MULHER E AS REDES SOCIAIS: UM PRIMEIRO DIAGNÓSTICO CONTRÁRIO AO MOVIMENTO SOCIAL FEMINISTA

WOMEN AND THE SOCIAL MEDIA: FIRST DIAGNOSIS AGAINST THE FEMINIST SOCIAL MOVEMENT

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202510072009


Luiz Ricardo Assumpção Polydoro Junior1
Andréia Alvarenga de Moura Meneses2


RESUMO

Este artigo visa a apresentar a base teórica para fins de discussão de como a agenda de reivindicações feminista é detratada no ambiente virtual, dentro da perspectiva inafastável do arrefecimento dos movimentos sociais, em análise exploratória qualitativa da literatura técnica multidisciplinar sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE: feminismo; movimentos sociais; redes sociais

ABSTRACT

This article aims to present the theoretical basis for discussing how the feminist demands agenda is detracted in the virtual environment, within the unavoidable social movements cooling’s perspective, in a qualitative exploratory analysis of multidisciplinary technical literature on this subject.

KEY WORDS: feminism; social movements; social networks

1. Introdução

A condição de ser mulher nunca foi tarefa fácil. Mas, ao contrário de outras épocas, a mulher hoje tem um desempenho econômico que não pode ser descartado ou menosprezado, sendo que, no Brasil, chefia e sustenta mais da metade dos lares, segundo o Censo de 2022[1], e constituem 81% das beneficiárias do programa Bolsa Família[2], muito embora uma pobreza geracional e o desnível remuneratório a tenha impedido de ser detentora de propriedades e de acumular capital suficiente para que seja considerada inteiramente livre.

De igual sorte, não se pode considerar os aspectos democráticos inclusivos de gênero sem sopesar o nível de cidadania obtido pela mulher ao longo das últimas décadas, tampouco o consequente backlash a tais direitos conseguidos com muita resistência de toda a sociedade.

O cenário aponta que a agenda feminista vem perdendo a batalha, afogada em páginas de ódio e misoginia nas redes sociais (Fisher, 2023), ao passo que os movimentos sociais, agora também dependentes das redes sociais, têm adesão maciça, mas ao mesmo tempo frágil, porquanto as pessoas não se reúnem mais presencialmente, reprimidas pelo individualismo neoliberal e pela necessidade darwiniana de sustento próprio (Davis, 2006; Fisher, 2023; Byung-Chul, 2023), além do receio legítimo de criminalização ou supercriminalização dos movimentos sociais e da crescente violência policial (Coletivo Tinta Limón, 2021), que limita a participação de mulheres e meninas nas manifestações de rua.

Seja na sociedade de consumo[3], com suas relações líquidas (Bauman, 2008), seja na sociedade do cansaço (Byung-Chul, 2023), o desafio que se apresenta é conciliar a cidadania conquistada pela mulher com os problemas prementes surgidos a partir do mau uso das redes sociais.

O objetivo deste estudo é averiguar a correlação entre a construção, ainda que incipiente, do fenômeno da economia feminina, o que atrai, quase como se fosse uma coisa natural, maior consciência das opressões sofridas em todos os âmbitos sociais, em contraste com um pensamento patriarcal e retrógrado manifestado nas redes sociais em sítios que instigam e fomentam o desprezo e a violência contra a mulher (Souza, 2024; Fisher, 2023).

A problemática envolve aspectos sociais e jurídicos consistentes em soluções que necessitam de projetos de educação, aumento de representação política feminina, com produção legislativa para além do séc. XIX (Périvier, 2023), além da oferta de serviços coletivos para cuidados para a infância.

Para tanto, utilizou-se a metodologia descritiva com revisão bibliográfica conatural ao tema, partindo-se dos institutos feministas, com espeque no materialismo histórico dialético, para se chegar ao estado da arte da pesquisa[4].

A Internet como ferramenta para o desenvolvimento da atividade empreendedora feminina, ainda que em pequena escala, afigura-se muito eficiente, bem como para disseminação de expressões de arte e cultura. Contudo, o lado obscuro da rede também se volta às vulnerabilidades suportadas pelo universo feminino, e, com requintes de crueldade, devido à aparente impunidade dos primeiros ofensores, que se escondiam por detrás da tela do computador. Hoje, tais crimes podem e devem ser apurados com rigor, protegendo bebês, meninas e mulheres.

A consecução da cidadania feminina dentro do ambiente digital, assim como no mundo dito real, depende da paridade de gênero substancial, e não apenas formal. O enfrentamento de todos os tipos de violência perpetrados contra a mulher deve ser realizado não apenas pelo Estado, mas também constrangendo as empresas privadas a extirpar de seus quadros os criminosos que insistem em subalternizar e objetificar os corpos femininos. Sobre uma inexistente hierarquia de corpos, educam-se os novos homens, os meninos (o que pode ser feito), e punem-se os homens (o que deve ser feito).

Portanto, para a expressão plena da cidadania feminina, há que se combater todos os crimes e formas de opressão alimentadas pelas redes sociais, implementando um bloco de legalidade inteligente com relação à paridade substancial de gênero, e não apenas atrelado a uma igualdade formal.

Some-se uma movimentação social inversa ao que vemos hoje, com a necessidade da volta aos movimentos sociais de integração presencial e comunitária, por exemplo, com clubes de educação para leituras, matemáticas e tecnologias femininas, que darão o substrato para o combate à solidão neoliberal, com o acolhimento de meninas, adolescentes, mulheres e idosas, para a construção e consolidação da cidadania, tanto no mundo da vida, quanto no ecossistema virtual.

2. Uma problemática patriarcal e neoliberal

Uma vez assentado o panorama social e econômico hodierno, num ambiente patriarcal desde priscas eras até os dias atuais, aliado ao capitalismo tardio periférico, ou neoliberalismo, cabe localizar todo esse estado de coisas que aflige a liberdade da mulher, inclusive a liberdade financeira num ambiente hostil de concorrência darwiniana (Davis, 2006), em que o Estado de bem-estar social foi praticamente varrido das sociedades.

A contradição reside justamente no monopólio estatal de implementar políticas públicas econômicas e sociais, mas o Estado estaria praticamente refém do mercado e grandes corporações, que impõem ao espectro público políticas de austeridade que interditam justamente ações democráticas inclusivas, que em geral beneficiam diretamente as mulheres, como a criação de mais creches, por exemplo.

O Chile, sem dúvidas, foi o grande laboratório para a implementação do neoliberalismo pós-golpe de Estado empresarial-militar Pinochetista (Coletivo Tinta Limón, 2021). Tendo em vista a ausência de oposição e inexistência de estrutura para um debate democrático sobre os rumos econômicos chilenos, por causa da violenta repressão ditatorial, as vozes contrárias ao novel regime imposto a partir de 1973 se viram obrigadas a fugir do país ou foram exterminadas.

Assim, às custas do sofrimento do povo chileno e da degradação da possibilidade de prosperidade para a classe média e as classes mais pobres, agora alijadas do acesso aos bens sociais e econômicos, o Estado chileno ia se esvaindo em detrimento da abundância econômica da classe interna dominante, avassalada às grandes corporações estrangeiras (Coletivo Tinta Limón, 2021; Galeano, 2022).

Como nada vem do acaso, a historicidade aponta que esse primeiro experimento no Sul Global abriu as portas para que governos como o de Margareth Tatcher, no Reino Unido, e de Ronald Reagan, nos EUA, na década de 1980, adotassem o neoliberalismo sob várias vertentes, com a promessa de sacrifícios no presente para se alcançar a abundância no futuro, inquinando o Estado de Bem-Estar Social como o inimigo e, logo, o causador de todas as mazelas sociais, como desemprego, explosão do consumo de narcóticos e desindustrialização.

No Brasil, a política neoliberal foi implementada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, e continuada nos Governos Lula da Silva (Coelho, 2022), justamente o contrário do projeto apresentado na campanha que o elegeu em 2003. Valendo-se do “boom” das “commodities”, o capitalismo tardio e periférico brasileiro ficou meio mascarado nos dois primeiros governos do Partido dos Trabalhadores.

Após o “impeachment” de Dilma Roussef, ocorrido em 2016, os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro continuaram na mesma toada, em conjunto com a classe dominante avassalada às grandes corporações oligárquicas, entre elas as “big techs” ou “big datas” (Byung-Chul, 2023), que agora já dominavam as narrativas mundo afora de acordo com suas conveniências (Fisher, 2023).

Dessa forma, em termos econômicos, havia, dentro dessa narrativa, de fato, um inimigo a ser enfrentado, entre outros: o Estado.

Outra contradição vinha dos subsídios dados a vários setores da economia, às classes dominantes, a exemplo do agronegócio, para a manutenção de seu poderio econômico, às custas da queda constante da qualidade dos produtos produzidos, aumento do custo dos produtos aos consumidores finais e evasão das indústrias, principalmente de produção de bens primários, para, por exemplo, o Sudeste Asiático.

Visto de uma maneira simples, o objetivo das empresas a partir de então é basicamente o lucro dos acionistas, não mais o produto ou o consumidor. Vejam-se vários exemplos da diferença salarial entre os operários e os CEOs da década de 1980 ou 1990 até os dias de hoje, o que pode ser considerado um forte indício a corroborar a argumentação acima descrita.

Portanto, a luta democrática de hoje deve ter como alicerces o anti patriarcalismo e o anti neoliberalismo, de modo a constranger a realidade nos seus aspectos mais repugnantes (Eagleton, 2023).

3. O papel feminino nas sociedades atuais

Posta a situação econômica, porque o ponto de vista materialista é essencial para a compreensão do tema em discussão, o papel econômico da mulher não apenas na sociedade, mas dentro do microcosmo familiar, teve que mudar desde o final do séc. XX.

A precarização não apenas das relações de trabalho, mas diante do fenômeno da diminuição substancial dos salários, fez da introdução da força de trabalho da mulher no mercado uma necessidade para as células familiares de classe média, o que já era evidente para as classes menos favorecidas desde a abolição da escravatura, nas quais o trabalho da mulher já era imprescindível e decuplicado (Gonzalez, 2019).

O que nos anos 1950 era quase um diletantismo na classe média e classe média alta, com as mulheres trabalhando como professoras, uma das poucas profissões que era socialmente aceita e até incentivada, sem que a mulher fosse taxada de “vagabunda”, entendida como uma forma de “ajuda” ao salário do marido e uma maneira de a mulher não ficar em casa “entediada”. Destarte, os pequenos salários pagos às mulheres foram vistos com bons olhos pela classe dominante (Beauvoir, 2019), embora o Estado fosse o empregador. Ou seja, pagava-se pouco às mulheres para tarefas vistas como se fosse uma “caridade”: alfabetizar uma população iletrada nas escolas públicas dos subúrbios do Rio de Janeiro, por exemplo.

Para a mulher preta, base da pirâmide social (Davis, 2018), que sustenta toda a sociedade com seu trabalho, dentro e fora de casa, a situação sempre foi mais asfixiante. Como ensina Lélia Gonzalez (2019), a família tradicional brasileira é composta de uma mulher preta solo que trabalha fora, geralmente em “casa de família”, uma avó preta e a criançada.

Mas o que deve ser compreensível é que se essa mulher preta está sozinha, não é por promiscuidade. Seu homem está geralmente em três situações. A primeira possibilidade é que esse homem está preso, geralmente por tráfico de drogas e sem sentença definitiva há anos. Outra contingência é que esse homem esteja morto, por violência policial institucionalizada e incentivada pelo Estado, ou mesmo pela guerra constante nas comunidades, no campo ou nas cidades. Uma terceira alternativa é a falta de uma cultura familiar vinda dos tempos da escravatura das pessoas africanas, separadas propositadamente de suas famílias, de forma a dissolver a possibilidade de haver um alento e apoio familiar que pudesse alavancar alguma revolta. Esses homens, que inicialmente sofriam com a separação da família, foram aos poucos perdendo o sentimento com relação a essa instituição, como pode ser lido no livro icônico “A Casa do Pai Tomás”, que, inclusive pode ser considerado um elemento que impulsionou o movimento de libertação dos afrodescendentes escravizados nos EUA. 

E veja que uma das lógicas feministas desde a década de 1960 é poder ter o tempo necessário para viver a vida da forma que lhe bem prouver, sem a maternidade forçada, ou o casamento mandatório, o que enfrenta fortemente a lógica neoliberal, de que quanto mais gente lutando por uma vaga, melhor será para a classe dominante, porque, se necessitados, os trabalhadores aceitam se submeter a qualquer condição, por mais deplorável que seja. Vale dizer, o movimento feminista aspira a uma vida de mais qualidade, com menos consumo.

4. Mulheres nas redes sociais

As redes sociais, tais como nos são apresentadas, concentram no celular quase todas as nossas atividades. Distrações, ensino, conta bancária, sem contar que as redes permitiram a todas as pessoas se expressarem livremente e sem regulamentação.

O problema é o mau uso das redes sociais, e aqui em especial o uso para o ataque misógino e sexista às mulheres e às conquistas obtidas a duras penas durante os últimos séculos, partindo da premissa de uma meritocracia inexistente.

O anzol para cooptar homens ao ódio ao elemento feminino na sociedade é justamente a frustração com a falsa ideia neoliberal da meritocracia, uma verdadeira ficção social de que se a pessoa praticamente se matar de trabalhar, acaba ficando rica; despreza o estudo formal e incentiva a violência contra as mulheres, muitas vezes sob uma aura religiosa, geralmente ligada a algumas religiões neopentecostais e a setores radicais da igreja católica.

O salário de um homem de classe média da década de 1950 não se compara a um salário pago para as mesmas funções desempenhadas no séc. XXI. O que resulta disso é que apenas um salário não sustenta mais uma célula familiar dita tradicional, o que exige que a mulher integre o mercado de trabalho. 

Como a remuneração pode trazer a independência financeira, as mulheres, que antes tinham que se submeter a relacionamentos de qualquer natureza tóxica que fosse, hoje não mais aceitam uma relação em desigualdade de afetos, às vezes com camadas diárias de violência que mais lembram um processo de tortura que um casamento.

O homem, por sua vez, embora com mais estudo formal e maiores oportunidades, percebeu que a mulher, apesar de exigências sociais de aparência cada vez mais inalcançáveis, agora tinha ao menos a consciência de sua condição de “segundo sexo” (Beauvoir, 2019), vale dizer, uma servente, uma cidadã de segunda classe.

Poder “falar qualquer coisa” nas redes sociais e ainda mais por detrás de um suposto anonimato de um teclado no escuro de um porão, deu aos chamados “trolls” as ferramentas perfeitas para ações deploráveis e até ilícitas, muitas delas ligadas à violência contra a mulher, desde vídeos contendo material de pedofilia a chances de homens perseguirem mulheres, os chamados “stalkers”.

Isso foi no início das redes sociais, na década de 1990, que, se pensar com muito cuidado como surgiu a então principal rede social, a finalidade da tal rede social não era a de fazer amizades, mas surgiu para que um “nerd” desprezado pelas moças da faculdade pudesse persegui-las e xingá-las pelo computador de uma forma livre.

As mulheres, despossuídas e empobrecidas de geração em geração, as herdeiras tinham suas fortunas rapinadas por maridos ou irmãos, com baixa escolaridade, desconhecimento nas áreas das tecnologias e das matemáticas, viram, no séc. XXI, uma nesga de possibilidade de ascensão social independente da vontade de algum homem. Mas esses pequenos passos não saem impunes, como demonstram os níveis alarmantes de feminicídios, violência doméstica, violência sexual e pedofilia.

Nesse caminho, muitos homens se sentiram muito à vontade para, em seus perfis, ofenderem as mulheres em todas as searas da vida: aparência, maternidade, comportamento, etarismo, inteligência, capacidades, enfim, é um desfile de desinformação e invectivas sem fim.

Sem contar que, ao olhar os homens que manifestam tais inconformismos, são, em sua imensa maioria, ignorantes, rudes e mentirosos, apenas para ganhar “likes” e arregimentar os chamados celibatários involuntários, os “incels”. O recalque, no sentido lacaniano, é externado de todas as formas e o ódio só faz aumentar, como demonstram os crescentes índices de violência contra bebês, meninas, moças, mulheres e idosas.

Max Fisher (2023, p. 19) revela que e-mails dos executivos das “bih techs” diziam que os “(…) algoritmos exploram a atração do cérebro humano para a discórdia”. No Vale do Silício, de acordo com o autor estadunidense, não é segredo que as redes sociais têm por objetivo aliciar consumidores a mudar seu comportamento de modo que servisse ao lucro. No caso, o lucro dos influenciadores e das próprias empresas monopolistas das redes sociais.

As redes sociais não conectaram ninguém, não criaram amizades, porque as interações não são genuínas, mas apenas visam ao lucro. Ao contrário, as redes sociais fomentam o ódio, o ódio aos grupos minorizados e subalternizados, como as pessoas pretas, islâmicas, LGBTQIANP+ e, principalmente, as mulheres, explorando o ressentimento que é normal da própria vida, mas, para quem cresceu na frente do computador, não sabe lidar.

Educação e esclarecimento são a solução para as novas gerações, mas para os adultos que manipulam de forma insidiosa os sentimentos de meninos e rapazes, apenas a criminalização dessas condutas e expurgo dos lucros auferidos da disseminação do ódio às mulheres pode ter o efeito pedagógico que almejamos. 

5. Arrefecimento dos movimentos sociais

Os movimentos sociais vêm do nosso patrimônio histórico de lutas, quando percebemos que nosso espírito humano gregário trazia mais forças para quaisquer que fossem as nossas demandas, seja uma luta pela tomada do território de plantação de uma tribo vizinha há 10.000 anos, seja no engajamento sindical para melhores condições de trabalho na Primeira Revolução Industrial, o que situa os movimentos sociais como ações coletivas, isto é, a união de vontades e esforços para atingir um objetivo comum.

Contudo, as décadas de 1980 e 1990 trouxeram a derrocada dos movimentos sociais, especificamente da classe trabalhadora operária, porque os portfólios econômicos estavam se rearranjando e mudando para sempre o mundo do trabalho. O neoliberalismo se funda, por suposto, como um movimento de solidão total (Byung-Chul, 2023), do operário ao grande investidor. O empreendedorismo é um exemplo dessa solitude, de uma subjetividade individualista, desenhada para que os movimentos sociais sejam vistos com desconfiança, muitas vezes criminalizados ou supercriminalizados, a exemplo da Unidade Popular de Salvador Allende em 1970 (Coletivo Tinta Limón, 2021), do Governo de Michel Mankley na Jamaica, na mesma década, ou mesmo na chamada “Onda Rosa” na Bolívia, Venezuela, Equador e Brasil nos anos 2000 (Coelho, 2022).

Há um pensamento quase intuitivo de que a superação dos movimentos de extrema direita, oligárquicos e antidemocráticos inerentes ao capitalismo tardio, depende de ações coletivas. A aporia surge diante do mundo da vida habermasiano, de que, um trabalhador na escala 6×1 não tem sequer tempo para ver a família, quiçá se organizar politicamente para exigir condições menos degradantes de trabalho. E não se olvide que, como disse Lélia Gonzalez (2019), o trabalho da mulher preta é decuplicado.

Diante da precarização dos corpos e da desumanização do trabalho, a esperança é que a exploração extrema siga as leis da física de que para toda força há uma resistência. E a resistência perpassa pela luta da mulher, dentro e fora das redes sociais, que podem, inclusive, ser um instrumento de união da classe trabalhadora feminina para buscar formas de mobilização e conscientização, como verificado em alguns influenciadores digitais que ensinam e educam a população, embora sejam ínfimos em contraposição aos canais e influenciadores patrocinados de extrema direita.

Portanto, não deixemos a luta coletiva de lado. A convivência pós-pandemia deve ser uma meta a ser alcançada num primeiro momento, para, aí sim, nos unir para que os movimentos sociais possam ressurgir com força de quem luta por uma vida melhor.

6. Considerações finais

Posto o panorama sobre o sentido imagético dado ao ethos feminino nas redes sociais, parece que as plataformas dão voz às agendas feministas, mas também aos detratores dessas ideias. No dizer de Sandel (2025, p. 30),

O primeiro diagnóstico enxerga a irritação contra as elites, sobretudo, como uma reação contra a crescente diversidade de raça, etnia e gênero. Acostumados a dominar a hierarquia social, os eleitores brancos, da classe trabalhadora, que apoiaram Trump sentem-se ameaçados pelas perspectivas de se tornarem minoria no país ‘deles’, ‘estranhos na própria nação’. Eles sentem que, mais do que as mulheres e as minorias raciais, são discriminados; e se sentem oprimidos pelas demandas do discurso do ‘politicamente correto’. Esse diagnóstico de um status social prejudicado destaca características execráveis do sentimento populista: nativismo, misoginia e racismo, verbalizados por Trump e outros populistas nacionalistas.

O mundo atual apresenta toda a série de desafios, mas a mulheridade, assim conceituada como toda subjetividade relacionada ao elemento feminino, vem resistindo às opressões, que se sobrepõe, como observado alhures. Todavia, o olhar para o futuro de nossas meninas, moças, mulheres e idosas deve ser considerado moderadamente otimista, com as instituições funcionando em prol da vivência em plenitude da democracia inclusiva de gênero, inclusive no ambiente digital.


[1] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/10/25/numero-de-mulheres-que-comandam-lares-no-brasil-e-quase-igual-ao-de-homens-aponta-ibge.ghtml

[2] https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2023/03/mulheres-sao-responsaveis-familiares-em-81-das-concessoes-do-bolsa-familia

[3] Sobre o tema relativo à cidadania e consumo, vide: MARTINS, Plínio Lacerda et al. (coordenadores). O direito do consumidor no mercado de consumo. Rio de Janeiro: IDPP: PPGDIN UFF, 2021. MARTINS, Plínio Lacerda; MARTINS, Guilherme Magalhaes; TOSTES, Eduardo Chow de Martino. Proteção dos dados pessoais no brasil: a necessidade de especialização dos órgãos independentes de defesa do consumidor para uma atuação eficiente. Revista de direito do consumidor, v. 134/2021, p. 137-173, 2021.

[4] No sentido histórico, veja-se o apagamento da condição da mulher no estudo sobre tributação desde o Brasil Império (Gonçalves et al., 2022), bem como nos debates constituintes de 1890 (Gonçalves, 2012). Confinada na imanência da existência, sob o jugo de um marido geralmente arranjado, não havia saída para as mulheres da época, muito embora no início do séc. XX se iniciavam os movimentos feministas brasileiros, a reboque do novel pensamento republicano (Meneses, 2024).

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1Graduado em Direito pela PUC-RJ
Advogado
ID Lattes: 2393294638104297
Orcid: 0000-0002-7252-9793
E-mail: luiz@polydoro.com.br

2Doutoranda em Direito (PPGDIN/UFF)
Servidora Pública Federal
ID Lattes: 2230849379391523
Orcid: 0009-0008-4937-1642
E-mail: a_alvarenga@id.uff.br