MROSC: A ANÁLISE DA PRESTAÇÃO DE CONTAS E AS MEDIDAS COMPENSATÓRIAS DIANTE DA REJEIÇÃO DAS CONTAS.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202411281421


Luiz Flávio Porfírio Teddo1


RESUMO

A Lei 13.019/2014 estabeleceu o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que trata do regime jurídico em regime de mútua cooperação (parceria) entre a administração pública e as organizações da sociedade civil (OSC). O enfoque deste artigo é o de explorar o processo de prestação de contas devidas pelas OSC e como elas devem ser analisadas e tratadas. Explora ainda a prevalência da análise qualitativa da prestação de contas sobre a análise quantitativa e financeira. O MROSC criou a possibilidade das OSC com contas rejeitadas compensarem as metas não atingidas, de forma global ou parcial, através do estabelecimento de um novo plano de trabalho, desde que não tenha havido dolo na execução do objeto da parceria. A administração pública possui vários atores no acompanhamento e fiscalização da parceria, possibilitando que a segregação de funções permita inferir o alcance ou não dos resultados, com arrimo em uma robusta tecnicidade interdependente. Por fim, as prestações de contas das próprias OSC são julgadas pelos gestores das parcerias ou ordenadores de despesas. Com base no nexo causal entre todos os relatórios, inclusive o relatório da comissão de acompanhamento e avaliação, é possível que o gestor da parceria emita um parecer conclusivo sobre as contas com maior segurança técnica. Em caso de rejeição das contas, o MROSC prevê medidas compensatórias através da prestação de serviços, mas quando esgotados os recursos administrativos, o ressarcimento ao erário em dinheiro é a medida inegociável. 

PALAVRAS-CHAVE: MROSC. Prestação. Contas. Compensatória. Lei 13019.

Abstract

The 13019/2014 Law established the Regulatory Framework for Civil Society Organizations (MROSC), which deals with the legal regime in a regime of mutual cooperation (partnership) between public administration and civil society organizations (CSOs). The focus of this article is to explore the process of accountability owed by CSOs and how they should be analyzed and treated. It also explores the prevalence of qualitative accountability analysis over quantitative and financial analysis. The MROSC created the possibility for CSOs with rejected accounts to compensate for unachieved goals, globally or partially, through the establishment of a new work plan, as long as there was no fraud in the execution of the purpose of the partnership. The public administration has several actors monitoring and supervising the partnership, enabling the segregation of functions to infer whether or not the results will be achieved, supported by robust interdependent technicality. Finally, the accountability of the CSOs themselves is judged by the partnership managers or expense organizers. Based on the causal link between all reports, including the report of the monitoring and evaluation committee, it is possible for the partnership manager to issue a conclusive opinion on the accounts with greater technical security. In case of rejection of accounts, the MROSC provides compensatory measures through the provision of services, but when administrative resources are exhausted, compensation to the treasury in cash is the non-negotiable measure.

Keywords: Installment. Accounts. Compensatory. 13019 Law.

INTRODUÇÃO

O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) trata das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, com finalidades de interesse público e recíproco, através de um plano de trabalho, que é anexo de um contrato. O assunto é muito extenso e há farta fonte de pesquisa. Portanto, o objetivo deste artigo é o de explorar a questão da análise das prestações de contas das OSC e suas repercussões, que em verdade não devem ocorrer somente na fase subsequente, mas também de forma concomitante e segregada entre convenente e conveniada. O artigo se justifica porque, no campo prático, existem muitas dúvidas acerca do procedimento da análise das prestações de contas, quais os parâmetros devem ser adotados, o que é sanável e o que é insanável e quais as medidas devem ser tomadas em caso de rejeição das contas. Parte-se do pressuposto da mudança de paradigma, em que a prestação de contas financeira foi suplantada pela “prestação de contas” qualitativa, que exige mais ênfase “ao que foi feito” em detrimento ao “quanto se gastou” no atendimento de uma necessidade social.

1) O que é e a importância da prestação de contas

Prestação de contas significa apresentar contas. Segundo o Dicionário on line de Português, “contas” significa “ação ou efeito de contar, de avaliar uma quantidade: fazer a conta dos lucros […] Operação aritmética; cálculo, cômputo. […] Dívida de teor moral que alguém tem com outra pessoa ou com a sociedade”. A definição do termo, aplicado à Administração Pública nos sugere concluir que a prestação de contas é um  dever do gestor público na apresentação do que foi arrecadado da sociedade e como essa arrecadação foi aplicada em prol de seu benefício. Trata-se de uma obrigação moral e legal daquele que recebeu a outorga dos eleitores para administrar os tributos de contribuição compulsória. 

A CR/88 (art. 70) estabeleceu a instituição do policiamento dos atos do gestor público em relação ao erário através da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial de todo e qualquer órgão público, verificando a legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas. Os agentes fiscalizadores são segregados em controle externo e controle interno (art. 71 e art. 74). A Lei Complementar nº 101/2000 exige prestação de contas e transparência dessas contas, como por exemplo o enunciado do art. 58, que por sua relevância trranscrevo literalmente e com os meus grifos:

A prestação de contas evidenciará o desempenho da arrecadação em relação à previsão, destacando as providências adotadas no âmbito da fiscalização das receitas e combate à sonegação, as ações de recuperação de créditos nas instâncias administrativa e judicial, bem como as demais medidas para incremento das receitas tributárias e de contribuições.

Em complemento, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional define prestação de contas de maneira simplificada, “como a demonstração do que foi feito com os recursos públicos que foram transferidos a uma entidade num determinado período”.

No que se refere ao Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), instituído pela Lei 13.019/2014 (art. 2º, XIV), in verbis e meus grifos:

Prestação de contas: procedimento em que se analisa e se avalia a execução da parceria, pelo qual seja possível verificar o cumprimento do objeto da parceria e o alcance das metas e dos resultados previstos, compreendendo duas fases: a) apresentação das contas, de responsabilidade da organização da sociedade civil; b) análise e manifestação conclusiva das contas, de responsabilidade da administração pública, sem prejuízo da atuação dos órgãos de controle.

Tendo explorado o conceito de prestação de contas, verifica-se um paradoxo no transcrito dispositivo legal. Isso porque o MROSC define que a “prestação de contas” é a verificação do cumprimento do objeto da parceria que está ligada ao alcance das metas e resultados previstos no plano de trabalho. Tais análises são meramente qualitativas porque envolvem “o que se fez” e não “o quanto se gastou”. Quando a lei estabelece que as contas serão prestadas pela OSC e a análise e o julgamento das contas prestadas será feito pela administração pública, fica evidente que o termo “prestação de contas” é um paradigma social, tal como obras de “infra-estrutura” que podem corresponder ao conjunto de ativos expostos da rede de iluminação pública que não estão totalmente debaixo da estrutura. 

Importante destacar que o MROSC admite o pagamento de dirigentes de OSC beneficiária do erário, desde que a remuneração desses dirigentes esteja atrelada diretamente ao objeto da parceria e não ao fato de serem gestores da OSC (LOPES et al. (2016, p. 52) 

São por essas razões que a utilização do termo “prestação de contas” não necessariamente se restringe à apresentação de ingressos e dispêndios financeiros, mas representam uma prestação de satisfação à sociedade quanto à destinação e à utilização do erário, que nada mais é do que a contribuição da própria sociedade para a mitigação das carências sociais através do seu adminisrtrador, que é o governo. A forma como o governo deve prestar essa satisfação à sociedade é estabelecida pelos controles internos e externos (Tribunais de Contas, Ministério Público e órgãos concedentes de recursos). 

2) Os atores na execução de parcerias com as OSC

De acordo com o MROSC (2014), assim que o instrumento jurídico da parceria é estabelecido entre um ente da federação e uma OSC, é nomeado um gestor e uma Comissão de monitoramento e avaliação. 

O gestor (art. 2º, VI) é um agente público designado na forma da lei, com poderes de controle e fiscalização da execução do objeto da parceria. 

A Comissão de monitoramento e avaliação (art. 2º, XI) é um órgão colegiado, designado na forma da lei, com pelo menos um servidor ocupante de cargo efetivo e com a missão de monitorar e avaliar as parcerias. Trata-se, portanto, de um segundo ator de controle e fiscalização da parceria, uma vez que o gestor também possui este papel. 

O ente federativo pode contar com uma assessoria terceirizada (art. 58, § 1º) na elaboração do relatório técnico (art. 59) de monitoramento e avaliação da parceria. Este relatório deve conter uma análise comparativa entre as metas estabelecidas e as realizadas, o benefício social obtido, a análise dos indicadores previstos no plano de trabalho e os indicadores conquistados após a execução do objeto da parceria. 

3) A Prestação de Contas concomitante: monitoramento e avaliação

A lei considera necessário o relatório de visita técnica in loco eventualmente realizada durante a execução da parceria, conforme exigência do art. 66 do MROSC. A PGE/RJ (p.23) destaca que servidores públicos são designados para realizarem a visita técnica e registram os resultados da visita em um relatório, entregando-o para o gestor da parceria. O texto legal nos sugere que os técnicos designados elaboram um relatório técnico, que é conferido pela Comissão de monitoramento e avaliação e que, por ter acompanhado a execução do objeto da parceria, monitorando e avaliando os resultados, pode ou não concordar com o relatório técnico.

Estando o relatório homologado ou não pela Comissão de monitoramento e avaliação, ele é submetido ao gestor, que emite um parecer técnico conclusivo de análise da prestação de contas final, levando em consideração o conteúdo do relatório técnico de monitoramento e avaliação (art. 61, IV). 

4) A Prestação de Contas devida pela OSC

O art. 64 do MROSC determina que a OSC deve apresentar a prestação de contas para o órgão concedente dos recursos, o ente federativo, em conteúdo e forma estabelecidos pelo regulamento do ente federativo, juntamente com as cláusulas estabelecidas no próprio instrumento jurídico que criou a parceria. De toda forma, essa prestação de contas deve conter elementos que facilitem ao gestor da parceria a inferência se as metas e os resultados foram atingidos, não necessariamente pelos números, mas sim pelas ações. 

De acordo com o art. 81-A, inciso II do MROSC, município com até cem mil habitantes não precisam entregar a prestação de contas em plataforma eletrônica que é exigida no art. 65 do mesmo marco regulatório. 

5) A forma de analisar a prestação de contas

Importante destacar Lopes et al. (2016, p. 59), que afirmaram, ipsis litteris e com meus grifos: “A priorização do controle de resultados está presente em toda a lógica da nova lei que busca a satisfação do objeto”.

O Tribunal de Contas de Minas Gerais, através da Consulta nº 1.144.641, ratifica a mudança de perspectiva na análise das prestações de contas de OSC, ao destacar, in verbis e com grifos meus: 

1. a Lei Federal nº 13.019/2014 (MROSC) concretiza uma sistemática de gestão, que enfatiza a necessidade de monitoramento e avaliação constantes, preventivos e saneadores, para que sejam alcançadas as metas estabelecidas pela parceria e, finalmente, para que se apresente uma adequada prestação de contas dos resultados. Com enfoque no controle dos resultados, o MROSC mudou o paradigma existente fundado na análise da execução de despesas para a lógica da finalidade capaz de modificar a realidade em que atuam; 

O art. 64 do MROSC evidencia como deve ser feita a análise da prestação de contas da parceria e que, por sua relevância, transcrevo in verbis e com grifos meus:

A prestação de contas apresentada pela organização da sociedade civil deverá conter elementos que permitam ao gestor da parceria avaliar o andamento ou concluir que o seu objeto foi executado conforme pactuado, com a descrição pormenorizada das atividades realizadas e a comprovação do alcance das metas e dos resultados esperados, até o período de que trata a prestação de contas. § 1º Serão glosados valores relacionados a metas e resultados descumpridos sem justificativa suficiente. § 2º Os dados financeiros serão analisados com o intuito de estabelecer o nexo de causalidade entre a receita e a despesa realizada, a sua conformidade e o cumprimento das normas pertinentes. § 3º A análise da prestação de contas deverá considerar a verdade real e os resultados alcançados (LEI 13019/2014, ART. 64). 

É possível inferir, do dispositivo legal, que a prestação de contas feita pela OSC deve conter a análise comparativa entre as atividades previstas e as realizadas, bem como se os resultados sociais pactuados foram alcançados, através de indicadores e metas. 

É preciso ressaltar a importância coadjuvante da prestação de contas financeira. O MROSC assim determina, literalmente e com grifos meus:

O relatório técnico de monitoramento e avaliação da parceria, sem prejuízo de outros elementos, deverá conter: […] análise dos documentos comprobatórios das despesas apresentados pela organização da sociedade civil na prestação de contas, quando não for comprovado o alcance das metas e resultados estabelecidos no respectivo termo de colaboração ou de fomento; análise de eventuais auditorias realizadas pelos controles interno e externo, no âmbito da fiscalização preventiva, bem como de suas conclusões e das medidas que tomaram em decorrência dessas auditorias. (LEI 13019/2014, ART. 59 § 1º V e VI)

É possível interpretar que a prestação de contas financeira deve ser apresentada para servir de parâmetro para mensurar eventual glosa de metas e resultados por não terem sido alcançados. São por essas razões que, no art. 66 do MROSC, a OSC deve apresentar o relatório da execução do objeto pactuado (comparando as metas propostas com os resultados alcançados) e o relatório de execução financeira. 

ENAP (2020, p. 21) destaca que a administração pública poderá (grifa-se) solicitar à OSC a prestação de contas financeira “quando acontece o descumprimento das metas e resultados estabelecidos no plano de trabalho”. Ou seja, o regulamento do ente federativo pode dispensar a apresentação da prestação de contas financeira, a menos que as metas propostas e os resultados não tenham sido alcançados. Lopes et al. (2016, p. 58) ratifica essa tese de permissividade. Contudo, nada impede que a prestação de contas financeira seja exigida de forma concomitante com a prestação “de contas” das metas propostas e os resultados alcançados para dar celeridade à análise em caso de rejeição parcial ou total da prestação de contas qualitativa. 

Com base na técnica de análise da prestação “de contas”, ficou evidenciado que o gestor deve comparar as metas e resultados previstos com as metas e resultados conquistados, considerando o relatório da comissão de monitoramento e avaliação. Caso as suas impressões se coadunem com o relatório da comissão de monitoramento e avaliação, no sentido de que as metas não foram alcançadas, existe um consenso da administração pública que a OSC beneficiária não cumpriu o que pactuou. Por conseguinte, as contas são consideradas irregulares. ENAP (2020, p. 28) complementa que a mensuração econômica da glosa deve levar em consideração o plano de trabalho original, que deve conter as metas e o custo dessas metas para uma correlação objetiva. 

ENAP (2020, p. 22) enfatiza, in verbis e com meus grifos: 

Na hipótese de a análise concluir que houve descumprimento de metas estabelecidas no plano de trabalho ou evidência de irregularidade, o gestor da parceria deverá notificar a Organização da Sociedade Civil para que apresente Relatório Final de Execução Financeira. Essa notificação deve ser feita antes da emissão do parecer técnico conclusivo.  

São Paulo (2022) enfatiza o caráter subsidiário do “relatório de execução financeira”. 

O art. 264 da Lei 10.406/2002 define, literalmente: “Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”. Para fins de elucidação, segundo o Distrito Federal (2018), a responsabilidade solidária significa que um credor de dívida pode cobrá-la de qualquer um dos responsáveis solidários e não tem a necessidade de dividir a dívida em partes iguais a todos os responsáveis. Cada um, por si, é responsável pela totalidade da dívida. Pode, o credor, escolher um responsável solidário que possui a maior probabilidade de pagá-la. O que pagou tem o “direito de regresso” contra todos os outros responsáveis solidários. 

Por outro lado, a responsabilidade subsidiária tem um caráter suplementar. 

O parágrafo único do art. 227 da Lei 10.406/2002 define, ipsis litteris, “Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito”. Distrito Federal (2018) explica que o credor deve acionar primeiro o devedor principal. Caso este não tenha pago a dívida ou mesmo se pagou parte dela, o credor pode acionar o responsável subsidiário. 

Porém, não se pode desconsiderar o direito ao contraditório e à ampla defesa previsto no art. 5º, LV da carta magna, que à OSC deve ser concedido. Tal direito é previsto no art. 70 do MROSC e a lei concede o prazo de 45 dias, prorrogável uma vez. A OSC apresenta a sua defesa e o encarregado analisa o recurso. A análise do recurso pode repercutir em reconsideração da decisão de irregularidade ou mesmo manter a decisão anterior pela irregularidade. 

6) O parecer final sobre a análise da prestação de contas

O relatório técnico, homologado ou não pela Comissão de monitoramento e avaliação é submetido ao gestor, que emite o parecer final sem desconsiderar os apontamentos do parecer da Comissão de monitoramento e avaliação. 

Essa triangulação de acompanhamento permite que a segregação de funções, com um único propósito, o de fiscalização, assegure o consenso de três atores na expressão da realidade dos fatos. Porém, nada impede que a “administração pública”, nos termos da lei, seja o próprio gestor, que submete o seu relatório para a comissão e depois a ele retorna para que emita o parecer final. Neste caso, a Comissão de monitoramento e avaliação atua como senso crítico do relatório inicial do gestor, que no final ratifica ou reconsidera as suas impressões iniciais. 

O § 4º do art. 67 do MROSC colaciona os requisitos para emissão de parecer técnico de análise de prestação de contas da parceria por parte do gestor, seja ele final (parecer conclusivo), seja ele parcial (quando a vigência ultrapassa o exercício financeiro, caso em que a OSC deve prestar contas em relação ao exercício findo). A análise deve concluir pela eficácia e efetividade dos resultados já alcançados e seus benefícios; os impactos econômicos ou sociais; o grau de satisfação do público-alvo e a possibilidade de sustentabilidade das ações após a conclusão do objeto pactuado.

Fica evidente o viés qualitativo da análise. 

O art. 69 do MROSC orienta que o parecer conclusivo significa que o gestor deve opinar por uma dentre as seguintes opções: aprovação da prestação de contas (contas regulares); aprovação da prestação de contas com ressalvas (regulares com ressalva) ou rejeição da prestação de contas (irregulares) e determinação de imediata instauração de tomada de contas especial. 

Segundo o art. 72 do MROSC, as contas são regulares quando as metas foram cumpridas, os resultados foram alcançados, o objetivo foi cumprido e todos os registros indicam esse êxito de forma clara e objetiva, sem margem a questionamento. As contas são regulares com ressalvas quando as metas foram cumpridas, os resultados foram alcançados, o objetivo foi cumprido, mas existem erros sanáveis, formais, ou seja, que não causaram dano ao erário. São irregulares quando a OSC não presta contas; descumpre os objetivos e metas; causa dano ao erário por ato ilegítimo ou antieconômico e se ocorrer desvio ou desfalque (MROSC, art. 72, I).  ENAP (2020, p. 23) complementa que as ressalvas são aplicáveis aos erros estritamente formais para evitar “a rejeição baseada em equívocos que não tenham gerado danos à parceria ou aos cofres públicos”.  

Importante ressaltar que a necessidade de emissão de parecer técnico conclusivo é atribuição do gestor da parceria nos termos do art. 61, IV do MROSC. No entanto, o § 1º do art. 72 determina que o “administrador público” responde pela sua decisão acerca da aprovação da prestação de contas com base nos pareceres técnicos, financeiros e jurídicos, bem como em relação à omissão na análise dela. É possível inferir que, de acordo com o regulamento do ente federativo, o ator denominado “administrador público” pode ser, tanto o gestor da parceria, quanto o ordenador de despesa, que é a autoridade máxima em relação ao dispêndio do erário. 

A prestação de contas final deve ser analisada pelo gestor em até seis meses da data de apresentação da prestação de contas, prorrogável até um ano mediante justificativa, nos termos do art. 71 do MROSC.  

7) Providências em caso de irregularidades

Caso alguma meta ou resultado não tenha sido cumprido, na forma total ou parcial, os valores de despesa correspondentes a essa meta ou resultado deverão ser rejeitados pelo gestor. A prestação de contas financeira, portanto, é a referência do gestor para que seja calculado o dano ao erário, que a ele deve ser restituído em dinheiro ou em serviços pela OSC inadimplente. 

8) As ações compensatórias como medidas de ressarcimento ao erário

No caso da OSC ser comunicada pelo administrador público no sentido de manutenção da decisão pela irregularidade das contas, a OSC pode solicitar autorização para que o ressarcimento ao erário seja promovido por meio de ações compensatórias de interesse público, conforme autoriza o art. 72, § 2º do MROSC. 

O administrador público não possui autorização legal para deferir a proposição de ações compensatórias se o motivo das glosas ou rejeição estiverem eivadas de dolo ou frade, ou mesmo se teve como motivo a rejeição total da prestação de contas. Lopes et al. (2016, p. 59) ratifica esta prerrogativa. ENAP (2020, p. 28) complementa que o gestor da parceria deve emitir um parecer técnico sobre a solicitação de ressarcimento através de ações compensatórias e que este parecer serve de base para que a autoridade máxima do órgão público (no caso de uma Prefeitura, o Prefeito), possa tomar a decisão final de deferimento ou indeferimento do pedido. Esta afirmativa é ratificada pela Casa Civil (2018, p. 86). 

Em tendo sido aprovada a restituição ao erário mediante ações compensatórias, a OSC deve adotar o plano de trabalho original, verificar todas as ações que foram motivo de glosa e, com base nelas, a OSC elabora novo plano de trabalho com outras ações, desde que compatíveis com o objeto da parceria original e cujos valores sejam compatíveis com os valores glosados, de acordo com a prerrogativa do art. 72, § 2º do MROSC. Casa Civil (2018, p. 86) complementa que esse novo plano de trabalho deve conter relevante interesse social e o prazo de execução deve ser igual ou inferior à metade do prazo original de execução da parceria. 

Para fins de exemplificação de regulamento instituído, a Instrução Normativa MINC nº 5/2018, art. 9º estabelece que o acompanhamento da execução das medidas compensatórias deve envolver a solicitação de informações do que foi feito até o momento da diligência e enviar equipe para vistoriar a execução do novo plano de trabalho. Caso a execução da medida compensatória tenha surtido efeito, a Instrução Normativa MINC nº 5/2018, art. 10 determina que nova prestação de contas deve ser feita nos mesmos moldes da prestação de contas original, anexando documentos que comprovem a realização das ações compensatórias, tais como relação dos treinados e/ou beneficiados com o projeto, juntamente com os dados pessoais (CPF e nome completo), listas de presenças, registros audiovisuais, dentre outros. A decisão final sobre a prestação de contas, neste caso, é do ordenador de despesas, a autoridade máxima da função de governo. 

Caso de detecte alguma irregularidade, o gestor da parceria pode oferecer o direito ao contraditório e à ampla defesa e, se mantidas as razões da caracterização de irregularidade, pode recomendar ao ordenador de despesas o cancelamento da restituição ao erário através de ações compensatórias. 

Ainda na seara da exemplificação de regulamento, a Instrução Normativa MINC nº 5/2018, art. 16 define que, rejeitada a realização de medida compensatória, a OSC perde o direito de restituir o erário através de um terceiro plano de trabalho e o ressarcimento em dinheiro se torna imperativo. 

9) As medidas de ressarcimento ao erário após esgotamento dos recursos

A OSC condenada ao ressarcimento se submete à devolução de todos os valores glosados, atualizados monetariamente pelo índice de inflação e, quando for constatado dolo, incide juros de mora sobre o débito (MROSC, art. 71 § 4º, II). O grande desafio do analista da prestação de contas é julgar se houve ou não dolo do representante legal da OSC. Casa Civil (2018, p. 86) complementa que a administração pública, na figura do gestor, deve notificar a OSC para devolver os recursos glosados de forma integral ou parcelada conforme o regulamento do ente federativo. 

Vencido o prazo dado ao ressarcimento e caso a OSC não o faça, o ordenador das despesas deve abrir um processo de tomada de contas especial (TCE) sob pena de responsabilidade solidária. 

Em resumo e nos termos da lei, a TCE significa apuração dos fatos, identificação dos responsáveis, quantificação do dano e obtenção do ressarcimento. Neste caso, a OSC inadimplente passa a integrar uma espécie de “lista suja” a ser publicada na internet para evitar que a OSC volte a receber recursos públicos enquanto permanece na situação de inadimplência (MROSC, art. 69, § 6º). 

Deve ocorrer em cinco anos a aplicação das penalidades à OSC em caso de rejeição de contas por erro insanável, a partir da data de apresentação da prestação de contas, sob pena de prescrição, conforme art. 73, § 2º do MROSC. 

CONCLUSÃO

Este artigo objetivou explorar o modus operandi da apresentação da prestação de contas das OSC, como deve ser feita a análise dessas prestações de contas, qual o papel de cada ator no acompanhamento da execução da parceria, que é, por si só, um subsídio à prestação de contas e quais as medidas devem ser tomadas caso a OSC não respeite os ditames legais que em tese defendem o interesse público. Foi possível concluir de forma contundente que a análise da prestação de contas deve ter como cerne os resultados, as metas e os objetivos. Somente no caso de não cumprimento das metas, objetivos e resultados, é feita a análise da prestação de contas financeira para verificação do nexo causal entre as metas executadas e o respectivo custo. Caso as contas sejam rejeitadas pelo gestor da parceria, garantido o contraditório e a ampla defesa, a OSC pode solicitar o ressarcimento ao erário através da prestação de serviços conforme os ditames de um novo plano de trabalho, na proporção das glosas. Esta medida de compensação deve ser decidida pelo secretário municipal e a forma de prestação de contas é análoga à original. Rejeitada a execução das ações compensatórias, o ressarcimento ao erário em dinheiro é exigido com atualização monetária, adicionado a juros, quando se tratar de dolo. 

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1Luiz Flávio Porfírio Teddo é Contador, MBA em Gestão Pública e Mestre em Administração no segmento de políticas públicas. Presta serviços para a Administração Pública Municipal desde 1995 e atua na assessoria, consultoria, capacitação e reciclagem de servidores públicos através da Silva Teddo Assessoria Governamental.