MOTIVAÇÃO DOS ADOLESCENTES E JOVENS ADULTOS AO USO DE CIGARRO ELETRÔNICO E FATORES DE RISCO ASSOCIADOS: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA.

MOTIVATION OF ADOLESCENTS AND YOUNG ADULTS TO USE ELECTRONIC CIGARETTES AND ASSOCIATED RISK FACTORS: A SYSTEMATIC REVIEW.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8133141


Emilly Araujo Souza Santos¹
Lorena Garcia Custodio²
Nathália Rúbia Sousa Silva³
Luan Felipo Botelho Souza⁴


RESUMO

Introdução: Os cigarros eletrônicos são dispositivos para liberação de nicotina, que inicialmente foram implementados no mercado com a proposta de auxiliarem na cessação do tabagismo. No entanto, observou-se um aumento do consumo de produtos derivados do tabaco por um público jovem que anteriormente não fazia uso desse composto.
Metodologia: Foi realizada uma revisão sistemática da literatura médica, com caráter descritivo e qualitativo, por meio da plataforma Portal Digital da BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), por meio do descritor e-cig. Os estudos selecionados foram publicados entre os anos de 2018 a 2023, focados no público-alvo de jovens e adolescentes, relacionando-o com aspectos psicológicos, motivações, perfil epidemiológico e comportamentos de risco envolvidos no uso de cigarro eletrônico.
Resultados: A partir da revisão de 26 estudos selecionados, foi possível associar o aumento do uso                        de dispositivos inaladores de nicotina entre os jovens e adolescentes em diversas regiões do mundo, com alguns comportamentos de riscos, como ingestão de bebidas alcoólicas, uso correlato de outras substâncias, e iniciação ao tabagismo. À vista disso, foi observada uma maior propensão nos indivíduos mais vulneráveis, com enfoque nos transtornos mentais de exteriorização, com traços de impulsividade, além dos distúrbios ansiosos.
Conclusão: Conclui-se que os cigarros eletrônicos são um fator de risco para iniciação e perpetuação do tabagismo, não obstante, possui maior popularidade entre o público jovem, que anteriormente apresentava baixa incidência referente ao uso de cigarros por combustão. Sabe-se que o tabagismo acarreta diversos prejuízos funcionais, e impacta negativamente na saúde do indivíduo. Isso posto, é imprescindível a implementação de políticas públicas que combatam a publicidade e a distribuição de sistemas libertadores de nicotina para os adolescentes.
Palavras-chaves: Sistemas Eletrônicos de Liberação de Nicotina. Vaping. Estudantes. Comportamento do Adolescente.

ABSTRACT

Introduction: Electronic cigarettes are devices for releasing nicotine, which were initially implemented in the market with the proposal of helping to quit smoking. However, there was an increase in the consumption of tobacco products by a young public that previously did not use this compound.
Methods: A systematic review of the medical literature was carried out, with a descriptive and qualitative character, through the BVS Digital Portal platform (Virtual Health Library), using the subject descriptor e-cig. The selected studies were published between 2018 and 2023, focused on the target audience of young people and adolescents, relating them to psychological aspects, motivations, epidemiological profile and risk behaviors involved.
Results: It was possible to relate the increase in the use of nicotine inhaler devices among young people and adolescents in different regions of the world, associated with risky behaviors, such as ingestion of alcoholic beverages, related use of other substances, and initiation of smoking. In view of this, a greater propensity was observed in the most vulnerable individuals, with a focus on externalizing mental disorders, with traces of impulsivity, in addition to anxiety disorders.
Conclusion: It is concluded that electronic cigarettes are a risk factor for the initiation and perpetuation of smoking, however, it is more popular among young people, which previously had a low incidence regarding the use of cigarettes by combustion. It is known that smoking causes several functional impairments, and has a negative impact on the individual’s health. That said, it is imperative to implement public policies that combat advertising and the distribution of nicotine-releasing systems for adolescents.

INTRODUÇÃO

Cigarros eletrônicos (CE) são dispositivos utilizados para inalar aerossol, e frequentemente contém nicotina – embora não necessariamente a tenha -, funcionam através de bateria, e possuem aromatizantes além de outros químicos. Esses dispositivos aparentemente podem se assemelhar aos cigarros tradicionais, às canetas, e de forma mais comum, aos “pen drives”. Quanto à sua constituição, possuem um cartucho ou cápsula contendo uma solução líquida denominada e-liquid ou e-juice, podendo abrigar variadas quantidades de nicotina e aromatizantes; um elemento de aquecimento; uma fonte de energia (geralmente bateria de lítio); e um bocal para inalação (NATIONAL INSTITUTE ON DRUG ABUSE, 2020).

A criação dos primeiros sistemas eletrônicos para entrega de nicotina foram pensados como uma alternativa menos prejudicial quando comparados aos cigarros convencionais, já que aquecem o tabaco em vez de queimá-lo. O primeiro dispositivo para liberação de nicotina teve sua criação datada em 1963, apesar de não ter sido comercializado devido a deficiência na sua tecnologia, e, após algumas tentativas no decorrer do século XX, a primeira invenção comercializada foi creditada ao farmacêutico chinês Hon Lik, em 2003 (DUTRA, et al., 2017).

Por conseguinte, os cigarros eletrônicos foram implantados no mercado mundial, com o objetivo principal de auxiliar os tabagistas a diminuírem o consumo do cigarro convencional, justificando-se por serem menos prejudicial à saúde devido a falta de combustão e produção de alcatrão, e, portanto, reduzindo danos. Porém ainda não há evidências referenciadas pela literatura que comprovem esse evento. Destarte, ainda que a princípio o CE tenha sido uma ferramenta pensada para o público tabagista, esse dispositivo vem atraindo os jovens, sobretudo os que nunca fizeram uso de nicotina. Além disso, os Estados Unidos vêm demonstrando um aumento demasiado da prevalência do uso de CE, que em 2019, já se apresentava maior do que a prevalência dos cigarros convencionais (27,5% vs. 5,8%). Atualmente, uma diversidade de modelos são comercializadas, com apelo à estrutura tecnológica, e estima-se que mais de 2.500 marcas de CE são vendidas no mundo, com uma diversidade de designs e sabores atrativos (BERTONI, 2021).

Não obstante, observa-se também um aumento da popularidade desses dispositivos entre o público de ex-fumantes, fator impulsionado por sua maior aceitação social em comparação com os cigarros convencionais. Com a autorização da comercialização nos EUA, nota-se um aumento da prevalência nesse grupo, de 5,3% em 2015 para 10,9% em 2018, além do mais, percebe-se um perigo duas vezes maior para os ex-fumantes de recaída do tabagismo em comparação aos não usuários. Esse fator é explicado pela dependência da nicotina, logo, a exposição ao cigarro eletrônico, mesmo que de maneira secundária pode reconduzir o ciclo da dependência (BARUFALDI et al., 2021).

Em vista disso, Bertoni e colaboradores (2019) demonstraram em estudo a prevalência do uso de cigarros eletrônicos, e as características demográficas dos indivíduos que estão usando esses produtos no Brasil, e se esse público difere daqueles que estão usando cigarros convencionais. Como resultado, houve uma prevalência de 0,43% para cigarros eletrônicos, e 15,35% para cigarros convencionais, correspondendo, respectivamente, a cerca de 0,6 milhões, 2,5% milhões e 2,5 milhões de usuários. Além disso, evidenciou que a população que utiliza cigarros eletrônicos foram mais jovens e com nível socioeconômico mais elevado que os usuários do cigarro comum, constatando que o uso de dispositivos eletrônicos está mais associado aos jovens do que aos adultos, o que atesta uma necessidade de implantação de estratégias de prevenção direcionadas aos jovens, de modo a evitar uma nova geração de fumantes no Brasil.

Outrossim, o uso de cigarros eletrônicos está associado ao risco aumentado de experimentação e uso atual de cigarros convencionais, o que configura um risco combinado três vezes maior para experimentação e quatro vezes maior para o uso atual. Essa transição pode ser explicada principalmente por aspectos comportamentais e fisiológicos, pois o uso de CE reproduz o comportamento tabagista (movimentos entre mão e boca, inalação e expiração, além do prazer fisiológico envolvido). Somado a isso, o risco de iniciação ao tabagismo se demonstra maior tanto em adultos quanto em menores de 18 anos que utilizam CE, o que diverge com a justificativa inicial para criação e introdução do dispositivo no mercado (diminuir o consumo de nicotina e uso de cigarro convencional). Portanto, a população não fumante é alvo para experimentação e uso de CE por ter uma maior aceitação social, um sabor atrativo e um design moderno, quando comparado aos cigarros combustíveis tradicionais (BARUFALDI et al., 2021).

Concomitantemente, observa-se que o uso do cigarro eletrônico pode estar também associado a um comportamento de risco, haja vista que o seu uso apresenta um aumento após a ingestão de álcool, e está conjuntamente conexo a comportamentos impulsivos e compulsivos entre os jovens. Posto isso, percebe-se que entre o grupo dos universitários, os que usam esses dispositivos são mais inclinados a ter histórico de saúde mental, sendo entre eles os mais predominantes: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno Estresse Pós-Traumático e Transtorno de Ansiedade Generalizado. Não obstante, o uso dos e-cigs e do tabagismo em si entre esse grupo não só é coeso ao aumento do estresse, como também leva a maiores chances de depressão, dependência química, e torna-os propensos a terem carências acadêmicas quando comparados aos estudantes não usuários (GRANT et al., 2019).

Além da dependência física caracterizada pela criação do hábito tabagista, sugere-se que o potencial vício não é somente químico, mas também afetivo, social e psíquico (BARRADAS et al., 2021). Outrossim, na adolescência os indivíduos demonstram estarem mais suscetíveis a experimentar tais dispositivos, especialmente em eventos sociais, pois assim, os jovens se percebem “na moda”, e isso pode ser correlacionado com a possibilidade de instauração do hábito de fumar. O primeiro contato com o tabagismo é inquietante, corroborando para maiores malefícios aos sistemas corporais, entre eles o cardiovascular (OLIVEIRA; JÚNIOR; ARAÚJO, 2022).

METODOLOGIA

Este estudo trata-se de uma revisão sistemática da literatura médica, de caráter descritivo e qualitativo. A coleta de dados foi realizada através da plataforma Portal Digital da BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), em razão da sua abrangência e diversidade de resultados ao tema desta revisão, no decorrer do mês de junho de 2023.

O método da pesquisa utilizou como Descritor em Ciências da Saúde (DECS) o descritor de assunto “e-cigs”, aplicado ao Medical Subject Headings (Mesh) da plataforma BVS. A partir disso, a pesquisa foi restrita pelos aspectos: classificação, estatística&dados numéricos, método e economia. A posteriori, a busca foi ainda mais delimitada, filtrando apenas textos completos do Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE), sendo estes estudos de incidência e ensaios clínicos controlados, publicados entre os anos 2018 a 2023, nos idiomas Inglês e Português, com os assuntos principais: “Sistemas Eletrônicos de Liberação de Nicotina”, “Vaping”, “Estudantes” e “Comportamento do Adolescente”. Por fim, foram aplicados os filtros “Base de dados”, “Assunto Principal”, “Tipo de Estudo”, “Idioma” e “Intervalo de ano de publicação”.

Não houve critério de exclusão considerando aspectos regionais, haja vista que é valoroso o conhecimento dessa temática a nível mundial, além de permitir uma sutil análise da correlação entre o hábito do uso de cigarros eletrônicos pelos jovens e os aspectos culturais destes. Entretanto, a extração de dados incluiu estudos que se alinhem ao objetivo desta revisão, que é conciliar as evidências acerca do uso de cigarros eletrônicos pela população jovem e adolescentes, bem como suas motivações, continuação, riscos de iniciação ao tabagismo e etilismo, fatores e comportamentos de risco envolvidos (como uso de substâncias e dirigir alcoolizado), perfil epidemiológico, e outras características pertinentes ao tema.

RESULTADOS

Conforme a metodologia supracitada, a busca inicial gerou 1521 resultados, sendo 1489 da base de dados MEDLINE, 25 do IBECS, e 7 do LILACS. Após a aplicação de filtros, a plataforma forneceu 99 artigos potencialmente elegíveis, que foram lidos preliminarmente, de forma parcial, através dos seus títulos e resumos, e para que fossem selecionados aqueles considerados relevantes e instigantes para a construção da revisão. Após a triagem de texto completo, 43 artigos foram excluídos por não se associarem de forma coerente com a abordagem do presente estudo. Conforme nova seleção, partindo da leitura integral dos artigos, foram incluídos 26 estudos que serão aqui discutidos. Os resultados da seleção dos artigos podem ser melhor visualizados no Fluxograma, conforme Figura 1.

Figura 1. Fluxograma de seleção de artigos para contemplação da revisão.

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2023.

A problemática envolvendo o uso de cigarros eletrônicos por adolescentes e jovens foi identificada em muitos países em todo o mundo, e as políticas relacionadas às proibições de cigarros eletrônicos para esse público foram relatadas nos Estados Unidos e no Canadá, principalmente no que concerne à comercialização desses dispositivos com sabor e aromatizantes (KING, 2020; CULLEN et al., 2018). Ademais, um estudo realizado na Coreia do Sul (LEE, LEE, 2019) apontou a forte relação entre o uso de cigarro eletrônicos e as taxas de depressão e suicídio na população jovem. EAST e colaboradores (2018), no seu estudo primário na Grã-Bretanha com amostra composta por adolescentes, expôs que o uso de cigarros eletrônicos está relacionado à iniciação ao tabagismo. Isso demonstra que essa pode ser considerada uma tendência e uma adversidade a nível mundial.

Diante dos 26 artigos revisados, pelo menos 7 apontaram que as principais motivações para a experimentação dos cigarros eletrônicos e manutenção do seu uso por adolescentes e adultos jovens foram o sabor e aroma atraentes (KING, 2020; LUZIUS, DOBBS, JOZKOWSKI, 2020; AUDRAIN-MCGOVERN et al., 2019; EVANS-POLCE et al., 2018; ORR et al. 2020; CULLEN, 2018; LANZA, TEETER, 2018). Além disso, a influência das publicidades e marketing online que promovem e popularizam os dispositivos também apresentou significância no aumento do uso de cigarros eletrônicos por jovens nos últimos anos (EVANS-POLCE et al., 2018; MARGOLIS et al, 2018; PADON et al., 2018; SONEJI et al., 2019; CRUZ et al., 2019; KREITZBERG et al., 2019); comportamentos sociais, curiosidade, influência dos colegas e recreação (LUZIUS, DOBBS, JOZKOWSKI, 2020; LANZA, TEETER, 2018; EVANS-POLCE et al., 2018; BERNAT et al., 2018); método para o abandono do cigarro convencional (LUZIUS, DOBBS, JOZKOWSKI, 2020; EVANS-POLCE et al., 2018), e problemas relacionados a saúde mental (RIEHM et al., 2019; LEE, LEE, 2019; PARQUES et al., 2020; ORR et al., 2020); e desconhecer os riscos e malefícios do uso do dispositivo (BERNAT et al., 2018; MARGOLIS et al., 2018), que podem ser visualizados na Tabela 1.

Além disso, foi evidenciada uma correlação entre o uso de cigarros eletrônicos e a tendência a iniciação ao tabagismo (OWOTOMO et al., 2020; OSIBOGUN, BURSAC, MAZIAK, 2020; DAI, SIAHPUSH, 2020;   ALEYAN et al., 2019; EAST et al., 2018; LOUKAS et al., 2018; BOLD et al., 2018); associação ao uso de álcool e outras substâncias (LOZANO et al., 2021; DAI, SIAHPUSH, 2020; BANDARA, SENEVIRATNE, 2019; CURRAN et al., 2018; LANZA, TEETER, 2018; LOUKAS et al., 2018; KING, 2020); e relação com comportamentos de risco (ORR et al., 2020; CULLEN et al., 2018), como demonstra a Tabela 1.

Tabela 1

Tabela: elaborada pelas autoras, 2023.

DISCUSSÃO

O uso de cigarro eletrônico por jovens aumentou consideravelmente na última década, inclusive entre alunos do ensino médio, e esse crescimento coincidiu com a popularidade dos e-cigs. O uso desse dispositivo foi impulsionado por fatores como publicidade, alta quantidade de nicotina e diversidade de sabores atraentes para os jovens – a maioria relata uso de uma variedade de sabores, especialmente de frutas e menta -. Sabendo disso, alguns estados dos Estados Unidos proibiram a venda desses dispositivos com sabor após a Food and Drug Administration emitir uma política que prioriza a fiscalização contra esses sabores mais utilizados (KING, 2020; CULLEN et al., 2018). Em sua pesquisa, (ORR et al., 2020) evidenciou que 31% dos alunos do ensino fundamental e médio expuseram que a disponibilidade de sabor foi o motivo primordial pelo qual eles usaram e-cigs. Somado a isso, evidenciou-se que os adolescentes que iniciaram o uso de cigarro eletrônico com sabor, progrediram para o uso contínuo e frequente de forma mais rápida do que àqueles que iniciaram com dispositivos sem sabor, indicando que os sabores são importantes fatores de risco para a progressão além do uso inicial, demonstrando que o sabor tem a capacidade de reduzir a percepção de segurança dos dispositivos. Ademais, a grande maioria dos jovens relataram que deixariam de usar os e-cigs caso os sabores não estivessem mais disponíveis (AUDRAIN-MCGOVERN et al., 2019).

Pesquisadores se interessam mais a cada dia em explorar os determinantes sociais e comportamentais envolvidos no ato de usar cigarros eletrônicos, e foram salientadas inúmeras motivações, como curiosidade “só para experimentar”, pressão dos amigos/pressão social normativa, uso por familiares, lazer, sabores, experiência melhor do que com o cigarro convencional (cheiro melhor, mais limpo, mais seguro, sabor melhor) e reduzir o tabaco como as principais (LUZIUS, DOBBS, JOZKOWSKI, 2019; EVANS-POLCE et al., 2017).

Salienta-se que o uso do cigarro eletrônico é congruente com a progressão das chances de um jovem que não tinha intenção de fumar, aderir ao tabagismo, logo a falta de intenção de fumar pode não ser o suficiente para proteção contra o tabagismo, à vista disso, o uso dos e-cigs pode propiciar a introdução dos comportamentos relacionados com o tabagismo (OWOTOMO et al., 2020). Destarte, o ato de fumar possui componentes comportamentais, da mesma maneira que os sistemas de distribuição de nicotina, sendo eles o movimento mão-boca, sopro, inalação e exalação, logo, os adolescentes correm o risco de adquirir esses hábitos, dessa forma, os potenciais benefícios como substituição do tabagismo, não se equiparam aos riscos de estimular uma nova geração de fumantes (OSIBOGUN, BURSAC e MAZIAK, 2020). Em contraponto, Bold e colaboradores (2018) descreveram apenas uma relação unidirecional, na qual o uso de cigarros convencionais propiciava a aderência aos cigarros eletrônicos, mas não foo observada a conversão do cigarro eletrônico para o tabagismo.

Percebe-se que os jovens que já utilizaram, ou utilizam cigarros eletrônicos tendem a defender possíveis benefícios associados, enquanto os que nunca utilizaram estão mais propensos a alegar seus danos, ademais, os usuários do dispositivo referem que a cessação do uso não seria muito difícil. Não obstante, entre as motivações foi relatado o alívio do estresse e percepção de maior conforto em situações sociais, como festas, além da sensação de fazer mais amizades e sentimento de adequação (BERNAT et al., 2018).

Por conseguinte, Margolis e colaboradores (2019) descreveram que as percepções ao dano do cigarro eletrônico correlacionam-se com a curiosidade e tolerância ao uso. Tais conjecturas advém principalmente da propaganda referente aos dispositivos, sendo possível associar a exposição ao marketing e o tabagismo subsequente (KREITZBERG et al., 2019; SONEJI et al., 2019). Adolescentes que nunca fumaram, e são expostos com frequência a propagandas, sejam vinculadas na internet ou por meio de outdoors são duas vezes mais propensos a experimentarem o cigarro eletrônico quando comparados com adultos jovens (CRUZ et al., 2019). Da mesma maneira, a suscetibilidade juvenil as publicidades pode ser explicada em partes pelo fator causal da novidade, associada a inexperiência e consequente vulnerabilidade desse público, dado ao teor persuasivo intrínseco da propaganda (PADON et al., 2018; ALEYAN et al., 2019).

É possível identificar uma correlação entre comportamentos de risco, de tal forma que o uso de cigarros eletrônicos tende a propiciar o uso subsequente de álcool, e a sua iniciação precoce pode acarretar em comportamentos problemáticos na vida adulta. O uso concomitante dessas substâncias possui uma reação bidirecional, ou seja, o consumo de álcool aumenta o desejo de fumar, enquanto a nicotina suaviza os efeitos subjetivos do álcool no organismo, de modo que um aumenta o consumo do outro (LOZANO et al., 2021). Quando se compara os estudantes que utilizam produtos de tabaco inalado, com os que não o fazem, nota-se uma maior probabilidade que os primeiros já tenham utilizado substâncias ilícitas, como a maconha (DAI e SIAHPUSH, 2020; BANDARA e SENEVIRATNE, 2019). Também observa-se que esses dispositivos precedem o uso de outros produtos oriundos do tabaco, funcionando como uma porta de entrada para o uso de nicotina entre os adolescentes. Inicialmente, foi sugerido que o cigarro eletrônico fosse usado como uma alternativa para a cessação do tabagismo, no entanto, tal relação não se provou verdadeira, haja vista o aumento do uso entre entre o grupo de já fumantes e o recrutamento de novos usuários. Cabe frisar que os adolescentes que utilizam cigarros eletrônicos parecem representar uma população distinta dentro do modelo psicossocial tradicional para perfil de risco de tabagismo e abuso de substâncias (CURRAN et al., 2018).

Outrossim, Loukas e colaboradores (2018) perceberam que os jovens adultos que fazem uso exclusivo dos sistemas libertadores de nicotina estão mais propensos a utilizarem cigarros tradicionais até 18 meses após o primeiro uso.

Constatou-se que o uso de e-cigarettes envolve fortemente o contexto de amizade entre os estudantes universitários, de modo que a maioria dos usuários relatou comprar os dispositivos junto a amigos, além do uso em grupos. Destaca-se também, entre as motivações do uso, a tentativa de diminuição do estresse, e o uso correlativo com o álcool, alertando para o fato de que esse comportamento passa a se tornar normativo entre os jovens adultos, como a busca por experiências que é conhecida nessa etapa da formação (LANZA e TEETER, 2018). De maneira similar, foi descrito que jovens que exibiram curiosidade, oposição e constante busca de sensações estão mais sujeitos a experimentarem e-cigs e iniciarem o tabagismo (EAST et al., 2018).

Análises atuais de comportamento sugerem que adolescentes que já usaram cigarro eletrônico possuem diferenças significativas quanto aos dados demográficos, saúde mental, características de desempenho acadêmico e envolvimento em comportamentos de risco, quando comparados àqueles que nunca usaram o dispositivo. Os jovens que experimentaram cigarro eletrônico estão mais propensos a uso de substâncias e a menor senso de responsabilidade em relação aos estudos e rendimento escolar, segurança de veículos motorizados, prática sexual, entre outros (ORR et al., 2020).

Ademais, Riehm e colaboradores (2019) notaram que adolescentes com transtornos externalização, sejam eles leves ou graves, são mais inclinados a iniciar o tabagismo, enquanto os jovens com transtornos de interiorização graves possuem maior risco para iniciar o uso dos dispositivos inalatórios de nicotina. Os problemas de saúde mental associam-se diretamente com o aumento do risco para a busca pelos sistemas libertadores de nicotina. Os distúrbios de internalização são conceituados como sintomas ansiosos, depressivos ou somáticos, à medida que os externalizadores, são caracterizados como conduta impulsiva, perturbadora e abuso de substâncias. Isso posto, os jovens com problemas de exteriorização inclinam-se precocemente ao tabagismo, e possuem maior dificuldade para interromper o uso. Dessarte, o uso de álcool e maconha foi consideravelmente relacionado com a probabilidade de início do uso de cigarros eletrônicos.

Usuários de sistemas libertadores de nicotina possuem um risco maior para sofrimento psicológico quando comparado com não-fumantes em geral. A despeito disso, as mulheres apresentaram uma prevalência superior à depressão e ideação suicida. A administração constante de nicotina possibilita o comprometimento da serotonina, inibindo o seu fator protetivo diante de situações estressoras, culminando em processos patológicos, interferindo na regulação emocional e função cognitiva, e propiciando comportamentos compulsivos (LEE e LEE, 2019). Consequentemente, notou-se que jovens que presenciaram situações adversas na infância, tais como abuso de drogas no seio familiar, encarceramento dos pais, violência física e sexual estão mais propensos ao tabagismo (PARKS et al., 2020).

CONCLUSÃO

Este estudo possui algumas limitações devido a impossibilidade da coleta ativa de dados, então os materiais foram retirados de bibliografias já existentes, a maior parte das pesquisas se concentram nos Estados Unidos, e não encontramos um volume exacerbado de pesquisas que analisassem o público adolescente em específico. Consequentemente, é preciso que mais pesquisas sejam realizadas nessa área, a fim de analisarmos com mais precisão a situação a nível mundial. Além disso, não foram encontrados estudos no Brasil que abordassem esse tema, o que impede uma análise dessa problemática no país.

Conclui-se que os cigarros eletrônicos são um fator de risco para iniciação e perpetuação do tabagismo, não obstante, possui maior popularidade entre o público jovem – principalmente pelos seus aromas e sabores de frutas e menta – e anteriormente apresentava baixa incidência nessa população referente ao uso de cigarros por combustão. Sabe-se que o tabagismo acarreta diversos prejuízos funcionais e impacta negativamente na saúde do indivíduo. Isso posto, é imprescindível a implementação de políticas públicas que combatam a publicidade e a distribuição de sistemas libertadores de nicotina para os adolescentes.

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¹Emilly Araujo Souza Santos, acadêmica de Medicina da Faculdade Metropolitana de Rondônia. Lattes: https://lattes.cnpq.br/4744139582952225
²Lorena Garcia Custódio, acadêmica de Medicina da Faculdade Metropolitana de Rondônia. Lattes: https://lattes.cnpq.br/7583742187798055
³Nathália Rúbia Sousa Silva, acadêmica de Medicina da Faculdade Metropolitana de Rondônia. Lattes: https://lattes.cnpq.br/4737232532868338
⁴Luan Felipo Souza Botelho, professor do curso de Biomedicina do Centro Universitário Aparício Carvalho e do curso de Radiologia da Faculdade Metropolitana de Rondônia. Lattes: https://lattes.cnpq.br/6962661500834910