MUSEU MEMORIAL BRASÍLIA

BRASÍLIA MEMORIAL MUSEUM

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202409140810


Filipe Rizzo Oliveira1


Resumo: O Museu Memorial Brasília desempenha um papel crucial na construção da identidade coletiva dos moradores do Distrito Federal, especialmente entre os estudantes da rede pública. No entanto, enfrenta diversos desafios, como limitações de infraestrutura, escassez de recursos financeiros e falta de profissionais qualificados. Para abordar essas questões, foi iniciado um projeto de catalogação, inventário e digitalização do acervo museológico, visando aumentar a eficiência na organização e segurança do patrimônio cultural. Essa iniciativa não apenas busca a preservação do acervo, mas também a democratização do acesso aos bens culturais. Além disso, há a expectativa de que esse projeto inspire a criação de uma rede nacional entre os Institutos Históricos e Geográficos, promovendo a gestão e conservação dos centros de memória espalhados pelo Brasil.

Palavras-chaves: Patrimônio cultural. Preservação de acervos. Memória. Institutos Históricos e Geográficos.

1. A CONSTRUÇÃO E FORMAÇÃO DO ACERVO

Foi durante o mandato de Ernesto Silva (1967-1970)2, ainda sem sede, que o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal começou a coligir documentos sobre a história da construção e dos construtores de Brasília.

O próprio Ernesto Silva destaca em suas memórias o período à frente do IHGDF – e no conjunto de suas maiores conquistas o “funcionamento do Museu da Imagem e do Som com vários depoimentos gravados” e a “Montagem do acervo com cerca de 10 mil documentos oferecidos por voluntários”. A lista de realizações ainda aponta a incorporação ao acervo do IHGDF do Jeep Maracangalha, dos pertences usados na Missão Cruls, a cadeira em que JK se sentou durante a missa de 3 de maio de 1957 e uma biblioteca “especializada” (Silva, 2004, pág. 227).

Esta listagem é simbólica primeiro porque indica a disposição inicial dos pioneiros fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal de registrarem suas histórias e serem os guardiões de suas memórias, seguindo a tradição do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, casa do terceiro museu instalado no Brasil, no ano de 1838. 

Sobre o assunto, Adirson Vasconcelos (1990-1996)3, sócio emérito do IHGDF, conta, com sua característica verve poética, que o presidente da Comissão para a construção da sede, Horta Barbosa, definiu que as obras fossem iniciadas pelo Museu, para atendimento à função principal do Instituto, seguindo-se as demais etapas da edificação:

Elogiou (Horta Barbosa) a concepção arquitetônica do Museu pela ‘sua forma de grande beleza plástica’. É o que hoje existe e que atrai as atenções pela sua monumentalidade e simbolismo ‘uma Nave, que pousa levemente no chão’, com 7 hastes voltadas concomitantemente para o Norte, para o Sul, para o Leste e para o Oeste (Vasconcelos, 2021, pág. 30)

A segunda razão é emblemática porque nos apresenta parte da realidade precária dos acervos de memória privados, mais distantes das ações governamentais e menos preparados tecnicamente do que aqueles administrados pelo poder público.

Daquela coleção preciosa, colhida ainda no frescor dos acontecimentos, infelizmente, não foi encontrado nenhum registro. Nem ao menos o rol de seu conteúdo ou indícios de sua localização. Esses particulares, todavia, extrapolam o escopo deste ensaio é somente uma pesquisa mais aprofundada poderia responder às várias perguntas que esta instigante matéria suscita.

Sabe-se, entretanto, que em seus anos iniciais os membros do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, ainda sem sua sede, reuniam-se no Hotel Nacional, não havendo, portanto, um lugar de guarda próprio onde, a rigor, deveriam permanecer todos os itens albergados. E cumpre apontar as adversidades enfrentadas frente ao processo de radicalização do regime militar em oposição ao envolvimento das lideranças do Instituto, muito ligadas ao projeto político de Juscelino Kubitschek.

Já foi documentado o período de extrema dificuldade vivido nos anos que sucederam a suspensão dos direitos políticos de Saulo Diniz (1964-1967)4, quando, com base em uma decisão do TCDF de desaprovar as contas do IHGDF, o Instituto ficou proibido, por dois anos, de contratar com o Governo do Distrito Federal e teve revogada a doação do terreno destinado a construção da sede pela NOVACAP (Carvalho, 2021; Vasconcelos, 2021). Apenas na gestão de Guido Mondim (1973-1979)5, Senador pela ARENA-RS e futuro Ministro do Tribunal de Contas da União, o IHGDF conseguiria reaver a propriedade do terreno. Momentos difíceis, como definiria Adirson Vasconcelos. Não se trata, portanto, de buscar culpados. A lição que fica é de ação no tempo presente.

O espaço museal – assim como o nome Museu Memorial Brasília – surge mesmo em 1991, durante o mandato de Adirson Vasconcelos, quinto Presidente do Instituto, quando finalmente se conclui a primeira etapa do projeto arquitetônico de Milton Ramos, que previa a construção de uma ala que conteria o museu e a biblioteca.

Agnês Leite, historiadora e colaboradora do IHGDF desde 1996, conta que o museu foi inaugurado com a presença do Ministro da Cultura Francisco Weffort, do Governador Joaquim Roriz, autoridades públicas, pioneiros de Brasília e acadêmicos em solenidade que marcou a passagem do 31º aniversário de Brasília, e teve a colaboração da Secretaria de Cultura do DF, Secretaria de Educação do DF, Secretaria Segurança Pública do DF e do jornal Correio Braziliense.

Inteligente e dedicada Agnês guarda na memória momentos muito significativos e às vezes surpreendentes da história do Instituto, como a transferência do museu do IHGDF para onde hoje funciona o Memorial dos Povos Indígenas, no Eixo Monumental de Brasília:

Em 2 de dezembro de 1994, foi assinado Termo de Convênio de Autorização de uso entre o Distrito Federal representado pelo Governador Joaquim Roriz e o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, representado pelo seu presidente José Adirson Vasconcelos cujo objeto foi a autorização de uso do imóvel situado entre o Palácio do Buriti e o Memorial JK. Neste sentido, em 29 de dezembro de 1994, o Museu Memorial Brasília foi inaugurado no local citado acima. Após algumas discussões o prédio teve de ser devolvido e o Museu voltou para a Sede do Instituto (Oliveira, 2024).

Em 1997 foram feitas revitalizações para melhorias no espaço físico e adquiridas fotografias, itens pessoais do Presidente Juscelino Kubitschek e outros objetos, alguns por meio de compras e outros pela doação de Affonso Heliodoro dos Santos, Alarico Verano, Luiz Carlos de Oliveira Cerqueira, Antoninho Rapassi, Lídia Costa Fonseca, Vera Brant, General Gilberto Azevedo e Mônica Mello Abelha. Participaram das melhorias na organização e estruturação do Museu o professor Manoel Martins Pereira e o senhor Oswaldo Sergio Balbino dos Santos (sócio benemérito do IHGDF). 

Finalmente, em 2002, sob a presidência Affonso Heliodoro dos Santos (1996-2017)6 o museu recebe parte do acervo cenográfico da exposição JK – Cem Anos, de criação do artista plástico Elifas Andreato e o Instituto passa a albergar acervo referente ao Governo José Ornellas.

Desde então o espaço vem se mantendo aberto a visitas gratuitas sendo um dos pilares do programa educacional mantido entre o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e a Secretaria de Estado de Educação do GDF, funcionando ininterruptamente desde 1995 com média de público em torno de 5.000 alunos por ano. Isso, porém, sem que tivessem sido implementadas novas medidas de preservação ou melhorias das condições de guarda dos acervos.

O museu volta ao centro das atenções em 2022 com a criação da Diretoria de Museus, por iniciativa de Paulo Castelo Branco7, e a inauguração da exposição Memórias femininas (2023) e do busto do astrônomo e explorador Louis Cruls (2024). Numa série de iniciativas que buscaram promover o espaço do centro de exposições como ponto de encontro e discussão das novas leituras da história da construção de Brasília.

Tão importante quanto as novas exposições foi a chegada ao IHGDF, ainda no decorrer do mandato de Ronaldo Poletti (2018-2022)8, do acervo de Adirson Vasconcelos, composto por milhares de documentos, mapas e biblioteca, itens recolhidos desde sua chegada a Brasília, em 1957. A vinda do fundador Adirson Vasconcelos expôs, porém, as limitações ambientais e financeiras do Instituto em relação às condições de tratamento e guarda de suas coleções – que como foi visto, remontam ao ano de 1997.

A extensão desse patrimônio9 ocasionou desafios de conservação e de gestão difíceis de serem resolvidos – pois envolvem, além de recursos financeiros, equipamentos e profissionais qualificados, desenvolvimento de estratégias de longo prazo e uma visão compartilhada com os demais acervos (documental e biblioteca) – como também trouxe questões relativas à necessidade cada vez mais urgente de compartilhar este vasto patrimônio com a cidade.

Por outro lado, o exercício de reflexão sobre o material dá relevo à importância histórica desses bens e suscita várias possibilidades de aperfeiçoamento de suas funções sociais.

2. LEVANTAMENTO E GESTÃO DO ACERVO

No sentido de aperfeiçoamento de suas funções cabem algumas demonstrações da atuação do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, no que tange a gestão de seu acervo museográfico – principalmente suas funções precípuas de guarda, conservação e exposição – e planos de evolução. Mas, para tanto, faz-se necessário apresentar algumas informações sobre o Memorial Brasília inserindo-o no contexto do Sistema Brasileiro de Museus.

Para o levantamento de informações sobre as coleções das instituições museológicas, o Cadastro Nacional de Museus utiliza como referência a concepção de coleções de bens culturais, relacionada ao conceito de museu expresso no Estatuto de Museus, promulgado pela Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. A Lei estabelece em seu Artigo 1º que:

Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento.

De acordo com os critérios adotados na pesquisa, o Memorial Brasília se enquadra no primeiro nível (Gráfico 1) levando-se em consideração a quantidade de bens culturais do acervo, contando com aproximadamente 300 objetos em exposição permanente. Instituições como o IHGDF com acervo composto por até 500 peças são as de menor quantitativo, mas significam cerca de 28% da amostra. Junto ao grupo composto por museus com acervos entre 501 e 3.000 objetos, as duas categorias formam 63% de todo o universo de pesquisa, indicando que seis em cada dez instituições de guarda no Brasil são consideradas de pequeno porte.

Gráfico 1 – Número de museus segundo quantidade de bens culturais do acervo

Fonte: Cadastro Nacional de Museus – IBRAM / MINC, 2010

Em relação à visitação, o Instituto aparece em uma posição intermediária, recebendo, em média, mais de 5.000 visitantes por ano. Um número expressivo levando em consideração a falta de atualização da exposição e o tamanho comparativamente pequeno da área total do Memorial, com cerca de 1.000 m2.

Gráfico 2 – Museus segundo faixas de visitação

Fonte: Resultados FVA 2020/IBRAM

Gráfico 3 – Porcentagem (%) de museus segundo área total (m2), Brasil, 2010

Fonte: Cadastro Nacional de Museus – IBRAM / MINC, 2010

Alguns fatores ajudam a explicar o alto índice de visitação que o Memorial Brasília recebe. A região do Distrito Federal abriga uma quantidade de museus desproporcionalmente alta em relação à média das cidades brasileiras devido a suas características particulares de capital federal, concentrando a maioria dos órgãos públicos federais (não raro com museus e espaços culturais próprios), sendo também o destino principal do turismo cívico, o que contribui para a formação de um público mais interessado em exposições culturais. Maior exemplo desse hábito é o resultado da contagem que posiciona o Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB Brasília entre os dez museus mais visitados do país, chegando a contabilizar 808.312 pessoas em 201910.

Apesar de tudo, o grande responsável pelo número significativo de público é, sem dúvida, o sucesso do programa educacional Distrito Federal: seu povo, sua história, que o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal mantém em acordo de cooperação com a Secretaria de Estado de Educação – SEEDF e desenvolvido por professores da Secretaria, responsáveis por ministrar aulas de História e Geografia do Distrito Federal aos estudantes da rede pública de ensino.

Em 2019, em cenário pré-covid, foram atendidos 5.766 alunos. Já em 2022, no primeiro ano de volta das atividades presenciais, foram atendidos 3.952 estudantes, abrangendo 44 instituições de ensino (39 escolas públicas, 4 privadas e uma universidade)11.

Assim que as escolas chegam ao Instituto os alunos são conduzidos ao auditório e após as aulas são convidados ao Memorial Brasília onde trabalham informações sobre educação patrimonial e entram contato com o acervo do Museu, complementando os ensinamentos da aula anterior.

O êxito do programa Distrito Federal: seu povo, sua história mascara, entretanto, certa dificuldade que o museu tem de comunicar-se com seu entorno. Em sua concepção o Memorial Brasília possui as principais características do que se pode chamar de museu comunitário – entendido como espaço que tem por objetivo servir à comunidade e ao seu desenvolvimento a partir da contextualização e da valorização, preservação e difusão dos patrimônios locais – mas, essa vocação contrasta com a falta de envolvimento com a vizinhança, como pode ser aferido pelo baixo número de visitantes locais. Qualquer estratégia de longo prazo deve levar em consideração essa disparidade.

Em relação às ferramentas básicas de planejamento estratégico, privilegia-se atualmente a existência de regimento interno e de plano museológico. A Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que instituiu o Estatuto de Museus, estabelece em seu Artigo 18º que “As entidades públicas e privadas de que dependam os museus deverão definir claramente seu enquadramento orgânico e aprovar o respectivo regimento”. Quanto ao plano museológico o Artigo 44º versa que “É dever dos museus elaborar e implementar o Plano Museológico”.

Tanto o regimento interno quanto o plano museológico são fundamentais para a gestão de um museu, mas possuem funções distintas e complementares. O regimento é um documento normativo interno, que estabelece as regras gerais de funcionamento do museu. Define a estrutura organizacional, as atribuições de cada setor, os procedimentos administrativos, as normas de conduta e as relações entre os diversos agentes envolvidos na gestão do museu com o objetivo de assegurar a organização, a eficiência e a transparência das atividades, além de garantir a conformidade com a legislação vigente.

O plano museológico, por sua vez, é um documento estratégico que define a missão, os objetivos, as metas e as ações a serem desenvolvidas pelo museu em um determinado período. Aborda questões como a identidade do museu, o público-alvo, a coleção, as exposições, a educação, a pesquisa, a comunicação e a gestão de recursos, garantindo que as atividades desenvolvidas estejam alinhadas com sua missão e com as demandas da sociedade.

A diretoria do Instituto compreende a importância de instituir tais instrumentos, mas reconhece como necessidade primária a catalogação e inventário do acervo. O registro do acervo é um procedimento essencial para a criação do plano museológico e regimento interno dos museus, assim como para a preservação de seus bens e o desenvolvimento de pesquisas e, inclusive, para a realização das atividades de educação e comunicação dos museus.

O Gráfico 4 mostra a situação dos museus brasileiros no que se refere ao registro dos acervos. A maior parte dos museus cadastrados no levantamento declarou realizar o registro dos seus acervos. Mas, a pesquisa aponta uma grande distorção: embora 78,7% dos museus tenham declarado realizar algum tipo de registro de acervo, ao mesmo tempo, 75% afirmaram possuir somente um número aproximado sobre a quantidade de seus bens culturais.

Gráfico 4 – Porcentagem (%) de museus segundo situação de registro do acervo, Brasil, 2010

Fonte: Cadastro Nacional de Museus – IBRAM / MINC, 2010

O aspecto a se considerar é o fato de que apesar do reconhecimento da importância do registro dos bens culturais, muitos museus apresentam dificuldades na execução dessa atividade. A falta de números exatos ocorre por várias razões, entre elas a escassez de recursos humanos e a ausência de capacitação técnica para a realização da atividade.

A ausência de registros completos e atualizados dos acervos museográficos representa um desafio significativo para a preservação do patrimônio cultural brasileiro e gera consequências como a perda de informações, o que dificulta a pesquisa, a identificação e a autenticação de objetos; impossibilidade de acesso à informação; e aumento da vulnerabilidade dos acervos, expondo-os a riscos de perda, roubo e danos.

Os principais instrumentos utilizados para registro do acervo, segundo o Cadastro Nacional de Museus, são o livro de registro e a ficha catalográfica. Os softwares de catalogação aparecem como o recurso menos utilizado em relação aos demais instrumentos. 

Como uma medida para tentar solucionar este problema o projeto Tainacan teve início em 2014, coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás. A ideia era criar uma ferramenta que auxiliasse na implementação de uma política nacional de acervos digitais culturais por iniciativa do Ministério da Cultura do Brasil.

O resultado é uma plataforma tecnológica, desenvolvida especificamente para a criação e gestão de repositórios digitais, que permite que instituições culturais cataloguem e organizem seus acervos digitais, permitindo o compartilhamento e promovendo a divulgação do patrimônio cultural.

O Projeto Tainacan tem apresentado resultados significativos na medida em que passou a oferecer uma plataforma que vem sendo adotada pelos museus ligados ao Instituto Brasileiro de Museus e assim passaram também a ser adotados por outras instituições de caráter privado. Entre seus usuários mais importantes podemos destacar: o Museu Histórico Nacional, o Museu do Ipiranga, o Museu do Amanhã e o Brasiliana Museus.

3. INVENTÁRIO E CATALOGAÇÃO

Diante da constatação de que o Memorial Brasília nunca teve seus bens culturais inventariados e catalogados e na falta de pessoal qualificado em seus quadros, a diretoria do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal viu-se diante do dever de contratar uma equipe especializada para realizar o trabalho de cunho documental e museológico no trato do acervo. 

Ademais, reconhece-se que o IHGDF necessita passar por algumas adequações de procedimentos de forma a cumprir o que está disposto no Estatuto de Museus. No que diz respeito a documentação dos bens culturais em instituições museológicas, o Estatuto de Museus estabelece que:

“Art. 39.  É obrigação dos museus manter documentação sistematicamente atualizada sobre os bens culturais que integram seus acervos, na forma de registros e inventários.
§ 1º O registro e o inventário dos bens culturais dos museus devem estruturar-se de forma a assegurar a compatibilização com o inventário nacional dos bens culturais. 
§ 2º Os bens inventariados ou registrados gozam de proteção com vistas em evitar o seu perecimento ou degradação, a promover sua preservação e segurança e a divulgar a respectiva existência.”

Coube a Diretoria do Museu a elaboração de um projeto de documentação museológica (inventário e catalogação) a ser executado no Museu Memorial Brasília do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Finalizado em finais de 2023 o projeto prevê:

  • Realização do inventário das peças definidas para o projeto.
  • Pesquisa histórica acerca de cada objeto inventariado.
  • Registro fotográfico de cada objeto inventariado.
  • Descrição física de cada objeto inventariado.
  • Catalogação de cada objeto inventariado.
  • Elaboração de ficha técnica de cada objeto inventariado.
  • Tratamento da informação dos objetos museológicos.
  • Customização da plataforma do sistema de gestão.
  • Treinamento da equipe para inserção das peças na plataforma do sistema de gestão.
  • Inserção das peças na plataforma do sistema de gestão.

A utilização de softwares que auxiliem na organização dos dados também está prevista como estratégia que pode favorecer substancialmente o trabalho, ampliando sua acessibilidade e seu público.

Muito utilizado para gestão e compartilhamento de acervos museológicos, o Tainacan apresenta-se como uma plataforma bastante indicada para absorver as informações relativas à catalogação, organização, armazenamento e compartilhamento do acervo inventariado do Memorial Brasília, facilitando a interoperabilidade com outros institutos e padrões internacionais de gestão da informação museológica.

Para melhor se ajustar às necessidades de uso por pessoas externas à instituição e, portanto, aumentar o número de usuários, o Tainacan passará por um processo de customização e personalização para melhor se adequar aos bens culturais musealizados no IHGDF.

A seguir seguem as principais etapas do processo de migração de dados:

  1. Coleta de dados: compreende a coleta dos dados e sua conversão em um arquivo de texto que será o formato adotado para as bases de dados que serão tratadas, normalizadas e migradas para o sistema de gestão.
  2. Análise da documentação: estudo dos padrões de metadados e vocabulários controlados usados na documentação.
  3. Tratamento dos dados: melhoria da organização da informação, da qualidade dos dados registrados e na padronização de termos, que por consequência tornam a recuperação das informações mais fácil e rápida, as buscas mais precisas e assertivas, e ainda permitem outras visualizações e análises mais completas e detalhadas do conteúdo dos acervos, permitindo conhecer com mais propriedade cada acervo.
  4. Importação dos dados no sistema de gestão e validação pela equipe do Memorial Brasília.
  5. Publicação e difusão do acervo: etapa final do processo em que é montada a página eletrônica para apresentação das coleções.

Com todas as etapas descritas concluídas o acervo estará pronto para ser disponibilizado para acesso do público.

4. COLABORAÇÃO SOB A FORMA DE REDES

Presentes em um contexto cada vez mais colaborativo as instituições de índole cultural revelam a tendência para se organizarem em rede com diversos intuitos: trocar informações disponíveis e atualizadas; fornecer produtos considerados de valor agregado (como por exemplo bases de dados); partilhar saberes e experiências; bem como contribuir para a expansão do conjunto de serviços prestados e a prestar à comunidade envolvida.

Esta forma de atuação é um tipo de resposta à perspectiva de que, perante a sociedade de informação, para acompanhar a sua evolução e manter-se inserida nela, é necessário apreender e adaptar-se a novos modelos de estratégia, gestão e tecnologias. Consequentemente, a respectiva adaptação provoca alterações mais internas, como a natureza dos conteúdos, os discursos, formas de comunicação e formas de captar, organizar e preservar seu patrimônio.

O governo brasileiro, através do Instituto Brasileiro de Museus (autarquia vinculada ao Ministério do Turismo), vem promovendo a articulação e o intercâmbio do setor museológico pela aplicação da Política Nacional de Museus, patrocinando políticas públicas, programas e projetos voltados à organização, gestão e desenvolvimento dos museus brasileiros. Principalmente o que afeta a preservação e sustentabilidade de seus acervos.

Dentre as principais iniciativas destacam-se: 

  •  Acervo em Rede, instituído em 2013 por iniciativa do Ibram, foi criado para aprimorar, desenvolver e estimular ações de circulação e gestão de acervos e coleções por meio da padronização de uma base de dados que permita o registro e a busca integrada das informações dos acervos dos museus do país – em 2016, o Ibram adotou a plataforma Tainacan para atender a essa necessidade. Números atuais da implantação do Tainacan nos museus vinculados ao Ibram: 20 museus com acervos disponíveis ao público; mais de 200.000 itens em tratamento das informações; mais de 15.000 itens disponibilizados para consulta. 
  • Brasiliana Museus – plataforma aberta que reúne acervos digitalizados de diversos museus do Brasil. A Brasiliana foi construída como um agregador que permite o uso de diferentes tecnologias de repositórios digitais em sua estratégia de agregação. A Brasiliana usa tecnologia Tainacan em sua concepção de busca, recuperação e exibição da informação. Números atuais do acervo: mais de 20.000 mil itens digitalizados de 21 museus brasileiros.
  • Google Arts & Culture – projeto sem fins lucrativos desenvolvido pelo Instituto Cultural do Google. O projeto tem como objetivo divulgar os acervos culturais, obras de arte e documentos históricos que estão fisicamente em museus e instituições a fim de tornar as obras de arte acessíveis às pessoas do mundo inteiro. Os museus vinculados ao Ibram que se encontram no projeto são: Museu Histórico Nacional (MHN); Museu Nacional de Belas Artes (MNBA); Museu Lasar Segall (MLS); Museu Imperial (MI); Museus Castro Maya; Museu Villa-Lobos; e Museu da República.

Para além da visão governamental, o universo museológico tem assistido ao consistente aumento na criação de redes regionais, locais, setoriais e de tutelas. A criação destas redes passa por compatibilizar áreas especificamente museológicas e traduzem-se na associação de várias unidades museológicas dada a coincidência do campo temático ou de modo a compatibilizar unidades coincidentes em termos de tutela, ou seja, em termos de perfil institucional ou de gestão. 

Estas redes têm como característica a partilha de saberes e experiências, como no caso das redes setoriais, ou a otimização do funcionamento e gestão das entidades museológicas, caso das redes de tutela. Assim se verificam preocupações com a gestão integrada, a compatibilização e rentabilização de recursos, bem como a da defesa, valorização e divulgação do patrimônio cultural local ou regional.

Rede de museus dos Instituto Histórico e Geográfico do Brasil

Existe uma mobilização de parte significativa dos IHG do Brasil, no sentido de criar uma rede de integração e colaboração, visando seu fortalecimento, desenvolvimento e compartilhamento de esforços. Destaca-se, a criação do Cadastro Nacional dos Institutos Históricos e do Cadastro Nacional de Pesquisadores Brasileiros Vinculados aos Institutos Históricos, aprovado no II Colóquio de Institutos Históricos Brasileiros (Rio de Janeiro, 2002), e a proposta de criação de um sistema nacional de Institutos Históricos, conforme proposição do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, por ocasião do I Colóquio Nacional de Institutos Históricos (Rio de Janeiro, 1998).

Nesse sentido pode-se, também, estudar a proposta da criação de uma rede que integre os esforços de guarda, manutenção e divulgação de seus acervos. Ao longo dos anos os Institutos Históricos e Geográficos e seus congêneres – especialmente os mais antigos – acumularam coleções extraordinárias, resultado de uma vasta atividade de coleta que envolveu sucessivas gerações. 

Apesar do seu valor intrínseco, este património ainda aguarda ser plenamente reconhecido e legitimado. As potencialidades do patrimônio conjunto do grupo de 76 institutos (reconhecidos no site do IHGB) ainda não foram adequadamente compreendidas e utilizadas devido a diferentes fatores, como: as dificuldades decorrentes da falta de museólogos integrando o corpo de funcionários; a persistência de um sistema de gestão fragmentado e policêntrico; a falta de um sistema de catalogação compartilhado; e, claro, recursos financeiros.

A solução das insuficiências do tecido museológico dos IHG, frente a dificuldade de se estabelecer os padrões requeridos pelo Conselho Internacional dos Museus (ICOM) pode ser encontrada na formação de uma rede de museus dos Institutos Históricos e Geográficos brasileiros baseada em dois eixos. Um eixo técnico, com objetivo central de partilha de competências técnicas e experiências, associado a um eixo financeiro que consiga apoio pecuniário para a execução dos planos de ação.

Assim, a rede teria por propósito a criação de um verdadeiro sistema de controle do patrimônio museológico em nível nacional, mas em direta articulação com o desenvolvimento social de cada região, de modo transversal e descentralizador.

Este modelo encontra amparo no Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil12 e na Lei no 13.019 de 31 de julho de 2014, por meio do Procedimento de Manifestação de Interesse Social e da assinatura de Termo de Fomento1314

Na hipótese de haver uma Federação de Institutos Históricos e Geográficos, esta poderia ser a proponente e executora de um termo de fomento que envolvesse a transferência de recursos financeiros para a execução de um plano de catalogação e inventário de todos os seus membros e a formatação de uma plataforma compartilhada que reunisse a totalidade de seus acervos digitalizados. Formando uma rede nacional dotada de ferramentas com grande penetração comunitária, valorizando a história, a identidade e a cultura locais.

Na falta de uma entidade representativa constituída, efetivamente, qualquer Instituto já poderia conduzir uma proposição igual ou semelhante, desde que sintam-se aptos a seguir o processo burocrático envolvido na proposição e manejo de um projeto dessa monta.

5. CONCLUSÃO

Ao resgatar um pouco da história do Museu Memorial Brasília pode-se perceber a importância material de seu acervo para construção da identidade coletiva dos moradores do Distrito Federal – principalmente entre os estudantes do sistema público de ensino – assim como dá conhecimento dos desafios enfrentados para mantê-lo em atividade. Sejam limitações de infraestrutura ou recursos financeiros, a falta de profissionais qualificados ou o engajamento popular.

Por conta de sua importância no processo de conservação e gestão dos bens culturais do IHGDF optou-se por concentrar esforços na realização de um projeto de catalogação, inventário e digitalização de seu acervo museológico. Espera-se que essa ação garanta maior eficiência na organização e segurança do patrimônio cultural, gerando benefícios para a preservação e difusão do acervo. Um trabalho que pretende ser estendido, guardada as diferenças de suporte entre as mídias, ao acervo documental da instituição e que trará como resultados tanto a preservação dos acervos bem como a democratização de acesso aos bens culturais.

Quem sabe, por fim, esta empresa ainda possa instar a formação de uma aliança entre os Institutos Históricos e Geográficos nos moldes de uma rede nacional ímpar para a gestão e conservação dos pequenos e importantes centros de memória instalados nos mais de setenta sodalícios instalados ao longo do território brasileiro. 


2Ernesto Silva – Coronel da reserva do Exército, além de médico pediatra. Presidente do IHGDF entre 1967 e 1970. Foi também Secretário da “Comissão de Localização da Nova Capital do Brasil” (1953-1955); Presidente da “Comissão de Planejamento da Construção e da Mudança da Capital Federal” (1956) e Diretor da Companhia Urbanizadora de Nova Capital – NOVACAP (1956-1961).
3Adirson Vasconcelos – Formado em Jornalismo, Direito e História, foi repórter e cronista social pioneiro da fundação de Brasília. Autor de vasta obra literária no campo da história, escreveu mais de 61 livros, todos com referências à Brasília. Presidente do IHGDF entre 1990 e 1996. Foi diretor do Jornal Correio Braziliense e editor na Fundação Assis Chateaubriand da obra de Assis Chateaubriand.
4Saulo Diniz – Industrial e político mineiro, foi o maior articulador da existência do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e seu Presidente entre 1964 e 1967. Ministro do Tribunal de Contas do DF, foi também Deputado Estadual por Minas Gerais e Delegado do Brasil junto à Organização Mundial do Trabalho.
5Guido Mondim – Político gaúcho. Presidente do IHGDF entre 1973 e 1979. Foi Prefeito, Deputado Estadual, Deputado Federal e Senador da República, aposentando-se como Ministro do Tribunal de Contas da União.
6Affonso Heliodoro dos Santos – Bacharel em direito e Coronel da Reserva da Polícia Militar de Minas Gerais. Presidente do IHGDF entre 1996 e 2017. Com Juscelino Kubitschek, foi chefe do Gabinete Militar no Governo de Minas Gerais e Subchefe do Gabinete Civil na Presidência. Dirigiu também o Serviço de Verificação das Metas Econômicas do Governo e o Serviço de Interesse.
7Paulo Castelo Branco – Bacharel em direito. Presidente do IHGDF em exercício no biênio 2022/2024. Foi conselheiro seccional e federal da Ordem dos Advogados do Brasil e secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Presidente do Conselho de Ética da ABRIG – Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais.
8Ronaldo Poletti – Bacharel em ciências jurídicas e sociais, escritor, jurista, filósofo do direito e professor brasileiro. Presidente do IHGDF entre 2018 e 2022. Professor Emérito da Escola da Magistratura Federal da Primeira Região, foi Presidente do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (IADF), Procurador de Justiça do Estado de São Paulo, Consultor Geral da República e Consultor Jurídico dos Ministérios da Justiça e da Aeronáutica.
9O acervo de Adirson Vasconcelos até o momento não foi catalogado sendo, assim, impossível determinar a quantidade de itens que o compõem. No entanto, estimativas iniciais indicavam 1.080 livros e 170 revistas sobre Brasília, 264 registros audiovisuais, 28 mapas, 822 fotografias, slides e negativos e 15.394 documentos.
10Fonte: <https://www.bb.com.br/pbb/pagina-inicial/imprensa/n/63846/ccbbs-entre-os-museus-mais-visitados-em-2020#/ >
11Fonte: Relatório das atividades Educacionais, 2022. IHGDF.
12Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil;
13Termo de fomento: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas pelas organizações da sociedade civil, que envolvam a transferência de recursos financeiros.
14A melhor possibilidade seria a aplicação, dentro da referida lei, de seu artigo Art. 31. Será considerado inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto da parceria ou se as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica.

BIBLIOGRAFIA

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BRASIL. Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm>. Acesso em: 15 Jul. 2020.

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VASCONCELOS, Adirson. Narrativa sobre a História do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Brasília: Kelps, 2021.


1Diretor do Memorial Brasília no biênio (2022-2024) e acadêmico do IHG-DF – Cadeira no 110, Patrono: Cyro dos Anjos.