MEDIAÇÃO NA APRENDIZAGEM ESCOLAR EM FEUERSTEIN E VYGOTSKY: UM ESTUDO COMPARATIVO

 MEDIATION IN SCHOOL LEARNING IN FEUERSTEIN AND VYGOTSKY: A COMPARATIVE STUDY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7670377


Oliver Cassiano Martins de Oliveira1
Eliane da Costa Lima2


RESUMO: A proposta para o trabalho de conclusão de curso é a realização de um estudo que buscará, de forma comparativa, destacar algumas características presentes dentro de postulados que falam sobre o desenvolvimento e a aprendizagem mas de forma a focar na ideia de mediação, e com isso, buscar entender melhor como a mediação presente nessa relação é vista a partir dos conceitos de Zona de Desenvolvimento Proximal defendido por Vygotsky (2010) e a Experiência de Aprendizagem Mediada, defendida por Feuerstein (2002). As teorias em questão falam sobre a aprendizagem e a mediação presentes no processo de escolarização e envolvem as perspectivas mais aderidas no meio, que são a piagetiana e a histórico cultural. Embora tais perspectivas sejam fundamentalmente diferentes, essa revisão busca delinear alguns dos importantes elementos presentes em ambas as teorias que, embora diferentes, são complementares, e com isso, entender melhor os pontos relevantes acerca do processo ensino-aprendizagem a partir de tais perspectivas através de uma investigação comparativa que vai tentar apresentar elementos de aproximação e de afastamento em que os autores concordam sobre a questão do desenvolvimento e aprendizagem e realçar a diferença entre eles através do que eles discordam. A importância da mediação no processo de ensino e aprendizagem foi um elemento que se delineou como essencial e fundante na teoria de ambos os autores mencionados, apesar das especificidades qualitativas das teorias em questão.

Palavras-chave: Aprendizagem Escolar. Aprendizagem Mediada. Zona de Desenvolvimento Proximal.

ABSTRACT:  The proposal for the course conclusion work is to carry out a study that will seek, in a comparative way, to highlight some characteristics present within postulates that talk about development and learning but in order to focus on the idea of mediation, and with that , seek to better understand how the mediation present in this relationship is seen from the concepts of the Zone of Proximal Development defended by Vygotsky (2010) and the Mediated Learning Experience, defended by Feuerstein (2002). The theories in question talk about learning and mediation present in the schooling process and involve the perspectives most adhered to in the environment, which are Piagetian and cultural history. Although such perspectives are fundamentally different, this review seeks to outline some of the important elements present in both theories that, although different, are complementary, and with that, to better understand the relevant points about the teaching-learning process from such perspectives through a comparative investigation that will try to present elements of approximation and departure in which the authors agree on the issue of development and learning and to highlight the difference between them through what they disagree. The importance of mediation in the teaching and learning process was an element that was outlined as essential and foundational in the theory of both authors mentioned, despite the qualitative specificities of the theories in question.

Keywords: School Learning. Mediated Learning. Proximal Development Zone.

1.   INTRODUÇÃO

É bem verdade que a educação é um importante pilar da nossa sociedade e, nesse sentido, revisar e manter ativa a produção científica acerca dos temas relacionados aos processos de ensino e aprendizagem escolar é fundamental.

A psicologia, através de teóricos que postulam sobre a aprendizagem, a mediação e outros conceitos de educação, buscam entender e otimizar esse processo que, como mencionado, é importantíssimo para o desenvolvimento individual e sociocultural, isto é, para humanização do sujeito social. 

Para desenvolver a proposta do trabalho utilizamos a perspectiva de dois importantes teóricos. O primeiro deles, Reuven Feuerstein. Reuven é um Judeu Israelense natural da Romênia, nasceu no ano de 1921 e morreu em 2014, sendo assim um teórico contemporâneo. Reuven Feuerstein era um piagetiano, ou seja, partia principalmente dos postulados de Jean Piaget que é um importante teórico no que envolve as bases e teorias acerca do desenvolvimento e da aprendizagem.

Outro autor utilizado foi Lev Vygotsky, um importante teórico que propôs a psicologia histórica cultural. Vygotsky é natural da Bielorrússia, nasceu no ano de 1896 e morreu em 1934, cabendo pontuar que sua produção teórica foi contemporânea à de Piaget, e, portanto, anterior à produção de Feuerstein. 

Neste contexto, o estudo realizado buscou desvelar algumas características envolvidas no processo escolar de mediação e de aprendizagem com base em contribuições dos autores Vygotsky e Feuerstein, para tanto foi realizada de uma pesquisa bibliográfica, a qual é caracterizada como:

(…) aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos e teses etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos estudos analíticos constantes dos textos (SEVERINO, 2007, p. 62).

O material utilizado para a pesquisa está presente digitalmente, sendo livros em formato pdf ou artigos presentes em periódicos indexados nas plataformas Pepsic e Scielo encontrados através do google acadêmico. O autor Gil (2002) coloca que a principal vantagem desse tipo de pesquisa, a bibliográfica, é que ela permite que adentramos em uma área que até então se mostrava inacessível, mas que por conta da riqueza de matéria podemos nos arriscar a pesquisar mais amplamente sendo mais acessível. A pesquisa dos teóricos vai fazer uma comparação para que possamos entender elementos que mesmo em abordagens distintas aparecem.

Caixa de TextoVisando apresentar os resultados obtidos por intermédio da efetivação da pesquisa, o presente artigo foi organizado em três seções específicas, a saber: em primeiro lugar, desenvolve-se sucintamente o terreno teórico em que surgem os pressupostos que discutem e delimitam a relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Posteriormente, explica-se brevemente os conceitos teóricos de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) e de Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM). Encerrando de forma a tecer considerações que relacionam ambos os conceitos abordados. 

2.   TERRENO TEÓRICO

O texto: “Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar”, de Vygotsky vai nos apresentar o terreno teórico no qual surgem os conceitos de: Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM), e o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), bem como as ideias até então vigentes, enxergavam a questão envolvendo o desenvolvimento e o ensino-aprendizagem na idade escolar.

Para entender então, este tal terreno teórico, iniciamos buscando esclarecer os pressupostos de Vygotsky quanto a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, por intermédio da apresentação de sua pesquisa histórica.  Vygotsky (2010) começa propondo uma busca por uma definição clara dos principais conceitos referente às teorias mais importantes que dizem respeito a essa relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Essas teorias foram agrupadas em três categorias, que apresentam três tipos de solução para a compreensão da aprendizagem e do desenvolvimento intelectual na idade escolar.

Vygotsky (2010) fala sobre essa revolução historicamente presente acerca do entendimento envolvendo a aprendizagem e desenvolvimento de modo que agora os fatores externos e internos se relacionam e interdependem, diferente das ideias que vigoravam, as quais serão apresentadas sucintamente a seguir através da abordagem das críticas tecidas por Vygotsky aos pressupostos de Jean Piaget, William James e Kurt Kofka no que se refere o entendimento do desenvolvimento e aprendizagem

A primeira categoria, que se refere às ideias de Piaget, envolve uma forma de pensamento que, que colocava os elementos relacionados à questão do desenvolvimento e aprendizagem como separados e predefinidos, sendo seu desenvolvimento diretamente vinculado ao processo de maturação: “O primeiro tipo de soluções propostas parte do pressuposto da independência do processo de desenvolvimento e do processo de aprendizagem.” (VYGOTSKY, 2010, p. 103).

Vygotsky (2010) critica a lógica que até então era presente na realidade escolar, onde era desprezado em seu modelo de funcionamento o entendimento acerca da relação entre desenvolvimento e meio ambiente, estímulos externos e experiências.

Uma crítica feita por Vygotsky (2010) a essa primeira categoria trata diretamente do método utilizado para demonstrar seu entendimento. A crítica é desenvolvida a partir do exemplo de quando se utilizando da perspectiva mencionada, pergunta-se para uma criança o porquê de o sol não cair. O que segundo os argumentos de Vygotsky é a prova cabal de que a experiência pouco importa nesse método.

Um exemplo típico que ilustra os aspectos positivos e negativos desse método são as perguntas utilizadas por Piaget nas entrevistas clínicas com as crianças. Quando se pergunta a uma criança de cinco anos por que o sol não cai, não só é evidente que ela não pode conhecer a resposta certa, ou seria um gênio, mas também que não poderia imaginar uma resposta que se aproximasse da correta. Na realidade, a finalidade de perguntas tão inacessíveis é precisamente excluir a possibilidade de se recorrer a experiências ou conhecimentos precedentes, ou seja, a de obrigar o espírito da criança a trabalhar sobre problemas completamente novos e inacessíveis, para poder estudar as tendências do seu pensamento de uma forma pura, absolutamente independente dos seus conhecimentos, da sua experiência e da sua cultura (VYGOTSKY, 2010, p. 104).

A crítica de Vygotsky (2010) a essa primeira categoria fala principalmente a partir da perspectiva de que esse entendimento de o desenvolvimento seguir a maturação, ser prejudicial para a aprendizagem.

Essa primeira categoria dentro das teorias até então vigentes é caracterizada por esse pensamento, que busca demonstrar o movimento de independência entre maturação e desenvolvimento que fora condensado por Vygotsky, como vemos a seguir:

O desenvolvimento deve atingir uma determinada etapa, com a consequente maturação de determinadas funções, antes de a escola fazer a criança adquirir determinados conhecimentos e hábitos. O curso do desenvolvimento precede sempre o da aprendizagem. A aprendizagem segue sempre o desenvolvimento. Semelhante concepção não permite sequer colocar o problema do papel que podem desempenhar, no desenvolvimento, a aprendizagem e a maturação das funções ativadas no curso da aprendizagem. O desenvolvimento e a maturação destas funções representam um pressuposto e não um resultado da aprendizagem. A aprendizagem é uma superestrutura do desenvolvimento, e essencialmente não existem intercâmbios entre os dois momentos (VYGOTSKY, 2010, p. 104).

A segunda categoria, que se refere às ideias de William (apud VYGOTSKY, 2010) é contrária à anterior, mas ainda sim tem semelhanças fundamentais. Esse tipo de solução entendia a questão da educação como um conjunto de hábitos aprendidos e estabelecidos, deixando de lado também a forma como esse sujeito se relacionou com as experiências que estabeleceram os hábitos em questão. Vygotsky (2010) coloca que para esta forma de pensamento, o indivíduo é formado apenas por hábitos:

Segundo James, “a educação pode ser definida como a organização de hábitos de comportamento e de inclinações para a ação”. Também o desenvolvimento vê-se reduzido a uma simples acumulação de reações. Toda reação adquirida — diz James — é quase sempre uma forma mais completa da reação inata que determinado objeto tendia inicialmente a suscitar, ou então é um substituto desta reação inata. Segundo James, este é um princípio em que se baseiam todos os processos de aquisição, ou seja, de desenvolvimento, e que orienta toda a atividade do docente (VYGOTSKY, 2010, p. 105).

Vygotsky (2010) desenvolve uma reflexão onde compara as duas categorias apresentadas, demonstrando que embora ambas as categorias teóricas consideradas concebem o desenvolvimento como o resultado de respostas inatas, as mesmas divergem ao tratarem da relação temporal entre aprendizagem e desenvolvimento. Em outras palavras, para a primeira categoria o desenvolvimento precede a aprendizagem, enquanto que para a segunda, tais processos são coincidentes, ou seja, ocorrem de forma simultânea. Para esclarecer tais aspectos, Vygotsky afirma que:

Apesar das numerosas semelhanças entre esta teoria e a precedente, há uma diferença essencial que diz respeito às relações temporais entre o processo de aprendizagem e o de desenvolvimento. Como vimos, os adeptos da primeira teoria afirmam que o curso de desenvolvimento precede o da aprendizagem, que a maturação precede a aprendizagem, que o processo educativo pode apenas limitar-se a seguir a formação mental. A segunda teoria considera, em contrapartida, que existe um desenvolvimento paralelo dos dois processos, de modo que a cada etapa da aprendizagem corresponde uma etapa do desenvolvimento (VYGOTSKY, 2010, p. 105).

Considerando a metáfora usada para explicar a coincidência entre aprendizagem e desenvolvimento, a saber: “O desenvolvimento está para a aprendizagem como a sombra para o objeto que a projeta”, Vygotsky (2010) concluí que, “[…] está comparação não é exata, porque esta segunda teoria parte de uma total identificação entre desenvolvimento e aprendizagem e, portanto, levada ao extremo, não os diferencia absolutamente”. Ainda nesta perspectiva, Vygotsky (2010) destaca que tendo em vista os pressupostos da segunda categoria não cabe discutir a precedência de um processo sobre o outro, uma vez que essa categoria de análise concebe o desenvolvimento e a aprendizagem como acontecendo juntos e de forma relacionada, isto é, “O seu princípio fundamental é a simultaneidade, a sincronização entre os dois processos” (VYGOTSKY, 2010, p. 105).

O terceiro grupo de teorias apontado por Vygotsky (2010) é defendido por Kofka e envolve uma visão que enxergava a questão de forma dualista e envolviam um pensamento que buscava conciliar os pressupostos da primeira e segunda categoria. A partir deste ponto de vista concebiam o desenvolvimento como um produto da interação de dois processos fundamentais que se estimulam reciprocamente: o processo de maturação e o processo de aprendizagem. Neste contexto, 

[…] o desenvolvimento mental da criança caracteriza-se por dois processos que, embora conexos, são de natureza diferente e condicionam-se reciprocamente. Por um lado, está a maturação, que depende diretamente do desenvolvimento do sistema nervoso, e por outro a aprendizagem que, segundo Koffka, é, em si mesma, o processo de desenvolvimento (VYGOTSKY, 2010, p. 106).

Essas ideias presentes na terceira categoria de soluções basicamente postulam que as faculdades e conhecimentos estão ligados e são interdependentes, dessa forma melhorar algo ajuda no processo de se tornar melhor de forma que esse algo que foi melhorado permite o melhorar de outros elementos: “As faculdades intelectuais atuaram independentemente da matéria sobre a qual operam, e o desenvolvimento de uma destas faculdades levaria necessariamente ao desenvolvimento das outras” (VYGOTSKY, 2010, p. 107).

Conforme Vygotsky (2010) coloca, o desenvolvimento teórico acerca das críticas a esta terceira forma de solução aparecem aos montes, uma dessas críticas feita por Thorndike (apud VYGOTSKY, 2010) refere se a superficialidade das chamadas faculdades e a inter-relação que elas têm entre si.

[…] O desenvolvimento de uma faculdade particular raramente origina um análogo desenvolvimento das outras. Um exame mais profundo demonstra — afirma — que a especialização das capacidades é maior do que parece à primeira vista. Por exemplo, se entre uma centena de indivíduos se escolher dez especialmente hábeis em reconhecer erros ortográficos ou na avaliação de um comprimento, esses dez não demonstram análoga aptidão para avaliar corretamente o peso de um objeto. Tampouco a velocidade e a precisão ao se fazer somas são acompanhadas por uma velocidade e uma precisão análogas, quando se trata de achar os contrários de determinada série de vocábulos (VYGOTSKY, 2010, p. 108).

O raciocínio e material que fala da interdependência de certos aspectos acerca da cognição são o grande contraponto a esse tipo de solução. Dessa forma parece então haver sim a relação entre alguns elementos ou aspectos cognitivos, mas essa relação não é genérica e depende de certas semelhanças e ou aspectos em comum, a tarefa do docente conforme Vygotsky (2010) é desenvolver os vários tipos de pensar.

A proposta de Vygotsky (2010, p. 109) é a seguinte: já que essas teorias que formam o entendimento envolvendo essa questão do desenvolvimento e aprendizagem na idade escolar são tão diferentes, vamos deixá-las de lado e conforme as conclusões tiradas a partir do material levantado, entender a questão a partir do seguinte princípio:” […] a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar.”

Dessa forma, o aprendizado pré-escolar tem total influência no aprendizado escolar, mas não é individualmente suficiente, esses campos se interdependem o que não exclui a possibilidade de os diferentes processos em questão seguirem caminhos diferentes.

 A tarefa do docente consiste em desenvolver não uma única capacidade de pensar, mas muitas capacidades particulares de pensar em campos diferentes; não em reforçar a nossa capacidade geral de prestar atenção, mas em desenvolver diferentes faculdades de concentrar a atenção sobre diferentes matérias (VYGOTSKY 2010, p. 108).

Embora um pouco do que envolve a terceira categoria volta seu olhar para a questão da aprendizagem pré escolar o autor Vygotsky (2010) nos ajuda a compreender uma certa superficialidade nas proposições que falam sobre essa fase pré escolar de modo a sempre recorrer a elementos cognitivos que se envolvem com a aprendizagem situados na fase pré escolar do desenvolvimento, desse modo, não conseguindo expor os tais elementos que se desenvolvem ou que surgem com o adentrar na escola por parte da criança.

Os argumentos de pesquisadores como Stumpf e Koffka, que pretendem eliminar o salto entre a aprendizagem na escola e a aprendizagem na idade pré-escolar, parecem-nos extremamente convincentes. Pode demonstrar-se facilmente que a aprendizagem não começa na idade escolar. Koffka, ao explicar ao docente as leis de aprendizagem infantil e a sua relação com o desenvolvimento psicointelectual da criança, concentra toda a sua atenção nos processos mais simples e primitivos de aprendizagem que aparecem precisamente na idade pré-escolar. Mas ainda que salienta a semelhança entre aprendizagem escolar e pré-escolar, não consegue identificar as diferenças existentes nem distinguir o que é especialmente novo na aprendizagem escolar; tem tendência, na sequência de Stumpf, para considerar que a única diferença entre os dois processos reside no fato de que o primeiro não é sistemático, enquanto o segundo é uma aprendizagem sistemática por parte da criança (VYGOTSKY, 2010, p.110).

Com isso, o autor Vygotsky (2010) nos ajudou a entender esse que era o terreno teórico acerca da aprendizagem e desenvolvimento, terreno esse que vai florescer um novo ponto de vista proposto pelo autor.

2.1   ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL

Para conhecer o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) postulado por Vygotsky iremos trazer definições do conceito, a que ele se refere, destacando a importância do mesmo dentro do processo educativo de ensino aprendizagem.

A ZDP segundo Vygotsky (1984) pode ser definida como a distância presente entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, ou seja, está entre o que já se sabe fazer e o que se tem potencial para ser feito.

Para Vygotsky (1984) o nível de desenvolvimento real é caracterizado pelo que se sabe, ou seja, aquilo que pode ser feito sozinho, enquanto que o nível potencial está relacionado ao que poderá ser feito a partir de uma mediação adequada. Dessa forma, mesmo o que não se pode fazer atualmente, mas que existe potencial para ser feito é entendido enquanto dentro de suas possibilidades.

Vygotsky (1984) coloca que a ZDP é então a zona de atuação que o mediador deverá trabalhar para que o mediador se desenvolva de modo que poderá realizar atividades que estão no nível potencial. Por exemplo: alguém que conhece as letras e seus sons poderá tentar escrever uma palavra, porém não necessariamente irá conseguir, é necessária uma mediação para que o nível real que aqui é exemplificado pela habilidade de escrever as letras e conhecer seus sons, possa se transformar no nível potencial que envolve palavras compostas pelas mesmas letras e sons, mas que provavelmente necessitam ser mediadas por alguém que detêm o conhecimento acerca daquela habilidade de escrita.

Dessa forma, a ZDP é onde estão presentes as realidades do mediado, de forma que as possibilidades potenciais se encontram ainda em processo de desenvolvimento. Entendemos, portanto, que o conceito de zona de desenvolvimento proximal se refere a um espaço de atuação que o mediador atua para desenvolver as capacidades presentes na ZDP de modo a tornar o que estava no nível potencial em capacidades do nível real.

Esse postulado integra de maneira fundamental o desenvolvimento e a aprendizagem de forma polimorfa em contraponto às críticas citadas nas categorias de solução para a questão envolvendo o desenvolvimento e a aprendizagem citados acima.

2.2 EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM MEDIADA

A Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM) surge então a partir desse terreno, mais precisamente do que se refere à primeira categoria de soluções para a questão que envolve o desenvolvimento e aprendizagem. Reuven Feuerstein era um conhecido Piagetiano e que não tinha ligação com o autor até então utilizado que foi Vygotsky, entretanto como veremos a seguir, suas ideias se relacionam muito com o que foi destacado de Vygotsky e são justamente essas ideias que veremos agora.

A EAM, conforme Teles (2019), é um processo que envolve uma pessoa como um tipo de professor que apresenta o objeto para o indivíduo, diferente de uma relação direta entre indivíduo e objeto.

A EAM é o processo pelo qual a aprendizagem acontece a partir do posicionamento de outro ser humano, que se coloca entre o sujeito e o objeto de conhecimento, selecionando, interpretando e ampliando os objetos. Difere da aprendizagem pela qual o aprendiz interage diretamente com o objeto de conhecimento, sem necessariamente ter um mediador, na figura de um ser humano, voltado para a mediação (TELES, 2019, p. 4).

Surge assim a Modificabilidade Estrutural (MCE) que é uma teoria da modificabilidade estrutural, essa teoria diz que nossas capacidades cognitivas envolvem adaptação através de uma plasticidade, flexibilidade do nosso cérebro que permite aprendermos conforme o passar das experiências (TELES, 2019).

O autor não estava falando de modificação apenas, pois todos os seres humanos, independentemente de mediação ou não, modificam-se, seja no plano físico, psicológico, emocional e / ou social. Ele estava falando de modificabilidade. No seu entendimento, primeiro trata-se do desenvolvimento físico, depois ao processo em que o sujeito modifica sua estrutura mental, ou seja, sua maneira de pensar e entender algo a partir de um novo conhecimento adquirido (TELES, 2019, p. 4-5).

Conforme Teles (2019) é justamente nessa percepção da flexibilidade, da plasticidade e da capacidade de se moldar que a MCE é baseada. Cabendo destacar que por intermédio da MCE enxergamos o indivíduo como um ser com capacidade para aprender já que as estruturas cognitivas dele têm essa característica. Porém, existe um problema que Feuerstein veio chamar de “privação cultural”. Essa privação cultural, conforme Teles (2019), vem justamente da incapacidade de integrar os novos acontecimentos que vão se dando na realidade, ignorando o potencial das citadas características pertencentes as nossas estruturas de modo a ficar preso numa literalidade de conhecimento ou cultura.

A privação cultural nada mais é do que a falta da apropriação da própria cultura. É uma síndrome na qual o indivíduo tem relegado o pleno contato com o seu meio, seu convívio social, ficando à margem de tudo ou de quase tudo que se produziu ao longo dos tempos em seu próprio ambiente e em sua volta (TELES, 2019, p. 5).

Desse modo como Teles (2019) nos aponta, para Feuerstein o segredo da aprendizagem está na mediação, na passagem de conhecimento feita através de um “professor” que detinha o saber.

A mediação aqui envolve esse ato de ensinar, mediar um conhecimento, porém, tal como Teles (2019) nos aponta, para Feuerstein existem fatores que compõem essa mediação, para isso Feuerstein utiliza alguns critérios como: intencionalidade e reciprocidade, transcendência e significado. A intencionalidade entendemos como: “A intencionalidade é toda ação que o mediador faça a fim de conquistar a aprendizagem do mediado, isto é, daquele que está aprendendo” (FRANCK & NICHELE, 2012 apud TELES, 2019, p. 7). A reciprocidade é diferente e fala de uma relação como podemos ver: “Já a reciprocidade diz respeito a conquistar a confiança e o interesse do mediador o mediador e na mediação” (FRANCK & NICHELE, 2012 apud TELES, 2019, p. 7). Por fim a transcendência que permite ir além, como citado em: “A transcendência ocorre, segundo Battistuzzo (2009) apud Souza, Depresbiteris e Machado (2004) “[…] quando o mediado vai além daqui e agora.” (TELES 2019, p. 8).

É através dessas características que a mediação se torna possível e efetiva, tendo início, meio e fim de modo que conforme Teles (2019) aponta, Feuerstein acreditava que através dessa mediação seria possível ensinar qualquer coisa para um indivíduo proporcionando assim uma experiência de aprendizagem mediada. 

3.    DISCUSSÃO DOS DADOS 

3.1 RELACIONANDO AS TEORIAS

Por fim, vamos a uma comparação entre aspectos presentes nas teorias levantadas e com a ajuda dos autores Salami e Fanfa (2011) através do texto: “Interfaces”, apresentar comentários relevantes que trarão à tona aspectos significativos de ambas as teorias.

A abordagem de Salami e Fanfa (2011) nos ajuda a refletir sobre esse campo da educação e das práticas psicopedagógicas, e a necessidade de eles envolverem as dimensões afetivo emocionais, socioculturais, éticas e morais da dimensão cognitiva.

O texto observa los postulados de Vygotsky e de Feuerstein destacando pontos de concordância entre os postulados dos autores, esse material nos ajuda a pensar na importância da intervenção do Psicólogo que dentro da escola objetiva potencializar e mobilizar os envolvidos na educação para que eles possam ter autonomia no movimento de educação.

Os profissionais capacitados para desenvolvimento da aprendizagem, seja professor ou psicopedagogo, no uso da ação mediadora possibilitam a otimização da aprendizagem e a mobilização dos envolvidos que permite autonomia no processo de constituição. Um ponto importante é sem dúvidas a mediação. Feuerstein que foi aluno do importante teórico Jean Piaget articula teoria e prática para fundamentar essa mediação.

Quando Feuerstein menciona essa ação psicopedagógica ele está falando de dois programas de avaliação e intervenção psicopedagógicas desenvolvidos por ele. Que são os seguintes: “[…] a Avaliação Dinâmica do Potencial de Aprendizagem (Tradução para o português do inglês Learning Potential Assessment Device – LPAD)”; e o segundo “[…] o Programa de Enriquecimento Instrumental, cuja formulação no inglês é Instrumental Enrichment Program (PEI)”. Assim, o LPAD busca avaliar as funções cognitivas que estão deficientes para tentar entender de certa forma o potencial de aprendizagem e o nível de mediação necessária para provocar essa mudança proposta na cognição dos envolvidos (SALAMI & FANFA, 2011, p. 78).

O PEI por sua vez, conforme Salami e Fanfa (2011) serve para pessoas com ou sem defasagem, ele busca suprir a carência de experiência mediada e com isso superar os efeitos negativos advindos disso. A união dessas técnicas como Salami e Fanfa (2011) apontam permitem que a criança ou adulto consiga de forma progressiva desenvolver áreas estratégicas do pensar que possibilitam essa reorganização ou interação aos vários processos e novas formas de pensar, refletindo diretamente nos seus processos individuais e constituição.

Os postulados do autor Vygotsky começam a despontar segundo Salami e Fanfa (2011) no contexto brasileiro a partir da década de 90, de modo que a partir dessa década pode-se notar um enorme crescimento nas produções científicas brasileiras usando como principal referencial teórico o Vygotsky. Salami e Fanfa (2011) colocam que essa teoria da modificabilidade cognitiva estrutural mencionada acima, que é teoria do Feuerstein, não fica atrás e também vem se tornando cada vez mais conhecida.

Salami e Fanfa (2011) nos ajudam a entender que Vygotsky acreditava que a relação do homem com o mundo não era uma simples relação estímulo-resposta, ele postulava que essa relação ocorre de forma mediada, por signos, ferramentas, linguagem e outras pessoas. Essa interação social é fundamental para entender a proposta de Vygotsky, já que as funções psicológicas superiores dependem muitas vezes de ferramentas, signos e a linguagem que são adquiridas a partir de um mediador.

Os indivíduos que estão envolvidos nesse processo, se constituem, e se reconstituem conforme vão mediando e sendo mediados, Salami e Fanfa (2011, p. 78) colocam que: “Nesse sentido, ganha tônica a qualidade e a adequação das relações interpessoais como facilitadoras para a construção da pessoalidade e da Interpessoalidade.” Se desenvolvendo a partir do relacionar-se que é fundamental nesse movimento de mediação e aprendizagem. Salami e Fanfa (2011) colocam que para Vygotsky a aprendizagem da criança ocorre antes da escola e, portanto, considerar uma pré-história da aprendizagem é fundamental.

Embora Vygotsky considere a escola um local privilegiado de construção do saber e organização de material científico, se o professor não promover significado de nada adianta. Salami e Fanfa (2011) colocam que a capacidade de atribuir significado à aprendizagem também pode ser desenvolvida e esse movimento se inicia a partir dessa pré-história, na família: “A capacidade de atribuir valor à aprendizagem também é uma construção na vida da pessoa. Esse processo inicia-se na família e estende-se para a escola, espaço privilegiado para a construção de novos saberes” (SALAMI & FANFA, 2011, p. 79).

Falando nesse sentido, no que confere esse fundamento da mediação, interesse e relação social, as teorias do Vygotsky e de Feuerstein se aproximam, e podemos então com isso destacar essa mediação que atribui valor e estabelece vínculo enquanto ponto de conversão entre os postulados.

Salami e Fanfa (2011) colocam que o autor Feuerstein chega a essa lógica da mediação através do seu conceito: experiência de aprendizagem mediada, e que existem dois modos do sujeito se desenvolver cognitivamente. A primeira forma é com uma interação direta, homem e objeto, e a segunda forma é de maneira mediada, EAM. Essa experiência de aprendizagem mediada é uma forma de direcionar o conhecimento acerca de algo, organiza a mediação de forma intencional, normalmente envolve professores, cuidadores, psicopedagogos, e estimula a autonomia cognitiva.

Entretanto, não é toda interação que caracteriza essa EAM, para isso existem critérios e Feuerstein (1980) separa em duas categorias esses critérios, a primeira são os critérios universais e a segunda critérios particulares. Conforme Salami e Fanfa (2011), os critérios universais estão presentes em toda mediação, e os particulares dizem respeito a uma mediação específica que atende uma determinada demanda.

3.2 ENTENDENDO AS DIFERENÇAS

A diferença entre os autores e as ideias envolve, a ênfase que para Feuerstein, no que envolve a mediação parece estar na pessoa, enquanto para o Vygotsky está nos signos /linguagem dentro da mediação.

Desse modo Salami e Fanfa (2011) colocam como fundamentais para pensar a mediação nos processos de ensino aprendizagem, as discussões de dois conceitos são eles: Potencial de aprendizagem (PA) (Feuerstein) e de Zona de Desenvolvimento Proximal (Vygotsky) que pincelam em nossa leitura.

Conforme Salami e Fanfa (2011) apontam esse primeiro conceito do Feuerstein PA -está diretamente relacionado ao potencial que o indivíduo tem mesmo que atualmente sua capacidade esteja limitada, ou seja, esse conceito postula que através das experiências o sujeito pode “desvelar” suas potencialidades através dessa mediação.

No segundo conceito, ZDP de Vygotsky é colocado que o desenvolvimento será coerente com as experiências e mediações que tiver. Esses postulados, trazem pensamentos que levam em conta a importância de aspectos antecedentes e futuros na avaliação do desenvolvimento infantil. Saber os interesses da criança na mediação também é um importante aspecto que podemos tirar como insight.

O primitivismo cultural colocado por Vygotsky segundo Salami e Fanfa (2011) diferente de debilidades mentais que tem uma causa orgânica ou física, vem de uma causa social, uma defasagem que não permitiu o indivíduo adquirir a linguagem ou signos, por exemplo.

Todos esses conceitos e colocações compilados no trabalho tiveram como objetivo trazer à tona reflexões e servir de acesso às ideias em questão por parte de qualquer um que esteja interessado em aprender sobre esse belo movimento que envolve o desenvolvimento e o ensino aprendizagem.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A EAM está então nos falando sobre uma experiência de mediação no qual as potencialidades do indivíduo podem ser desenvolvidas. O segundo postulado, ZDP é um campo onde ocorre essa mediação, e é colocado que o desenvolvimento será coerente com as experiências e mediações que tiver. A mediação é um ponto de concordância entre os autores, embora Feuerstein veja a EAM como uma possibilidade pedagógica enquanto Vygotsky como uma necessidade. Esses postulados, trazem pensamentos que levam em conta a importância de aspectos antecedentes e futuros na avaliação do desenvolvimento infantil. Saber os interesses da criança na mediação também é um importante aspecto que podemos tirar como aprendizado.

Todos esses conceitos e colocações compilados no trabalho tiveram como objetivo trazer à tona reflexões e servir de acesso às teorias em questão por parte de qualquer um que esteja interessado em conhecer superficialmente e aprender um pouco sobre esse movimento de ensino aprendizagem.

De modo geral, tal como a tônica do conteúdo visto infere, as reflexões também são únicas, individuais, dependem do seu processo histórico e cultural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1Discente do curso de graduação em Psicologia – Bacharelado, do Centro Universitário UniFatecie. Email: oliver.c@outlook.com.br
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Docente orientadora, vinculada ao curso de graduação em Psicologia – Bacharelado, do Centro Universitário UniFatecie. Email: eliane.costa@fatecie.edu.br