudo, buscamos levantar a seguinte questão. Quais são as implicações dos mecanismos de defesa na perda de memória em jovens enlutados?
Referencial Teórico
Conceituando Memória
A palavra memória é originária do grego “mnemis” ou do latim “memória” e nos dois casos refere-se à conservação de uma lembrança. Comumente em diversas literaturas de psicologia encontramos o termo memória relacionado aos variados processos e estruturas envolvidas no armazenamento e recepção de experiências e informações, ou seja, com enfoque estritamente na aprendizagem.
É pertinente enfatizar que memória é considerada com um termo bastante complexo que segundo Davidoff (2011, p. 205), possui “50 modelos explicativos diferentes […] e todo sistema de memória requer três procedimentos: codificação, armazenamento e recuperação”, ou seja, observa-se a memória associada diretamente aos aspectos cognitivo e fisiológico. Porém o presente artigo traz a memória de um aspecto mais psicológico especificamente sob a ótica da psicanálise.
Memória para Psicanálise
Em psicanálise, memória não se trata de acumulação de acontecimentos armazenados na mente, que podem ser revistos quando necessário, mas sim de algo muito mais complexo que aponta para outras direções que Freud postula em vários de seus estudos. Segundo Coutinho (2013, p. 65) “memória em Psicanálise, portanto, não é algo estático, e sim dinâmico […] é movimento, implicado em associações e relações numa combinação móvel e constante”. Nesse sentido apontaremos a colaboração de três autores das inúmeras possibilidades a respeito da memória em psicanálise.
Ainda segundo os estudos de Coutinho (2013) a memória para Freud está pautada nos diferentes arranjos das vias associativas, ou seja, na diferença, fugindo da mera reprodução por semelhança no que diz respeito à realidade. Nesse sentido a memória da diferença corresponde a primeira memória, diferindo de si mesma, ou seja, como memória do princípio de constituição do aparelho psíquico, por isso a diferença, por não podermos compará-la com algo pré-estabelecido.
Coutinho (2013, p. 65) afirma que “memória é movimento e implica em associações e relações numa combinação móvel e constante […] trata-se de memória de duração, que persiste e insiste continuamente, nunca a mesma”, portanto vemos uma memória pautada na subjetividade de cada indivíduo e que por isso é mutável, estando em constante modificação.
A concepção de memória em psicanálise para Martins de Azevedo (2023, p. 59) aconteceu em três momentos importantes, que originaram três conceitos primordiais: memória-lembrança; memória-reconstrução e memória-integração. O primeiro momento corresponde a grande influência das ciências naturais, que segundo ele representa a passagem do modelo neuropsicológico para o psicanalítico a partir da “descoberta do traço mnésico e de uma teoria econômica”, que corresponde ao conceito de “memória-lembrança”.
O segundo momento histórico também apontado pelo autor trata-se do resultado dos estudos sobre histeria onde fora realizada a “descoberta da fantasia e do abandono da teoria do trauma, das lembranças encobridoras e de amnésia infantil” que corresponde ao conceito de memória-reconstrução. O terreiro é último acontecimento está relacionado ao conceito de memória-integração enfatiza a “descoberta da precocidade psíquica presente desde o nascimento, da identificação projetiva, da fantasia inconsciente e do realismo que a caracteriza”.
Martins de Azevedo (2023) baseado nos estudos de Freud, ainda aborda três importantes conceitos que são imprescindíveis para compreender a memória, sendo estes transferência, contratransferência e recalcamento, sendo este último de grande valia para o presente artigo, pois trata-se de um mecanismo de defesa que se em segunda tópica será detalhado. Ainda segundo o autor pensar sobre os processos pelos quais se alcança a reconstrução da memória é pensar sobre o valor que essa reconstrução significa para a cura. Além disso, em seus estudos a empatia surge como algo a ser transferido e contra transferido entre duas pessoas que configura a empatia relacional, primordial para cura. Em síntese para Martins de Azevedo (2023)
O reconhecimento do papel da memória na cura, enquanto processo reconstrutivo-construtivo -integrativo, foi desde a fundação da psicanálise um aspecto decisivo: tornar pré-consciente ou consciente o inconsciente, ou, mais tarde, na segunda tópica, o domínio do ego das tendências ditatoriais do superego e das inclinações antissociais do Id”. (MARTINS DE AZEVEDO, 2023, p.48).
O conceito de memória na obra freudiana segundo Ferrarini & Magalhães (2014, p. 109) “sempre esteve pautada na subjetividade humana”, e que as constantes formulações de teorias permitiram que a memória ganhasse um status cada vez maior “passando de uma análise puramente individual e funcional, para uma dimensão social e cultural, transformando-se num dos alicerces de sua teoria”. Aqui observamos a questão social e cultural sendo considerada e o reconhecimento da memória como uma dimensão essencial nos postulados psicanalíticos.
As autoras explicam através de um comparativo o funcionamento de memória com o “bloco mágico de Freud” que é formado de uma prancha de cera escura onde em cima e disposto um papel encerado e uma lâmina de celulóide, que ao ser perfurado por um aparelho pontiagudo sofre incisões visíveis, devido o contato entre a celulóide, o papel encerado e a base de cera, porém ao retirar o papel a folha que cobre a prancha a escrita desaparece, permitindo novas escritas no bloco mágico. (Ferrarini & Magalhães, 214, p. 111).
Nesse contexto, o comparativo entre memória e bloco mágico de Freud, está relacionado ao funcionamento do aparelho psíquico do indivíduo, onde as operações de recepção e conservação da memória, são distribuídos em dois componentes diferentes, porém vinculados entre si, dessa forma as memórias “apagadas” estariam em algum lugar do aparelho psíquico, local esse chamado de inconsciente que Freud têm como peça-chave dos seus estudos.
Nessa perspectiva de memória em psicanálise Ferrarini & Magalhães (2014, p. 113-114) trazem em seus estudos o binômio: lembrança e esquecimento, temática imprevisível para o desdobramento da pesquisa. Visto que segundo elas “Para Freud, então, o objetivo do tratamento psicanalítico é preencher as lacunas da memória” e isso só é possível através da compreensão da relação entre lembrança e a esquecimento, pois segundo as autoras “todo ato de esquecimento envolve a relação com o desprazer”. E quando se trata de luto, que abordaremos a seguir, segundo Silva (2011, p. 712) Freud foi categórico ao afirmar que “é necessário pronunciar interiormente a morte do que se foi. Assim, muito distinto de um esquecimento passivo, o luto é um esforço que exige lembrar para esquecer”.
Conceituando Luto
O luto é denominado como manifestações que adquirem diferentes formas e, portanto, possibilita diferentes modos de entendimento. Segundo o Aurélio da Língua Portuguesa (2011) o luto se entende como uma “Consternação”, onde se inicia com a ameaça ou rompimento de um vínculo emocional de alguém ou objeto amado, se caracteriza como um período de enfrentamento da dor da perda, podendo ser visto tanto pela morte de um amor, como no diagnóstico de uma doença ou até mesmo em um término de relacionamento. Silva (2019) considera que
Luto é uma resposta ao rompimento de um vínculo significativo para o indivíduo, constituindo-se em uma resposta após uma perda simbólica ou concreta que envolve uma gradual transição de ajustamento a uma alteração significativa do mundo e apresenta infinitas variações de respostas culturais, familiares e individuas. (SILVA, 2019, pg.31).
O processo de luto é marcado por uma série de angústias, visto que tudo se torna novo e imprevisível, trazendo instabilidade ao indivíduo. Este estado de sofrimento é uma variável que pode interromper tudo a qualquer momento. Neste artigo, abordaremos esse tema sob a perspectiva do luto em psicanálise.
Luto para Psicanálise
Segundo Edler (2008) Freud destaca em sua obra em “Luto e Melancolia“, que o processo de luto é como uma resposta relacionada à perda de algo com grande significado, mas que não envolve uma pessoa querida necessariamente. Durante esse período, o indivíduo está plenamente ciente do que foi perdido e atravessa uma fase de profunda tristeza, afastando-se de atividades não relacionadas ao objeto perdido e enfrentando dificuldades para encontrar substitutos.
Durante o luto, a pessoa concentra sua atenção exclusivamente nessa experiência, o que resulta em uma diminuição da energia disponível para outras atividade. Nesse sentido a resposta à perda de um ente querido e o intenso luto representam uma situação emocional semelhante, caracterizada pela falta de interesse nas atividades cotidianas, pelo afastamento de tudo que não está relacionado ao objeto perdido e pela incapacidade de encontrar um novo objeto de amor. Esse apego persistente ao objeto perdido, conhecido como “devoção ao luto”, impede a busca por novos objetivos ou experiências.
Esse sofrimento é uma realidade inescapável na jornada humana, desempenhando um papel essencial ao confrontarmos os desafios da vida. Embora doloroso, o sofrimento é uma experiência que nos é imposta sem aviso prévio. A pulsão de morte, central na formação do psiquismo, permanece como um enigma que a psicanálise se empenha em decifrar, contrastando com a pulsão de vida. Essas pulsões estão em constante interação, moldando o comportamento e as emoções individuais.
Durante o processo, a energia emocional associada ao objeto perdido é redirecionada para outro objeto, envolvendo um processo de simbolização e elaboração da perda. No entanto, substituir esse objeto não é uma tarefa simples, exigindo uma reestruturação das defesas e fantasias do psiquismo para alcançar um novo equilíbrio emocional. O luto, apesar de doloroso, é um estágio necessário para encontrar novos caminhos para o desejo e para o equilíbrio psíquico.
Processos e Elaborações do Luto: Os 5 Estágios
Atualmente, podemos encontrar em obras literárias a divisão do processo de luto por estágios de mecanismo de defesa, que são: a negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Kumbler Ross (1998), defende que nem todas as pessoas passam por todos esses estágios em ordem e nem expressam todos eles necessariamente.
O primeiro estágio do luto refere-se à “negação” que segundo Kumbler Ross (1998 p. 44), funciona como um “amortecedor” de batida, quando o sujeito se depara com a perda e tenta negociar consigo mesmo para não ter que enfrentar a dor da falta. A negação é um mecanismo de defesa psicológica que envolve a recusa em aceitar um fato que poderia causar desequilíbrio e ameaçar o bem-estar. Esse estágio atua como uma forma de proteção ao renunciar ao conhecimento de algo que poderia potencialmente perturbar a harmonia e a qualidade de vida daquela pessoa.
O segundo estágio refere-se a “raiva”, onde após a negação, esse sentimento se substitui por revolta e ressentimentos. Esse estágio leva a pessoa a se questionar consigo mesma sobre o que está acontecendo daquele momento e porque se encontra naquela situação, tenta achar um “culpado” para a situação em todo momento como um mecanismo de defesa para si mesmo, Kumbler Ross (1998, p. 55).
O terceiro estágio é citado por Kumbler Ross (1998, p. 87), como o menor dos processos, pois a “barganha” entra para adiar psiquicamente o ocorrido, negociando consigo mesma, ou seja, a pessoa tenta criar uma realidade onde pode impedir ou adiar a morte. Contudo, mesmo se o indivíduo conseguir “adquirir” a barganha, provavelmente ele só irá iniciar um novo ciclo da tal, novamente.
No penúltimo estágio o indivíduo retoma a realidade com um profundo sentimento de dor e tristeza, Kumbler Ross (1998, p. 93), pontua que a “depressão” nesta fase, se torna um instrumento na perda, onde facilita a aceitação da perda do objeto amado. O indivíduo perde todas as forças e esperanças, aceitando a realidade e caindo na tristeza profunda ao se deparar com as dores da perda.
O último estágio é encontrado como “aceitação”, o indivíduo que chegou neste estágio, já não se encontram com raiva ou em negociação com o sentimento de luto, a pessoa que possuiu um tempo necessário para processar todas as informações da perda e sentimentos, já está em aceitação consigo mesma e com o ocorrido, Kumbler Ross (1998, p. 119).
Além disso, os estágios do processo de luto, conforme proposto por Kumbler Ross (1998), oferecem uma estrutura útil para compreender as diferentes fases emocionais que uma pessoa pode atravessar ao lidar com a perda. Da negação à aceitação, cada estágio representa uma etapa no caminho do enfrentamento e da adaptação à nova realidade sem o objeto perdido. Revela a complexidade da experiência humana diante da perda, ressaltando a importância de abordagens multidisciplinares para compreender e apoiar aqueles que enfrentam esse desafio emocional.
O luto é um fenômeno complexo que se manifesta de várias formas e permite diversas interpretações. A perspectiva psicanalítica oferece insights valiosos sobre o luto, destacando-o como uma reação à perda de algo significativo, onde o indivíduo passa por um período de tristeza profunda e enfrenta dificuldades para encontrar substitutos. A análise freudiana também ressalta a importância da verificação da realidade e da renúncia simbólica ao objeto perdido para a elaboração do luto e a preservação do ego.
As Implicações dos mecanismos de defesa: Negação e Recalque na perda de memória
O jovem enlutado após a perda de um ente querido, passa por grande estresse e sofrimento, que nesse contexto é algo intrínseco do indivíduo, que foge do controle dele, e que pode afetá-lo de várias formas. Nesse sentido, como instinto do próprio ser humano, como fora mencionado, passamos por 5 fases do luto e em específico a negação que antecede o mecanismo de defesa chamado recalque, ou seja, uma proteção, mediante algo tão doloroso que nunca fora pensado e que ninguém quer vivenciar.
Sobre essa complexidade de falar em esquecimento Endo (2013, p. 49) afirma que “O esquecimento permanece enigmático, por vezes maldito, e um tanto estrangeiro, tanto nas lutas pela memória como nas teorias que as reconhecem”. Além disso, é pertinente trazer o conceito de recalque, que também atua como mecanismo de defesa, assim como a negação. Neste contexto, a presente pesquisa traz o esquecimento de acontecimentos, sejam eles de curto ou de longo prazo, como um mecanismo de defesa, de proteção do indivíduo, de buscar de todas as formas negar aquele acontecimento que lhe gera sofrimento.
Dentre os inúmeros mecanismos de defesa a pesquisa destaca negação e recalque, sendo este último também conhecido como repressão, como mecanismos de defesa do ego, visto que estes apresentam maior relação com o esquecimento mediante uma perda, ou seja, quando o indivíduo deforma, reprime e até mesmo suprime a sua realidade para evitar o desprazer, que nesse contexto é o sofrimento diante do luto. De acordo com Freud (1986)
São vários os mecanismos que o indivíduo pode usar para realizar esta deformação da realidade, chamados de mecanismos de defesa. São processos realizados pelo ego e são inconscientes, isto é, ocorrem independentemente da vontade do indivíduo. Para Freud defesa é a operação pela qual o ego exclui da consciência os conteúdos indesejáveis, protegendo, desta forma o aparelho psíquico. (FREUD, 1986, p. 11)
Portanto para Freud o mecanismo de defesa é algo subjetivo, particular de cada indivíduo, porém inconsciente, ou seja, que acontece independentemente da vontade dele. O ego que segundo Freud (1986, p.11) é “uma instância a serviço da realidade externa e sede dos processos defensivos” se encarrega de tirar da consciência situações e acontecimentos indesejáveis, que nesse contexto é a vivência do luto, e dessa forma o indivíduo tende a “recalcar” acontecimentos de curta duração, a memória de curto prazo, que configuram o curto período que abrange velório e enterro e alguns dias posteriores, ou até mesmo memórias de longa duração, que são aquelas vivências antigas com a pessoa que morreu.
Há também comumente relatos de pessoas que se negaram a ver o ente querido no caixão, entretanto posteriormente sonha com o velório e acaba se confrontando com o que mais temia vivenciar. Vale ressaltar que Freud, tem uma obra específica que se debruça sobre a relação sonho e inconsciente. Nesse contexto no recalque segundo Freud (1986)
o indivíduo “não vê”, “não ouve” o que ocorre. Existe a supressão de uma parte da realidade. Este aspecto que não é percebido pelo indivíduo faz parte de um todo e, ao ficar invisível, altera, deforma o sentido do todo. E como se, ao ler esta página, uma palavra ou uma das linhas não estivesse impressa e isto impedisse a compreensão da frase ou desse outro sentido ao que está escrito. Um exemplo é quando entendemos uma proibição como permissão porque não “ouvimos” o “não”. O recalque ao suprimir a percepção do que está acontecendo, é o mais radical dos mecanismos de defesa. Os demais referem-se a deformações da realidade. (FREUD, 1986, p. 12)
É relevante mencionar que comumente em nosso cotidiano escutando relatos referente a velórios e enterros, ouvir as seguintes expressões é clichê; “não quero ver o corpo no caixão”; “prefiro ficar com a imagem em vida”; “é como se um dia ele/ela fosse voltar, porque não vi o sepultamento”; “tanta gente ruim por aí”, entre outras, nos remete que a não materialização fidedigna do acontecimento, passa a ser negado ou recalcado, como defesa diante do sofrimento do indivíduo. Nesse contexto a negação segundo Silva (2010)
é o mais simples e direto mecanismo, consiste simplesmente na recusa do sujeito a aceitar a existência de uma situação penosa demais para ser tolerada, ou seja, o indivíduo dá como inexistente um pensamento ou sentimento que, caso ele admitisse, causaria grande angústia. (SILVA, 2010, p. 2)
Algo também muito corriqueiro, que se trata de uma atitude, muitas vezes cultural de algumas famílias, é a utilização de medicamentos como forma de “acalmar/dopar” a pessoa enlutada para evitar que ela vivencie aquele sofrimento, fato este que ao invés de fazer bem, posteriormente trará consequências, visto que vivenciar de fato o sofrimento, mesmo que doloroso é benéfico para o processo de cura. Pois como enfatiza, Endo (2013, p. 47) “Lembrar sempre pode ser tão dramático e insuportável quanto esquecer”.
Abordagem Psicanalítica como Manejo Clínico para Jovens Enlutados
A abordagem psicanalítica emerge como uma ferramenta fundamental no manejo clínico de jovens diante de desafios emocionais e traumas. Considerando a complexidade do desenvolvimento emocional nessa fase da vida, a psicanálise oferece uma lente única para compreender e intervir nos processos psicológicos dos jovens. Neste artigo, exploraremos como a psicanálise pode ser uma estratégia positiva no manejo clínico com essa população.
Um dos aspectos cruciais da abordagem psicanalítica é sua capacidade de entender a fundo os processos emocionais e inconscientes dos indivíduos. Conforme mencionado por Matos e Lemgruber (apud Soares e Castro, 2017, p. 107) “Quando se perde um objeto importante, um status, uma qualidade de vida, a saúde, etc.” Isso destaca como a psicanálise reconhece que o luto não se limita apenas à morte, mas também pode envolver a perda de outras áreas significativas na vida de um indivíduo. Essa compreensão ampliada do luto é crucial ao lidar com jovens, que podem enfrentar uma variedade de perdas durante seu desenvolvimento.
Além disso, a psicanálise oferece uma visão abrangente dos estágios do processo de luto, como discutido por Taverna e Souza (2014)
Encontra-se na literatura a divisão do processo de luto por estágios, que são: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. Estes não ocorrem necessariamente nessa ordem, mas é comum que o sujeito passe por pelo menos dois deles, ocorrendo ainda casos onde o enlutado se encontre estagnado num único estágio, por um longo período e às vezes a vida inteira. (TAVERNA E SOUZA APUD SOARES E CASTRO, 2017, p. 109).
Esse trecho destaca como a psicanálise oferece uma visão abrangente dos estágios do processo de luto, fornecendo um arcabouço para entender e intervir no manejo do luto em jovens. Reconhecer e validar essas etapas pode ajudar os profissionais a auxiliar os jovens a elaborar suas perdas de maneira saudável e construtiva.
Um dos principais desafios no manejo clínico de jovens é distinguir entre o luto normal e o patológico. Como observado por Freud (apud Soares e Castro, 2017, p. 111) “Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos de que essas pessoas possuem uma disposição patológica“. Nesse contexto, a psicanálise desempenha um papel crucial na identificação e intervenção precoce em casos de luto mal elaborado, prevenindo o desenvolvimento de patologias psicológicas mais graves. Outro aspecto relevante da abordagem psicanalítica é sua ênfase na escuta empática e na compreensão da singularidade de cada indivíduo. Conforme enfatizado por Eizirik (1987)
A psicanálise entra para auxiliar o indivíduo na identificação da sua situação seja ela patológica ou um luto mal elaborado, onde conduzirá com uma escuta flutuante e empírica, permitindo ao paciente que ele dê vazão ao seu sentimento, oferecendo o suporte necessário para que ele consiga elaborar essa perda de maneira que possa dar sequência na sua rotina. (EIZIRIK APUD SOARES E CASTRO, 2017, p. 111).
Esse trecho ressalta como a psicanálise enfatiza a escuta empática e a compreensão da singularidade de cada indivíduo, proporcionando um ambiente seguro para a elaboração de suas questões emocionais. Essa abordagem centrada no paciente é essencial para promover a mudança psicológica positiva.
Contudo a abordagem psicanalítica surge como uma estratégia positiva e eficaz no manejo clínico de jovens enlutados. Sua capacidade de compreender profundamente os processos emocionais, identificar estágios do luto e distinguir entre luto normal e patológico a torna uma ferramenta valiosa para os profissionais que trabalham com essa população. Ao priorizar a escuta empática e a compreensão da singularidade de cada jovem, a psicanálise oferece um caminho para o crescimento e a cura emocional nessa fase crucial da vida.
Considerações Finais
O objetivo da pesquisa, apresentada nesse artigo, era entender a perda de memória em jovens como um mecanismo de defesa para lidar com o luto. Os objetivos foram delineados e incluíam ideias sobre memória, luto e exploração de mecanismos de defesa como negação e recalque. Também foi apresentado a psicanálise como um método útil para lidar clinicamente com esses processos.
As perguntas iniciais foram respondidas ao longo da pesquisa e a relação entre o processo de luto em jovens e a perda de memória foi esclarecida, mostrando como os mecanismos de defesa ajudam a evitar o enorme sofrimento associado à perda. Diferente das abordagens cognitivas e fisiológicas convencionais, a pesquisa destacou a complexidade do funcionamento da memória para a psicanálise e enfatizou a memória como um processo dinâmico e subjetivo.
Os conceitos de negação e recalque foram estudados psicanaliticamente, demonstrando como esses mecanismos podem levar ao esquecimento de situações dolorosas. A perda de memória em jovens enlutados pode ser causada por dois processos principais: negação, que é vista como uma recusa inconsciente de aceitar a realidade da perda, e recalque, que é visto como a eliminação de lembranças angustiantes.
As evidências mostram que a abordagem psicanalítica é uma ferramenta útil para o manejo clínico, pois fornece informações úteis sobre os processos emocionais subconscientes dos indivíduos. A pesquisa indica que os profissionais podem ajudar os jovens a lidar com suas perdas de maneira mais saudável e a recuperar o equilíbrio emocional ao compreender e trabalhar com esses mecanismos de defesa.
Apesar das limitações inerentes à pesquisa bibliográfica, o estudo conseguiu reunir e sintetizar informações pertinentes, identificando padrões e lacunas na literatura existente. Este trabalho é de grande importância acadêmica e científica, pois fornece uma base para pesquisas futuras e destaca o papel da psicanálise no tratamento de jovens enlutados.
Contudo, as questões iniciais foram resolvidas e o problema específico abordado de maneira objetiva. A pesquisa contribuiu para melhor compreensão da relação entre luto, mecanismo de defesa e perda de memória. Também forneceu pistas para o futuro desenvolvimento de métodos clínicos mais eficazes. Como resultado, este estudo não apenas preenche lacunas na literatura existente, como também pode ter um impacto positivo na prática clínica e nas investigações futuras sobre o assunto.
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SOARES, L. G. A.; CASTRO. M. M. Luto: colaboração da psicanálise na elaboração da perda. Psicologia e Saúde em debate. 3.2 (2017): 103-114. Disponível em:http://psicodebate.dpgpsifpm.com.br/index.php/periodico/article/view/167/116. Acesso em: 7. mai. 2024.
Érica da Silva Melo, 5⁰ Semestre/Psicologia – FAM. e-mail: erkmiller2016@gmail.com.
2Izabelle Pureza Pantoja, 5⁰ Semestre/Psicologia – FAM. e-mail: purezaizabelle@gmail.com.
3 Jamilson Batista Aksacki Júnior, 5° Semestre/Psicologia – FAM. e-mail: jjaksacki2003@gmail.com.
4 Sabrina Rodrigues Lobato, 5° Semestre/Psicologia -FAM. e-mail:sabrina.lobatosr99674@gmail.com
5 Jhon Wender Ferreira de Souza, docente do curso de Psicologia – FAM. e-mail: jhon.souza@faculdadefam.edu.br