NANOTECHNOLOGY x NANOTOXICITY – NEED FOR REGULATION TO SAFEGUARD THE HEALTH OF THE BRAZILIAN POPULATION AND THE ENVIRONMENT
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7855604
José Alexandre Amorim da Silva1
Izaías Bezerra Neto2
RESUMO:
O presente artigo pretende analisar a necessidade da implantação de regulamentação no Brasil a fim de salvaguardar o meio ambiente e a saúde da população brasileira em face da toxicidade decorrente do desenvolvimento da nanotecnologia, propondo ao final alternativas para a mitigação dos problemas advindos da nanotoxicidade. A metodologia utilizada será a exploratória-qualitativa, buscando, através de pesquisas bibliográficas que amparam a problemática trazida para a presente pesquisa, possíveis soluções.
PALAVRAS CHAVE: Nanotecnologia; Nanotoxicidade; Marco regulatório
ABSTRACT:
This article intends to analyze the need to implement regulations in Brazil in order to safeguard the environment and the health of the Brazilian population in the face of the toxicity resulting from the development of nanotechnology, finally proposing alternatives to mitigate the problems arising from nanotoxicity. The methodology used will be exploratory-qualitative, seeking, through bibliographic research that support the problem brought to this research, possible solutions.
KEYWORDS: Nanotechnology; Nanotoxicity; regulation mark
- INTRODUÇÃO
Vários estudos e trabalhos científicos descrevem os benefícios da nanotecnologia em diferentes setores, dentre eles as áreas de tecnologia, medicina e militar. Ocorre que grande parte desses estudos ainda não avançou o suficiente no que diz respeito à toxicidade decorrente do uso, manipulação e aplicação de nanopartículas e, por via de consequência, os riscos ao meio ambiente e a população brasileira. Como se não bastasse, no caso específico do Brasil, sequer há que se falar em marco regulatório.
Grande parte da literatura científica e acadêmica sobre nanopartículas está concentrada em estudos pautados na indústria farmacêutica, biotecnológica e biomédica. Contudo, a nanotecnologia, considerada uma tecnologia que faz parte da quarta revolução industrial, apresenta inúmeros desafios atuais a serem enfrentados no Brasil e no mundo, como estudos toxicológicos e implementação de legislação eficaz que, além de focar o desenvolvimento técnico-científico, deve atentar para a salvaguarda da saúde humana e preservação do meio ambiente.
No Brasil, a Resolução da Diretoria Colegiada nº 51 de 26 de novembro de 2010 disciplina critérios de migração para materiais, embalagens e equipamentos plásticos destinados ao contato com alimentos, bem como os simulantes de alimentos para caracterização do tipo de embalagem destinada a cada produto, considerando-se suas características físico-químicas e de processamento. Contudo, a referida resolução se mostra insuficiente no que diz respeito à segurança da população e do meio ambiente sob o viés da nanotecnologia aplicada ao desenvolvimento de embalagens.
Por outro lado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações- MCTI, criou a Portaria nº245 em 05 de abril de 2012 (com alterações trazidas pela Portaria MCTIC nº 2.376, de 16.05.2019) que instituiu o Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias – SisNano, como um dos elementos do Programa Nacional de Nanotecnologia, no âmbito da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Esses laboratórios têm como objetivos principais a estruturação da governabilidade para as nanotecnologias, a promoção de uma maior disponibilidade do conhecimento, bem como desenvolver cada vez mais pesquisas neste setor, de forma a promover o avanço científico e tecnológico do país. Contudo, não disciplina de maneira clara e objetiva as ações que podem ser tomadas para salvaguardar a saúde da população nem tampouco a proteção do meio ambiente.
Em 19 de fevereiro de 2020 foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal o Marco Legal da Nanotecnologia do Brasil proposto pelo Projeto de Lei – PL nº 880/2019.1. O referido PL propõe alterações na Lei número 10.973/20042, bem como na Lei número 8.666/933. Entretanto, além de ainda encontrar-se em tramitação, não disciplina, de forma concreta e eficaz, mecanismos que venham a salvaguardar o meio ambiente e a saúde da população brasileira no que diz respeito ao desenvolvimento de embalagens sob a perspectiva da nanotecnologia.
Com isso, o objetivo do presente artigo é alertar para a ausência de legislação eficaz que possa salvaguardar a saúde da população brasileira, bem como o meio ambiente e, assim, propor uma reflexão acerca da necessidade de implementação de regulamentação para mitigar as consequências da toxicidade oriunda da nanotecnologia. Para alcançá-la, os autores estabeleceram os seguintes objetivos específicos: a) descrever as aplicações e avanços da nanotecnologia; b) explicar o conceito de nanotecnologia e suas possíveis consequências à saúde humana e ao meio ambiente; c) analisar a legislação vigente no que diz respeito à nanotecnologia e nanotoxicidade; d) propor uma reflexão acerca de possíveis alternativas para salvaguardar a saúde da população brasileira e o meio ambiente. Os tipos de pesquisas utilizados para a presente investigação foram de natureza normativo-bibliográfica e documental. A coleta de dados para a revisão sistemática da literatura se materializou a partir da escolha das palavras-chave nanotecnologia, Nanotoxicology toxicidade, regulamentação métricas, com uso do operador booleano “or” inseridas nas bases de dados SciELO, Periódicos Capes e ScholarGoogle. Foram selecionados 36 artigos que inicialmente foram submetidos a uma leitura exploratória a partir do título e resumo. Dos artigos residuais foi feita uma leitura seletiva com os devidos apontamentos. Também se socorreram, os autores, de forma complementar, a dados oriundos de anais de eventos científicos, dissertações, teses e livros específicos sobre o tema.
Os tipos de estudo utilizados foram de caráter exploratório e qualitativo, porque se visou obter um aprofundamento de maiores informações sobre a temática estudada, assim como o tratamento dos dados não se deu com uso de técnicas estatísticas.
Trata-se de um estudo de revisão integrativa da literatura, pelo qual se promove a construção e consolidação de uma análise abrangente da literatura, servindo de arcabouço para discussões acerca de métodos e resultados de pesquisas, assim como reflexões sobre a realização de futuros estudos acadêmicos sobre nanotecnologia, toxicidade e regulamentação.
A pesquisa aborda tema atual, relevante e com impacto social e ambiental, buscando trazer dados científicos capazes de contribuir para a melhor compreensão da relação entre nanotecnologia, toxicidade, segurança humana e ausência de legislação eficiente e, com isso, propor medidas a serem tomadas.
- NANOTECNOLOGIA
Dimer et al. (2013) destacam que o conceito de nanotecnologia vem sendo aprimorado de acordo com os avanços da ciência, por isso ainda não há um conceito internacional consensual para o termo, mas destacam que na área da saúde, a European Medicines Agency define a nanotecnologia como o uso de pequenas estruturas menores de 1.000 nanômetros de diâmetro que são projetadas para apresentar propriedades específicas.
Borralho, em sua dissertação de mestrado, esclarece que a Nanotecnologia veio modificar a forma como os diversos tipos de materiais são utilizados e explica que a nanotecnologia refere-se a partículas com dimensões que variam entre 1 a 100 nanômetros (nm). Completa, dizendo que o termo não sendo novo, tem sido amplamente utilizado para o desenvolvimento de tecnologia mais eficiente, nas últimas décadas (BORRALHO, 2017).
Souza et al. fazem observar que a história da nanotecnologia, isto é, do desenvolvimento e manipulação de matéria à escala nanométrica, pode ser traçada até tempos ancestrais. Completam, dizendo que embora a manipulação de materiais à escala atômica e molecular pareça ser um conceito moderno, sabe-se que vários artesãos antigos manipulam a matéria à mais ínfima escala, ainda que de forma não intencional (SOUZA et al., 2022).
Almeida et al. (apud DREXLER; 2004) salientam que o conceito da nanotecnologia foi proposto em 1959, por Richard Feynman e desde então, pesquisas indicam que as propriedades de muitos materiais podem ser melhoradas com a adição de nanocompósitos durante o desenvolvimento. Ressaltam, ainda, em sua pesquisa, que embalagens com aplicações nanotecnológicas adquirem melhores propriedades físico-químicas, redução da hidrofilicidade, além de proporcionar uma melhor biodegradabilidade, o que gera valor agregado aos produtos (ALMEIDA et al, 2015).
Hupffer et al. destacam que o mercado da nanotecnologia é altamente promissor e que em 10 de dezembro de 2018, o site da StatNano divulgou que já são comercializados 8.523 nanoprodutos, produzidos por 2.084 companhias em 59 países, bem como alertaram que novos produtos e aplicações com nanotecnologia são lançados em praticamente todas as áreas e em velocidade crescente. Entre os dez principais setores com produtos e aplicações com nanotecnologia, o campeão em nanoprodutos é o setor eletrônico, que já disponibilizou no mercado consumidor 2.050 produtos, seguido da área de medicina com 972, cosméticos com 780, setor têxtil (HUPFFER et al., 2019).
Por outro lado, Almeida et al (apud SILVESTRE, 2011) chamam atenção para o fato de que, não obstante as vantagens da aplicação da nanotecnologia, em especial no setor de embalagens, deve-se ficar atento para questões referentes ao surgimento da toxicidade atribuída ao comportamento das partículas na escala nanométrica, salientando que estas partículas podem migrar das embalagens para o alimento, causando possíveis danos aos consumidores e ao meio ambiente. Assim, a aplicação desta tecnologia demanda uma regulamentação específica para o setor
A nanotecnologia e nanociência apresentam uma multidisciplinaridade intrínseca, pois envolvem a interligação de grande áreas da ciência como a química, biologia, física, medicina, engenharia e informática, com o principal intuito de entender e potencializar as aplicações destas tecnologias (DE SOUZA et al, 2015). Entretanto, essa evolução técnico-científica, não pode perder de vista a necessidade de o desenvolvimento tecnológico andar de mãos dadas com o compromisso de salvaguardar o meio ambiente e a saúde da população.
Souza et al (apud MATHUR, 2018; ZORRAQUÍN-PEÑA, 2020;GALDIERO, 2011; ARORA, 2012), destacam que apesar da evolução da nanotecnologia e das vantagens associadas ao uso das nanopartículas de prata – AgNP, a sua utilização crescente na vida quotidiana da população mundial, de forma direta ou indireta, levanta várias preocupações sobre a exposição humana e possíveis efeitos tóxicos decorrentes de uma exposição prolongada.
Destacam, ainda, que, se, por um lado, as propriedades das AgNP as tornam apelativas em diversas áreas, também são estas propriedades que resultam em riscos para a saúde humana. De fato, a exposição prolongada a AgNP promove não só a sua entrada no organismo, como também a libertação do ião prata, o que por sua vez poderá levar à ocorrência de danos no DNA, stress oxidativo e morte celular (SOUZA et al, 2022).
Nessa linha de raciocínio, Paschoalino et al. (apud TONG et al., 2007; OBERDORSTER et al. 2006) salientam que as propriedades atrativas dos nanomateriais, como por exemplo o pequeno tamanho de partícula, forma variada e alta área superficial, podem também ser responsáveis por efeitos nocivos aos organismos vivos, conforme indícios reportados por estudos toxicológicos com micro-organismos, algas, peixes, ratos e células humanas ( PASCHOALINO et al., 2010).
Já para a questão militar, Wittmann destaca Eric Drexler, um dos grandes teóricos sobre o assunto (apud DREXLER, 1986), abordou já em 1986 em seu livro “Engines of Creation” as nanotecnologias como máquinas de destruição como um de seus capítulos, bem como estratégias e sobrevivência em outro, nos quais analisou a possibilidade de poder militar a partir de replicadores e sistemas de inteligência artificial com o desenvolvimento de armas avançadas e eventual guerra bacteriológica e outros mecanismos de design, estratégia e guerra.
Da mesma forma, indicam que a relevância para aplicações militares das nanotecnologias, assim como nas aplicações genéricas, está na qualificação das capacidades militares já existentes. Não é exclusivo da nanotecnologia, já que o desenvolvimento tecnológico para fins bélicos sempre vai buscar de alguma forma a maior sobrevivência e proteção do soldado e do maquinário como um todo, a mobilidade da força, bem como a capacidade de aplicação e a precisão do uso da força. A busca de armaduras ou roupas leves, resistentes e com capacidade de automedicação são exemplos de apoio da nanotecnologia, não exclusivamente. Explosivos que ultrapassem determinadas armaduras, armamento autoguiado são outros exemplos.
- NANOTOXICIDADE
Borsato et al. (apud CABALLERO-DÍAZ; VALCÁRCEL CASES, 2016) destacam que o estudo da nanotoxicidade pode ser explicado em etapas de avaliações, onde a caracterização bem definida das nanopartículas é considerada um estudo preliminar com o objetivo de correlacionar as respostas biológicas. Ressaltam, também, que testes in vitro são aplicados utilizando células para avaliar o efeito tóxico dessas nanopartículas a nível celular e, posteriormente, avaliações in vivo são consideradas, onde se obtém respostas biológicas induzidas pela exposição às nanopartículas, sendo realizadas utilizando animais modelo (BORSATO et al., 2020).
No estudo realizado, Almeida et al. (2015) enfatizam que alguns nanomateriais como nanotubos de carbono e nanopartículas de prata, óxido de silício, óxido de alumínio, dióxido de titânio, e zinco podem resultar em imprevisíveis problemas de segurança e de risco para a saúde humana. Segundo eles, uma desses problemas seria a inalação de nanopartículas, pois devido ao fato das partículas serem muito pequenas, elas vencem barreiras naturais do aparelho respiratório, sendo depositadas e acumuladas nos alvéolos pulmonares, responsáveis pela troca gasosa de oxigênio e gás carbônico com a corrente sanguínea.
Almeida et al. (apud OBERDORSTER et al;2006; SCHULTE et al;2007) também relatam que a forma como as nanopartículas entram no corpo humano, os sítios de penetração, o possível acúmulo e a translocação das mesmas no corpo, também podem determinar um potencial de risco. Com isso, as empresas que trabalham com nanotecnologia e que não possuem total conhecimento sobre os efeitos da exposição às nanopartículas devem orientar seus funcionários sobre os riscos e controles já estabelecidos. Assim será possível selecionar e implementar controles preventivos em relação a toxicidade destas partículas.
Nesse ínterim, como existe a preocupação com a exposição indireta de nanopartículas com alimentos, se faz necessário conhecer a extensão de migração das nanopartículas da embalagem para os produtos e, caso ocorra a migração, quais serão os efeitos da ingestão destas nanopartículas no corpo humano. Ocorre que são poucos os estudos sobre migração de nanopartículas de embalagens para os alimentos, logo torna-se difícil avaliar o risco para a população, embora uma cuidadosa avaliação da natureza dos materiais e a aplicação a que se destina possa fornecer uma base para a classificação dos possíveis riscos de forma individual (ALMEIDA et al., 2015 apud AVELLA et al., 2005).
Mathur et al. (2018) esclarecem que os dois principais métodos utilizados para a síntese de nanopartículas de prata são os métodos físicos e químicos, com a variante de serem caros e também poderem apresentar toxicidade. Contudo, por outro lado, salientam que o método biológico está sendo usado como uma alternativa conveniente, pois esta abordagem é amiga do meio ambiente e menos tóxica e incluirá extractos de plantas, microorganismos, fungos, etc.
Da mesma forma, a preocupação também ocorre em relação à manipulação de nanopartículas na medicina. Cancino et al. (apud WARHEIT, 2008; DUKHIN et al.,2010) destacam que o potencial efeito na saúde humana devido à exposição prolongada ainda não foi estabelecido e chamam atenção para o fato de que a limitada quantidade de informações acerca dos efeitos tóxicos desses nanomateriais faz com que a nanomedicina enfrente várias questões regulatórias em um processo complexo e dispendioso, mas necessário, independentemente do nanomaterial ou aplicação.
Ainda segundo eles, uma das principais preocupações diz respeito a como as nanopartículas conseguem penetrar em membranas células mais facilmente, quando comparado a diversas outras moléculas ou fármacos. Assim, indagam se essa maior facilidade pode ser alguma indicação de efeito tóxico. Com isso, essas incertezas acabam por serem motivadoras de estudos em nanotoxicologia, isto é, de responder o maior número de questões sobre como é a interação entre nanomateriais e sistemas biológicos, e quais são as limitações e mecanismos associados a essa exposição em curto, médio e longo prazo (CANCINO et al, 2010).
Em seu estudo, Cancino et al. (2010) destacam que metodologias analíticas e biológicas clássicas estão sendo adaptadas para investigações toxicológicas entre nanomateriais e sistemas biológicos, dentre elas estão a citometria de fluxo, proliferação celular, fragmentação do DNA, ciclo celular, histologia, biodisponibilidade e biodispersão. Alertam que as análises in vitro e in vivo são as mais utilizadas, porém as informações hoje disponíveis ainda são contraditórias e pouco precisas e, assim para auxiliar a busca de resultados nessa área, outras ferramentas têm sido propostas como modelos, simulações computacionais ou instrumentações no nível atômico e/ ou molecular.
Mathur et al (2018) (apud PRABHU et al. 2012) chamam atenção para o fato de que a nanoprata pode causar efeitos nocivos aos seres humanos, bem como ao meio ambiente, conforme sugerido por diferentes estudos e relatórios. Salientam que os iões de prata livres têm efeitos nocivos nos seres humanos e em todos os seres vivos, incluindo descoloração cinza-azulada permanente da pele (argiria) ou dos olhos (argirose), e a exposição a compostos de prata solúveis pode produzir efeitos tóxicos como danos hepáticos e renais; irritações dos olhos, pele, vias respiratórias e intestinais; e alterações indesejáveis nas células sanguíneas. No estudo realizado, destacaram que numerosos relatórios sugerem que a nano prata não pode diferenciar entre os micróbios que são prejudiciais ou úteis para a ecologia. Ressaltaram, ainda, que apenas estudos limitados foram realizados para avaliar a toxicidade da nanoprata.
Ainda segundo os autores, foi demonstrado por ensaio de toxicidade in vitro de AgNP que células de fígado de rato em exposição de baixo nível provocam estresse oxidativo e função mitocondrial danificada. Ao interromper a função mitocondrial e causar vazamento através da membrana celular, as nanopartículas de prata se manifestaram como tóxicas para as células-tronco da linhagem germinativa de camundongos in vitro . No sistema reprodutor masculino, eles afetam adversamente os espermatozóides, atravessando a barreira hemato-testicular e se depositando nos testículos. O órgão-alvo no camundongo para a nanoprata é o fígado, conforme revelado por in vivo estudos sobre a toxicidade oral em ratos. A maior ocorrência de hiperplasia das vias biliares, com ou sem necrose, fibrose e pigmentação nos animais do estudo revelou que quando as nanopartículas são armazenadas por um longo período de tempo há liberação da prata, garantindo que a nanoprata envelhecida é mais tóxica do que a nova nanoprata (MATHUR et al.,2018).
Os estudos analisados demonstraram que a nanoprata também apresentou efeitos tóxicos em animais aquáticos e dificulta a osmorregulação em peixes, interagindo com as brânquias dos peixes e impedindo a atividade basolateral de Na + –K + -ATPase, sugerindo que a liberação de nanoprata no meio ambiente deve ser cuidadosamente revisada (MATHUR et al, 2018).
Pereira (apud PETERSEN et al., 2015) chamou atenção para o fato de que muitos estudos que investigam a nanotoxicidade em algas apontam os efeitos tóxicos possíveis de ocorrer quando há a interação entre diferentes nanopartículas com as células e os mecanismos bioquímicos que ocorrem no metabolismo celular. Destaca, ainda, que as propriedades estruturais, de forma e de superfície das nanopartículas são as responsáveis por gerar vários efeitos tóxicos (PEREIRA, 2017).
Com isso, é imprescindível que a comunidade científica, bem como o legislador brasileiro, atente para o fato de que os efeitos tóxicos decorrentes da nanotecnologia já é uma realidade presente e necessitava urgentemente de regulamentação.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Governo Federal brasileiro, nos últimos anos, lançou diversas iniciativas dedicadas a estruturar políticas públicas e ações governamentais na área de nanotecnologia. A título de exemplo, em 2013, foi lançada a Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia (IBN), com o objetivo de integrar as ações governamentais para promover o aumento da competitividade da indústria brasileira. Outros exemplos são o SisNANO, sistema de laboratórios criado pela Portaria nº 245, de 5 de abril de 2012, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, com o objetivo de estimular a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação em nanociências e nanotecnologia; e o SibratecNANO, instrumento de aproximação, articulação e financiamento de projetos cooperativos entre empresas e Instituições Científica e Tecnológica que fazem parte do SisNANO, com o objetivo de fomentar e implantar a cultura de inovação com incorporação de nanotecnologia em produtos e processos de empresas brasileiras.
Para além do acima exposto, no Brasil, os Projetos de Lei nº 5.076 de 2005 e 131/2010 que tratavam diretamente do tema foram arquivados. Já os Projetos de Lei 6.741/2013 e o 5.133/2013 se encontram em tramitação junto à Câmara dos Deputados. Verdade que o texto do Projeto de Lei 6.741/2013 avança no estudo do tema, trazendo conceitos, indicando princípios a serem aplicados, procedimentos a ser observados e afins, mas ao se analisar, por exemplo, os artigos 8o, 9o, 11o e 12o, constata-se que o papel do Estado, que atrairia o dever de controlar com maior ênfase o assunto e consequentemente emprestar maior segurança à saúde da população e ao meio ambiente, acaba por ser mitigado. É que o texto acaba por sugerir que os órgãos de registro e fiscalização poderão – e não deverão – indeferir pedidos de registro ou suspender registros de processos ou produtos da nanotecnologia. E essa margem pode causar danos severos.
Por enquanto, contudo, a diretriz seguida para o acautelamento e para as necessárias salvaguardas se dá pela aplicação do Princípio da Precaução, extraído das normas de direito constitucional e ambiental, segundo o qual se deve evitar a qualquer custo a ocorrência de um fato que possa causar danos ao meio ambiente ou à saúde ainda não comprovados cientificamente. Neste espectro, a Nota Técnica 1/2018 da FUNDACENTRO afirma que será necessário aplicar o princípio da precaução no sentido de manter a exposição a um nível em que é previsível que o risco esteja sob controle, mesmo que a periculosidade do nanomaterial seja maior do que a atualmente conhecida.
Já o Projeto de Lei 880/2019, que visa instituir o Marco Legal da Nanotecnologia e Materiais Avançados, indicando dispor sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação nanotecnológica, encontra-se aguardando evolução de tramitação. A norma apresenta conceitos, institui Programas específicos para a área, tais como o Programa Nacional de Nanossegurança, o Programa Nacional de Descoberta Inteligente de Novos Materiais e afins, indica da necessidade de capacitação e fortalecimento de ambientes inovadores, dentre outros aspectos, mas parece deixar de tratar, exatamente, da segurança.
Em face da inércia do legislador brasileiro, o certo é que se faz necessária uma cooperação internacional para análise dos riscos e regulamentação referentes a nanotecnologias e nanotoxicidade. Muito embora sejam promissores os avanços tecnológicos advindos com a manipulação de nanopartículas, é sabido que os efeitos colaterais advindos desse avanço podem provocar na população e no meio ambiente danos irreversíveis. Pela análise de todo esse contexto, podemos dizer que as perspectivas para o desenvolvimento da nanotecnologia são GIGANTES, enquanto a legislação que salvaguarda a população e o meio ambiente é ANÃ.
Hupffer et al. (apud (HANKIN; CABALLERO, 2014) alertam que práticas de segurança devem fazer parte do desenvolvimento responsável nanotecnológico. Destacam, também que a Nano Risk Framework lançou, em 2007, uma proposta de estrutura global e flexível para avaliar os riscos possíveis das nanopartículas, com a particularidade de recomendar informações sobre o ciclo de vida, suas propriedades, ecotoxicidade e descarte. A CENARIOS® foi elaborada em cooperação com a Innovation Society e a TÜV SÜD Industry Service, sendo um sistema de gestão e monitoramento de riscos para atender às necessidades específicas de avaliação de risco nanotecnológico dos trabalhadores, consumidores e meio ambiente. Já o AssuredNano™, desenvolvido em 2008, é um sistema de acreditação da segurança de nanomateriais, relacionado com a comercialização de nanoprodutos e as preocupações com a saúde, meio ambiente e segurança do trabalhador (HUPFFER et al., 2019).
Por outro lado, os programas de integridade atrelados ao controle de riscos advindos da nanotecnologia passam a ganhar cada vez mais força, segundo Wittmann, com o Sistema do Direito compreendendo a si mesmo enquanto complexo, contingente e policontextural e inserido em uma sociedade global e de risco é que se apresentam os programas de integridade – ou programas de compliance do original do inglês – como alternativa para a regulação dos mais distintos temas. Tratam-se de um arcabouço normativo interno às organizações, sejam privadas por excelência ou sem fins lucrativos e internacionais, que surgem de forma espontânea, embora por vezes estimulada, visando não somente preservar a integridade organizacional, mas, promover uma cultura e complexidade interna e amadurecimento desta organização – sempre tentando integrar-se de maneira compatível com o preconizado pela comunicação jurídica policontexturalidade.
E continua indicando que a importância de tais programas é justamente o regime transnacional e autônomo que eles alcançam. Embora particulares, autônomos e voluntários, eles alcançam as relações não somente internas, mas também eventualmente alcançam sua rede de relações que, por meio de contratos, permitem uma cooperação e aprendizagem mútua entre organizações e sistemas jurídicos autônomos.
Sendo assim, em um contexto nacional em que a preocupação com o desenvolvimento técnico científico pautado na nanotecnologia parece deixar de lado aspectos relacionados com a segurança da população e com o meio ambiente, o certo é que a comunidade, principalmente a científica, tenha um olhar atento para a necessidade de desenvolvimento de estudos mais aprofundados acerca da toxicidade advinda da nanotecnologia e das incertezas e riscos associados ao seu uso, embora estes ainda não sejam totalmente conhecidos, e paralelamente as organizações tenham as preocupações necessárias e sempre cautelosas com o que pode nos esperar em um futuro não tão distante.
Com isso, o presente trabalho não esgota o tema e, ao contrário, propõe que seja feita toda uma análise sobre o desenvolvimento, manipulação e comercialização de produtos nanoestruturados, nas mais diversas áreas, de forma responsável e com implementação de regulamentação a fim de esclarecer a população acerca dos riscos criados pelo manuseio e utilização das nanopartículas. Fazendo-se necessário que a Ciência caminhe de mãos dadas com o Direito e a Ética nos estudos relacionados à nanotecnologia sob o viés da nanotoxicologia, nanotoxicidade e nanoética.
1PL 880/2019- Institui o Marco Legal da Nanotecnologia e Materiais Avançados; dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação nanotecnológica; altera as Leis nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, e nº 8.666, de 21 de junho de 1993; e dá outras providências. Explicação da Ementa: Cria o Marco Legal da Nanotecnologia e estabelece incentivos ao desenvolvimento científico, pesquisa, capacitação e inovação no âmbito da nanotecnologia. Em 02.02.2023 encontrava-se na CCT – Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, aguardando designação de relator.
2LEI Nº 10.973, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2004 (com alterações trazidas pela LEI Nº 13.322, DE 28 DE JULHO DE 2016.Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências.
3Lei nº 8.666/93 Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
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1Mestrando Faculdade CERS. Bacharel em Direito pela UNIFACOL (2010). Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UNIFACOL. MBA em Gestão do Ministério Público pela FCAP. Delegado de Polícia Civil de Pernambuco. delegadoalexandreamorim@gmail.com
2Mestrando Faculdade CERS. Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco. Advogado. https://orcid.org/0000-0003-1274-4130. izaias.bezerra@urbanovitalino.com.br